Algures, muito longe e ao mesmo tempo perto, encerrada numa torre de vidro, inexpugnável, vive uma mulher atormentada por um segredo que o seu coração guarda. O sorriso forçado espelha uma tranquilidade oca e não deixa penetrar nas suas defesas, últimos redutos para lá dos quais os neurónios sangram de tanto esconderem as memórias agrilhoadas pelo esquecimento. A sua vida é agora como um rio a engrossar a todo o momento o caudal do desespero e que já não tem leito que dê vazão a tanta desculpa para esconder a causa que provocou tão grande e e trágica inundação. Monstros reais ou imaginários vigiam-na, dia e noite, não vá ela um dia despertar. Desde que se refugiou na sua torre de vidro só vê monstros terríveis que a atormentam, causam-lhe um medo pavoroso, mas que fazem-na, inexplicavelmente, permanecer vulnerável a um ataque iminente.
Um dia, descobri-a por acaso. Entrei a medo nas salas desencantadas e virtuais dos chamados descasados, um mundo onde se refugia uma fauna inimaginável, e fui logo atraído pela sua voz tranquila, segura e também dominadora. Um mistério insondável de uma atração em que a razão não teve quota-parte. Consegui chamá-la para uma conversa a dois. Primeiro queria ver-me. Mas lá consegui finalmente que falássemos antes de me ver. Admirou-me a aparente abertura no diálogo. O assumir da solidão. A apologia da sua própria beleza. E era mesmo bela. As fotografias que me enviou falavam verdade. O rosto que vi através da cam também me convenceu e disse-lhe, mais que uma vez:
«Tu és bela!»
Até que me apaixonei. Mas ela refugiou-se na amizade e na ternura e até confessou que não sabia amar.
Mas amou-me! Porque, um dia, disse que sim. Só nesse dia.
Noutros tempos acreditou numa nova madrugada e deixou o sol brilhar, a esperança crescer, o sonho tomar conta da sua vida. Foi ele que apareceu. De repente. Como num sonho. Tal meteoro a riscar a atmosfera e a manter-se misteriosamente estável. Mas... grande engano!
«Julgava que me conhecia há uma semana.» Disseste uma vez na tela dos corações caídos..
Nunca explicou o sentido da frase. E ele também não soube como foi que aconteceu. Aconteceu e ficou de pedra e cal. Antes não ficasse.
Ela acreditou tanto nessa brusca órbita de acontecer, uma espécie de elixir mágico, que quase baixou as defesas. Até já via futuro no futuro longínquo das utopias e estava disposta a partir ao encontro desse futuro. Então, aconteceu. Foram apenas uns dias em que foi feliz, apesar do tal segredo adormecido que continuava a sua missão ignóbil de tortura, minando-lhe a razão. Mas alguma coisa surgiu que foi definitiva para tudo voltar ao mesmo.
Encerrou-se de novo na torre de vidro, altaneira, perdida nas nuvens, onde ninguém podia chegar e agora os seus neurónios sangravam e iam desistindo de viver, um a um.
«Julgava que me conhecia há uma semana.» Disseste uma vez na tela dos corações caídos..
Nunca explicou o sentido da frase. E ele também não soube como foi que aconteceu. Aconteceu e ficou de pedra e cal. Antes não ficasse.
Ela acreditou tanto nessa brusca órbita de acontecer, uma espécie de elixir mágico, que quase baixou as defesas. Até já via futuro no futuro longínquo das utopias e estava disposta a partir ao encontro desse futuro. Então, aconteceu. Foram apenas uns dias em que foi feliz, apesar do tal segredo adormecido que continuava a sua missão ignóbil de tortura, minando-lhe a razão. Mas alguma coisa surgiu que foi definitiva para tudo voltar ao mesmo.
Encerrou-se de novo na torre de vidro, altaneira, perdida nas nuvens, onde ninguém podia chegar e agora os seus neurónios sangravam e iam desistindo de viver, um a um.
No seu quarto existe agora uma cama vazia de amor, sem sinais de pétalas vermelhas. Apenas muito frio para a abraçar. Gelo a envolver o seu corpo quente que, por momentos, alimentou a paixão, quiçá o amor. Gelo com cem anos-luz de espessura, inquebrável, que ninguém vai conseguir destruir. Nele se deita. Nele se levanta. Quando a noite vai alta, adormece no aconchego da solidão e nem se lembra, ao acordar, dos sonhos que sonhou, dos pesadelos que teve, do imaginário que viveu antes de adormecer.
Levanta-se para o banho matinal e deixa-se ficar, adormecida, com a água a cair-lhe sobre o corpo nu que, em certos dias, não gosta de ver. Depois, envolve-se no roupão branco, enxuga o cabelo com uma toalha que prende à volta da cabeça. Toma o primeiro almoço, onde não falta o café da manhã, ao mesmo tempo quente e frio porque agora voltou a viver só. Antes que se ponha a pensar como foi que aconteceu, sai furtivamente da torre para um outro mundo imaginário onde se perde, se esconde, se engana com outra vida que o segredo guarda. Volta ao fim do dia, cansada, ansiando por um novo banho que lhe vai limpar o corpo e desanuviar a alma. Come uma ou duas peças de fruta, liga o computador e comunica com o mundo virtual das conversas instantâneas e coletivas, alienantes da realidade e fonte de alimentação do segredo que, cada vez mais, parece estar profundamente adormecido. Sente que a vida não tem sentido e faz questão de dizer que vive só, despertando a gula de possíveis intrusos que não chegam a aproximar-se por causa do tal gelo, mas que permitem que o segredo se alimente em círculo vicioso. A cama continua vazia e os banhos sucessivos que toma são a fuga inevitável quando se sente ameaçada. A janela aberta deixa entrar o sol e o luar, por vezes. Mas só por vezes. Logo se fecha quando sente que o sonho vai embora.
É assim o dia-a-dia desta mulher que vive só na sua torre de vidro. Escondida da realidade. Ela e o seu segredo adormecido. Uma mulher destruída que teima em não querer acordar. Uma mulher bela que não gosta de si. Que diz não saber amar, mas, quer queira quer não, já amou quando um dia disse que sim. Mas tinha cravado no peito um espinho doloroso que a fez adormecer de novo, quando nada o fazia prever, na continuação dum encantamento amaldiçoado, esquecido algures no passado.
É assim o dia-a-dia desta mulher que vive só na sua torre de vidro. Escondida da realidade. Ela e o seu segredo adormecido. Uma mulher destruída que teima em não querer acordar. Uma mulher bela que não gosta de si. Que diz não saber amar, mas, quer queira quer não, já amou quando um dia disse que sim. Mas tinha cravado no peito um espinho doloroso que a fez adormecer de novo, quando nada o fazia prever, na continuação dum encantamento amaldiçoado, esquecido algures no passado.
Um dia, descobri-a por acaso. Entrei a medo nas salas desencantadas e virtuais dos chamados descasados, um mundo onde se refugia uma fauna inimaginável, e fui logo atraído pela sua voz tranquila, segura e também dominadora. Um mistério insondável de uma atração em que a razão não teve quota-parte. Consegui chamá-la para uma conversa a dois. Primeiro queria ver-me. Mas lá consegui finalmente que falássemos antes de me ver. Admirou-me a aparente abertura no diálogo. O assumir da solidão. A apologia da sua própria beleza. E era mesmo bela. As fotografias que me enviou falavam verdade. O rosto que vi através da cam também me convenceu e disse-lhe, mais que uma vez:
«Tu és bela!»
Até que me apaixonei. Mas ela refugiou-se na amizade e na ternura e até confessou que não sabia amar.
Mas amou-me! Porque, um dia, disse que sim. Só nesse dia.
«Quero ser tua amiga. Só tua amiga. Tu és um homem bom.»
E em pouco tempo fizemo-nos amigos. Avançámos em confissões profundas. Mas nunca consegui que me falasse de amor, senão num certo dia de maio, mês de magia tão grande que até me fez sonhar uma vida a dois. Mas quando chegou junho, mesmo em cima do dia dos namorados no seu país, de repente mudou de opinião. Refugiou-se de novo na fria torre de vidro e nunca mais foi a mesma. Um ou outro "querido" em tom de despedida e o segredo a continuar guardado no seu coração amargurado. Estranha contradição. Quanto mais julgava que a conhecia e parecia estarmos mais perto um do outro, mais ela se afastava. Falou-me do outro. Da atração que sentira por ele.
E em pouco tempo fizemo-nos amigos. Avançámos em confissões profundas. Mas nunca consegui que me falasse de amor, senão num certo dia de maio, mês de magia tão grande que até me fez sonhar uma vida a dois. Mas quando chegou junho, mesmo em cima do dia dos namorados no seu país, de repente mudou de opinião. Refugiou-se de novo na fria torre de vidro e nunca mais foi a mesma. Um ou outro "querido" em tom de despedida e o segredo a continuar guardado no seu coração amargurado. Estranha contradição. Quanto mais julgava que a conhecia e parecia estarmos mais perto um do outro, mais ela se afastava. Falou-me do outro. Da atração que sentira por ele.
«Que tinha ele que eu não tenho?»
Sorriu, amargurada. Foi a resposta.
«Ele vai voltar?»
Voltou a não responder. Aquele mistério confundia-me.
«Não compreendo.»
Mais tarde a verdade viria à tona da água.
O virtual continuou a ser a fonte de alimentação da nossa amizade. Aí, sim, avançámos muito, a ponto das amigas dizerem que estava a trocar o real pelo virtual.
E o que era o real na sala dos descasados?
Acho que foi a minha primeira vitória porque o seu verdadeiro real não passava do nosso virtual em que aprendemos a estarmos bem perto um do outro. Mistérios insondáveis do virtual!
Não fui vencido por aquela mudança brusca. O que aconteceu de repente, também de repente podia passar. Pensei, pensei... até que descobri.
Porque não contornar aquela área do coração tomada pelo segredo e assentar praça numa outra onde o espaço para amar era infinito?
Seguiu-se um processo lento de reconquista, feito de altos e baixos. Subtilmente, sem que o seu consciente suspeitasse, um amor diferente foi ganhando raízes, crescendo até transbordar. Até que entrou em pânico e não quis assumir. Refugiou-se de novo na torre, embora espreitando cá para fora, à espera de sinais fortes. Reais. Onde eu tinha que estar presente. Eu sabia e aproximei-me da torre, ficando os dois a olhar um para o outro, tentando ler mutuamente sinais verdadeiros. Nova tentativa num estranho jogo de póquer fechado, a ver quem de nós fazia mais bluff.
«Não digas a ninguém...»
Mas esse não é o segredo. Não passou de um equívoco o jogo bluff. Agora, conheço o que nos mantém afastados, cada um no extremo da ponte, com o seu coração a bater acelerado, mas pelo outro que a levará à destruição.
Acho que foi a minha primeira vitória porque o seu verdadeiro real não passava do nosso virtual em que aprendemos a estarmos bem perto um do outro. Mistérios insondáveis do virtual!
Não fui vencido por aquela mudança brusca. O que aconteceu de repente, também de repente podia passar. Pensei, pensei... até que descobri.
Porque não contornar aquela área do coração tomada pelo segredo e assentar praça numa outra onde o espaço para amar era infinito?
Seguiu-se um processo lento de reconquista, feito de altos e baixos. Subtilmente, sem que o seu consciente suspeitasse, um amor diferente foi ganhando raízes, crescendo até transbordar. Até que entrou em pânico e não quis assumir. Refugiou-se de novo na torre, embora espreitando cá para fora, à espera de sinais fortes. Reais. Onde eu tinha que estar presente. Eu sabia e aproximei-me da torre, ficando os dois a olhar um para o outro, tentando ler mutuamente sinais verdadeiros. Nova tentativa num estranho jogo de póquer fechado, a ver quem de nós fazia mais bluff.
«Não digas a ninguém...»
Mas esse não é o segredo. Não passou de um equívoco o jogo bluff. Agora, conheço o que nos mantém afastados, cada um no extremo da ponte, com o seu coração a bater acelerado, mas pelo outro que a levará à destruição.
Ela estava diferente. Gostava de mim, mas não me amava.
«Um momento, amigo.»
«Vais tomar um banho retemperador? Deixa que te veja...»
«Não.»
«Então?»
«Adivinha.»
E adivinhei. O seu desejo era outro. Nunca mais abriu as defesas. Nunca mais se olhou ao espelho e se embelezou para mim. Quanto à torre de vidro, essa continua fechada, embora o sol e o luar entrem ainda pela janela. Lá dentro, a cama continua vazia e ela nunca mais vai sonhar que, um dia, vou atravessar a ponte para ir ao seu encontro.
Se esse milagre acontecesse, a solidão não teria mais espaço para se alimentar e o segredo adormecido nem sequer seria lembrado como segredo. Quanto ao outro, que afinal era o segredo, não voltou porque esteve sempre com ela.
«Como queres...?»
«Gostoso. Fresquinho.»
«E nós? Gostas de mim?»

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