domingo, 18 de junho de 2023

Do alto da arriba


O seu mundo azul está calmo e cinzento. Demasiado calmo. Do alto da arriba cretácica muito amarela, com uma história, já contada, de sessenta milhões de anos, lança o olhar baço para baixo e vê as ondas chegaram à praia, já enfraquecidas. Há muita espuma no mar. Há muita espuma na sua vida. Não vê sinais de gaivotas a picarem junto à rebentação. Portanto, não há peixes nas proximidades e assim as gaivotas desistiram de estar presentes, tal como ele tenta desistir naquele fim de tarde que foi ontem e podia ter sido há muito tempo. Mas voltam amanhã, ainda antes do sol nascer. Está-lhes no instinto. Ele não. Não sabe. 
Já nada parece existir. Só a tentativa de esquecer. Mas esquecer o quê? Os erros vindos das paixões pagam-se caros. E ele bem sabe que paixões leva-as o vento. Já não é a primeira vez. Mas talvez seja a última, embora digam que se aprende com os erros. Então, a última no bom sentido. Não. Não é pessoa para ficar na última com bom sentido. Que se lixe!
A sua estrela está longe. Muito longe para a alcançar. Nem foi possível nos mergulhos que fez ao passado, ou nas viagens virtuais que o levaram ao futuro. E aí perdeu. Viu-se sem futuro quando ela quis ir por opções materialistas e deu-se mal. Mas não voltou atrás. Oh!, o orgulho! Nem seguiu para nova caminhada. Sem outra hipótese, foi levada pelas sombras. E ele ficou. Só ou aparentemente só. Ficou com outras paixões que o vento também levou. Não porque eram levianas. Sim porque eram paixões.  
Nada se mexe. Olha em redor à procura de um sinal que não vem. Não pode vir. E sabe. Mas não deve desistir porque há muito futuro para alcançar, mesmo que não seja o que queria que lhe estivesse destinado. Se é que acredita na força do destino ou nos impulsos do destino. Se pudesse escolher, nunca seria determinista. Mas o livre arbítrio não é um determinismo escondido? 
O mar está lá em baixo e ele permanece no alto da arriba. A namorar o profundo onde as ondas continuam a espraiarem-se nas areias já pisadas. Com a espuma do costume a desvanecer-se e a sua espuma, que lhe turva a mente, a permanecer, invisível.. Quer acreditar que está convencido que não há nada ruim a tentá-lo. Que é tudo fruto da imaginação diabolicamente fértil que vem do lado das sombras. Aliás, quer voar tão alto com o pensamento. Deixá-lo só e voltar. Não tem qualquer ideia oposta. Só não sabe porque ainda está ali, no alto da arriba.
O tempo continua a fluir e traz consigo saudades febris que o vão devorar. Sente-se encurralado. Fechado dentro de si. Sem motivação. Como um paguro que não consegue sair da casa alugada. Mas ele não é como o paguro que pode procurar outra casa que ache melhor que a que tem. Já desistiu. 
Quem o chama? É ela que o chama, ou é outra coisa? 
Se ao menos pudesse expulsar o demónio que o devora!
«Quem és, senão és quem pressinto?»
Repetição. O tempo vai correndo, aparentemente sem pressa. Também ele gostava de ter vivido uma vida calma, de poder apreciar a poesia do azul do céu velho de ontem, utopicamente belo, e ver o sonho azul cobrir os dias cinzentos sem hipótese de retorno. Mas não foi bem assim que aconteceu. E de quem foi a culpa? Não tem sentimento de culpa e dela não pode saber. Mas foi há tanto tempo! 
Se não resolver hoje, sabe que virão mais utopias e jogos de xadrez com jogadoras demasiado fáceis para continuarem a permanecer no seu jogo de uam só rainha. 
Virão novos e inquie­tantes sinais que o deixarão cada vez mais crente que a melhor atitude é fingir que ganha fôlego para continuar a viagem, quando a ideia que tem na mente é outra.
Ah!, que bom que é estar no alto da arriba com a companhia das sombras, sob um céu azul, e imaginar as areias da praia cada mais perto! 



 

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