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E |
stava
casado há poucos dias. Tínhamos vindo de Palma de Maiorca, onde passámos a lua
de mel no hotel Cristina.
O Vera Cruz estava a chegar da sua viagem de Luanda com tropas.
O Vera Cruz estava a chegar da sua viagem de Luanda com tropas.
Já sabia
que ia embarcar nele, para fazer a primeira viagem. Tinha que começar a ganhar
o meu primeiro ordenado.
Os dias
passavam. Até que o chefe Lopes telefonou e informou:
«O Vera
Cruz chega amanhã e seria bom estar aqui logo pela manhã para ganhar o dia e
tratarmos de todas as formalidades.»
Lá fui para
a Rocha do Conde de Óbidos até à Colonial, onde falei com o chefe Lopes.
Tratámos da papelada e recebi ordem de marcha para bordo.
Chego ao
navio e vou ter com o piloto, a quem entrego os papéis.
«Amanhã, às
oito horas a bordo! Por hoje é tudo.» Disse o piloto.
Saí de
bordo, apanhei o elétrico para a Praça da Figueira. A seguir fui beber café à
Suiça e segui para a estação do Rossio, onde apanhei o comboio para a Amadora.
Aí chegado, fui a casa dos meus pais dar um beijo à minha avó Alice e à minha
mãe. Demorei pouco tempo e segui para o apartamento na Reboleira, onde a Luísa me esperava. Contei-lhe todas as peripécias do dia.
«Já estou a
ganhar! Tenho que estar amanhã, às oito horas, a bordo.»
Ainda não
sei o dia da saída. Vamos a S. Tomé e à ilha do Príncipe. A viagem dura vinte e
três dias. É rápida, mas sempre é quase um mês fora de casa.
Chegou a hora do jantar, comemos e arrumámos a cozinha. A seguir vimos a televisão até o "João Pestana" chegar. E chegou bem depressa. Assim como a hora de levantar e de seguir para bordo.
Chegou a hora do jantar, comemos e arrumámos a cozinha. A seguir vimos a televisão até o "João Pestana" chegar. E chegou bem depressa. Assim como a hora de levantar e de seguir para bordo.
Apanhei o
autocarro para o Museu dos Coches (Belém) e daí o elétrico para a Rocha. Viagem
rápida àquela hora da manhã. Ainda não eram oito horas.
Chego a bordo
e vou apresentar-me ao primeiro oficial maquinista. Faz as suas perguntas e
diz, logo a seguir:
«Vou
levá-lo ao seu camarote. Vista o fato de macaco e vá ter à casa das máquinas
com o segundo oficial, o senhor João Lima.»
Assim faço.
Entro no elevador que me conduz às profundezas do navio. Encontro o Lima,
apresentamo-nos e passo o dia com ele.
Às quatro
horas vimos para cima e falamos com o primeiro oficial Albertino.
«Tudo bem.
Podem ir tomar banho. E amanhã, às oito, a bordo.»
Venho para
casa e conto a nova aventura à Luísa. Pergunta-me se estou a gostar. Digo que
sim. O ambiente é bom e calmo.
No outro
dia de manhã estou de novo a bordo e sigo para a máquina com o Lima. Há muito
para fazer. O navio vai sair ao outro dia, a seguir ao almoço.
As caldeiras
começam a levar os primeiros calores até terem pressão de vapor. Assim se vai
passando o dia. Até que chegam as quatro horas e venho para cima com o Lima. O
próximo passo é entrar no escritório da máquina onde está o 1º Albertino.
Ao ver-nos, levanta os olhos da secretária.
«Está tudo
bem?»
O Lima
responde:
«Tudo bem
da nossa parte. O senhor segundo Cipriano está na casa das caldeiras e o senhor
segundo Marques Mendes está na casa da máquina.»
«Bom, vão
tomar banho. Amanhã a bordo, às oito. Já me esquecia, o Soares fica de serviço
à chegada a Lisboa com o 3º Victor Campos Alves. Este rapaz é prático,
não é de curso, mas é muito competente. Tive ocasião de confirmar os seus
conhecimentos ao longo do embarque.»
Vou para
casa o mais rápido possível. Jantamos e vamos a casa dos meus pais para me
despedir de todos.
Volto a
casa com a Luísa. O ambiente é triste, vai haver uma separação de quase um mês.
No dia
seguinte sigo para Belém e daí para a Rocha, onde está o navio. Vou para bordo
e começo no meu trabalho de quartos. Estou a fazer o terceiro quarto, da meia
noite às quatro da manhã e do meio dia às quatro da tarde. O chefe de quarto é
o segundo João Lima. Eu sou o terceiro da casa da máquina e o Victor é o
terceiro da casa das caldeiras.
O navio
saiu no nosso quarto. Em manobras havia sempre o dobrar de quartos.
Às quatro
da tarde ainda estamos em manobras e temos que ficar até dar o pronto à
máquina, ou seja, o fim das manobras. Há que acertar tudo na casa da máquina.
Só depois é que vamos para cima para o nosso merecido momento do descanso. Já
não era sem tempo.
Subo no
elevador e vou direito ao camarote. Mal entro, fico sentado no sofá. Estou
estafado, mais por causa do barulho do que do trabalho. Pouco depois tomo banho
(ó banho abençoado!) e logo a seguir deito-me na cama. Fico aí até à hora do
jantar, que é às sete horas.
Em conversa
na messe fico a saber que entrou um vulcão em erupção na ilha de La Palma.
Vamos poder assistir a um espetáculo fantástico. Fico entusiasmado.
Pergunto a
um colega quando passamos.
«Olha,
depois de amanhã. À noite.»
Assim foi.
Passámos ao largo, com a erupção à vista. Foi uma visão espetacular. Para nunca
mais esquecer.
Esta
erupção durou mais de dois meses, visto termos passado ao largo da ilha por
três vezes.
Continuámos
a viagem para sul. As temperaturas começaram a subir e chegaram a atingir os
57º C. na plataforma de manobras. Era o "inferno de Dante", como o 2º maquinista Cipriano chamava.
Estávamos no Equador [1], a um dia de viagem até S. Tomé e Príncipe.
Estávamos no Equador [1], a um dia de viagem até S. Tomé e Príncipe.
Nesse dia,
à saída do "quarto", fui a tribunal marcial. "Desafiei o deus
Neptuno e tenho que ser condenado por um ato tão impensado".
Reunem-se
os membros do tribunal. O juiz é o 2º Marques Mendes, alcunhado por
"pica a burra". O advogado de acusação é o 2 º Lima e o de defesa
é o 3º Jacinto. Quanto ao julgamento, esse decorre na piscina da 1ª
classe. O ambiente é bom. Como já tinha levado uma série de banhadas de água
fria durante o quarto, sou só condenado a mais uma banhada no quarto da noite.
Sou atirado três vezes para a piscina, onde tenho que ir buscar ao fundo uma
argola em ferro. Caso contrário, por cada falhanço pagava
uma rodada de cerveja o todos os oficiais de máquinas. Como fui ao fundo nas
calmas buscar a argola de ferro não fui condenado a pagar as rodadas de
cerveja, mas o deus Neptuno condenou-me a pagar uma caixa de doze garrafas de
"Mateus Rosé".
O jantar
foi animado com o vinho a escorrer pela goela abaixo de cada um. E no fim houve
uma saúde em minha honra. Depois, entregaram-me o diploma de passagem do
Equador.
De manhã
cedo chegámos ao Príncipe, onde ficámos fundeados. Pouco depois fui a terra de
lancha. Quando cheguei, pensei que estava no Paraíso. Encantaram-me
especialmente aquelas praias de areia branca e os coqueiros altaneiros, à
beira-mar.
Passei a
manhã na praia (digo, Paraíso). A temperatura da água rondava os vinte e
oito graus Celsius e não resisti à tentação de tomar vários banhos. Por volta
das duas da tarde fui para uma esplanada na marginal e mandei vir uns camarões da
ribeira que acompanhei com cerveja bem fresca. Inesquecível a comida e a bebida
com toda aquela paisagem envolvente!
Chegou a
hora de deixar o Paraíso no
seu sítio e de apanhar a lancha para bordo. Tomei banho e só então reparei que
apanhei um senhor escaldão. Até parecia um pimento maduro.
À noite fomos
para S. Tomé, onde também fundeámos.
De manhã
apanhei a lancha e fui para terra. As praias também eram paradisíacas, mas não
tinham a beleza das da ilha do Príncipe. Bebi mais umas cervejas, acompanhadas
por uns pratos de camarão da Ribeira.
Voltei para
bordo.
Dois dias
depois cheguei a Luanda. As chegadas eram sempre de manhã por causa do
desembarque de tropas.
Saí de quarto às quatro da tarde e fui logo para terra. Andei a passear por Luanda. Passei pelo "Polo Norte", restaurante onde serviam uns gelados deliciosos. Acabei por ir jantar aos "Pezinhos na Água", restaurante na ilha, com uma esplanada na praia, onde a água da baía de Luanda chegava. Daí o seu nome.
Saí de quarto às quatro da tarde e fui logo para terra. Andei a passear por Luanda. Passei pelo "Polo Norte", restaurante onde serviam uns gelados deliciosos. Acabei por ir jantar aos "Pezinhos na Água", restaurante na ilha, com uma esplanada na praia, onde a água da baía de Luanda chegava. Daí o seu nome.
Comi umas
garoupinhas grelhadas, que tinham sido pescadas na barra do Quanza. Estas
garoupinhas eram famosas pelo sabor e pela sua consistência.
Saímos de
Luanda ao quarto dia com destino a Lisboa.
Passámos
pelo vulcão que continuava com erupções fortíssimas, que tinham grande beleza
vistas ao longe.
Chegados a
Lisboa todo o mundo foi para casa, à exceção do pessoal de serviço. É claro. Eu
fiquei. Mas a Luísa foi ter comigo. Ao outro dia fui rendido às oito horas.
Saímos de
bordo e apanhámos um táxi para o Rossio. Tomámos o pequeno almoço na Suíça.
Daí, seguimos para o nosso apartamento.
A estadia
foi curta. Depressa se passou com uma tarde em Lisboa a fazer compras. Comemos
uma açorda de gambas no "Telheiro", situado na Latino Coelho e fomos
a um espetáculo.
Regressámos
nos transportes públicos à Reboleira, onde nos esperava o nosso apartamento.
Como os
tempos mudaram...
Se há
coincidência ou não, não sei. O certo é que, cinquenta anos depois, fiz a minha
última viagem no rebocador "Montalvo", indo a Dakar levar um batelão.
Saímos de Setúbal à tarde. À noite, estou na ponte a ouvir as notícias e oiço dizer que o vulcão da ilhaLa Palma entrou em erupção com irradiações
fortíssimas para a atmosfera de fumos e cinzas.
Saímos de Setúbal à tarde. À noite, estou na ponte a ouvir as notícias e oiço dizer que o vulcão da ilha
Estamos a
passar em frente ao vulcão e observo o mesmo espetáculo semelhante ao ocorrido
há cinquenta anos.
Coincidência
ou não, esta foi a minha última viagem!
[1] Uma forma de dizer porque o Equador é um círculo máximo imaginário que divide a Terra em dois hemisférios, norte e sul.
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