quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Alzheimer


Se és como as andorinhas que voltam todos os anos ao mesmo beiral, não compreendo porque tardas em chegar. Ou será que desististe? Se desististe, não recebi a tua carta de despedida. Foi assim que combinámos. Tenho quase a certeza. Se desistisses, escrevias uma carta. Nem que fossem cinco ou seis palavras. Bastavam cinco palavras. "Desculpa, mas não posso ir". Não interessava porquê. Não vinhas e pronto. Mas não escreveste, nem te vi no sítio que tínhamos combinado.
Não importa saber em que dia estamos. Antes do tempo ou para lá do tempo. Ainda espero por ti, sabes? À hora combinada. Do dia não me lembro. Da hora, sim. E do mês. Setembro. Tenho a certeza. Mas podia ser outro mês.
Vem ter comigo. A minha madrugada espera por ti. No azul do tempo dos sorrisos. Na planície avermelhada do ocaso. No lago de bonança que foi ontem. Na encruzilhada dos desencontros que estão sempre a acontecer. Tanto faz, desde que venhas. Quero ter a certeza se o nosso destino foi ontem ou se está para acontecer. Já te avisto ao longe. Correndo. Quiçá ao meu encontro. Não tenho a certeza. Penso que esqueci-me do dia. Só me lembro da hora. Setembro já passou. Mas não importa. Para nós é sempre setembro. Estás mais perto. Sinto no ar o odor do teu perfume. Ah... abriste os braços. Quero abraçar-te. Ter a certeza que ainda és minha. Quero beijar os teus lábios e sentir o sabor a morangos silvestres ou isso. Quero dormir contigo na mesma cama. Acordar com os teus braços enlaçados no meu tronco. Fazer amor contigo. Como aconteceu ontem. Ontem? Talvez não. Se foi ontem, não me lembro. Mas aconteceu. Quero ter a certeza que aconteceu.
Não me viste. Passaste por mim. Tinhas os braços abertos e os cabelos soltos ao vento quando te vi ao longe. O teu rosto mostrava felicidade. Os olhos não eram tristes. Não. Infelizmente. Enganei-me. Afinal não aconteceu na hora combinada. Como pude enganar-me! Não eras tu. Se fosses tu, não tinhas os cabelos soltos ao vento. Nem o teu rosto irradiava alegria. Afinal estava numa encruzilhada de destinos e a mulher que julgava que eras tu passou por mim rumo a outra madrugada.
Mas prometeste voltar. E se prometeste, talvez tenha sido eu quem mais uma vez faltou ao encontro. Faltei ao encontro porque esperei por ti à hora errada. Tudo falhou. O mês. O dia. Até a hora. E assim, é tarde. Demasiado tarde para nos encontrarmos outra vez.
Perdoa-me se não consegui encontrar-me contigo. Esqueci-me também da hora. Da cor dos teus cabelos. Se tinhas rosto redondo. Testa capricorniana. Se os teus cabelos eram curtos. Olhos cor do ciúme. De amêndoa. Cor da traição. Ou negros como o carvão. Se eras morena. Se tinhas a pele sedosa. Esqueci-me também do tom da tua voz. E do mundo que sonhámos juntos e que nunca vimos. Dos beijos que demos e dos que ficaram por dar. Das zangas. Da cama ontem cheia de amor e hoje vazia de ti. Esqueci-me se ontem foi domingo. Do tempo que deixei passar. Das marés vazias sem uma onda para agarrar.
Ah!, se eu pudesse lembrar-me que também me esqueci de ti!

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