Uma história para os leitores dos 11 aos 99 anos...
Contam os mais velhos que ele sonhava há muito com o mar alto, mas o receio de ser devorado pelos predadores implacáveis, mantinha-o perto da costa, junto aos rochedos que a maré-alta cobria. Além disso, julgava-se muito novo para tentar a aventura, dizer adeus aos rochedos costeiros e partir para a longa viagem dos seus sonhos. Mas não estava longe dos seus planos. O desejo, por vezes, emergia com mais força e dava-lhe mais um pouco de audácia. Não nascera para ficar agarrado às águas da plataforma que se aprofundava mar adentro. Queria ir para longe, conhecer outros habitats, outras vidas.
Sonhava enfrentar o perigo a todo o risco, embora sentisse aquele receio natural dos novatos inexperientes. Tinha que se vencer a si próprio, porque, naquela tenra idade, ele ainda era a personificação do medo. Acreditava, contudo, que o seu dia estava para chegar em breve. Até lá, continuaria a nadar nas águas costeiras, a ver o mesmo marasmo de sempre, salvo um ou outro predador a atacar, mais longe, os incautos que se aventuravam para tragar uma presa ao seu alcance dimensional.
E os dias foram passando. E também os meses. À medida que as engrenagens do tempo prosseguiam na sua sequência natural, sentia-se cada vez mais inquieto e era urgente tomar uma decisão.
Sonhava enfrentar o perigo a todo o risco, embora sentisse aquele receio natural dos novatos inexperientes. Tinha que se vencer a si próprio, porque, naquela tenra idade, ele ainda era a personificação do medo. Acreditava, contudo, que o seu dia estava para chegar em breve. Até lá, continuaria a nadar nas águas costeiras, a ver o mesmo marasmo de sempre, salvo um ou outro predador a atacar, mais longe, os incautos que se aventuravam para tragar uma presa ao seu alcance dimensional.
E os dias foram passando. E também os meses. À medida que as engrenagens do tempo prosseguiam na sua sequência natural, sentia-se cada vez mais inquieto e era urgente tomar uma decisão.
Assim, resolveu dar um primeiro passo, começando por evitar os companheiros habituais, temerosos sedentários como ele, e procurar os mais experientes que lhe contavam histórias inimagináveis dos mistérios do mar alto.
Foi mais um alento. Entusiasmou-se. Sedento de aventuras em novas águas, sentiu-se mais do que nunca aprisionado naquela zona restrita. Sofria por não poder aventurar-se mais para diante. Ao largo, dizia-se, um tubarão traiçoeiro vigiava constantemente o espaço limite, não permitindo a menor possibilidade de fuga ao incauto que se aventurasse para lá dos limites.
Fora criado num ambiente de proteção que o influenciava diretamente. Os mais velhos, conscientes do perigo, não o encorajavam. Diziam para ter paciência e esperar que ganhasse mais força e experiência. Mas ele pouco os ouvia e continuava a sonhar com o dia em que se libertaria de todos os medos. Queria soltar-se das amarras próprias da sua tenra idade, tornar-se independente, enfrentar o imprevisível, confrontar-se com o bem e o mal, fugir às armadilhas dos predadores, ultrapassar os seus próprios limites.
Mas como?, se era tão temeroso?
Um desejo perigoso que era necessário concretizar. Absolutamente necessário. Não sabia muito da vida. Sonhava desprender-se do sedentarismo protetor da costa, mas, ao mesmo tempo, sentia-se agarrado ao bem-estar e à segurança rotineira do dia-a-dia. Uma dualidade que era urgente resolver. Mas os seus pensamentos não bastavam. Queria mais. Sempre mais.
«Um dia, tomarei de assalto o meu destino porque quero conhecer novas águas, todas as águas onde há vida. Um dia, nadarei ao acaso, livre, até que seja velho e sábio, consciente que tive uma vida cheia.»
Que era preciso acontecer para que o seu sonho se realizasse e, quando chegasse a velho, tivesse já recebido o sopro importante da experiência?
Naquele dia os deuses do oceano estavam nervosos. Das profundezas vinham correntes fortes que revolviam a água salina, impelindo-a contra as rochedos. Depois, esta elevava-se e caía, de novo, sobre as rochas erodidas.
O mar, onde vivera toda a sua existência, tinha destas coisas. Por vezes zangava-se e mostrava as garras. Ele sabia que muitas vezes não contava com a sua complacência e punha-se de imediato a salvo. Mas naquele dia, mais temeroso do que nunca, sentiu-se em perigo. Debatia-se junto à costa com a força brutal da corrente que o empurrava para os rochedos onde se escondia o perigo. Tinha que encontrar mais forças para pode regressar em segurança. Mas em vão. Depressa todas as suas resistências estariam esgotadas. Restava-lhe deixar-se arrastar para as pedras negras, onde não sabia que a morte imperava, por detrás das fendas que se abriam, traiçoeiras. Julgou adivinhar que ia ficar prisioneiro, que podia ser capturado pelos monstros que as habitavam. Cada vez estava mais perto dos rochedos. Sentia medo, o mesmo medo que o obrigou a não se aventurar para além do limite que o próprio medo estabeleceu. Afinal já não ia ser arrastado para o mar alto. Lição única: o perigo estava em qualquer parte e podia surgir a todo e qualquer instante.
Teve sorte. Finalmente as águas ficaram calmas e ele agradeceu aos deuses por terem aplacado a fúria do mar, irado por um motivo que desconhecia. O mais importante é que estava são e salvo e deslocava-se para o seu meio acolhedor. A aventura ficava para mais tarde, depois de se recompor do susto.
Foi mais um alento. Entusiasmou-se. Sedento de aventuras em novas águas, sentiu-se mais do que nunca aprisionado naquela zona restrita. Sofria por não poder aventurar-se mais para diante. Ao largo, dizia-se, um tubarão traiçoeiro vigiava constantemente o espaço limite, não permitindo a menor possibilidade de fuga ao incauto que se aventurasse para lá dos limites.
Fora criado num ambiente de proteção que o influenciava diretamente. Os mais velhos, conscientes do perigo, não o encorajavam. Diziam para ter paciência e esperar que ganhasse mais força e experiência. Mas ele pouco os ouvia e continuava a sonhar com o dia em que se libertaria de todos os medos. Queria soltar-se das amarras próprias da sua tenra idade, tornar-se independente, enfrentar o imprevisível, confrontar-se com o bem e o mal, fugir às armadilhas dos predadores, ultrapassar os seus próprios limites.
Mas como?, se era tão temeroso?
Um desejo perigoso que era necessário concretizar. Absolutamente necessário. Não sabia muito da vida. Sonhava desprender-se do sedentarismo protetor da costa, mas, ao mesmo tempo, sentia-se agarrado ao bem-estar e à segurança rotineira do dia-a-dia. Uma dualidade que era urgente resolver. Mas os seus pensamentos não bastavam. Queria mais. Sempre mais.
«Um dia, tomarei de assalto o meu destino porque quero conhecer novas águas, todas as águas onde há vida. Um dia, nadarei ao acaso, livre, até que seja velho e sábio, consciente que tive uma vida cheia.»
Que era preciso acontecer para que o seu sonho se realizasse e, quando chegasse a velho, tivesse já recebido o sopro importante da experiência?
Naquele dia os deuses do oceano estavam nervosos. Das profundezas vinham correntes fortes que revolviam a água salina, impelindo-a contra as rochedos. Depois, esta elevava-se e caía, de novo, sobre as rochas erodidas.
O mar, onde vivera toda a sua existência, tinha destas coisas. Por vezes zangava-se e mostrava as garras. Ele sabia que muitas vezes não contava com a sua complacência e punha-se de imediato a salvo. Mas naquele dia, mais temeroso do que nunca, sentiu-se em perigo. Debatia-se junto à costa com a força brutal da corrente que o empurrava para os rochedos onde se escondia o perigo. Tinha que encontrar mais forças para pode regressar em segurança. Mas em vão. Depressa todas as suas resistências estariam esgotadas. Restava-lhe deixar-se arrastar para as pedras negras, onde não sabia que a morte imperava, por detrás das fendas que se abriam, traiçoeiras. Julgou adivinhar que ia ficar prisioneiro, que podia ser capturado pelos monstros que as habitavam. Cada vez estava mais perto dos rochedos. Sentia medo, o mesmo medo que o obrigou a não se aventurar para além do limite que o próprio medo estabeleceu. Afinal já não ia ser arrastado para o mar alto. Lição única: o perigo estava em qualquer parte e podia surgir a todo e qualquer instante.
Teve sorte. Finalmente as águas ficaram calmas e ele agradeceu aos deuses por terem aplacado a fúria do mar, irado por um motivo que desconhecia. O mais importante é que estava são e salvo e deslocava-se para o seu meio acolhedor. A aventura ficava para mais tarde, depois de se recompor do susto.
A maré baixa deixou ver o fundo arenoso, onde um ou outro nadador sedentário se deslocava até alguns metros adiante. Havia água bastante para os peixes minúsculos continuarem nas suas ondulações nervosas.
Quis o acaso que um acontecimento quase fatal para ele mudasse o rumo dos acontecimentos. Livre arbítrio ou destino, foi o "abre-te Sésamo" para o seu sonho se concretizar.
Sentia-se em segurança na maré baixa, embora estivesse limitado a uma superfície pouco razoável. Enfim, não se podia ter tudo!
«Que bom estar a salvo! Mas um dia vou conseguir...»
Não adivinhou que, entre os rochedos submersos, um polvo dava o seu habitual passeio gracioso, agitando os oito braços pegajosos, ao mesmo tempo poderosos. Como sempre, os olhos brilhavam de cobiça, na expectativa de encontrarem algum incauto que se aventurasse nos seus domínios. Continuou deslizando suavemente, mudando de cor conforme a conveniência, adaptando-se ao escuro ou ao claro do fundo. Ele sabia tornar-se silencioso e invisível aos sentidos das futuras vítimas. E depois? Depois, ai dos vencidos perante a presença de um invertebrado implacável e misteriosamente inteligente para a sua condição fisiológica.
Quis o acaso que um acontecimento quase fatal para ele mudasse o rumo dos acontecimentos. Livre arbítrio ou destino, foi o "abre-te Sésamo" para o seu sonho se concretizar.
Sentia-se em segurança na maré baixa, embora estivesse limitado a uma superfície pouco razoável. Enfim, não se podia ter tudo!
«Que bom estar a salvo! Mas um dia vou conseguir...»
Não adivinhou que, entre os rochedos submersos, um polvo dava o seu habitual passeio gracioso, agitando os oito braços pegajosos, ao mesmo tempo poderosos. Como sempre, os olhos brilhavam de cobiça, na expectativa de encontrarem algum incauto que se aventurasse nos seus domínios. Continuou deslizando suavemente, mudando de cor conforme a conveniência, adaptando-se ao escuro ou ao claro do fundo. Ele sabia tornar-se silencioso e invisível aos sentidos das futuras vítimas. E depois? Depois, ai dos vencidos perante a presença de um invertebrado implacável e misteriosamente inteligente para a sua condição fisiológica.
Aproveitou o fluxo da corrente e deixou-se levar, de olhos brilhantes e atentos. Era bem verdade ser o abutre do mar, ou o sujeito ruim que se escondia na sombra e lançava, de repente, os seus ataques mortíferos aos mais desprevenidos. Os mais velhos contavam muitas histórias de incautos que tinham sucumbido aos abraços traiçoeiros de semelhante criatura.
De repente, os olhos do polvo brilharam mais. Ficou imóvel e fez-se à cor do rochedo vizinho. Agora não era mais que um rochedo grotesco de pequenas dimensões. Só os olhos brilhavam de gula, antevendo uma boa refeição.
«Oh!, um polvo! E que grande ele é!»
Notou-lhe os olhos brilhantes de cobiça. Se não fosse o brilho, diria que era um rochedo.
O polvo esteve parado por momentos, expectante. Parecia pensar. Depois, recomeçou a deslocar-se. Cauteloso, seguiu-o, ao mesmo tempo que dava à cana comprida uma posição ideal. Notou algo de estranho na atitude do molusco. Por certo tinha uma presa como alvo. O seu deslizar suave e sub-reptício não o enganava. Já tinha observado muitos polvos e conhecia todas as suas manhas. Este não fugia das normas.
Não se enganou na avaliação que fez.
«Ele tem uma vitima...» Admitiu. «Onde está?»
Ah!, era mesmo! O infeliz ficara preso no rochedo em anel.
«Morre, maldito!»
Se fosse no mar alto, teria sido diferente. O pobre animal podia fugir ou ser capturado. Assim, numa armadilha, indefeso como estava...
Debruçou-se sobre a poça de água e agarrou-o, com cuidado. Saltou mais alguns rochedos adiante, lançou-o para longe e convenceu-se que a vítima indefesa já estava a salvo. Depois, ficou de braços abertos, como um deus, voltado para a imensidão oceânica. O sol refletia-se nas águas e tornava-as azuis, verdes, cinzentas.
Saltou outra vez de rochedo em rochedo, voltando para trás, ao ponto de partida, até junto do polvo. Contemplou-o demoradamente. A morte modificava a face das coisas. Aquilo tinha os olhos baços. Não era mais que uma massa cinzenta, informe, o que o fez sorrir. Boa aquisição. Mais um ou dois como aquele e ganhava o pão para si e para os seus.
Pegou na cana e recomeçou a sua faina.
Se não fosse a atitude do predador dos predadores, o pequeno peixe nunca teria ultrapassado os limites destinados aos não ambiciosos.
Já no mar alto, disse adeus aos companheiros sedentários do dia-a-dia e lançou-se à aventura com que sempre sonhara.
Os mais velhos não sabem das suas aventuras. Se ganhou experiência e foi para longe fazer a sua vida entre amigos e inimigos, ou se outro peixe o devorou de imediato e com ele morreu o sonho.
Não sabem porque nunca mais voltou...
De repente, os olhos do polvo brilharam mais. Ficou imóvel e fez-se à cor do rochedo vizinho. Agora não era mais que um rochedo grotesco de pequenas dimensões. Só os olhos brilhavam de gula, antevendo uma boa refeição.
«Oh!, um polvo! E que grande ele é!»
Notou-lhe os olhos brilhantes de cobiça. Se não fosse o brilho, diria que era um rochedo.
O polvo esteve parado por momentos, expectante. Parecia pensar. Depois, recomeçou a deslocar-se. Cauteloso, seguiu-o, ao mesmo tempo que dava à cana comprida uma posição ideal. Notou algo de estranho na atitude do molusco. Por certo tinha uma presa como alvo. O seu deslizar suave e sub-reptício não o enganava. Já tinha observado muitos polvos e conhecia todas as suas manhas. Este não fugia das normas.
Não se enganou na avaliação que fez.
«Ele tem uma vitima...» Admitiu. «Onde está?»
Ah!, era mesmo! O infeliz ficara preso no rochedo em anel.
«Morre, maldito!»
Se fosse no mar alto, teria sido diferente. O pobre animal podia fugir ou ser capturado. Assim, numa armadilha, indefeso como estava...
Debruçou-se sobre a poça de água e agarrou-o, com cuidado. Saltou mais alguns rochedos adiante, lançou-o para longe e convenceu-se que a vítima indefesa já estava a salvo. Depois, ficou de braços abertos, como um deus, voltado para a imensidão oceânica. O sol refletia-se nas águas e tornava-as azuis, verdes, cinzentas.
Saltou outra vez de rochedo em rochedo, voltando para trás, ao ponto de partida, até junto do polvo. Contemplou-o demoradamente. A morte modificava a face das coisas. Aquilo tinha os olhos baços. Não era mais que uma massa cinzenta, informe, o que o fez sorrir. Boa aquisição. Mais um ou dois como aquele e ganhava o pão para si e para os seus.
Pegou na cana e recomeçou a sua faina.
Se não fosse a atitude do predador dos predadores, o pequeno peixe nunca teria ultrapassado os limites destinados aos não ambiciosos.
Já no mar alto, disse adeus aos companheiros sedentários do dia-a-dia e lançou-se à aventura com que sempre sonhara.
Os mais velhos não sabem das suas aventuras. Se ganhou experiência e foi para longe fazer a sua vida entre amigos e inimigos, ou se outro peixe o devorou de imediato e com ele morreu o sonho.
Não sabem porque nunca mais voltou...

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