O doente acaba acamado e totalmente dependente de terceiros.
A causa desta terrível doença parece estar numa proteína que pode provocar ínfimas alterações moleculares que acabam num processo de destruição dos neurónios: a proteína p25 que se acumula no cérebro, supõe-se. É uma química do esquecimento em que as memórias de curto prazo armazenadas no cérebro se desvanecem ainda mais rapidamente se houver uma lesão numa região que faz a ligação com o hipocampo; a zona ligada à aprendizagem e memorização é tornada inativa. Ora os cientistas americanos chegaram à conclusão que basta manipular uma proteína do cérebro da clássica Drosophila melanogaster para que este insecto consolide, com uma eficiência dez vezes superior, a sua memória permanente. Com base neste êxito sonham já entrar na bruma da memória perdida dos doentes Alzheimer.
Um gene, de nome creb é o responsável pela produção de duas formas de proteína ligada à memória: a repressora da memória e a ativadora. Esta última, quando fabricada em grande quantidade, acelera a formação da memória permanente e as duas proteínas atuam sobre o ADN como reguladoras da função de outros genes implicados na formação da memória. Elas são o sim e o não, mas, na minha modesta opinião, o terceiro excluído, talvez seja uma forma de dosear a composição que se estende ao longo do corredor “sim/não”, pois não entendo como conseguirão os investigadores fazer com que o cérebro só se lembre das coisas que valem a pena serem lembradas (e o que vale a pena para mim, valerá também a pena para outra pessoa?).
Desconheço o estado em que estão as investigações nos tempos atuais. Esta descrição atrás mencionada reporta-se aos anos noventa.
Especulando, e se o cérebro dos sábios idiotas produzir em excesso as tais proteínas ativadoras?, será que passarão a ser os sábios idiotas mais?
O objetivo final dos cientistas é talvez uma utopia: manipular [1] as proteínas humanas das pessoas que sofrem de doenças que destroem a memória, como a doença de Alzheimer, dando-lhes a possibilidade de recuperarem a memória perdida. Parece que há estudo atuais promissores.
Mas a utopia não é algo que se concretizará no futuro, infinitamente distante ou não?
Esta descoberta admirável que os cientistas americanos fizeram numa proteína do cérebro da mosca-vinagreira talvez que faça acordar os iluminados que querem abolir as longas viagens que se faziam, no meu tempo de menino e moço, pelos rios, afluentes das margens esquerda e direita, linhas de caminhos de ferro (com todas as estações e apeadeiros), datas da História, tabuada, etc, etc..., processos agora considerados traumatizantes para as crianças que nunca foram agredidas psicologicamente tanto como agora, não tomando em linha de conta as alterações climáticas, com as surpreendentes evoluções tecnológicas de efeitos imprevisíveis no futuro.
Mas a tabuada... Que coisa abominável!
Abaixo a tabuada que tanto cansa e traumatiza as pobres criancinhas! Um joguinho de computador, sim. Mil e muito mais, se for preciso, e aí tempos uma dependência tão terrível ou mais que as drogas ilícitas mais poderosas!
Oh!, senhores do Magalhães (2)! Que delícia!, negociatas à parte (está atento, Pinóquio, que um dia podes ir a "votos" na praça pública sobre a tua pessoa!), os reflexos desenvolvem-se muito com os joguinhos...
Epilepsia?... o que é isso?
Ouvi dizer que não tem nada a ver nos jovens com o uso excessivo dos jogos de computador.
Ou será que é precisamente o contrário?
Que vontade tenho de rebolar no chão a rir!
Não importa. Já me esqueci. Talvez seja melhor deixar as torturas do treino da memória e "preparar com consciência" os Alzheimer precoces, que os surdos das discotecas já cá estão e muito bem instalados. Quantos mais decibéis, melhor, não é? Não é? Julgava que sim.
«O quê? Não ouvi peva do que disseste. Esquece. É bué da fixe esta curtição dos martelos!»
Tudo isto acerca da memória permanente daquela mosquinha do vinagre, com que objetivo?
Fico a pensar, a pensar...
Ah!, já me lembrei. Que bom! Falta a história.
O Octávio e a Mariazinha eram meus alunos e, à parte isso, formavam um par harmonioso. Ambos casados e com filhos, mas não casados um com o outro. Eram dois alunos do curso noturno dos anos 80, ainda do tempo em que a memória permanente tinha espaço de manobra de forma a permitir aos alunos fixarem quatro ou cinco palavras do sumário da lição sem que fosse preciso repetir, palavra por palavra, como começa a acontecer agora. Nesse tempo remoto, a Matemática ainda se alicerçava no cálculo mental e os alunos traziam consigo restos daquele treino tão traumatizante, tão ingloriamente eficaz para atrasar a chegada da falta de memória.
Pois foi nessa época dos anos 80 que dei aulas de Matemática a esses dois alunos: o Octávio, porteiro de olhar perspicaz e femeeiro atávico, e a Mariazinha, ajudante de boticária com alguns anos de tarimba e toda cheia de sensualidade. Por acaso ficaram sentados lado a lado, se é que alguma coisa acontece por acaso. Ambos vinham cheios de boa vontade de acabarem o ano letivo na posse do almejado certificado de habilitações, tão importante para progredirem nas suas vidas profissionais.
Tiveram muito tempo para treinar o cálculo mental, uma forma de ginástica que no futuro deixaria de ser feita.
Está escrito e tem muita força. Mal ou bem, a máquina de calcular (3) liquidará o cálculo mental, que matará a memória, que vai abrir o caminho glorioso aos Alzheimer prematuros.
Porque fiz sempre cálculo mental, os esquecimentos que mencionei atrás são jocosos. Ponto final, parágrafo.
Lembro-me perfeitamente do Octávio e da Mariazinha que se conheceram acidentalmente por serem da mesma turma e que conheci, também acidentalmente, por terem sido meus alunos do curso noturno. Tive muito prazer em contribuir para a sua formação, nem que tenha sido só porque tinham a tabuada na ponta da língua, como era uso dizer-se.
Num futuro não muito longínquo a Matemática terá outros suportes. Os raciocínios serão mais puros. Já sem as redes protetoras e repousantes do cálculo mental, os resultados aparecerão inexoravelmente certos. Os alunos introduzirão os dados no computador e darão ordem para este perguntar aos seus circuitos que rotinas serão usadas. Em instantes têm o resultado.
Mas... resultado de quê?
«Anselmo... qual é a questão?»
«Isso gostava de saber, Tiago. Também não me lembro!»
Perguntaram ao professor, que procurou o enunciado num monte de folhas.
Qual delas?
(Um pouco de ficção não tem nada de mal. Faz de conta que também me esqueci. Estou a brincar. Sou doutra geração.)
Perante tal condicionante, faça-se luz. Sempre. Para que o sucesso seja de 100%, como o desejam os governantes que vigiam a oposição que está sempre a sabotar os circuitos elétricos ligados aos cálculos estatísticos do sucesso educativo.
Mas estava a falar do Octávio-porteiro e da Mariazinha-boticária, que se conheceram acidentalmente por serem da mesma turma, e que conheci, também, acidentalmente, por terem sido meus alunos, no tempo em que a Matemática não dependia, em última análise, dos sabotadores da corrente elétrica. Estes alunos tiveram a felicidade de aprender os segredos do cálculo mental, trabalhando nas profundezas secretas onde a memória permanente se expandira por mais uns megabytes, e também de contarem, um ao outro, segredos que a Matemática não abrangia. A esse respeito, não sei se o sentimento que nutriam um pelo outro era puro, ou apenas aproveitaram a monotonia das suas vidas para experimentarem novas sensações. Adultos que era, viveram o seu romance como puderam. Viveram eles e os colegas. A tal ponto, que conhecedores da realidade inibidora de cada um, não deixaram de os ajudar quando foi preciso. Como naquela noite em que o marido da Mariazinha surgiu desabridamente na escola com uma criança ao colo. Não sei bem o motivo, mas o certo é que os colegas "esconderam" o Octávio-porteiro das vistas do homem traído e só o trouxeram à luz da noite quando o perigo passou. O tempo correu e tudo voltou à normalidade. Afinal a relação entre os dois não passou de um simples escape às suas vidas rotineiras.
Tenho saudades desse tempo em que ainda
não adormecia de tédio, porque nas aulas sentia-se o pulsar do barulho saudável
do amaldiçoado cálculo mental pelos iluminados que considero os precursores do
aparecimento mais precoce da doença que Alois Alzheimer descreveu em 1906.
Nunca mais vi o Octávio-porteiro. Quanto à Mariazinha-boticária, via-a
durante mais algum quando visitava a farmácia onde trabalhava. Era uma mulher
interessante e o Octávio soube disso, em seu tempo, melhor do que ninguém.
Reconhecida por ter-lhe ensinado os segredos do cálculo mental, e também pela sorte de ter conhecido acidentalmente, insisto, para consolidação de memória futura, o Octávio-porteiro, seu insinuante companheiro de carteira e de vãos de escada, fazia-me sempre um razoável desconto nos medicamentos não comparticipados pela A.D.S.E., debaixo do meu olhar ansioso, não fosse ela usar a maldita máquina de calcular. Até que um dia deixei de a ver, pois saí de Lisboa para a cidade que foi a minha vila de ontem.
Reconhecida por ter-lhe ensinado os segredos do cálculo mental, e também pela sorte de ter conhecido acidentalmente, insisto, para consolidação de memória futura, o Octávio-porteiro, seu insinuante companheiro de carteira e de vãos de escada, fazia-me sempre um razoável desconto nos medicamentos não comparticipados pela A.D.S.E., debaixo do meu olhar ansioso, não fosse ela usar a maldita máquina de calcular. Até que um dia deixei de a ver, pois saí de Lisboa para a cidade que foi a minha vila de ontem.
Não se sabe, o que nos reserva o admirável mundo de amanhã, mas deposito uma confiança sem limites nestes dois companheiros e amantes doutros tempos e tenho quase a certeza que não morrerão com a maldita doença de Alois Alzheimer.
(1) A palavra
“manipular” causa-me calafrios!
(2) Referência aos nebulosos tempos "socráticos" e aos negócios com um ditador venezuelano.
(3) Profecia dos iluminados.
(3) Profecia dos iluminados.
