Talvez não tivesse sido boa ideia aceitar o convite do meu amigo Ricardo. Oxalá não me arrependesse, pois não acreditava nessa coisa da existência dos espíritos, muito menos nas sessões espíritas. Quanto a mim, essas sessões tinham muito a ver com truques, bem ou mal feitos, que na maioria dos casos passavam despercebidos aos assistentes das ditas sessões. Mas o Ricardo insistiu e fiz-lhe a vontade.
«Vais ver que mudas de opinião, Adalberto.»
«Está-se mesmo a ver. Mas vou só porque fazes questão na minha presença.»
«Vais ver que mudas de opinião, Adalberto.»
«Está-se mesmo a ver. Mas vou só porque fazes questão na minha presença.»
«Olha, queres que te conte um caso que aconteceu-me há dias?»
«Obrigado, é melhor não saber.»
«Compreendo o desejo. Não queres deixar-te influenciar.»
«Nada disso, amigo. É apenas uma questão de desinteresse. Mas conta comigo para a sessão. E olha que vou estar muito atento.»
E ficámos por ali.
Um pouco antes da hora combinada para a sessão espírita encontrei-me com o Ricardo num café perto da casa onde ia realizar-se a tal sessão. Não sabia porquê, mas estava um pouco ansioso. talvez por ser novidade, ou por inconscientemente pressentir que a coisa podia correr mal. Felizmente que o meu amigo não deu pelo estado de espírito em que encontrava. O seu entusiasmo era notório.
Vieram para a mesa os cafés que o Ricardo pediu.
«Não sei se querias normal ou cheio. Escolhe a chávena.»
«Tanto faz.»
E peguei numa das chávenas pela asa.
«Oh!»
Tinha pegado tão bem que a asa soltou-se dos dedos e o café entornou-se sobre a mesa. Sorte a nossa o café não ter passado do tampo.
«Não sei como aconteceu isto...»
«Vais ver que tudo corre bem.»
«Não é o que pensas. Simplesmente a asa da chávena escorregou-me dos dedos. Ainda estava um pouco húmida.»
O Ricardo sorriu e endireitou a chávena pela asa.
«Está seca.»
«O quê?»
«A asa, Mas há um problema. Quando se entorna café é um prenúncio de discussão.»
«Não vejo como...»
«Que se passa contigo e com a Júlia?»
«Nada. Absolutamente nada.»
A Júlia era a minha companheira recente. Uma mulher muito calma, dócil e também atraente. Além do mais considerava-a uma amiga colorida. Nada mais. E o mesmo devia passar-se com ela. Digamos que estávamos à experiência.
«Então tens um encosto. Isto foi um sinal.»
«O que é um encosto?»
Talvez se referisse a um pequeno acidente com o meu carro. Fiquei a olhar para ele. Esperava mais dados.
Respondeu-me com outra pergunta.
«Morreu alguém recentemente na tua família? Ou um amigo...»
«O Pedro Fernandes, bem sabes.»
«Não é ele. Nem há um mês foi cremado. É outra pessoa.»
Que queria dizer?
Então explicou-me. Uma pessoa morria subitamente e deixara qualquer coisa em suspenso quando ainda em vida. Uma dívida, por exemplo. Ou uma promessa que tinha de cumprir e agora estava impedido. E então encostava-se a outra pessoa, podendo até provocar-lhe distúrbios psíquicos enquanto o seu problema não fosse tratado. Mas não podia ser o Pedro.
«Por enquanto anda perdido e julga que está vivo. É muito cedo para admitir que morreu. Tem que ser alguém que morreu há pelo menos seis meses. E se a morte não foi natural, mais espaçado será o tempo, compreendes?»
«Sim. Mas tudo isso que me contaste não passa de uma treta.»
«Veremos, Adalberto. Daqui a pouco já vamos saber.»
«Achas que sim?»
«Tenho a certeza.»
«Ah, Ricardo, não sabia que estavas tão apanhado com essa coisa dos espíritos. E vai aparecer algum com correntes e assim?»
«Não brinques com energias poderosas.
A sessão tinha lugar na casa de um amigo do Ricardo. Quando chegámos estavam todos à espera do médium. Ao todo seríamos oito, incluindo este.
Logo a seguir às apresentações chegou uma mulher. Afinal o elemento principal da sessão espírita era mulher. Para mim, leigo na matéria, tanto fazia.
«Passemos à sala contígua...» Disse o anfitrião.
A sala estava mergulhada numa meia obscuridade e nela destacava-se uma mesa escura, redonda, que admiti ser de pé-de-galo.
«Podem sentar-se ao acaso.» Convidou o anfitrião. «Apenas este lugar é para a
Natércia.»
Obedecemos e ficámos à espera.
«Nada de cruzarem os pés.» Disse a Natércia.
Por acaso eu tinha os pés cruzados.
«Nem um sussurro!» avisou.
A meia obscuridade transformou-se em escuridão absoluta. Logo a seguir veio a indicação para darmos as mãos. Fiquei à espera de acontecer qualquer coisa. Por exemplo, um grito histérico ou uma voz abafada. Eu sabia lá. Era novato naquelas andanças.
Nada disso aconteceu. Ouvi um ruído de interruptor e toda a sala ficou iluminada.
«Desculpem, há uma pessoa que não acredita e essa pessoa tem que sair já...»
«Eu?» pensei.
«É o senhor do bigode. Tem que esperar lá fora.»
O senhor do bigode saiu. Por acaso não o conhecia.
A escuridão voltou e demos outra vez as mãos. Sem saber porquê voltava a sentir-me inquieto.
Novo acender de luzes e a voz da médium fez-se ouvir, agora irritada. Pudera!, era outro cliente a menos. Mas também tirei uma conclusão. Ela não era negociante.
«O senhor...»
Tinha olhado na minha direção. Respirei de alívio e fui juntar-me na outra sala ao homem do bigode. A porta fechou-se e ficámos isolados da sessão espírita, sentados em duas cadeiras em mogno de costas altas, encostadas à parede contígua à sala onde se realizava a sessão. A sala era enorme. Não tinha mais que meia dúzia de móveis, encostados às paredes, ornamentados com uns tantos bibelots. Ao meio, partindo do teto alto, pendia um lustre de oito braços a condizer com as dimensões da sala.
«Já agora, chamo-me Adalberto Antunes.»
E ele chamava-se Júlio Peralta.
«Esta sala está abafada.» Queixou-se o meu companheiro.
«Também acho. Estamos em fins de maio e o calor já aperta.»
«São as alterações climáticas, meu amigo. Temos que nos habituar a estas noites quase tropicais. Repare, não sopra uma brisa.»
«Tem razão. E se abríssemos uma janela?» perguntei.
O homem do bigode levantou-se e encaminhou-se para o fundo da sala, onde havia uma janela. Voltou-se para mim e acenei com a cabeça. Ato contínuo, afastou um pouco os cortinados espessos e abriu a janela, deixando-a toda escancarada. Pouco depois estava de novo sentado ao meu lado.
«Acredita nestas tretas de espíritos?»
«Como o senhor fui expulso.»
A minha resposta tinha uma lógica de cem por cento.
«Como é que a fulana deu conta?»
«Também gostava de saber. Que foi estranho, foi. Só vim cá porque fui convidado por um amigo.»
«E eu também. Mas confesso que gostava muito de assistir à sessão só para desmascarar a médium. Duzentos euros é obra!»
«São duzentos euros que não pagamos.»
«Acha?»
«Claro. Não pode ser de outra maneira, já que não assistimos.» Afirmei, convicto.
«Então ela perde de mão beijada quatrocentos euros!»
«Já lhe aconteceu alguma coisa estranha, sem explicação?»
«Nada de especial.»
«Nem a mim.»
De repente vi os cortinados a agitarem-se, ao fundo. E foi o começou. Um golpe de vento agitou-os ainda mais e não foi só. Tal era a força do vento que senti que chegava até mim. E mais. Um frio inexplicável gelou-me da cabeça aos pés. Os próprios cabelos eriçaram-se e todo eu estremeci.
Pouco depois voltou a calmaria.
Olhámos um para o outro e corremos até à janela. Lá fora, a noite estava calma, morna, sem sinal da passagem de uma ponta de vento.
«Essa agora!» exclamou.
«Será que foi uma sugestão? Até senti um frio de gelar...»
«E eu também!»
«Oh!»
Segui a direção do seu olhar. O lustre oscilava com uma amplitude ainda razoável.

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