sexta-feira, 7 de junho de 2024

A papelaria



Só visto. Contado, poucos acreditam. Apesar de tudo vou contar. Não só tudo o que diz respeito à envolvência obstinada numa busca de um prato de lentilhas para quem é acometido por um simples desejo de escrever no momento e não tem como. Nem um computador, nem à disposição umas tantas folhas de papel. Mais difícil seria estar perdido no deserto, percorrer quilómetros com a certeza de poder chegar ao oásis da salvação e ver este de seguida como uma miragem. O exemplo é um exagero, mas confesso que desesperei por não ter no momento à minha disposição um simples caderno, pautado ou como quer que fosse.
Há três anos que não moro em Lisboa. Regressei às origens, mas não esqueci a maravilhosa cidade das ninfas do Tejo a que faz alusão o grande Camões (“e vós tágides minhas...”) e sinto uma nostalgia inexplicável, tanto quando estou longe da minha cidade ou de visita passageira, o que foi o caso ocorrido há uns dias atrás.
Já me perdi em Lisboa nos meus tempos de estudante e dessa vez custou-me caro porque também perdi aquela que considerei na altura ser a mulher única. Já me perdi também no tempo em que outra mulher soltou os cabelos ao vento e passou por mim como um meteoro, neste caso por dois motivos. O primeiro, óbvio e já explicado pela mulher dos tais cabelos soltos ao vento; o segundo ligado a um estranho caso onde esteve envolvido um encantador de serpentes.
Já me perdi muitas mais vezes, diga-se.
Hoje andei à procura de uma das coisas mais simples do mundo e que caminha para a extinção nos locais onde abundou no passado, antes do advento das novas tecnologias da informação.
Estava uma tarde anormalmente tórrida para setembro e essa ocorrência ainda empolou mais o meu desespero.
Mas entremos em Lisboa. O local que escolhi? Picoas Plazza. É uma esplanada que nada tem a ver com a ocupação de utentes antes de 2008, bem como o moribundo Centro Comercial com mais lojas fechadas que abertas. Sinais da crise que nos vai levar sei lá onde.
Na posse de uma garrafa de água lisa, comecei a cogitar se devia comprar um livro na Bertrand e ler para matar o tempo, ou um caderno para escrever não sei o quê, ou observar a descarada evolução dos pardais entre as mesas a troco de algumas migalhas. No meio estava a virtude, mas tive a primeira desilusão ao não encontrar a tabacaria onde comprara um caderno noutra vez. Como estava obcecado com a ideia de escrever, apesar do calor que apertava dispus-me a procurar nas ruas envolventes uma papelaria/tabacaria onde pudesse comprar o dito caderno. Nas três ou quatro que visitei não faltava a máquina do euromilhões e jogos afins  da Santa Casa, mas o almejado caderno, nem vê-lo. Com linhas ou sem linhas. Segunda constatação. Nada de papel de fotocópia (se falasse de papel de máquina, bom, isso era uma heresia para os tempos atuais. Pois não, não tinham).
«Mas... olha uma papelaria. Será que vendem aqui sandes de fiambre? Uma imperial caía bem.»
Isto aconteceu na quarta tentativa que fiz. A empregada mirou-me de alto abaixo com uma expressão indefinida e a seguir sorriu.
«Ninguém compra.»
«As sandes?»
E atirei-me ao calor, desalmadamente suado. Palmilhei mais uns tantos hectómetros e já desesperava quando finalmente cheguei ao fim da viagem porque encontrei uma papelaria que, por acaso, tinha aquilo que queria. Um caderno para matar o desejo de escrever qualquer coisa. É que, de facto, ainda não tinha um tema.
«Já vi que a senhora tem o que quero.»
«E posso saber o que deseja?»
Mulher interessante. Aqueles olhos eram expressos.
«O Mário despe as mulheres com os olhos.»
Que era feito da Odete? A história dos olhares indiscretos era da minha antiga colega. A tal que nos atraiçoou. A mim e à Maria. Porquê? Sorri, continuando a fitar a dona (ou empregada) da papelaria. Eram águas passadas.
Baixou a cabeça, perturbada..
«Ah sim. É só um caderno que quero. Porque é tão difícil encontrar um caderno à venda numa papelaria?»
«Já ninguém compra, senhor. As grandes superfícies mataram o negócio.»
«Do papel... dos cadernos?» perguntei, mas logo caí na realidade. «Bem sei. Vendem tudo e mais barato porque compram em grandes quantidades e com um prazo de pagamento alargado. Mudaram as regras do jogo. Agora são os grandes centros comerciais quem as dita, ou melhor, os hipermercados, já que o restante parece que está a mergulhar irremediavelmente na crise.»
As pessoas passeavam pelos centros comerciais e pouco mais. Os seus cartões de crédito tinham atingido os plafonds. Então, nada feito.
«Mas estou para aqui a falar e a fazer perder o seu tempo precioso.»
«Não tem importância. A clientela não aperta.»
«Acredito que as grandes superfícies são responsáveis pela falência em flecha das mercearias de bairro, frutarias, lojas de pronto a vestir. Mas não só as grandes superfícies. Os chineses, que, como sabe, se contentam com pouco, também têm a sua quota parte nesta sangria desatada.»
«Vê que tenho razão no que respeita aos cadernos?»
«Aí discordo. As papelarias têm potencialidades que os comerciantes não sabem utilizar. Veja-se o caso de um caderno que se vende só por um motivo de emergência.»
«Com o correr do tempo o papel amarelece e o cliente já não compra o artigo.»
«A minha ideia é esta, O cliente pede um artigo e a senhora não tem. Se tomar nota do artigo em falha, bem como relativamente a outros casos semelhantes, atrás de um caderno pode vir uma revista, um isqueiro, uma borracha, um tinteiro para a impressora, um baralho de cartas, um livro, um CD e eu sei lá que mais! Certamente são mais umas tantas notas na registadora.»
«É o que tento fazer. Contudo, o investimento torna-se incomportável. Os artigos em existência aumentam, acumulam-se...»
«Moedas de coleção, selos vendidos à peça e em subscritos. Já não vejo nada disso à venda nas papelarias ou tabacarias. Por acaso tem...?»
«Porque havia de ter? Os jovens só querem gomas, chupas, cromos da bola e as cartas magic. Ou talvez nem isso. Jogos de consolas, sim. Quantas horas perdem a jogar? Dizem até que a permanência das crianças no computador em tempo excessivo pode provocar epilepsia.»
«Já li sobre isso. Mas tem todos os artigos que os jovens procuram?»
«Não me olhes dessa maneira!» pareceu dizer.
Adivinhei o seu pensamento?
«Os que posso ter. Mas vamos ao seu pedido. Que tipo de caderno pretende?»
«Pode ser esse aí em frente» olhei para a prateleira. «Pautado ou quadriculado, tanto faz. Acredite ou não acredite, já andei mais que um quilómetro à procura desse amaldiçoado bem, precioso para mim. Estava sentado numa esplanada e de repente comecei a pensar que precisava dum caderno como do pão para a boca.»
«Não se zanga se perguntar porquê?»
Eu, zangar-me...?
«És o eterno romântico, Mário!»
«Cala-te e desaparece, Ernesto.»
Bem sabia que o Ernesto era o meu amigo imaginário de infância, mas até parecia que tinha momentos estranhos de interferência.
«Não percebi o que disse.»
«Não disse nada, não disse nada» disfarcei. «Respondendo à sua pergunta... no momento senti irresistivelmente que precisava de escrever. Daí, abandonar a esplanada onde estava e ir à procura de um caderno, foi um segundo. Sou de impulsos, sabe?»
«Ah sim, percebi. É escritor?»
«Mais ou menos.» 
Pensei no António.
«Modéstia a sua. Posso saber com quem estou a falar? Desculpe não o conhecer.»
Gozava comigo?
«Não peça desculpa. Claro que sou desconhecido. Um vulgaris de Lineu e sinto-me bem por ser como sou. Chamo-me Mário Fonseca. Mário, só para si. Mas voltemos ao caderno que me trouxe aqui em boa hora. Finalmente estou servido.»
«Não deseja mais nada? Uma esferográfica...»
Sorri.
«Por acaso trago uma comigo. O que me fazia falta agora era um café. De preferência, Nespresso. Conhece essa marca?»
«Sim. Tenho Nespresso em casa.»
«Podia trazer para a sua loja e acredite que fazia bom negócio. Nada tem a ver com os cafés cheios de robusta que fornecem principalmente nos restaurantes. Nada melhor que um bom café para rematar uma refeição. Mas já reparou que os restaurantes nunca servem um café de qualidade? É sempre preciso pôr carradas de açúcar para disfarçar o sabor amargo.»
«Vou pensar nisso. Mas penso que preciso de alargar o leque de autorizações.»
«Talvez. Mas vale a pena, acredite... Posso saber como se chama?»
«Natália. Desculpe o meu lapso. Mais sugestões?»
«Vamos lanchar lá fora, Natália?» pensei.
«Por vezes o senhor fala muito baixo...»
Precisava de acautelar-me. A força do pensamento era tão grande que quase se denunciava aos ouvidos de quem estava presente.
«Não têm a mínima importância as palavras que digo em voz baixa.»
«Nunca se sabe, senhor Mário. É que não as avaliei ainda...»
«Mário. Acha bem?.» 
Olhei em volta. 
«O senhor, esse não sei onde está.»
«De acordo, Mário. Mas voltando atrás, tem alguma sugestão em especial?»
De repente comecei a sonhar alto. E sabia que, quanto mais alto subisse, maior era o trambulhão. Assim, recuei e fiquei a olhar para ela. Claro que interpretou mal uma parte dos meus pensamentos e o culpado tinha sido só um. A expressão do meu olhar.
«Bom, se está a querer arrastar-me a asa, tire lá o cavalinho da chuva.»
Mas não deixou de fora o sorriso.
«Pelo amor de Deus, Natália, só vim comprar um caderno!»
«É verdade. Começámos a conversa só por causa de um caderno. Mas pressenti que o seu olhar penetrante augurava algo que eu não queria que acontecesse.»
«Mas...»
«Não se preocupe, Mário. Não tem culpa de ser um homem sedutor. Se não é o que pensei, então o que será?»
«Olhe uma coisa...»
«Sou toda olhar.»
Não podia voltar atrás.
«Já alguma vez pensou em criar uma pequena secção de colecionismo? Por exemplo, selos, moedas, banda desenhada antiga.»
«Acredite que já pensei nisso. O meu falecido pai colecionava selos e o seu maior desgosto era que eu não desse continuidade. Na altura, a minha juventude e os meus sonhos levavam-me para outros voos, compreende?»
«Então o seu pai era filatelista.»
«Julgo que tinha uma boa coleção. Disse-me sempre para não me desfazer dela quando ele morresse. É mais uma intuição, já que nada percebo de selos. Continuando, pensei em fazer compra e venda de selos. Mas não passou de uma hipótese. Não me ia meter sozinha num empreendimento desses.»
«E não voltou a pensar...?»
«Não, não voltei a pensar...»
«Curioso.»
«Curioso?»
«Tive voos talvez parecidos com os seus, mas no que diz respeito aos selos, não. Sou filatelista desde muito jovem. Talvez a partir dos doze anos. Foi uma paixão que nunca morreu.»
«Paixões leva-as o vento.»
«Esta não se deixou levar pelo vento.»

Primeiros tempos de um amor para toda a vida. Até que a morte me levasse nunca deixaria essa paixão que me tomava os minutos, as horas e os dias disponíveis.
Levei muitos dias a observar, a ver como era a vastidão daquele mundo que começava no simples agrupamento dos selos por países, normalmente em classificadores, e acabava em temas e aí a diversidade era quase infinita. Passei primeiro por algumas desilusões, mas não me deixei abater, quando alguém deu-me um monte de selos, todos em mau estado. Serviu-me para conhecer a verdadeira natureza de certas pessoas perante a ingenuidade dos que ainda não sabiam separar o teor da ganga. Foi muito bom adquirir em primeiro lugar conhecimentos sólidos, saber distinguir a “coisa boa da coisa estragada”. O papel a menos. A falta de serrilhas. A dobra. A imperfeição. Em boa verdade tive uma iniciação ideal e nessa matéria soube distinguir “o real do fictício”.

«Acredito. Conheço-o há pouco mais de uma hora e tenho confiança em si como se nos conhecêssemos há muito. Talvez cheguemos a um entendimento.»
Dúvida metafísica.
«Então...?»
E logo a dúvida se desfez como um simples castelo de espuma.
«Quer ser meu sócio num negócio?»
«De selos?»
«E mais tipos de colecionismo, claro.»
«Por exemplo?»
Não caiu na armadilha.
«Já vamos tratar disso.»
«E o espaço?»
Os seus olhos de um castanho a atirar para o verde brilharam misteriosamente. Foi um momento mágico logo quebrado pela entrada de um cliente.
«Faz favor...?»
«Queria um maço de cigarros Camel.»
Esperei que o cliente saísse e depois repeti:
«E o espaço?»
«Vai aparecer. Mas diga-me mais uma coisa...»
«Sim?»
«Além de selos, moedas e banda desenhada tem mais propostas?»
«Assim num momento... deixe ver... rochas e minerais, livros... eu sei lá que mais!»
«Já chega. Agora vamos ao espaço.»
Fiquei expectante. Deu algumas passadas na direção de uma estante com livros e levou a mão direita ao fundo de uma prateleira. A estante rodou lentamente.
«Mas...»
«Aqui tem o espaço.» Disse ela, sorridente, abrindo os braços.
Havia uma sala do outro lado.
«Entre e aprecie.»
«Nunca pensei!»
Estendeu-me a mão direita que logo apertei.
«Sócios?»
«Sócios.»
«Admiro-o, Mário, por ter sido sempre fiel aos selos. Só aos seus selos?»
«Bom, não servem de exemplo. E a propósito de selos, posso ver a coleção que era do seu pai.»
«Hoje ainda não. Vamos pensar maduramente na nossa futura sociedade. Uma semana?»
Demorei a responder. Parecia-me muito. Acabei por concordar.
«Seja daqui a uma semana. À mesma hora?»
«À mesma hora, Mário.»

Finalmente tenho a esplanada à vista. Estou morto de sede. Só mais uns metros. Ainda não caí em mim. Por causa de um caderno acabei há momentos de fazer uma sociedade com uma desconhecida. Só sei que a Natália dos olhos castanhos é a dona de uma papelaria que tem uma sala escondida onde vou poder negociar os meus selos repetidos, que são muitos, e a coleção que foi do seu pai, além de moedas, minerais, velharias, Vampiros, Argonautas e mais livros, etc, etc...
Vamos ter um balcão em frente à parede situada à direita, prateleiras dispersas e três ou quatro mesas. Café Nespresso, bebidas, sandes, bolos, rebuçados, gomas. Distribuídos pela sala uns tantos expositores onde serão colocados os objetos de coleção mais sensíveis e merecedores de visibilidade especial, tais como classificadores de selos, relógios e tabuleiros de madeira forrados com feltro vermelho, para moedas.
«Diga, por favor...»
«Queria uma garrafa de água sem gás.»
«Fresca?»
«Natural.»
«Então pode tirar da frente do balcão.»
Baixei a cabeça.
«Ah sim. Cá estão as garrafas. Quanto devo?»
«Um euro e dez.»
Paguei e dirigi-me para a esplanada. Hesitei na escolha da mesa ainda por causa do efeito do calor.
«Esta é boa. Como o tampo está quente!» admirei-me. «Estás muito excitado, Mário. E tens razão. O que te aconteceu há pouco foi uma coisa do outro mundo. Possibilidade de teres acesso a um bom negócio é coisa rara nos tempos que vão correndo. Uma sócia bonita e inteligente não existe neste mundo. Nem se inventa. Mas senta-te... não faças figura de parvo. Isso. Ah!, o caderno. Escreve, escreve...»
Cocei a cabeça. Aliás já previa. Era isso. O tema. Só tinha como realidade um caderno de capa preta, uma esferográfica e o danado do calor que teimava em não abrandar. Mas sem inspiração, nada feito.
E que tema tirava da cartola para desenvolver?
Talvez pudesse falar da crise global e da nossa, em particular. A Europa está desorientada quanto ao futuro. O projeto do euro está nitidamente em queda livre e o seu fracasso total levará fatalmente atrás todos os países europeus, os aderentes ao euro e os restantes. Quanto aos Estados Unidos, a primeira causa de todos os males que nos minam e que agora culpam a Europa da sua instabilidade crescente, têm de deixar de assobiar para o lado e tratar de si e dos outros. Se tiverem remorsos, o que não acredito. Mas esses têm sempre uma hipótese de reserva. Uma escapatória. Se criarem mais uma guerra do tipo Iraque põem de imediato a laborar as suas fábricas de material de guerra. Isto de preferência num país onde haja petróleo. Atrás falei de reserva. A propósito, que é feito das suas enormes reservas nos xistos betuminosos e da imensidão de reservas de petróleo do Alasca? Ainda é cara a exploração, ou estão a secar as reservas que não são suas para no fim fazerem o preço certo como produtores exclusivos?
Mas atenção, americanos (e não só), ao perigo amarelo. Já não são milhões e milhões a mijarem para cá. Agora fala-se de seca porque eles estão a secar as economias e este efeito de estufa pode levar no futuro ao fim da soberania dos países devedores. A nova guerra já começou. Quem diria que os comunistas chineses iam usar a arma final do capitalismo selvagem para atingirem a supremacia global? Golpe de mestre!
Voltando-nos para a Europa, o fantasma do incumprimento da Grécia ameaça contaminar o nosso pobre país, mas não quero acreditar que os comandantes agora incontestados da Europa (há dois anos atrás seria um escândalo não ouvirem os outros países, incluindo os pequenos), a Alemanha e a França, não fechem os olhos a tamanha blasfémia. Deixar cair a Grécia na bancarrota terá certamente um efeito catastrófico. É urgente os dois grandes darem uma resposta firme para acalmarem o mercado especulador. Capitalizarem os bancos, como já prometeram. Estará a França em condições de responder? Há boatos. Mas boatos nem sempre são boatos.
Quanto ao que se passa em Portugal, a situação é deveras preocupante. Mas fiquemos por aqui. Interessa-me mais agora pensar na sociedade que me caiu do céu. E quanto à Natália, a sociedade também abrange a sua pessoa?

Pareceu-me que aquela semana demorou uma eternidade a passar. Eternidade ou não, chegou a hora de encontrar-me com a Natália, pelos vistos a minha futura sócia.
Estava ansioso por ver a coleção do pai. Talvez encontrasse alguns selos para eu próprio comprar antes de serem postos à venda.
O ponto de partida foi o Picoas Plazza. Segui criteriosamente o caminho que me ia levar à rua onde era a papelaria da Natália.
«É esta a rua.» Pensei.
«Não te enganaste?»
«Tu e as tuas intromissões parvas, Ernesto. Há muito que já me convenci que não existes. É verdade?»
Lógico. A resposta foi o silêncio. O Ernesto viveu sempre no meu imaginário desde criança. Apenas no imaginário da criança que fui e que gostava muito de gatos.
Eram só mais vinte ou trinta metros e teria na minha frente a papelaria da Natália. De certeza que íamos dar-nos bem. E a sociedade ia ser um êxito. Ao mesmo tempo, talvez eu a Natália nos entendêssemos de outra forma. Pareceu-me que não lhe era indiferente e até já começava a gostar dela.
«Não devia ser aqui?»
Antes da papelaria da Natália havia um talho. E lá estava o talho. Quanto à papelaria, nem vê-la.

Sem comentários:

Enviar um comentário