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recisava de arejar as ideias. Aquele exercício de limites de sucessões de Matemáticas Gerais tinha-lhe dado água pela barba e não conseguiu encontrar um artifício ideal para o mesmo. Alguns exercícios sobre limites eram muito difíceis e apenas um artifício (leia-se truque) servia de chave para chegar à solução.
Ainda a pensar no raio do exercício, o Alberto saiu de casa, ultrapassou o primeiro patamar, desceu três degraus e chegou ao segundo patamar e rodou a pesada porta da rua.
«Vou até ao jardim e sento-me no banco em calcário mais próximo da igreja.»
Talvez um anjo disponível no momento o ajudasse.
Já no passeio começou a subida até ao cruzamento, passando sucessivamente por dois prédios de um só piso, dos anos quarenta, absorto ainda na complexidade do exercício. As frequências aproximavam-se a passos largos daqueles minutos de descanso para depois prosseguir numa direta pela noite fora. A dificuldade estava nos limites. O estudo das derivadas e primitivas, e também do estudo das variações de uma função e dos integrais, não ofereciam tantas complicações e necessidade de espírito imaginativo.
Tinha já na sua frente o gradeamento da pequena quinta do doutor Sabido, encravada no centro nevrálgico da vila. Sorriu com ironia que constou, em tempos, que aquele homem nunca dava os bons dias às pessoas, algumas delas amigas. Mau humor matinal? O motivo não estava na falta de espírito de cidadania, mas sim porque, talvez por ser boémio, levantava-se muito tarde e só saía da sua mansão a seguir ao almoço. Nem depois de morto o nosso homem foi deixado em paz, principalmente por um jovem, que ao correr ao longo do gradeamento com destino a casa, via nas roseiras e vários arbustos braços terríveis que o queriam agarrar.
«Ah! Safei-me de boa mais uma vez do fantasma do doutor Sabido…»
A expressão de ironia do Alberto modificou-se da noite para o dia e mostrou uma certa preocupação. Aquela história dos seus tempos de juventude ainda exercia alguma influência nele. Melhor dizendo, sugestão.
Naquele mesmo momento, por coincidência ou não do passeio e ser naquele local, o inesperado aconteceu. Sem mais nem menos viu-se prostrado no chão com outro homem. O estranho de tudo é que o outro homem fitava-o com uma expressão incrível de terror. Quis compreender. Ele surgiu de repente a correr, vindo da curva do passeio e chocaram frontalmente. Dai estarem agora estatelados no chão.
Quis perguntar «Que se passa, homem?», mas não teve tempo, porque este levantou-se de imediato e continuou a sua corrida desenfreada, passeio abaixo.
«Mas…»
Não teve tempo para pensar no que estava a acontecer porque outro homem surgiu da curva também a correr e passou, como um relâmpago, por ele. No entanto pôde ver que levava na mão direita uma arma.
Quase logo a seguir ouviu o ruído de um disparo. Ainda sentado no chão, viu mais em baixo o primeiro homem cair no empedrado da calçada portuguesa e soltou uma exclamação de terror.
«Meu Deus!»
Em boa ou má verdade, de certeza que Deus não estava presente!
Entretanto já estava a ver o segundo homem a curvar-se sobre a vítima, esta imóvel.
«Deve estar morto!»
Foi então que se levantou. Primeiro, hesitante. Logo a seguir, admitindo que era preciso fugir dali, e quanto antes.
Quanto ao ocorrido naquele curto espaço de tempo, muito provavelmente tratava-se de um ajuste de contas e nada tinha a ver com tal. A ideia principal resumia-se a abandonar o local o mais depressa possível. Mas ficou parado, a olhar para o chão. Afinal ainda não tinha tomado a decisão de fugir de imediato do local.
«Que é isto?»
O que estava a ver junto de si era uma pasta preta prismática, daquelas pastas de executivo. E logo a seguir teve uma descoberta de La Palice. A dita pasta era do homem que tinha chocado com ele.
«E agora?» perguntou a si próprio, num sussurro.
Lembrou-se da cena do tiro e olhou para baixo, receoso. Estranhamente não viu ninguém. Nem o mais que provável morto, nem o assassino. Os dois tinham se evaporado, como que por encanto.
«Essa agora!»
De certeza que não teve uma alucinação. Aquilo que tinham visto os seus olhos aconteceu mesmo. Era real. A irrealidade estava do outro lado. Não podia acontecer o que aconteceu. O “Homem Invisível” de H. G. Wells era pura ficção. Devia haver uma explicação lógica para aquilo que passara de acontecimento para fenómeno.
Lembrou-se da pasta de executivo e pegou na mesma. Era pesada. Quase de certeza que não tinha só documentos. Seria que estava carregada de pedras? Pedras? Não fazia sentido. O primeiro homem vinha a fugir do segundo por algum motivo importante. Era isso. Trazia ouro no seu interior. E se fosse assim estava rico. Rico! Não era uma coisa do outro mundo?
«Os homens!»
A tentação de abrir de imediato a pasta foi suplantada por uma necessidade premente de sair dali. Não fosse o diabo tecê-las, tinha que abandonar o mais depressa possível aquele local que fora fatídico para o homem que trazia consigo a mala, E esta era certamente o motivo para ser perseguido pelo segundo homem que o atingiu com um tiro certeiro.
O que estava no interior da pasta tinha alta probabilidade de ser o produto de um assalto e o primeiro homem tinha tentado dar um nó cego ao segundo, pagando cara a traição.
Voltou a olhar para baixo. A situação mantinha-se. Assim, talvez não houvesse perigo. Mas, pelo sim, pelo não, impunha-se zarpar de imediato para outro sítio que lhe desse mais estabilidade.
«Parece que viste um fantasma, Alberto!»
De certeza que o doutor Sabido não era.
«Se te parece…»
«Mas que te aconteceu, homem?»
A Patrícia era uma mulher interessante, sedutora. Ainda bem que a conheceu naquela tarde em que quase chocaram frontalmente no circuito do parque das merendas. Do pedido mútuo de desculpas resultou um diálogo que culminou num encontro e por aí diante. Agora eram namorados e amantes.
«Podia ter-te acontecido!»
Foi o que conseguiu dizer, ainda nervoso.
«Não me digas que lhe disseste que vinhas de vez e ela mandou-te um jagunço atrás!»
«Nada disso. Ou por outra…»
O jagunço era outro. O homem da pistola. Seria uma Walther de nove milímetros? Sorriu. Era a única pistola que conhecia e já vinha do tempo de serviço militar obrigatório.
«Então?»
«Já falámos e ela concordou. Faltam uns pequenos detalhes.»
«Quer mais dinheiro?»
«Sim.»
Foi então que ela deu com a pasta de executivo.
«Onde foste arranjar essa pasta tão finória?»
«É uma longa história, Cristina.»
«Cristina é a outra, porra!»
«Desculpa. Estou nervoso.»
«Compraste-a?»
«Sim. «Mentiu. «Ou por outra…»
«Bom, em que ficamos? A tua pasta de professor nada tem a ver com esta.»
«Acho que vamos ficar ricos. Toma-lhe o peso, Patrícia.»
E passou-lhe a pasta para as mãos.
«É pesada!»
«Olha, vamos para o quarto.»
«Logo vi.»
«Não é isso. A pasta…»
«O que tem a pasta?»
«Isso também eu gostava de saber.»
«E porquê o quarto?»
Não sabia explicar. No momento pensou no quarto e pronto. Tinha que ser. Mas não era o que ela pensava, embora fosse uma lufada de ar fresco na sua vida já sem sal, atormentada pela passagem monótona dos anos.
Já no quarto, a Patrícia viu-o a espreitar por uma festa do cortinado creme.
«Que estás a fazer, Aberto?»
«Nada, nada. Estou só a ver o movimento na rua.»
«E que tem o movimento…?
«Vamos lá a isto.»
«E então?» perguntou. «Dispo-me?»
«Não confundas.»
«Estás muito estranho hoje. Agora atiraste com a pasta para cima da cama.»
Hesitou em contar-lhe o que tinha acontecido e abrir de imediato a pasta. Optou pela segunda hipótese. Estava em pulgas opara saber o que havia na mala que esta muito pesada.
«Tens uma chave de fendas?»
«Para quê?»
«Não consigo abrir a merda da pasta.»
«Deixa cá ver.»
«Sabes abrir?»
«Logo vemos. Só um momento.»
Dirigiu-se à cómoda e abriu a primeira gaveta. Pouco depois já tinha nas mãos um objeto metálico, redondo e comprido, que o Alberto não conseguiu identificar.
«Que é isso?»
«Já vais ver…»
Pouco depois…
«Já esta.»
Um estalido e a pasta abriu-se.
«Já me esquecia que eras da judiciária.»
Agarrou na pasta e atirou o seu conteúdo para cima da cama.
«Oh!»
Não eram pedras.
«Roubaste a pasta!»
«Nada disso. Mais ou menos. Depois conto-te. Agora vamos ver esta maravilha.»
A maravilha estava à vista. Eram relógios, notas, moedas, livros, cartões de crédito e de débito, fios de ouro, anéis. Enfim, um manancial de coisas que regalaram os olhos dos dois amantes.
«Que estás a fazer?»
Entretanto o Alberto tinha dado uma corrida para a janela. Receava que alguém o tivesse seguido.
Voltou para o “produto do crime” e sorriu para a Patrícia.
«Tudo bem. Estamos em segurança.»
«Mas tudo isto vale uma fortuna!»
Levou a mão ao interior da pasta.
«Deixa cá ver… E há mais!»
«Não me digas…?»
«Isto mais parece um saco sem fundo.»
E retirou do interior da pasta um grande maço de notas, barras de ouro e moedas. O acontecimento começava a tornar-se surreal.
«Olha, Alberto, as notas não são de euros.»
«São mais antigas. E deixa ver… algumas até são do tempo da implantação da República.»
«Dás-me este Tissot de senhora? É tão lindo!»
Tinha uma bonita bracelete prateada. Era um relógio mecânico talvez dos anos sessenta.
«É tudo nosso, Patrícia. Tudo!»
Foi então que reparou que os outros relógios eram também mecânicos. Havia alguns de bolso, muito antigos, aparentemente, em ouro. Lembrava-se, quando criança, que lhes chamavam “cebolas”.
«Que terá este saco?» perguntou a Patrícia.
Era um pequeno saco castanho-escuro, em pano.
«Já vamos ver.» Disse, agitando o saco. «Não me parecem moedas.»
Na verdade, não eram moedas.
«Oh!»
«Estás a pensar o mesmo que eu?»
«São diamantes em bruto, Patrícia!»
«Que bom! Agora queres contar-me o que aconteceu? Isso da pasta.»
«Sim. Mas antes, apetece-me uma coisa.»
Se é o que estou a pensar… mesmo em cima da cama com estas coisas todas?»
«Diamantes, notas, moedas. Vai ser inédito.»
«Só faltam pétalas de rosas vermelhas, Alberto.»
«Tens razão. És tão bela que não posso resistir.»
«Oh!»
«Estás a pensar o mesmo que eu?»
«São diamantes em bruto, Patrícia!»
«Que bom! Agora queres contar-me o que aconteceu? Isso da pasta.»
«Sim. Mas antes, apetece-me uma coisa.»
Se é o que estou a pensar… mesmo em cima da cama com estas coisas todas?»
«Diamantes, notas, moedas. Vai ser inédito.»
«Só faltam pétalas de rosas vermelhas, Alberto.»
«Tens razão. És tão bela que não posso resistir.»
Viu-a deitada na cama, já vestida com a nudez alva de um corpo perfeito.
«Vem, amor...»
«Mas…»
«Ouvi também, Alberto. Que será?»
«O ruído veio da porta. Alguém está a tentar abri-la.»
«Ouvi também, Alberto. Que será?»
«O ruído veio da porta. Alguém está a tentar abri-la.»
«A pistola está na segunda gaveta da cómoda.
Seria uma pistola Walther? Que disparate o seu!
«É ele!»
«Ele quem?»
Acordou, sobressalto. O coração batia tão apressado que quase lhe saltava do corpo. Ainda tinha visto o homem, de pistola em punho, à entrada do quarto.
«Uf!»
Felizmente que tudo não tinha passado de um sonho que terminara em pesadelo. E a bela Patrícia nem sequer existia na sua vida de longo celibato.
«Porra de sonho este!»
Um duche bem quente, retemperador, era o que mais precisava agora. Mas todas aquelas notas, os relógios mecânicos, as moedas e, principalmente, os diamantes em bruto, que pena ele tinha de não serem reais!
E aquela Patrícia sedutora que tinha tudo no sítio?
Quanto aos famosos exercícios de limites de sucessões, há muito que eram do passado. Teve dificuldades notórias no exame de Matemáticas Gerais e felizmente que agora já tinha o “canudo” e era professor.
«Bom, vamos ao duche, senhor Alberto.»
Pouco depois…
Já com todo o material necessário, abriu a porta, passou para o lado de fora, fechou-a à chave, pôs a mesma no bolso, ultrapassou o primeiro patamar, desceu os três degraus que comunicavam com o segundo patamar, fez rodar a pesada porta da rua e viu-se no passeio empedrado com pequenos cubos de calcário branco. De seguida, meteu as mãos nos bolsos e hesitou.
«Que é isto?»
Tinha nas mãos um relógio mecânico Tissot, de senhora, com bracelete prateada!
«É ele!»
«Ele quem?»
Acordou, sobressalto. O coração batia tão apressado que quase lhe saltava do corpo. Ainda tinha visto o homem, de pistola em punho, à entrada do quarto.
«Uf!»
Felizmente que tudo não tinha passado de um sonho que terminara em pesadelo. E a bela Patrícia nem sequer existia na sua vida de longo celibato.
«Porra de sonho este!»
Um duche bem quente, retemperador, era o que mais precisava agora. Mas todas aquelas notas, os relógios mecânicos, as moedas e, principalmente, os diamantes em bruto, que pena ele tinha de não serem reais!
E aquela Patrícia sedutora que tinha tudo no sítio?
Quanto aos famosos exercícios de limites de sucessões, há muito que eram do passado. Teve dificuldades notórias no exame de Matemáticas Gerais e felizmente que agora já tinha o “canudo” e era professor.
«Bom, vamos ao duche, senhor Alberto.»
Pouco depois…
Já com todo o material necessário, abriu a porta, passou para o lado de fora, fechou-a à chave, pôs a mesma no bolso, ultrapassou o primeiro patamar, desceu os três degraus que comunicavam com o segundo patamar, fez rodar a pesada porta da rua e viu-se no passeio empedrado com pequenos cubos de calcário branco. De seguida, meteu as mãos nos bolsos e hesitou.
«Que é isto?»
Tinha nas mãos um relógio mecânico Tissot, de senhora, com bracelete prateada!


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