Este título "Do alto do terraço" pode passar por uma metáfora. Há muitas formas de vermos o que acontece à nossa volta e de escondermos o que entretanto se passou connosco. Mas esconder, porquê? Não vejo motivo porque, na maior parte da história limitei-me a ser um mero observador. Quanto à parte restante, pura e simplesmente aconteceu e não veio nada de mal ao mundo.
Do alto do terraço até pode ser aí, mesmo ao teu lado…
Monte Gordo, julho de 2011...
A história começa numa varanda de um primeiro andar, mas adequa-se melhor se fizer de conta que a varanda é um terraço situado num sexto andar, mais andar menos andar. Claro que não é obrigatória esta rigidez expressa da localização do terraço em questão. Afinal de contas é melhor localizar o terraço no topo de um arranha-céus onde, nos pontos mortos da história, até posso montar uma cópia do Hubble que viro para o firmamento sempre que me der na gana, de forma a varrer o universo que foi ontem.
Por vezes o escritor também vive noutra galáxia e mendiga, somente por egoísmo, a veia de um poeta fingidor, exatamente daqueles que fingem a dor que sentem e, como fingidor que parece ser, vai vivendo mais uma história como se fosse sua, mas sem dor, nem poesia e, como imperativo, longe das personagens que vão desfilar pelo seu óculo de alcance próprio para o momento em que foi chamado. Por vezes, as personagens nem sequer estão presentes. Basta acreditar que já estiveram e foram apagadas pelo comando erase da imaginação depois de desempenharem o seu papel.
Antes de me instalar comodamente numa mesa que existe no alto deste terraço, tão real como fingido, já com o drama montado no tear que faz a história, é melhor pedir uma bebida adequada para o que vai seguir-se.
Tenho na minha frente o empregado, vestido a rigor. Casaco branco e calças pretas, listadas de verde escuro. Como se impõe. Se for caso disso, isto é, se foi chamado com um sinal de circunstância ou com um ofensivo psst, aparece, cerimonioso, de bandeja na mão e pano branco, cuidadosamente dobrado, sobre o braço e também artilhado com aquilo que for preciso, porque neste momento sou incapaz de ter um laivo descritivo. Aliás, detesto falar do que não tenho presente na minha frente, já para não falar da recorrência à memória.
«Por favor, quero um apocalipse…»
Ah! Já faltava, para compor o ramalhete, vir à baila o célebre absinto da história dramática de Mário, Manuela e Patrícia. Das gaivotas que hoje já não mergulham para a rebentação. Daqueles “longos dias azuis” cada vez mais perdidos na bruma.
«Apocalipse now?»
«Sabe, falo de apocalipse quando quero beber absinto. Mas agora traga-me uma amêndoa amarga. Gelada.»
«Como se impõe. Mas... e o absinto?»
Não respondo. O absinto é uma bebida muito alcoólica e seca. Nessa não caio. Lembrei-me. Lembrei-me apenas. Foi há muito tempo e não vou repetir o disparate. Nesse tempo tinha sangue na guelra e agora evito a todo o custo a chegada implacável do crepúsculo.
O empregado acena com a cabeça, mas está a anos-luz da tragédia. Não passa de uma figura de estilo. Mesmo assim, deixo que faça a pergunta inevitável.
«Costumava enfrascar-se com o absinto?»
Olho para ele. Não respondo. Adivinho que vai lançar outra pergunta.
«A título de quê, senhor...?»
«Fonseca. Chamo-me António Fonseca. Ora... porque perdi duas mulheres de uma só vez.»
«Imaginava que o seu nome era Mário Fonseca.»
Olho para ele, incrédulo. Agora parece-me real,
O Mário Fonseca desapareceu por um lance de magia para dar lugar ao António Fonseca, o poeta e personagem. O outro é um prosador romântico e não só. Há quem nos confunda. Às vezes até quero acreditar que sim. Quer por via de um ou do outro, a minha vida nunca chegará a netos. Até porque, em boa verdade, o empregado, que veste o casaco branco de circunstância, provavelmente não existe.
Notícia de última hora. Afinal de contas não passa de uma personagem imaginária. Sabe de mais sobre a minha pessoa (qual delas?) para ser real.
E aqui estou. No alto do terraço que podia ser uma varanda. Ao meu lado tenho uma mesa redonda plastificada que já foi branca. O tampo exibe alguns sinais resultantes da exposição prolongada à agressividade dos raios solares, para não falar dos quatro pés enferrujados, gritantemente a pedirem uma pintura. Portanto, a mesa contrasta com o empregado vestido a rigor que tarda em trazer a amêndoa amarga.
Esqueço a bebida. Debruço-me no muro e olho para baixo. Vejo o que vejo e imagino o que não vejo, por não conseguir ver ou por nunca ter existido o que queria ver.
Que imagens tão ricas!
Não estou a fingir. Pressinto que são. O que parece fantástico não é. Tudo é real como real é o que parece ser real.
Há quatro esplanadas dispostas em quadrado, viradas frontalmente duas a duas. O mais curioso é que as mesas são todas vermelhas e de tampos quadrados. A minha mesa redonda que já foi branca serviu de replicação das outras. Duas mutações provocaram alterações na cor e na forma do tampo. Foco melhor o óculo poderoso de observação e constato que os tampos apresentam motivos publicitários. Super Bock, pois claro. As mesas foram oferecidas a troco de publicidade vitalícia das mesmas e não só. Um negócio da China para a firma detentora da marca e uma concorrência feroz com as outras marcas.
«Uma cerveja, por favor.»
O cliente não especificou a marca. Super Bock, não pode ser outra. Quantas cervejas e imperiais servidas em vidro, tulipas, girafas, botas, eu sei lá que mais e tenho raiva a quem sabe e diz: “seu cretino, não sabe…?”, já ultrapassaram o investimento em mesas vermelhas, cadeiras, copos, talvez balcões, aparelhagem para tirar cerveja à pressão?
Ah… mas temos ainda os toldos, os chapéus-de-sol de abas largas, as máquinas de tirar café Delta e do Pingo Doce. O equipamento do café e snack provavelmente foram trocados pela exclusividade da máquina. Eis um “bom” exemplo de simbiose em que só o cliente não fica a perder nem a ganhar se os preços forem tabelados.
No alto do terraço vejo ao meu lado a mesa com a tinta a estalar, neste caso a fazer publicidade às marcas impiedosas das engrenagens do tempo.
Quanto ao empregado que presta serviço no terraço é excluído de imediato, bem como o absinto e a amêndoa amarga porque nunca existiram, ou então ele está a gozar o dia de folga e pelo menos uma bebida já esteve sobre a mesa, mas foi noutro dia qualquer.No alto do terraço vejo ao meu lado a mesa com a tinta a estalar, neste caso a fazer publicidade às marcas impiedosas das engrenagens do tempo.
Fico indeciso quanto à opção. Talvez uma das mesas da esplanada à esquerda já que a outra tem as ditas cujas parcialmente encobertas pelos chapéus e as esplanadas que restam funcionam para servir refeições e os empregados ainda estão a colocar as toalhas de papel, os guardanapos, os pratos, os copos e os talheres.
A mesa está ocupada por três homens, uma mulher e dois copos de vinho tinto do lado de dois dos homens que estão mais à esquerda. Seguem-se no sentido retrógrado a mulher e o homem. Este bebe um café e ela um refrigerante em lata. Talvez seja Sumol. Ou... Definitivamente não é Coca-Cola. Já estou farto desta publicidade gratuita. Prometo não falar tão cedo da porra das marcas. Afinal nada tenho a ganhar.
A mesa está ocupada por três homens, uma mulher e dois copos de vinho tinto do lado de dois dos homens que estão mais à esquerda. Seguem-se no sentido retrógrado a mulher e o homem. Este bebe um café e ela um refrigerante em lata. Talvez seja Sumol. Ou... Definitivamente não é Coca-Cola. Já estou farto desta publicidade gratuita. Prometo não falar tão cedo da porra das marcas. Afinal nada tenho a ganhar.
Estou ainda no alto do terraço. Mas não tarda que parte de mim desça em para-quedas ou mergulhe em voo picado até ficar planando, à espera.
«Também tu estás à espera…»
Intromissão vinda do passado. Não pegou. É de outra história.
Intromissão vinda do passado. Não pegou. É de outra história.
Entre o descer e o ficar no alto do terraço, o sol escondeu-se e o vento, agora mais fresco e agreste, tornou-se um bom conselheiro para as personagens se refugiarem numa das mesas encostadas à parede.
«Adriano…»
Deve ser o dono do café que tem a esplanada.
«Mais dois tintos, Tinoco?» pergunta, solícito, esfregando as mãos.
«Pois não. Mete na conta.»
O presumido Adriano cofiou o bigode à Cantinflas. Já muitos lhe tinham dito para rapar aquela amostra de pretensão a bigode, mas a coisa que mais orgulho lhe dava era o seu meio bigode que não andava nem para trás nem para a frente. Como dizia o outro, antes pelo contrário.
Mas o problema nada tinha a ver com o bigode. Relacionava-se, sim, com o caloteiro do Tinoco. Um oportunista de se lhe tirar o chapéu.
«Posso meter na tua conta, Alfredo?»
«Que remédio» pensou o Alfredo. «O Tinoco já está entre as nove e as dez e vai estardilhar comigo se lhe disser que sou eu sempre a pagar.»
«Então, em que ficamos?» perguntou o terceiro homem, verdadeiramente incomodado. «Eu não pago porque o Tinoco convidou-me para beber um copo.»
Moita carrasco daquele lado. Ouvia-se muito mal. Devia ser do vento que não estava de feição para o Tinoco captar o que quer que fosse.
O cabeça de casal fez um gesto de assentimento para o dono do café que respirou fundo.
«Bom, nós vamos andando…» Disse.
«Que horas são?» perguntou o Tinoco.
«Oito e vinte.» Respondeu a mulher do cabeça de casal. «É tarde. Ainda tenho que alinhavar o jantar.»
«Alinhavar o jantar? Então não vais fazer ervilhas guisadas com ovos, presunto e chouriço?»
«É tarde, Alfredo, repito. Contenta-te com uma sopa de caldo verde e ovos estrelados. Quiseste conversa? Pois tiveste-a. Mas eu não sou tua escrava e também precisava de apanhar ar. Por isso vim contigo. Só por isso.»
Perguntei ao céu, aos ventos e aos deuses quem tinha razão e eles nada me disseram.
«E se fosse comprar um frango de churrasco? Um pão caseiro, batatas fritas, azeitonas e pickles eram o acompanhamento ideal. Achas bem?»
«Faz como entenderes.»
Os olhos do Tinoco luziram na penumbra. Porquê?
«Nem as penses…» Quis dizer com o olhar a mulher do cabeça de casal.
«Vai pondo a mesa.»
«Não te esqueças de levar uma garrafa de vinho. Acabou-se ao almoço.»
Olhei lá para cima, para o alto do terraço.
«Já volto» pretendi dizer. «Sempre quero ver o que isto vai dar. Promete...»
O vento não parecia dar mostras de abrandar. Tinha três pessoas a seguir e só podia escolher uma. Lá dizia um princípio básico da Física que, com toda a garantia, não podia estar em dois sítios ao mesmo tempo. Muito menos, três.
A caminhada para casa foi curta. Meteu a chave à porta e entrou, deixando a porta encostada. O marido só ia comprar o frango e o vinho. Com o desvio que tinha que fazer, e também a espera caso o frango estivesse a acabar de assar, eram quinze minutos. Talvez vinte. Ou mais, se encontrasse alguém pelo caminho.
Sentiu-se afogueada. A casa estava quente.
Despiu as calças e a blusa e suspirou de alívio.
«Porra, que calor!»
«Costumas falar em voz alta?»
«Tu?!...»
«Quem querias que fosse? O fantasma das cuecas rotas?»
«Olha que ele está a chegar, desgraçado!»
Optou por não responder. Não podia perder tempo. Virou-a de costas e baixou-lhe as cuecas.
«Vá, vamos despachar-nos…»
«Não, não… E se ele aparece?»
Ao mesmo tempo encaminhou-o para o quarto. O vício valia bem correr o risco.
«Que queres fazer?»
Empurrou-a para a cama.
«Põe as mãos na borda da cama e agacha-te.»
«Não.» Opôs-se sem grande convicção.
«É mais rápido. Queres que ele apareça?»
Preferia ser uma amazona a cavalgar a todo o galope no prado.
Obedeceu de pronto. Assim como assim também era bom. Pôs-se em posição e ficou à espera.
Estranhou a demora.
«Então? Demoras tanto tempo a desabotoar a braguilha…»«Adriano…»
Deve ser o dono do café que tem a esplanada.
«Mais dois tintos, Tinoco?» pergunta, solícito, esfregando as mãos.
«Pois não. Mete na conta.»
O presumido Adriano cofiou o bigode à Cantinflas. Já muitos lhe tinham dito para rapar aquela amostra de pretensão a bigode, mas a coisa que mais orgulho lhe dava era o seu meio bigode que não andava nem para trás nem para a frente. Como dizia o outro, antes pelo contrário.
Mas o problema nada tinha a ver com o bigode. Relacionava-se, sim, com o caloteiro do Tinoco. Um oportunista de se lhe tirar o chapéu.
«Posso meter na tua conta, Alfredo?»
«Que remédio» pensou o Alfredo. «O Tinoco já está entre as nove e as dez e vai estardilhar comigo se lhe disser que sou eu sempre a pagar.»
«Então, em que ficamos?» perguntou o terceiro homem, verdadeiramente incomodado. «Eu não pago porque o Tinoco convidou-me para beber um copo.»
Moita carrasco daquele lado. Ouvia-se muito mal. Devia ser do vento que não estava de feição para o Tinoco captar o que quer que fosse.
O cabeça de casal fez um gesto de assentimento para o dono do café que respirou fundo.
«Bom, nós vamos andando…» Disse.
«Que horas são?» perguntou o Tinoco.
«Oito e vinte.» Respondeu a mulher do cabeça de casal. «É tarde. Ainda tenho que alinhavar o jantar.»
«Alinhavar o jantar? Então não vais fazer ervilhas guisadas com ovos, presunto e chouriço?»
«É tarde, Alfredo, repito. Contenta-te com uma sopa de caldo verde e ovos estrelados. Quiseste conversa? Pois tiveste-a. Mas eu não sou tua escrava e também precisava de apanhar ar. Por isso vim contigo. Só por isso.»
Perguntei ao céu, aos ventos e aos deuses quem tinha razão e eles nada me disseram.
«E se fosse comprar um frango de churrasco? Um pão caseiro, batatas fritas, azeitonas e pickles eram o acompanhamento ideal. Achas bem?»
«Faz como entenderes.»
Os olhos do Tinoco luziram na penumbra. Porquê?
«Nem as penses…» Quis dizer com o olhar a mulher do cabeça de casal.
«Vai pondo a mesa.»
«Não te esqueças de levar uma garrafa de vinho. Acabou-se ao almoço.»
Olhei lá para cima, para o alto do terraço.
«Já volto» pretendi dizer. «Sempre quero ver o que isto vai dar. Promete...»
O vento não parecia dar mostras de abrandar. Tinha três pessoas a seguir e só podia escolher uma. Lá dizia um princípio básico da Física que, com toda a garantia, não podia estar em dois sítios ao mesmo tempo. Muito menos, três.
A caminhada para casa foi curta. Meteu a chave à porta e entrou, deixando a porta encostada. O marido só ia comprar o frango e o vinho. Com o desvio que tinha que fazer, e também a espera caso o frango estivesse a acabar de assar, eram quinze minutos. Talvez vinte. Ou mais, se encontrasse alguém pelo caminho.
Sentiu-se afogueada. A casa estava quente.
Despiu as calças e a blusa e suspirou de alívio.
«Porra, que calor!»
«Costumas falar em voz alta?»
«Tu?!...»
«Quem querias que fosse? O fantasma das cuecas rotas?»
«Olha que ele está a chegar, desgraçado!»
Optou por não responder. Não podia perder tempo. Virou-a de costas e baixou-lhe as cuecas.
«Vá, vamos despachar-nos…»
«Não, não… E se ele aparece?»
Ao mesmo tempo encaminhou-o para o quarto. O vício valia bem correr o risco.
«Que queres fazer?»
Empurrou-a para a cama.
«Põe as mãos na borda da cama e agacha-te.»
«Não.» Opôs-se sem grande convicção.
«É mais rápido. Queres que ele apareça?»
Preferia ser uma amazona a cavalgar a todo o galope no prado.
Obedeceu de pronto. Assim como assim também era bom. Pôs-se em posição e ficou à espera.
Estranhou a demora.
«Tenho que ir mijar.»
«Não bebesses tanto tinto, desgraçado! Vai lá então que eu espero. Mas não demores!»
E ficou à espera. O tempo passava, passava e voltava a passar. E o desejo crescia, crescia e voltava a crescer. Aqueles momentos de impasse excitavam-na até dizer chega. Como era arrojado aquele malandro!
«Que é isto?»
Reconheceu a voz.
Arroz esturrado!
«Alfredo! És tu?»
«Não, sou o outro.»
Quase verdade.
«Estava cheia de calor, sabes?» desculpou-se.
«Uhm! Nessa posição... Estás preparada para o rebimba o malho?»
«É… é um sapato que está debaixo da cama.»
Hesitou, voltou a hesitar e ainda voltou a hesitar. A situação era inédita e carecia de um pouco de reflexão. Podia dar-se o caso de estar ali, toda nua, à espera de alguém que até podia não ser ele. Enquanto ia à casa dos frangos e não vinha, a ocasião fazia o ladrão. Por outro lado, talvez ela lhe quisesse aguçar o apetite antes de comerem o frango. Sim, uma espécie de aperitivo. Ou melhor: um motor de arranque de que aliás estava bem necessitado.
«Vem ajudar-me a encontrar o sapato. Dou-te uma prenda se o achares.» Prometeu.
E perguntou para dentro de si: «Onde se meteu aquele cabrão do Tinoco?»
O cabeça de casal ficou aguado e não hesitou um segundo. Avançou na direção da mulher e... zás, pimba, pessegueiro! Serviu-se sem cerimónia daquele prato-surpresa de última hora e não se importou que o frango de churrasco tivesse que ser requentado. Estava farto de repetir aquela preferência da mulher pela posição estafada de amazona que, imagine-se, o punha na situação de falso macho. Ainda por cima sentia-se muito ofendido na sua condição de macho latino. A reforçar, na realidade não sentia o mínimo conforto naquela posição passiva, além do facto da barriga super dilatada sofrer o desagradável sobe e desce constante em que mais parecia um fole que funcionava ao contrário. Em vez de avivar o lume quase o apagava. Não. Nada queria dessa arte de ela pode cavalgar em toda a sela. Gostava mais de ser o comandante de cavalaria para pode escolher, no momento certo, os vários caminhos a seguir.
«Que a cavalaria avance. Ao ataque!»
«Alfredo!»
Missão cumprida.
De regresso ao privilegiado ponto de observação veio-me à ideia uma coisa doutro tempo e do outro mundo. Se o celebérrimo detective Sherlock Holmes, criado por A. Conan Doyle, acaso soubesse dos meus dotes intuitivos decerto teria despachado em grande velocidade o seu fiel companheiro Dr. Watson. E que este se pusesse a pau com a escrita e se esforçasse de futuro um pouco mais para conservar o lugar.
Claro que isto não passou de uma piada. Os tempos do célebre detetive que nunca deixava um caso por resolver, por mais impossível que fosse, perdem-se no denso nevoeiro de Londres e sabe-se de fonte segura (depende da fonte onde se vai beber) que o passado nunca voltou, nem eu estaria interessado, caso se abrisse uma porta por rutura inadvertida do tempo, em ser subalterno nem que fosse da rainha da Inglaterra a não ser para gerir a sua fortuna colossal. Bastava-me para o resto da vida a sua inestimável coleção de selos..
Ultrapassado o período deste interlúdio e estando já no meu posto de observação, aproveito para descansar o ilustre detective acima mencionado que nunca pensei em fazer-lhe concorrência. Aliás os métodos e campos de ação são incompatíveis. Primeiro porque sou um intuitivo; segundo porque, por razões óbvias, nunca entraremos em rota de colisão. Para ser mais claro e menos profundo, a primeira escolha que fiz foi mais um caso de sorte do que de intuição. Uma simples troca de olhares (“não as penses!”) e de seguida aconteceu o que aconteceu.
Uma rotação de noventa graus no sentido direto e eis que o olhar se concentra num casal de estrangeiros, provavelmente ingleses, que se deliciam, ela com lulas grelhadas a acompanhar com batatas cozidas e regadas com molho de manteiga (ou sucedâneo) e ele com uma dourada de aviário, grelhada, e também batatas cozidas, cenoura e feijão verde, que vai regando abundantemente com azeite extra virgem ou isso que tem a ver com refinado porque o preço do prato não convida o dono do restaurante a altas cavalarias. Ambos são avantajados em altura e largura e exibem duas barriguinhas de estimação a fazerem inveja ao saudoso Vasco Santana.
O inglês aproveita a chegada do dono do restaurante que acabou de depositar sobre a mesa uma travessa contendo tomate e alface e aponta para a girafa já vazia do líquido dourado que Deus tem.
«Please, another beer...»
«Oh yes.»
«É já a terceira, James!» diz a mulher, em inglês.
E lá sabe porquê. Ele limita-se a sorrir.
Falando de saladas, quando se pede uma salada mista os componentes inseparáveis são o tomate e a alface. Quanto ao pimento tem que ser pedido à parte. É universal. Acontece também na vizinha Espanha donde não vêm bons ventos nem bons casamentos. Mas aí o pimento já acompanha as tapas, penso que quaisquer que sejam. Pimento vermelho, de preferência. O verde é muito indigesto. Quanto às sardinhas assadas vêm normalmente acompanhadas de batatas cozidas uma salada mista e outra de pimentos. Em tempo de concorrência, alguns restaurantes têm marcado na ementa o preço total do prato, mas outros são omissos porque, por oportunismo, lhes convém ser.
Há uns dias atrás fui almoçar a um restaurante situado na rua do Coliseu. O preço da dose de frango assado chamou-me a atenção na ementa escrita a giz numa ardósia, à entrada da esplanada. Seis euros.
«Nada mau.» Pensei.
Estava muito calor na esplanada e resolvi procurar uma mesa no interior.
Um dos empregados, fardado a rigor, veio logo ao meu encontro.
«Estou só.»
«Por favor, escolha a mesa que quiser. É cedo. Como vê, a estas horas há muitas mesas vagas.»
«Tantos salamaleques para quê?» pensei. «O que me interessa é que o frango esteja saboroso.»
Decidi-me por uma mesa perto da cozinha.
Resumindo e baralhando: o frango estava salgado, a dose de batatas fritas custava três euros, acrescia o preço da salada mista e do esparregado que caí na esparrela de pedir. Adicionando, 6+(3+3+3) = 6+9 = 15 (aplicando a propriedade associativa da adição, para destacar melhor). Com o pão torrado, as manteigas, o vinho e o café, a despesa chegou perto dos vinte e cinco euros. E tudo começou com uma dose de frango salgado que só custava seis euros.
Sã promoção! Só não paguei o atendimento personalizado, com um esmerado serviço à mesa em que apenas faltou levarem-me os pedaços de frango à boca. Sim, senhor. Mais um euro para a gratificação (por que não chamar gorjeta?). E saí do restaurante todo contente da vida. Minto, claro.
«Que estás a ver?»
Esqueci-me de dizer que a Rita está presente. Viemos passar uma semana ao Algarve e escolhemos o alojamento pela net. O resultado é o que se vê e ouve, todas as noites até às duas da manhã mesmo por baixo do nosso quarto. Na esplanada que cataloguei como a “happy hour dos bêbados” estabelece-se sempre com a mesma meia dúzia de clientes, que já conheço de vista de cor e salteado, um barulho ensurdecedor, discussões atrás de discussões onde só não aconteceu pancada por mero acaso, onde o principal protagonista é o dono dum cão preto e branco que traz à trela curta. A sessão começa pelas seis da tarde, com petiscos e copos à mistura. Tudo acompanhado por uma amena cavaqueira. É nesse interlúdio que eu e a Rita saímos para darmos a habitual volta pelo picadeiro. Quase a seguir surge o alcatrão e o homem do cão discute com os outros o tema estafado que nada tem de filosófico.
«Vocês sabem que nunca fiquei a dever nada a ninguém. Por que raio não me servem mais um copo de tinto?»
Segue-se uma lengalenga e os companheiros aproveitam para o picar. O homem do cão irrita-se ainda mais e segue-se a frase dos palavrões com um repeat do caso do copo de tinto. Sempre foi um bom cliente e pagou tudo o que consumiu. Entretanto os outros calaram-se e estabelece-se um silêncio momentâneo.
«Parece que o homem se foi embora.»
«Já passa da uma da manhã» diz a Rita. «Não sei como ainda ninguém chamou a polícia.»
Mas o homem continua no seu posto e volta acena a revisão da matéria dada. Os outros optam por manter-se em silêncio.
Para culminar, o cão preto e branco do dono bêbado que nem uma cadela foge sempre perto das duas e ladra que se desunha a tudo e todos os que já não estão presentes, inclusivamente ao dono que o persegue soltando pragas que fazem aquecer o ar. Enfim, um espetáculo edificante.
A propósito de polícias, já vi dois... e junto ao casino.
Enquanto o bêbado não desaparece de vez, resta-me a consolação de recrear situações só vistas por mim do alto do terraço, o que é compensador. Vou ter saudades disto quando nos formos embora. Não dos bêbados, claro.
«Que estás a ver?»
«Nada de especial, amor. Apenas aquele casal de ingleses que esperou que se fartou a ponto de ele já ir na terceira girafa.»
«Disseste girafa, Mário?»
«Pois, um copo de cerveja acima da tulipa. Creio que o copo tem mais que meio litro de capacidade.»
«E ele já bebeu três?»
«Pelos vistos. E não vai ficar por aqui.»
«A mulher não larga as lulas, mas também não deixa de olhar cá para cima. Vê lá, vê lá...»
Ignoro a última parte da frase.
«E também bebe bem. Já virou quase uma garrafa de sete decilitros e meio de branco. Como está fresco escorrega sem dar por isso.»
E se eu e a Rita existíssemos no real?
«O bife está entusiasmado a devorar o peixe. Devem-no ter convencido que o fish português é buédanice.»
«Dizes bem. Devorar. Mas o que está a imaginar é a outra coisa que se deve seguir. Um bom naco de carne na pedra. Um corpanzil daqueles não se contenta só com peixe. Espera pela pancada.»
«Bruxo!»
E não me enganei.
«Bom, sempre saímos?»
«Claro.»
«Então vou trocar de calças e retocar o rosto.»
«Vai, vai, amor.»
O tempo voa. Decidi acelerar. Os ingleses já estão nos finalmente. Saboreiam um café Delta que é ótimo se for do lote certo e bem tirado, sem batismos e coisas parecidas. Ele acompanha o café com uma aguardente velha de estalo. Ela prefere uma bebida branca, transparente, que não é água.
«Vou à casa de banho.» Diz em inglês.
«Well!»
«Well?»
Limita-se a sorrir. Lá sabe porquê.
Mal a mulher se afasta, chama o dono do restaurante e aponta para o cálice, levantando de seguida dois dedos a desenhar o “v” da vitória.
«Rapid!»
O homem sorri e satisfaz de imediato o pedido. Dose reforçada.
Entretanto a mulher despachou-se a verter as águas mais depressa de que ele imaginava e apanhou-o ainda com a boca no trombone.
«James!»
Já sabia que tinha uma missão a cumprir. Sentia um calor a roer-lhe o rosto que nem calorífero. Depois, o ar da noite não ajudava.
«Vamos para casa, docinho!»
«Apetecia-me dar uma volta pelo picadeiro. E podemos ir ao casino.»
Ela abanou o rosto.
«A volta damos. Mas ir ao casino está fora de causa. Lembra-te que ontem ficaram lá trezentos euros!»
Tenta ganhar tempo a todo o custo.
«Olha, jogamos no risque que é a um cêntimo o ponto.»
«...?»
«A máquina do streaptease.»
«Ah sim.»
Não se fizeram velhos no casino porque perderam. Jogar a um cêntimo o ponto era um engano, pois cada aposta podia ultrapassar facilmente um euro.
Já no quarto discutiram sobre o costume. Quem seria o primeiro a cuidar da higiene.
«Como tu demoras muito tempo na casa de banho, vou eu primeiro que sou mais rápido.»
Ela sentou-se em cima da cama e ficou a aguardar. De facto ele não se demorou. Pudera! Com a carga que tinha em cima não demorou muito tempo a atravessar os vários labirintos da higiene. A mulher deu conta pela primeira vez que o companheiro estava toldado.
«Bonito!»
«Eu sou bonito.»
«Percebeste muito bem o que disse.»
«Que ideia, Vivian. Apenas tropecei no tapete. Bebi o que viste.»
«Que eu visse, três girafas e dois brandys. Uhm... vamos a ver se te aguentas no balanço. Hoje estou muito exigente.»
«Três» pensou. «E o último foi duplo.»
«Não pode ser amanhã, Vivian darling?»
Fez-lhe uma cara de poucos amigos.
«Pronto, pronto. Já cá não está quem falou. Uma rapidinha nunca se nega.»
«Rapidinha, James?»
«É fim do dia e estou cansado. Lembra-te que hoje andámos muito a pé.»
«E estás grosso.»
«Bom... vai lá para a casa de banho pôr-te sexy e logo se vê o que se pode fazer. Fico à tua espera em cima da cama, querida.»
O tempo passou. Ele bocejou e voltou a bocejar. A culpa foi da dourada e das batatas cozidas.
«Dizem que as batatas fazem sono e concordo plenamente.» Pensou, em inglês. «Vou meter-me dentro dos lençóis. Entretanto chega a Vivian.»
A matrona entreabre a porta da casa de banho e sussurra para fora qualquer coisa em inglês. Provavelmente espera um piropo do bife.
«F...! Não é que o cabrão ressona que nem um porco?»
Furiosa despe o negligé audacioso e ficam visíveis os pendentes, dois balões que perderam grande parte do ar. Também são nítidas várias pregas em volta da cintura, tão do apreço de um homem que engordou a mulher propositadamente com doces e alimentos altamente calóricos para os refegos gostosos se tornarem ainda mais salientes. O homem foi levado a tribunal por queixa não sei de quem, já que a mulher não se importava de engordar de dia para dia e até se deliciava com as iguarias que este lhe oferecia. Interrogado pelo juiz sobre o motivo de nem sequer a deixar sair da cama, confessou que quanto menos ela se movimentasse mais engordava. E isso era ouro sobre azul.
«Como assim? E que partido tirava dessa engorda...?» terá perguntado o juiz.
Nada via de positivo. Primeiro, o réu desperdiçava dinheiro nos acepipes com que presenteava a gorducha. Segundo, e muito mais grave, punha em perigo a saúde da sua companheira.
«É que...»
«Desembuche, homem de Deus!»
Ora vejam lá! O homem gostava de fazer sexo entre as ditas cujas pregas...
Isto não é um mundo cão. É um mundo do outro mundo.
Entretanto a matrona vestiu umas calças brancas muito justas que lhe apertavam a bunda até dizer chega, uma blusa azul turquesa altamente audaciosa, uns sapatos brancos, abertos à frente e com saltos de oito centímetros (pelo menos) e saiu do quarto sem se importar com o barulho que faziam ditos os saltos.
Já no picadeiro vai procurar um momento melhor do que aquele que acaba de perder.
Quanto à minha pessoa, missão cumprida. Regresso a casa.
A noite vai alta. Silêncio absoluto no café dos dois copos de tinto, da coca-cola e da bica. Também silêncio absoluto no outro café do bêbado que segura com trela curta o paciente cão malhado que se escapa, às duas da manhã, a ladrar a todo o mundo que vê e não vê mal, mal o dono se descuida..
Hoje levantei-me cedo e aproveitei para procurar uma loja onde pudesse mandar fazer uma cópia do chave do apartamento e outra da porta da rua. As chaves que tínhamos eram exemplares únicos e nunca se sabia o que podia acontecer, por exemplo na praia.
Não demorei tempo a encontrar uma casa de ferragens onde se podia ler na montra "fazem-se cópias de chaves".Estavam três pessoas à frente e tive que aguardar a minha vez.
Ainda esperei cerca de dez minutos.
«Ah... é por causa das chaves. Não fazemos chaves aqui.»
«Então e o anúncio da montra?»
A mulher explicou:
«O anúncio diz: "fazem-se cópias de chaves" e não "aqui fazem-se cópias de chaves".»
Sorri, elucidado.
«Pentelhos...» Disse há uns tempos, ainda antes do novo governo tomar posse, um ilustre economista da nossa praça.
Talvez procurasse um motivo justificativo para não entrar no futuro e assim resolveu "imolar-se" pelo fogo. E tinha razão em fugir como os ratos fogem dos barcos ao menor sinal de afundamento. De facto o país estava a afundar-se, depois da ajuda preciosa do incrível pinóquio que, juntamente com o seu lugar-tenente, ainda falava de abastança dois meses antes do barco correr o risco de interromper a navegação por falta de combustível. Quanto ao novo primeiro ministro estava a ser mais papista que o papa e tinha em mente fazer um ataque cerrado à função pública e aos aposentados, onde julgava cortar "gorduras" com mais facilidade…
«O senhor quando sair corta à direita, depois novamente à direita e a seguir à esquerda.»
«Está bem, obrigado. Estamos sempre a aprender...»
O outro não entendeu a ironia do comentário.
«Ao diabo a chave.»
Cortei à esquerda e dirigi-me para os lados da praia, onde se situava a ATM mais próxima. Já a tinha usado para levantar dinheiro para o pagamento do aluguer do andar.
Toma lá o "el contado". Pelos vistos não me dás qualquer recibo, nem vou pedir-te e não sei porquê.
Cartão, código, importância a levantar, cartão a sair, dinheiro a sair, recibo a sair. De seguida, um ruído estranho quando o dinheiro saiu. Espreitei a ranhura, algo desconfiado. Mas já tinha o dinheiro. Ou melhor…
«Olá! Uma nota de dez euros que já cá ficava...»
Guardei o dinheiro e entrei na dependência do Santander Totta.
«Boa tarde.»
«Boa tarde. Faz favor...»
Expliquei o que se passou com a ATM.
«Obrigada. Vou já tomar medidas. Por isso é que a máquina ontem não se cansava de dizer "tire o seu dinheiro".»
Cem metros mais à frente resolvi contar o dinheiro. Duzentos euros mais os dez que estavam presos na ranhura. Conclusão: alguém ficou a perder dez euros.
«Como não sei quem foi, fico com eles...» Pensei.
Depois de levantar quarenta euros na máquina ainda fui ver o mar.
«Já dez e meia! A Rita deita-me o fogo e nem sequer tenho justificação com as chaves...»
Pelo caminho de regresso pensei na aflição do Tinoco quando sentiu a entrada do manso em casa. Por pouco não era apanhado em flagrante na nobre posição de cavaleiro!
Onde se escondeu?
Lembrei-me do roupeiro. Assunto arrumado.
Já entrei na zona das quatro esplanadas. Está tudo calmo nos dois restaurantes. Ainda é cedo. Mas a esplanada dos bêbados já tem alguma animação. É muito cedo para atingir o climax.
Meto a chave à porta e oiço logo uma voz vinda do interior.
«Mário!»
Entro.
«Já cá estou.»
«Tanto tempo para mandares fazer duas chaves!»
«As chaves que não trago.»
«Como assim?!...»
E expliquei-lhe o que aconteceu.
«Andaste a ver as lambisgoias, não foi?»
«Aprazei com uma morena de olhos verdes e pequena como se querem as sardinhas.»
«Não brinques...»
«A brincar a brincar foi o macaco à macaquinha. Dá cá um beijo...»
«Nem penses nisso que temos que ir para a praia. E ainda por cima é preciso comprar um chapéu de sol.»
«Pronto. Mas acredita que por nada deste mundo te trocava por uma sardinha.»
«Por uma sardinha?»
Rimos do trocadilho.
«Ou a outra coisa. Nem pela Janette Scott!»
«Quem é essa?»
Um salto no tempo que nada tem a ver com a teoria da relatividade de Albert Einstein. Por exemplo, um homem viajar no espaço à velocidade da luz e regressar mais novo que próprio filho. Mas não é o caso. Apenas um flashback até aos anos cinquenta.
Avenida Conde Valbom. Estou em casa de uma tia rabugenta, não propriamente a passar férias. Repito a secção de Ciências do antigo 5º ano do liceu porque no ano transato passei com uma deficiência em cada uma das secções, apesar das boas notas que tive na maior parte das disciplinas. Para mim é um castigo injusto, mas tenho que o acatar. São ossos do ofício para o futuro que espera por mim.
Não sei como foi que consegui, mas a minha tia deixou-me ir ao Monumental ver um filme à noite. Claro que não levei chave. Ficavam à minha espera.
«Não pises o risco, Mário!»
«Está bem, tia. Mal acabe o filme volto para casa.»
Nunca percebi porque era tão ríspida para mim e condescendia com o malandro do meu primo Zeca. Talvez por ele ser órfão de pais.
«Juro que venho cedo, tia.» Teria dito o mentiroso do Zeca.
Só quando entrei no Monumental é que constatei que a noite era especial. Havia uma orquestra no palco do teatro que começou a sua atuação no intervalo do filme “O Rapto de Janette”. Uma história de amor do tipo "Coleção Azul/John chauffeur russo" que logo me despertou muito interesse, talvez porque a artista, muito jovem, me fizesse lembrar a Manuela.
Com o intervalo veio a interrupção do filme, passando a continuação do espetáculo para os lados do teatro (quem, do meu tempo, não se lembra do Monumental, de nome e na realidade, um edifício com duas salas, uma para as peças de teatro e outra para o cinema?), onde a orquestra, talvez a abrilhantar um baile, não deixou por mãos alheias a qualidade dos seus slows, boleros, pasodobles e tangos.
Nem queria acreditar! Então ia perder o resto do filme?
Só tinha autorização para ver o filme, mas foi interrompido ainda antes das onze.
Que fazer?
O Saldanha ficava relativamente perto da Conde Valbom e não pensei duas vezes. Mais veloz que o vento corri a bom correr até à casa da minha tia rabugenta. Ofegante, toquei à campainha e expliquei o que se estava a passar. Não tinha grande esperança, mas lá consegui a almejada chave. O meu discurso foi convincente e ainda vi a última parte do filme em que dois jovens se apaixonaram e foram levados a fugir em virtude dos pais da jovem, provavelmente de um estrato social superior, não permitirem o namoro. Portanto, um rapto consentido.
E tudo acabou em bem, cumprindo a regra que diz: “tudo o que começa bem acaba bem”. Não é verdade, mas serve para o caso.
Apaixonado pela Manuela, nada me impediu de escrever uma carta “inflamada” à escultural artista de cinema. Nunca obtive resposta.
Estamos na praia, rodeados por todos os lados de chapéus de sol. Não acontece por coincidência. É o Algarve e fica tudo dito. Já comprámos o nosso chapéu e duas cadeiras baixas de lona que dão muito jeito para ler um livro, caso haja um mínimo de ruído. A propósito, acabámos de ver a mesma família de ontem que tem uma criancinha muito simpática dotada de uma goela bem afinada para os altos. Ontem embirrava que queria ser o primeiro a atirar a bola para a irmã e só porque não aconteceu como queria, desatou num berreiro infernal que os pais não puseram cobro com uma palmada oportuna. De seguida decidiu que queria ir para as “pocinhas” outra vez quando já os pais enrolavam as toalhas e tinham fechado o chapéu de sol. A criança berrou e ganhou a batalha. Toalhas no chão e lá foram a criança, a irmã e os pais para as ditas “pocinhas” que, por sinal, já não existiam em virtude da maré-cheia estar em incremento.
Reportando-me a esta manhã, a criancinha berrava agora porque queria ser a última para não sei o quê. Tentei abstrair-me do ruído e concentrei-me na leitura dum livro muito interessante da Gradiva. “Morte por Buraco Negro”. Tema alarmante, mas a acontecer será num espaço de tempo muito alargado, para lá da agonia sem regresso do nosso querido planeta azul e do sol.
Não há qualquer dúvida de que a forma mais espetacular de morrer no espaço é cair dentro dum buraco negro.
Em que outro sítio do universo poderíamos perder a vista sendo desfeitos em pedaços átomo a átomo?
A manhã chegava ao fim quando passou o homem das bolas-de-berlim e de mais outros bolos. Tentação! Àquela hora era convidativo comer um bolo para retardar um pouco a hora do almoço, mas a minha preferência ia, sem dúvida, para uma cerveja muito fresca que beberia em quatro goles, ao contrário do nacionalista Joaquim Cautelas que preferia o vinho tinto à cerveja e bebia de um só trago qualquer que fosse a quantidade.
O meu pai contou-me, mais que uma vez, uma história curiosa e inimaginável que tinha como protagonista o dito Cautelas, homem incrível de apetite insaciável que desbaratava um alguidar cheio de batatas cozidas e postas de bacalhau, regados generosamente com azeite e vinagre. Não me recordo se havia a acompanhar salada de tomate e alface, couves, cebolas e ovos e qual era o tamanho do alguidar, mas tenho bem presente que o meu pai contava que o Cautelas, terminada a refeição, levava aos queixos um garrafão de cinco litros de vinho tinto e só o punha no chão depois de inverter o dito garrafão e não escorrer senão uma ou outra gota de vinho. Também não me recordo se o garrafão estava cheio de vinho antes do nosso homem iniciar a épica operação de transvase.
Os pássaros também são frequentadores assíduos da praia. Saltitam entre as toalhas, de bico aberto, dada a força do calor, à procura de almoço. Já estamos habituados a eles e eles a nós. Um caso de adaptação por força do instinto de sobrevivência das pequenas aves.E que mais a dizer?
Avenida Conde Valbom. Estou em casa de uma tia rabugenta, não propriamente a passar férias. Repito a secção de Ciências do antigo 5º ano do liceu porque no ano transato passei com uma deficiência em cada uma das secções, apesar das boas notas que tive na maior parte das disciplinas. Para mim é um castigo injusto, mas tenho que o acatar. São ossos do ofício para o futuro que espera por mim.
Não sei como foi que consegui, mas a minha tia deixou-me ir ao Monumental ver um filme à noite. Claro que não levei chave. Ficavam à minha espera.
«Não pises o risco, Mário!»
«Está bem, tia. Mal acabe o filme volto para casa.»
Nunca percebi porque era tão ríspida para mim e condescendia com o malandro do meu primo Zeca. Talvez por ele ser órfão de pais.
«Juro que venho cedo, tia.» Teria dito o mentiroso do Zeca.
Só quando entrei no Monumental é que constatei que a noite era especial. Havia uma orquestra no palco do teatro que começou a sua atuação no intervalo do filme “O Rapto de Janette”. Uma história de amor do tipo "Coleção Azul/John chauffeur russo" que logo me despertou muito interesse, talvez porque a artista, muito jovem, me fizesse lembrar a Manuela.
Com o intervalo veio a interrupção do filme, passando a continuação do espetáculo para os lados do teatro (quem, do meu tempo, não se lembra do Monumental, de nome e na realidade, um edifício com duas salas, uma para as peças de teatro e outra para o cinema?), onde a orquestra, talvez a abrilhantar um baile, não deixou por mãos alheias a qualidade dos seus slows, boleros, pasodobles e tangos.
Nem queria acreditar! Então ia perder o resto do filme?
Só tinha autorização para ver o filme, mas foi interrompido ainda antes das onze.
Que fazer?
O Saldanha ficava relativamente perto da Conde Valbom e não pensei duas vezes. Mais veloz que o vento corri a bom correr até à casa da minha tia rabugenta. Ofegante, toquei à campainha e expliquei o que se estava a passar. Não tinha grande esperança, mas lá consegui a almejada chave. O meu discurso foi convincente e ainda vi a última parte do filme em que dois jovens se apaixonaram e foram levados a fugir em virtude dos pais da jovem, provavelmente de um estrato social superior, não permitirem o namoro. Portanto, um rapto consentido.
E tudo acabou em bem, cumprindo a regra que diz: “tudo o que começa bem acaba bem”. Não é verdade, mas serve para o caso.
Apaixonado pela Manuela, nada me impediu de escrever uma carta “inflamada” à escultural artista de cinema. Nunca obtive resposta.
Estamos na praia, rodeados por todos os lados de chapéus de sol. Não acontece por coincidência. É o Algarve e fica tudo dito. Já comprámos o nosso chapéu e duas cadeiras baixas de lona que dão muito jeito para ler um livro, caso haja um mínimo de ruído. A propósito, acabámos de ver a mesma família de ontem que tem uma criancinha muito simpática dotada de uma goela bem afinada para os altos. Ontem embirrava que queria ser o primeiro a atirar a bola para a irmã e só porque não aconteceu como queria, desatou num berreiro infernal que os pais não puseram cobro com uma palmada oportuna. De seguida decidiu que queria ir para as “pocinhas” outra vez quando já os pais enrolavam as toalhas e tinham fechado o chapéu de sol. A criança berrou e ganhou a batalha. Toalhas no chão e lá foram a criança, a irmã e os pais para as ditas “pocinhas” que, por sinal, já não existiam em virtude da maré-cheia estar em incremento.
Reportando-me a esta manhã, a criancinha berrava agora porque queria ser a última para não sei o quê. Tentei abstrair-me do ruído e concentrei-me na leitura dum livro muito interessante da Gradiva. “Morte por Buraco Negro”. Tema alarmante, mas a acontecer será num espaço de tempo muito alargado, para lá da agonia sem regresso do nosso querido planeta azul e do sol.
Não há qualquer dúvida de que a forma mais espetacular de morrer no espaço é cair dentro dum buraco negro.
Em que outro sítio do universo poderíamos perder a vista sendo desfeitos em pedaços átomo a átomo?
A manhã chegava ao fim quando passou o homem das bolas-de-berlim e de mais outros bolos. Tentação! Àquela hora era convidativo comer um bolo para retardar um pouco a hora do almoço, mas a minha preferência ia, sem dúvida, para uma cerveja muito fresca que beberia em quatro goles, ao contrário do nacionalista Joaquim Cautelas que preferia o vinho tinto à cerveja e bebia de um só trago qualquer que fosse a quantidade.
O meu pai contou-me, mais que uma vez, uma história curiosa e inimaginável que tinha como protagonista o dito Cautelas, homem incrível de apetite insaciável que desbaratava um alguidar cheio de batatas cozidas e postas de bacalhau, regados generosamente com azeite e vinagre. Não me recordo se havia a acompanhar salada de tomate e alface, couves, cebolas e ovos e qual era o tamanho do alguidar, mas tenho bem presente que o meu pai contava que o Cautelas, terminada a refeição, levava aos queixos um garrafão de cinco litros de vinho tinto e só o punha no chão depois de inverter o dito garrafão e não escorrer senão uma ou outra gota de vinho. Também não me recordo se o garrafão estava cheio de vinho antes do nosso homem iniciar a épica operação de transvase.
Os pássaros também são frequentadores assíduos da praia. Saltitam entre as toalhas, de bico aberto, dada a força do calor, à procura de almoço. Já estamos habituados a eles e eles a nós. Um caso de adaptação por força do instinto de sobrevivência das pequenas aves.E que mais a dizer?
A água está fria. Tradicionalmente quente na época de verão, este ano contraria a regra.
«Que horas são?»
Boa pergunta.
«São quase horas de comer pão...»
«Onde foste arranjar essa? Já não é a primeira vez que a dizes.»
Sorri. Horas também de recordação. E saudades do meu tempo de professor de Matemática.
«Não sei se já te contei. Penso que não. Aconteceu precisamente no penúltimo ano antes da reforma. Tinha uma turma do nono ano e duas do sexto. E parece que duas horas de apoio.»
«Sim. E depois?»
«Numa das turmas do sexto havia dois irmãos gémeos que eram os mais desenvolvidos fisicamente entre os colegas. Anormalmente desenvolvidos para a idade, mas, no desenvolvimento intelectual apresentavam graves dificuldades de aprendizagem e isso devia-se a uma doença genética de que não me lembro o nome.»
Sorri de novo ao lembrar-me daqueles matulões-crianças.
«Então?»
«Depois de deixar o carro no parque, atravessava o recreio para entrar no edifício principal, o que acontecia normalmente no intervalo entre duas aulas. Ora se eles por acaso estivessem a brincar e me vissem, deixavam logo as brincadeiras e corriam desajeitadamente na minha direção. Com um sorriso nos lábios, um deles dizia-me:
«Vamos ter aulas hoje.»
Lógico. Tínhamos quatro vezes por semana, já para não falar nos dois apoios.
«Quando?»
«Não sei.»
«Ah sim. Até logo. Não se magoem nas brincadeiras...»
«E a história das horas de comer pão?»
«Já me passava. Era na aulas de apoio. Claro que eles não conseguiam estar muito tempo atentos e eu compreendia porquê. O sinal vinha quando um perguntava, impaciente, para o outro: «Que horas são?», e compreendia-se porque ansiava pelo fim do apoio. «São horas de comer pão.», respondia o irmão.
Agora, sim. A praia está quase silenciosa. São mesmo horas de comer pão. As vozes parecem vir de longe e só alguns sons esporádicos vibram na membrana do tímpano com mais intensidade.
A Rita foi ao banho. Finalmente ganhou coragem. Eu não.
Ontem ficou com dores de ouvidos porque mergulhou e entrou-lhe água gelada. Passou mal, mas não tem emenda. A atração pelo mar é mais forte. Quanto a mim, sou um prego a tender para o ferrugento e prefiro nadar nas areias finas e douradas, debaixo do chapéu de sol multicolor. É uma progressão lenta e segura, já que as mesmas não são movediças.
Um pássaro pousou a um metro de mim e parece estar a perguntar-me:
«Trouxeste o almoço para mim?»
«Ah... o almoço.» Pensei. «Vai ser caldeirada na esplanada donde se vê o casino. Mas o casino, nem vê-lo no interior. A Rita não gosta de jogar. Abomina mesmo o jogo. Paciência, quando chegar a Lisboa faço uma chamada para a minha sócia dessas andanças de casinos e tudo o mais. Alarguei-me. Tudo o mais, ponto e vírgula!»
«Não, pássaro. Não gosto de chamar-te no geral. Diz-me como te chamas...?»
«Jerónimo. Mas eram só umas migalhinhas!»
Nome do guerreiro apache. Certamente que aquele Jerónimo miniatura é um valente que também arrisca heroicamente a vida para sobreviver.
«Está bem, Jerónimo. Prometo que amanhã trago. Olha... talvez umas migalhas de bola-de-berlim. Assim aproveitamos os dois.»
O pássaro levantou voo porque viu que não levava nada.
Pão. Migalhas. Bola-de-berlim. O tempo é de crise. Temos que cumprir o programa da troika porque, se não cumprirmos, as tranches financeiras ficam em Bruxelas ou lá onde é. E tudo isto por causa da crise internacional, dos países do sul da Europa e de um pinóquio que fez tantas ou tão poucas que já não tinha nariz para crescer. Segundo ele e o lugar tenente ia tudo bem, muito obrigado. Afinal só havia dinheiro para pagar um mês dos vencimentos aos funcionários públicos. Viu-se então o buraco em que nos meterem. E o que vai acontecer? A eles, nada (talvez até um dia; as malvadas pagam-se no futuro...). Ao Zé Povo, zás! Há que levar com a ripa. O mexilhão não tem defesa possível. E se as coisas se agravarem ainda mais (e penso que sim, que não há remédio que cure a doença... até porque a Europa também está muito constipada, já para não falar da grande constipação que grassa nos Estados Unidos - esta altamente contagiosa) penso que ainda lhe vai acontecer uma coisa má. Em boa verdade não queria estar na sua pele.
«Que horas são?»
Boa pergunta.
«São quase horas de comer pão...»
«Onde foste arranjar essa? Já não é a primeira vez que a dizes.»
Sorri. Horas também de recordação. E saudades do meu tempo de professor de Matemática.
«Não sei se já te contei. Penso que não. Aconteceu precisamente no penúltimo ano antes da reforma. Tinha uma turma do nono ano e duas do sexto. E parece que duas horas de apoio.»
«Sim. E depois?»
«Numa das turmas do sexto havia dois irmãos gémeos que eram os mais desenvolvidos fisicamente entre os colegas. Anormalmente desenvolvidos para a idade, mas, no desenvolvimento intelectual apresentavam graves dificuldades de aprendizagem e isso devia-se a uma doença genética de que não me lembro o nome.»
Sorri de novo ao lembrar-me daqueles matulões-crianças.
«Então?»
«Depois de deixar o carro no parque, atravessava o recreio para entrar no edifício principal, o que acontecia normalmente no intervalo entre duas aulas. Ora se eles por acaso estivessem a brincar e me vissem, deixavam logo as brincadeiras e corriam desajeitadamente na minha direção. Com um sorriso nos lábios, um deles dizia-me:
«Vamos ter aulas hoje.»
Lógico. Tínhamos quatro vezes por semana, já para não falar nos dois apoios.
«Quando?»
«Não sei.»
«Ah sim. Até logo. Não se magoem nas brincadeiras...»
«E a história das horas de comer pão?»
«Já me passava. Era na aulas de apoio. Claro que eles não conseguiam estar muito tempo atentos e eu compreendia porquê. O sinal vinha quando um perguntava, impaciente, para o outro: «Que horas são?», e compreendia-se porque ansiava pelo fim do apoio. «São horas de comer pão.», respondia o irmão.
Agora, sim. A praia está quase silenciosa. São mesmo horas de comer pão. As vozes parecem vir de longe e só alguns sons esporádicos vibram na membrana do tímpano com mais intensidade.
A Rita foi ao banho. Finalmente ganhou coragem. Eu não.
Ontem ficou com dores de ouvidos porque mergulhou e entrou-lhe água gelada. Passou mal, mas não tem emenda. A atração pelo mar é mais forte. Quanto a mim, sou um prego a tender para o ferrugento e prefiro nadar nas areias finas e douradas, debaixo do chapéu de sol multicolor. É uma progressão lenta e segura, já que as mesmas não são movediças.
Um pássaro pousou a um metro de mim e parece estar a perguntar-me:
«Trouxeste o almoço para mim?»
«Ah... o almoço.» Pensei. «Vai ser caldeirada na esplanada donde se vê o casino. Mas o casino, nem vê-lo no interior. A Rita não gosta de jogar. Abomina mesmo o jogo. Paciência, quando chegar a Lisboa faço uma chamada para a minha sócia dessas andanças de casinos e tudo o mais. Alarguei-me. Tudo o mais, ponto e vírgula!»
«Não, pássaro. Não gosto de chamar-te no geral. Diz-me como te chamas...?»
«Jerónimo. Mas eram só umas migalhinhas!»
Nome do guerreiro apache. Certamente que aquele Jerónimo miniatura é um valente que também arrisca heroicamente a vida para sobreviver.
«Está bem, Jerónimo. Prometo que amanhã trago. Olha... talvez umas migalhas de bola-de-berlim. Assim aproveitamos os dois.»
O pássaro levantou voo porque viu que não levava nada.
Pão. Migalhas. Bola-de-berlim. O tempo é de crise. Temos que cumprir o programa da troika porque, se não cumprirmos, as tranches financeiras ficam em Bruxelas ou lá onde é. E tudo isto por causa da crise internacional, dos países do sul da Europa e de um pinóquio que fez tantas ou tão poucas que já não tinha nariz para crescer. Segundo ele e o lugar tenente ia tudo bem, muito obrigado. Afinal só havia dinheiro para pagar um mês dos vencimentos aos funcionários públicos. Viu-se então o buraco em que nos meterem. E o que vai acontecer? A eles, nada (talvez até um dia; as malvadas pagam-se no futuro...). Ao Zé Povo, zás! Há que levar com a ripa. O mexilhão não tem defesa possível. E se as coisas se agravarem ainda mais (e penso que sim, que não há remédio que cure a doença... até porque a Europa também está muito constipada, já para não falar da grande constipação que grassa nos Estados Unidos - esta altamente contagiosa) penso que ainda lhe vai acontecer uma coisa má. Em boa verdade não queria estar na sua pele.
Chegou a Rita do mar. Dez minutos para secar o corpo e vamos então à caldeirada. A seguir, um descanso merecido depois de um trabalho de Hércules que é degustar uma caldeirada. Quando a força do calor se esbater, faremos uma passeata pela alameda das palmeiras que me lembra, pelo contraste, a alameda dos oceanos, tendo a nascente o Tejo das “vós, Tágides minhas” de Camões, grande Camões que quase me deste cabo do canastro no antigo quinto ano do liceu com os teus “cantos”. São águas passadas.
Aí estão eles de novo. Os dois copos de vinho tinto que o dono do café-restaurante acabou de colocar sobre a mesa. Mas desta vez os destinatários do líquido que “dava de comer a um milhão de portugueses” são outros e não servem para protagonistas.
Do alto do terraço, local privilegiado para abranger em panorâmica as quatro esplanadas e não só, no caso de me fazer acompanhar do Hubble de trazer por casa e poder consultar os astros distantes de alguns anos-luz, os mais afastados e os que estão mortos há muito, procuro vestígios da história que tarda em aparecer. Pressinto que vou passar uma noite em branco. Em baixo, o vento já não se faz sentir. Está morto ou então adormeceu.
O bêbado não repete a história. O cão não foge do dono e não ladra para tudo e todos. O Tinoco não está a galopar. O frango assado foi para o lixo. O pobre do cornudo do Agapito não é desta história. A Rita talvez goste de jogar no casino. Os pássaros esperam pelos restos da bola-de-berlim que nunca mais chega às areias douradas da praia. Afinal não mandei fazer cópias de chaves. O alto do terraço é uma varanda de primeiro andar dum apartamento manhoso que foi alugado por nós na net. Comi as piores sardinhas assadas da minha vida. Fui ao casino, joguei e perdi. Ontem o Tinoco galopou em grande, mas foi surpreendido pelo “cabeça de casal” e levou uma surra tal que foi-se curar ao hospital. Não voltei a descobrir outra nota de dez euros na ATM do Santander Totta. A Rita ainda não conheceu de todo em todo o amor porque não se entregou a ele. Eu chamo-me Mário e conto histórias. Às vezes, são verdadeiras.
O bêbado não repete a história. O cão não foge do dono e não ladra para tudo e todos. O Tinoco não está a galopar. O frango assado foi para o lixo. O pobre do cornudo do Agapito não é desta história. A Rita talvez goste de jogar no casino. Os pássaros esperam pelos restos da bola-de-berlim que nunca mais chega às areias douradas da praia. Afinal não mandei fazer cópias de chaves. O alto do terraço é uma varanda de primeiro andar dum apartamento manhoso que foi alugado por nós na net. Comi as piores sardinhas assadas da minha vida. Fui ao casino, joguei e perdi. Ontem o Tinoco galopou em grande, mas foi surpreendido pelo “cabeça de casal” e levou uma surra tal que foi-se curar ao hospital. Não voltei a descobrir outra nota de dez euros na ATM do Santander Totta. A Rita ainda não conheceu de todo em todo o amor porque não se entregou a ele. Eu chamo-me Mário e conto histórias. Às vezes, são verdadeiras.
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