quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Férias em Tenerife

 


Estava a ouvir o noticiário das vinte horas e trinta minutos e fui surpreendido com uma notícia. Lavrava um grande incêndio em Tenerife. Vi nas imagens o "Teide" [1] na sua imponência lá no alto. Tudo à sua volta estava em chamas. Um espetáculo triste.
Veio-me à memória o Natal e a passagem do ano de 2013 em Santa Cruz de Tenerife a bordo do rebocador Montalvo.
Tinha saído da Cidade da Praia a rebocar o "Vila Real", da Somague. Começámos logo a apanhar vento forte de norte e uma ondulação de cerca de dois metros. A velocidade começou a diminuir e lá fomos devagar, devagarinho, rumo a Lisboa. Subitamente o tempo agravou-se e logo de manhã recebemos instruções para arribar a Santa Cruz.
Almoçámos já atracados em Tenerife. Durante a refeição muito se falou nos dias que iríamos estar parados e seria difícil chegar a tempo de passar o Natal em casa.
Entretanto o nosso comandante Fredy diz:
«O tempo vai levantar daqui a três dias e já não dá para passar o Natal em casa. Esse será passado a navegar."»
O mestre Paulinho diz de sua justiça:
«Com muita sorte ainda passamos o Natal em casa.»
Alguém diz:
«Seria bom, mas não sonhes com isso.»
O almoço acaba e pensa-se em ir a terra. Estamos num cais bem longe do centro.
O 2º maquinista Tiago vai informar-se no cais com os guardas e regressa com notícias frescas. Ir ao centro é fácil, mas é bem longe. Primeiro vai-se a pé pela rua paralela ao cais até às bombas de gasolina. São quinze minutos a andar normalmente. Aí chegados, apanhamos o autocarro para o centro. O bilhete custa um euro e oitenta cêntimos. No regresso é o inverso.
«Chefe, quer vir?»
Penso e digo:
«Hoje, não. Amanhã irei.»
«Sendo assim, vou aproveitar a tarde e, se calhar, janto no McDonald's, pois estou com saudades de comer um hambúrguer
«Aproveita enquanto podes, puto reguila
Vou até ao camarote, telefono à Luísa e conto-lhe as novidades.
«O Natal já foi.» Digo com uma certa mágoa. «Vamos a ver a passagem do ano.»
Como tudo é diferente! Hoje pego no telemóvel e falo para onde quero. Se preciso de dinheiro vou ao multibanco. Mas há outras coisas que não mudam. Por exemplo, o mercado negro ainda existe em certos países como os de África e da América do Sul.
Passo a tarde a passear pelo cais e avisto o longo caminho que leva às bombas de gasolina. Penso para comigo:
«Amanhã irei lanchar ao "Corte Inglês" e compro a prenda de Natal para a Luísa.»

Manhã do dia seguinte...
Falo com o Tiago e fico a saber que o caminho até é agradável de fazer.
Almoço e vou até ao centro e reparo nas ruas enfeitadas com a decoração. À noite, com tudo iluminado, deve se bonito de ver-se.
Vou lanchar ao "Corte Inglês". Como uma azevia e bebo um chocolate quente. Compro a prenda da Luísa e vou para a rua e ando por aqui e por ali à espera que anoiteça.
Janto no McDonald's. Durante o jantar as iluminações acendem-se. Apesar de simples, são bonitas pelo seu conjunto de cores.
Apanho a camioneta até às bombas de gasolina. Sigo a pé para bordo do Montalvo. Apesar de ser dezembro a temperatura em Tenerife está amena. Uma maravilha. Valha-me isso.
No dia seguinte, o nosso comandante Fredy e o cozinheiro Antunes combinam ir às compras, pois os mantimentos já não são muitos e ninguém sabe a duração da estadia. Falam para Setúbal e o dinheiro é depositado na conta do Antunes. O supermercado eleito é o Carrefour por ser o mais barato e ter mais variedade de artigos. 
Mais de meia tripulação vai a terra abastecer-se e assim passa-se a tarde. As compras são trazidas a bordo pelo Carrefour. Quanto ao jantar é comprado no McDonald's e comido a bordo. Em dias de compras a paparoca vem de fora.

Os dias passam e nada quanto à saída. Ora está o tempo mau na nossa costa, ou está o tempo mau na zona atlântica. Com estes contratempos o Natal e o Ano Novo vão ser passados nas ilhas Canárias. Já não há esperança de chegarmos a tempo às nossas casas. O ambiente a bordo é de tristeza, mas como o velho ditado diz "morre dia, morre dólar". Assim, logo se pensa fazer as festas a bordo o melhor possível.
Pôs-se a situação à dona Manuela, chefe do pessoal da Rebonave.
«Vou depositar o dinheiro para que não falte nada a bordo.» Disse.
E assim foi. Não faltou nada. Umas iguarias compradas. Outras feitas. Como as fatias douradas do 3º maquinista Pompílio.
A estadia prolonga-se e pensa-se em alugar um carro para dar umas voltas pela ilha e ir ao "Teide".
Vamos a uma agências e somos informados que os carros estão todos alugados até à passagem do ano. É uma altura de muito turismo em Tenerife. Só no princípio do ano há carros disponíveis.
Expomos a nossa situação, que é compreensível e fica um carro reservado.
«Caso formos embora, tudo bem, o senhor desmarca.»
O preço é convidativo. Só falta o principal. Um carro. Somos quatro para o aluguer. É só esperar.
Os dias passam-se o melhor possível. Uns lanches no "Corte Inglês". Uns jantares no restaurante chinês e no "Mac". Uns passeios pelos arredores de Santa Cruz com alguma praia à mistura, apesar de estarmos em dezembro. Quanto às compras, estas são guardadas para depois do Natal, altura em que entra tudo em saldo no "Corte Inglês".
O tempo continua mau na nossa costa e não temos condições para sair. Vamos ficando e começamos a ganhar hábitos. Todos os dias dou as minhas voltas e vou lanchar, como não podia deixar de ser, umas iguarias de Natal à cafetaria do "Corte Inglês". Outros vão para a esplanada do restaurante chinês, onde têm internet. Aí passam a tarde, ou ficam para jantar. À noite há quem vá para um bar beber umas cervejas. Toda a tripulação está feliz. Todos têm as suas preferências satisfeitas.
Chega a noite de Natal que é passada em grande harmonia. Uns lembram a família que está longe. Outros dizem que não se pode ter tudo; e lá vem o velho ditado: "morre dia, morre dólar".
Ficamos na messe a conversar mais um pouco. E depois, camarote. É tempo de falar com os entes queridos.
O dia de Natal é passado a bordo. Dou um passeio pelo cais para esticar as pernas e volto a falar para casa. As saudades apertam. E assim se passa o Natal. Apesar da distâncias talvez tenha sido o melhor de todos passado fora.
Chega mais um dia. É o tempo de saldos. Faço as minhas compras. Vejo uns "Reis Magos" montados nos seus camelos. Faltam-me no presépio. Serão caros? Pergunto o preço. É convidativo. Nem sequer hesito.
Vou para a secção de roupas e faço mais compras. A viagem já dura desde outubro e estou a precisar de roupa mais quente.
Chega a hora do lanche e entro na cafetaria. Mais doces de Natal e um chocolate quente. Fico por lá a fazer horas para apanhar a camioneta.
Janto a bordo. De seguida vou para a cama. Até chegar o sono, ponho-me a ler "O Pagem da Duquesa", de Campos Júnior. Trata-se de um romance histórico muito interessante.
A nossa saída continua a ser adiada. A Companhia de Seguros não dá luz verde para sair. A Somague, a Rebonave e a Seguradora falam umas com as outras mas nada fica resolvido. O mau tempo na costa é uma realidade. As janelas entre a bonança e a tempestade são pequenas. Não há condições de furar o tempo.
Chega a passagem do ano e vamos às compras para não faltar nada a bordo. Tudo continua a correr em bom ambiente.
Depois do jantar formou-se um grupo para ir ver o fogo de artifício. Não dei por perdido o tempo. Foi muito bom. A seguir, o grupo dividiu-se. Uns foram para bordo, como eu e o Fredy. Outros continuaram por terra.
O dia de Ano Novo também foi passado a bordo. Nada faltou ao almoço e ao jantar. O bom ambiente manteve-se.
Finalmente chega a manhã de telefonar à agência a saber do carro. Boa notícia. O carro está à nossa disposição.
Diz o Antunes:
«Estamos no ir! Temos muito que andar até à agência...»
E lá vamos até ás bombas de gasolina para apanhar a camioneta. As formalidades do carro são feitas e este é-nos entregue. Começa o passeio pela ilha. Contornamos a marginal em direção ao "Teide". Aí chegados, almoçamos num restaurante perto da estação do funicular.
No fim do repasto entramos no funicular que nos vai levar ao ponto mais alto de Espanha.
E que vemos lá em cima? Uma vista maravilhosa. Vale a pena, mas está muito frio e estamos rodeados de neve. Pouco depois voltamos para baixo. Na zona dos restaurantes a temperatura é bem mais agradável, apesar da altitude.
Chegados ao carro é o momento do regresso ao centro da ilha. Fazemos várias paragens para apreciarmos a paisagem. Como é cedo, resolvemos ir à parte norte da ilha, onde jantamos e passamos um pouco da noite.
Fala-se do tempo que vamos ficar com o carro. O preço é bom e o carro faz muito jeito porque o centro é longe. Com o carro ao portaló tudo fica perto. São mais dois dias que aproveitamos bem indo a uma série de estâncias balneares.  E assim se vai passando o tempo...

Finalmente chegou o dia da saída rumo a Lisboa, onde vai ficar o "Vila Real". Depois, Setúbal. Mas nem tudo continuou a ser rosas. Para variar, começámos a apanhar vento norte e ondulação de metro e meio. Lá fomos navegando devagar, devagarinho. Com o tempo a agravar-se, veio a ordem de arribar a Portimão. Aí atracámos e ficámos dois dias.
Saímos com vento pela proa e ondulação de metro e meio. A velocidade não ultrapassou os dois nós e seguimos ao longo da costa. Em caso de agravamento do tempo arribávamos a Sines. Mas não aconteceu. Felizmente. Até que chegámos a Lisboa, onde ficou o "Vila Real". Daí a Setúbal foi um pulo. Só quatro horas.

Esta viagem teve início a 27 de outubro e só terminou a 17 de janeiro.
Foi a minha primeira viagem no Montalvo que se iniciou a rebocar dois batelões para o Togo. Nunca se pensou chegar a Setúbal em janeiro de 2014.


[1] Ponto mais alto de Espanha com os seus 3378 metros e as suas neves quase perpétuas.

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