segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Pensamentos de A. M. Fonseca

 




(reprodução quase fiel de uma gravação)  

Casa da praia. 17 de abril de 1988[1]

Quem sabe qual é a última verdade [2]
A "última verdade" é algo que ficou por dizer. É um Mário transfigurado ou um António Fonseca disfarçado. Uma Teresa sem destino, ou uma Cristina [3] sem  enigma. Tudo isto pode ser a última verdade. Mas para quê tentar esquecer uma coisa que afinal pode não existir, a não ser na sua essência? Ou será que existe?Admito que pode ter existido, pelo menos a sua busca constante e sem êxito que começou há quase um ano. Para marcar a verdade certa, há cerca de três anos [4], quando entrei em casa e olhei instintivamente para o relógio de pêndulo que estava parado. Fiquei especado a olhar para ele. Encolhi os ombros e pensei que era melhor dar-lhe corda. Foi então que constatei que o relógio, apesar de parado, tinha a corda toda. Estava parado, porquê?
Fiquei... como é que hei de dizer... com os cabelos em pé e arrepiado. O pavor instalou-se e saí de imediato porta fora, a correr.
No dia seguinte, em casa, a certo momento senti que não estava só.
Foi há três anos que tudo começou a acontecer e a encaminhar-se para a procura de uma razão que explicasse todos os fenómenos que aconteciam, principalmente naquela casa.
O ano passado, também em abril, aconteceu o caso da cassete suspensa [5]. Acho que foi um fenómeno que despertou de vez o meu interesse para o paranormal. O meu espírito, o subconsciente, o "outro eu que não eu"... foi um despertar turbulento rodeado dos acontecimentos mais incríveis e no que diz respeito à frequência.
Hoje as coisas não acontecem como aconteciam naquela altura. Principalmente no que diz respeito à frequência. Tudo é diferente. Depois de grandes escaramuças internas sinto que não estou só. Nada vejo, nada me toca, nada cheiro, mas as coisas estranhas acontecem e fico suspenso. À espera. Por exemplo, o relógio que estava parado pode voltar a dar um sinal. Não me espantaria poder voltar a acontecer, embora não esteja ainda preparado.
Qual foi o motivo que me levou a lançar cá para fora, de improviso, estes pensamentos? Quem me bloqueou naquela tarde?
Quero acabar com as palavras de uma vez por todas. Não desejo falar de mim. Mas sinto que é imperioso. Por isso resisto. Não vou falar no futuro porque o regresso às origens é inevitável. Só por isso tenho um álibi. Mário e as gaivotas [6] que neste momento não estou a ver. Elas afinal já não passam. Mário está perdido num labirinto. É trágico. Não tem saída. Os seus fantasmas não permitem. A sensação de culpa não o abandona. Nem por um segundo.
A Teresa [7]é uma hipótese remota de ele esquecer-se dos seus fantasmas. De esconder-se. Mas Teresa é parte de uma ficção e não pode vir à luz do dia. E vê nela uns olhos castanhos e tristes que espelham uma tragédia que ainda não se apagou. Mudando o nome para Patrícia volta a enfrentar-se com a ficção. Uma ficção quase real. Mas uma ficção. É preciso o amor criar uma nova personagem que se sobreponha à real e não seja uma ilusão. Coisa impossível, porque os mortos não voltam, nem a máquina do tempo existe. Viver com o seu fantasma é a única hipótese. Não vê a Manuela, mas sabe que existiu e talvez hoje ainda exista.
Aquela casa em ruínas [8] que estou sempre a ver deve ter um significado. Não sei explicar. O certo é que também já a vi por duas vezes em sonhos. Deve haver qualquer razão. Uma vida destroçada, por a casa estar em ruínas? A vida destroçada de quem? Ela partiu. Mário não existe. Resto eu...
Passou no meu horizonte uma gaivota. Voa baixo, gaivota! Vem até à ondulação buscar aquilo que procuras e depois voa alta porque é esse o teu mundo. Não o símbolo gravado na história. Se fosse, voavas alto rumo aos anos-luz da distância. Voavas para longe de mim e representavas quem fomos na passagem por esta Terra agreste e implacável.
Não voaste. Foste pelo túnel de luz que não tinha a luz mais intensa e agora estás à minha espera.
Tens medo, gaivota? Não chegou o tempo. Os comboios continuam a passar e não param. Tens uma missão a cumprir que ainda não foi bem definida. De vez em quando o Sol rompe entre as nuvens, mas os dias continuam a ser cinzentos. Voltar ao passado é impossível. Mesmo que conseguisses só ias encontrar recordações de dias azuis e o teu agora é cinzento.
Não passas de uma gaivota voando em círculo vicioso. Estás confusa. Voas e não sabes voar. O teu voo está a ser feito no sentido inverso.
Agora falo do Mário que também pode ter sido a gaivota. Estiveste parado, Mário dos mil rostos, das mil facetas que tem para mostrar.
Mário será sempre atingido pela fatalidade. E fatalidade é destino. Eu sou o destino de Mário. Mas há outro que te esconde tudo e nos sonhos lança algumas migalhas para ganhar tempo e depois atacar-te a fundo, tal buraco negro que tudo atrai e devora. Não importa o quê. Está atento. Sê tu. Não te escondas na luta entre o teu real e o teu fictício. Sê tu. Define-te.
Gostava de fazer chover, mas sou apenas um aprendiz de feiticeiro. Só tenho imagens invisíveis, odores mascarados, vozes que emitem sons inaudíveis. O bloqueio é uma realidade. Tudo parece passar-se noutra dimensão. Se ao menos pudesse entrar na porta e passar para o teu lado! Bem tentei uma vez na casa da praia. Lembro-me que, um dia, supostamente olhei para lá, tentando imaginar o que me esperava quando chegasse a hora de partir. Vi tudo muito difuso. Sinais contraditórios que me amedrontaram, principalmente quando do interior da casa olhei o mar. 

(fim da gravação do lado A)

Nunca estivera tão perto! Parecia que se aproximava de mim. Não sei explicar. Foi uma sensação tão estranha de impotência! A ondulação era forte. 
Não posso esquecer esse dia que, ao mesmo tempo que me lançou a confusão, fez-me despertar para algo que tenho a certeza que existe e que agora parece estar muito perto e chama por mim. Mas há qualquer coisa que falta, qualquer coisa que me diz que, de um momento para o outro, a luz pode surgir.
Depois, havia o apelo da luz intensa dos túneis. Mas havia também a sensação estranha de culpa provocada por alguém que estava perto. Talvez não fosse ela. Queria descobrir a verdade, mas não conseguia ir ao seu encontro. A vontade de descobrir aquilo que estava mais perto do que nunca era insuficiente para continuar na senda da verdade. De momento tinha que desistir. 
Quando a força estiver comigo, voltarei. Quero admitir que a vontade de descobrir me levará longe. Tudo tem a ver com aquela noite em que vi o caixão com muita luz.
O caixão com muita luz! É inesquecível.
A certa altura da noite julgo que acordei com uma visão. Do meu lado direito, entre a cama e a parede, havia uma espécie de tabuleiro algo profundo. Digamos que era uma caixa de forma prismática. Aberta. Talvez fosse um caixão. Mas um caixão com muita, muita luz. Uma luz branca, tão intensa, que não deixava ver mais senão... luz!
Voltei-me para o outro lado. A luz ofuscava-me. Não senti medo. Adormeci de imediato.
Apenas fora um sonho?
De manhã, ainda na cama, tentei rever a visão. Um tabuleiro vazio e muito iluminado que não deixava ver mais nada a não ser a luz. Um caixão talvez à espera de alguém ou abandonado por alguém que já tinha muita luz. Ela?
De qualquer das formas, que significado dar?
E havia outra coisa de que me estava a esquecer. Já não estava afónico!
Fui muito cedo ao cemitério e levei meia dúzia de rosas vermelhas. As flores que estavam na campa eram as mesmas de ontem. De certeza que ninguém lá tinha ido. Coloquei as rosas sem tirar as outras flores. Havia um rosário. A imagem redonda da senhora de Fátima que deixara da última vez já lá não estava. Talvez a mãe ainda fosse viva e viesse de Évora, na rodoviária. Estávamos a 3 de junho e fazia anos que ela tinha falecido.
A dona Ema mentiu-me quando disse que ela estava a afastar-se lentamente. Isso é falso. Sei que estás próxima. E sei também que não quiseste fazer-me mal. E eu não quis fazer-te, embora me sinta culpado porque não soube ser forte. Estava determinado que fosse assim, que seguíssemos caminhos paralelos. Na verdade, as paralelas não se encontram. Talvez até nem no infinito, porque põe-se a dúvida até se o Universo é infinito. Mas estou para aqui a divagar.
As visões acabarão por trazer alguma luz. Os sinais são muitos desde aquele dia da cassete suspensa. Um fenómeno que só pode estar ligado à Manuela. Estivemos muito perto e julgava que ela era o meu destino. Mas enganei-me. Reforço que as paralelas só se encontram no infinito. E quem as traçou já sabia o que estava a fazer. Deus não existe ou então nunca gostou de mim. Desisto dele. Definitivamente desisto.
Aquela história do homem curvado é mais uma confusão. Não sei interpretar. Não sei porque me lembrei agora de a associar às dores hepáticas que tenho sentido e intestinais, depois do Afonso me ter falado do sogro sobre o seu suicídio, O homem estava muito mal e optou por essa saída. Que ligação há com o homem curvado? Segundo a Flora, segunda mulher do tio Mourinho, esse homem, que já me fez muitas partidas, diz que ainda vai fazer mais. Com que objetivo não sei. E é lógico. Nem sequer o conheço. Não será tudo um embuste da Flora?
Continuo a dizer que continuo numa encruzilhada, indeciso, à procura do verdadeiro caminho que não me traga maus encontros. Tenho que aprender a distinguir o que é bom e o que é mau para mim. Só assim conseguirei afastar-me do indesejável. Julgo que ainda tenho uma missão a cumprir e é só por isso que ainda ando por cá, neste planeta azul e nada, nem sequer os brincalhões, me irão afastar do rumo traçado quem me quer bem. A partir de agora vou estar mais atento. 
A vontade de descobrir a última verdade há de transformar a noite em dia e será então que verei outra vez o corpo de luz, aquela luz intensa que um dia vi ou julguei ver. Através dessa luz verei tudo. Hei de ver-te, estrela. E sabes uma coisa? Acredito que estás a ver-me, mas tens medo de aparecer. Dizem que choras. E porquê? Porque tens penas de não teres sido minha em vida?
A verdade está escondida na escuridão e aí não posso chegar. Só gosto da claridade. Da luz. Portanto, há uma dualidade. Uma luta entre a luz e a escuridão. Por momentos, julgo que sou dois. Um que me chama para a luz. Para a clarividência. Para o paranormal. E outro que me obriga a ser o insignificante do costume, o que se deixa arrastar pela corrente, pelos acontecimentos do dia a dia e que não intervém. Por medo ou por narcisismo. Portanto, sou duas faces da mesma folha escrita com textos diferentes. É importante apagar uma. Algum dia vou conseguir?
Agora vem a terreiro o flashback. É curioso. Sinto-me bem quando me lembro dessa palavra. Para mim é saudável retornar ao passado em pensamento. Recordar os bons e os maus momentos. É um processo eficaz de aprendizagem. E é especialmente bom sonhar acordado com ela.
Alguma coisa me diz que, quando chegar o meu dia, vou ser encaminhado por alguém para o túnel que tem a luz mais intensa. 
Voltando ao caixão com muita luz, uma luz que quase me cegou quando a enfrentei, em sonho, ou acordado, será que ela me quis dizer que a sua morte foi natural? Contudo, permanece a dúvida. Nunca consegui saber a causa da sua morte, bem como a doença que lhe minou a vida. Foi-me negado.
Tanto mistério em volta da sua morte, porquê?
E a cassete suspensa teria a ver com a sua viagem para o além, que fora interrompida por um motivo que eu desconhecia?
Estará ainda presa no limbo?
Disse aqui, algures, que não sabia fazer viagens astrais. Será verdade? É uma dúvida que se põe. Lembro-me daquela vez em que acordei com o ruído da arca frigorífica. Contei o sonho à Lara...

9 de julho de 1988. A gravação.
(É posterior, mas adequa-se.)

Lara [9]...
«O que eu estava a dizer era o seguinte. Quem escreveu sobre o corpo astral certamente sabe o que está a dizer, pois passou por experiências fantásticas que tentou pôr no papel. Li um livro muito bom em que o autor ensinava inclusivamente a projetarmos, por meio de exercício, o nosso corpo astral que fica sempre pegado ao corpo físico por uma espécie de cordão umbilical que pode estender-se indefinidamente e nesse corpo astral realizam-se vários trabalhos de natureza espiritual. Ir junto de pessoas que estão mal, consolá-las. Mesmo com outros seres que estão no astral e já não têm corpo físico, pode-se trabalhar com essas pessoas. Fazer descobertas. Pode você, por exemplo, ser projetado daqui para o Tejo e ver o rio de cima. É lindíssimo! São experiências maravilhosas. Mas não são só maravilhosas porque, por vezes, encontram-se entidades no astral que são monstruosas, negativas, que tanto podem ser pessoas a dormir e que têm o seu corpo físico, como outras que estão presas no astral e que não têm capacidade para evoluir. Essas pessoas chegam a atirar-se às outras, mas não lhes fazem mal nenhum porque o corpo astral ultrapassa os objetos opacos. Esses entes que vivem no astral são pessoas que estão presas por uma vida imperfeita que tiveram. Atiram-se para a frente como um cão raivoso e a pessoa recebe um impacto. Acho que há um impacto qualquer, mas não podem agarrar a pessoa se esta já for espiritualmente desenvolvida. Então, quando a pessoa está para acordar, o corpo astral regressa.»
«Não há na altura uma espécie de um choque?»
«Pode haver. Pode haver na altura. O corpo astral regressa a si e o Mário ou continua a dormir, ou até acorda. E há muita gente, segundo aquele autor, como você, que não é consciente no astral que pode trabalhar aí para fazer o bem.»
«Embora não tenha consciência. Concordo. Isso dará algum cansaço?»
«Deve dar a sensação de quem não dormiu bem. Mas o que eu ia a dizer... Houve um tempo que, enquanto rezava à noite, pedia a Deus que não me deixasse perder tempo a dormir e que me fizesse trabalhar no meu corpo astral. Claro que acordava muito cansada. Não é agora que, por causa dos comprimidos, acordo cansada. Nunca fui consciente no astral. Sonhos astrais não tive. Mas aquele homem faz descrições pormenorizadas. Podem visitar-se pessoas de quem se gosta, ver como as pessoas estão, se estão bem, se estão mal...»
«Mas a pessoa não tem consciência...»
«Quem é verdadeiramente consciente no astral sabe muito bem como agir e fazer muito bem. Quem me diz a mim que o seu corpo astral não está muito desenvolvido? A memória não é coisa que seja importante. A memória é o resultado de muito treino. Tenho muita pena desse livro, mas desapareceu. Eles ensinavam a pessoa a sair do seu corpo, a ver-se pairando acima do seu corpo e depois sair para várias missões. O livro é muito interessante.»
«Recordo-me de uma coisa que considero um enigma e que está relacionada com um acordar súbito, precedido pelo barulho do trabalhar da arca frigorífica que tenho na cozinha. Com se estivesse mesmo em cima da arca nesse momento e afinal estava deitado na cama.»
«Como se sentisse uma vibração?»
«Não, não. Senti o ruído da arca a trabalhar. Parecia que estava na cozinha. Ao mesmo tempo ouvi um disparo e acordei. Tive a ideia que era o disjuntor. Uma avaria qualquer.»
«Mas não houve...?»
Interrompi-a e prossegui a minha narração.
«Acendi a luz. Não havia problema em qualquer fase. Fiquei na dúvida, mas sem saber porquê não me levantei. Deixei-me ficar pregado à cama. Mas estava de facto virado de barriga para o ar. E pronto, voltei-me para o outro lado e adormeci outra vez. De manhã, quando me levantei, fui à cozinha e a arca estava a trabalhar. Ah! Agora me lembro. Depois do disparo ouvi trabalhar a arca. A arca deixou de funcionar e depois pareceu-me ouvi-la trabalhar de novo. Não fui ver. Ou não tive vontade de levantar-me, ou não consegui. Admiti uma hipótese: terei passado por ali? É uma coisa parva!»
«Pode ter passado por onde quer que tenha passado... que tenha interessado passar.»
«E o estalo seria talvez o reencontro do corpo astral com o corpo físico.»
«E o despertar ao mesmo tempo. Sabe que, para além do corpo astral, ainda há o corpo...»
Não conseguiu lembrar-se no momento. Continuou.
«O outro corpo é o búdico. O corpo búdico, que vem ao encontro das doutrinas do oriente, que é um corpo em que nós atingimos a consciência dele quando já não voltamos a este mundo. Admitindo a teoria da reencarnação, vimos várias vezes a este mundo para esgotar as nossas experiências, completar o que ficámos a dever e criar karma positivo e que é aquilo que você faz quando tem um desgosto e faz bem a quem lhe fez mal. Há milhentas situações. Ou então também pode acumular karma negativo, reagindo mal, procedendo mal contra a lei natural para não estar a falar em moral cristã e esse karma negativo vai provocar uma sobrecarga de vidas no futuro. Eu tiro esta conclusão terrível: afinal o purgatório é aqui.»
«Eu também tenho essa ideia. As contas pagam-se cá.»
«Pagam-se aqui. As pessoas já nascem no seio de uma família que tem um condicionalismo tal que lhe proporcionam determinadas experiências a que reagem bem ou mal. Reagir bem até pode ser suposto à dor e à tristeza, com alegria no sentido de ajudar, e tudo aquilo que fizermos de bem dá a possibilidade de gastarmos o nosso karma negativo. Vamos evoluindo e começa-se por ter consciência do corpo astral. Vou buscar um livro que fala dos diferentes corpos do homem. Peço-lhe que não mo perca...»


Portanto, não havia qualquer vestígio, a não ser o estranho barulho da arca a trabalhar, que ouvi como se estivesse sobre ela.
Continuo a dizer que não sei voar e que não passo de um aprendiz de feiticeiro. As perguntas martelam-me a cabeça e as respostas são nulas.
Gostava de fazer chover. De seguir o voo gracioso de uma gaivota que não voasse em círculo vicioso. Gostava de ser o Mário. De viver a sua vida fantástica, mas frustrada. Ora a minha vida, a que chamei a vida de um operário em construção, não passou de algo que foi construído como um castelo de espuma. Um mundo de quimeras onde não existe ninguém real.
O meu tempo vai-se escoando sem concretizar o desejo de chegar ao outro lado onde julgo não haver tempo. Disparate. Tem que existir tempo. Talvez quisesse dizer que do outro lado não dava pela passagem do tempo.
Estamos talvez no mesmo tempo em sítios diversos [10]. Só que não vemos o outro lado da folha porque esta nunca muda. Vivemos várias vidas a sós. Inspiramos o mesmo ar. Mas desconhecemos o que nos está a acontecer nos vários universos (teoria do multiverso) em que nuns somos felizes e noutros vivemos desencantos. São muitas realidades. Se pudesse substituir aquela que vivemos ontem nesta Terra de passagem! Ser esta vida fictícia e poder saltar para a outra, a vida real que me estava destinada ou o livre arbítrio imperava...
Mas há uma dúvida que me assalta. Relaciona-se com a matéria e as sensações. Receio que os nossos corpos sejam de uma matéria diferente e o que sentimos quando nos tocamos não nos aqueça os corações. E como posso ver o teu sorriso, a tristeza espelhada nos teus olhos, a alegria quando estávamos juntos, a melancolia e a saudade depois que fomos tocados pelo desencanto?
Para quê existirem tantas dúvidas sobre a possibilidade da existência de vivências noutros universos se só me lembro deste e tu já cá não estás?

(Fim do lado B da cassete)


[1] Um pseudónimo de A. Claro Ceia. Monólogo quase integralmente enquadrado com os pensamentos de António Fonseca (A. M. Fonseca).
[2] Nome que dei a um romance de ficção científica que escrevi. Mais tarde mudei o título para "Quando a Terra ficou em Perigo". 
[3] Cristina, a "Esfinge"
[4] "Sinto os sinais da mudança. Há qualquer coisa no ar que ainda não se revelou. Mas virá. Tudo tem o seu momento. Vou ficar à espera. Do meu esconderijo vejo o negrume da noite. Por enquanto há luz a envolver-me. Por enquanto. Resta saber quem vai crescer e absorver o outro .
Ontem aquilo voltou e instalou-se sem cerimónia. Lutei. Sem êxito. Dominou-me quase por completo. Que sensação tão estranha! Como se estivesse a roubar-me algo!
Verguei ante a coisa que me obrigara a sentar-me durante a aula. Os alunos não tinham notado. A aula continuou normalmente. Estava lúcido. Apenas lutava contra um inimigo invisível. Nem uma gota de suor escorria pelo rosto. A luta era cá dentro. Surda. Aquilo estava ao mesmo tempo em muitos sítios da cabeça. E o tempo ia passando numa sala dos pavilhões, sem que os alunos dessem conta.
Finalmente a campainha tocou e os alunos saíram. Continuei sentado por mais uns momentos. Sempre em luta contra os moinhos de vento de um D. Quixote de cólera aplacada. Ainda tinha mais uma aula e não era nos pavilhões.
Fui pensando pelo caminho que me levava a casa. Que estava para acontecer? De certeza que não era comigo. Acontecia sempre com os outros. Era “avisado” antes ou depois de acontecer. Enquanto pensava, senti que aquilo se escapava, tal polvo que foge, não sem antes ter deixado à sua volta uma mancha de tinta que o torna invisível.
[5] O relógio de pêndulo e a cassete suspensasete
[6] Os longos dias azuis
[7] Quando a Terra ficou em perigo (Consulte o arquivo e comece a ler a partir da postagem (1)
[8] O último andar de uma casa que tem perto o lago do Gadanha, em Estremoz.
[9] A morte não anunciada de Lara
[10] Nos universos paralelos pode haver muitas facetas de mim e do mundo. Morro cedo e Hitler ganhou a guerra. Não encontro a Manuela e vivo outro grande amor. O asteroide que extinguiu os dinossauros não atingiu a Terra. Encontro a Manuela e somos felizes. E muito mais.

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