sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Até quando este estado de coisas?

 



Entretanto, continua a saga no casino, onde a corrupção cheira mal. É velha. Segundo dizem, já vem de longe, talvez trazida por utentes e funcionários doutros tempos e doutros casinos... 


Na altura jogava numa das slots do famigerado "jogo do pau", um jogo que já dera bons resultados e que agora fazia parte na lista negra. Mas, por qualquer motivo, nessa noite estava, ao mesmo tempo, no sítio certo e no sítio errado. Difícil de entender, mas lá tinha as minhas razões.
Perante um jogo insípido, com prémios que não compensavam o investimento para uma máquina de dez cêntimos, o melhor que tinha a fazer era desistir. Nem mais um toque na maldita tecla de reapostar. Mas... tinha que rever a decisão. Qualquer coisa me dizia para ficar e nada tinha a ver com o meu jogo.
A atenção virou-se para um homem que já conhecia de vista e que considerava, segundo os dados que me deram, ser um dos vários suspeitos que "lavavam" dinheiro ou então beneficiavam da elasticidade do sistema.
Jogava numa máquina de vinte cêntimos, de má memória para o indivíduo que agarrou numa cadeira e "zás" partiu os monitores de duas ou talvez três máquinas, mas de boa memória para mim porque tirava um prémio chorudo, daqueles que acontecem poucas vezes na vida de um utente perseguido pelo azar ou por outro motivo não identificado.
O homem apostava continuamente 9x 10 (nove linha e dez apostas por linha) e foi esse risco à vista que me fez suspender o jogo e concentrar-me no que se passava. No jogo (havia mais uns tantos de opção, e entre eles o dos "dinheiros"...), com motivos egípcios, ia-se a bónus quando surgiam três ou mais livros, coisa que não estava a acontecer ao nosso jogador. O companheiro, sentado à sua esquerda, que também era um dos frequentadores habituais do casino, usava uma bengala e raramente jogava.
Andava na casa dos setenta e tais e tinha todo o ar de ser um daqueles agiotas [1] que faziam a vida emprestando dinheiro aos desgraçados que já não conseguiam sair dos tentáculos do polvo. Via-o normalmente sentado em frente a uma das máquinas da Star Wars, mas de costas voltadas para o monitor. Era aí que ele lanchava, tomava o seu café, dormitava e assistia aos jogos da Sport TV.
Voltando ao nosso homem, um duro a jogar, parecia que nessa noite a sorte não estava com ele. A confirmação veio quando pouco depois se levantou e tomou a direção do balcão, mesmo em frente àquele conjunto de quatro máquinas. Vi-o a levantar dinheiro. Logo a seguir retornou à máquina. Meteu uma nota de cinquenta euros na máquina e disse algumas palavras para o velho da bengala que traduzi como:
«Joga nessa máquina, Chico [2]
Este acenou afirmativamente com a cabeça e recebeu das mãos do outro uma nota de cinquenta. Então era isso. Ia também jogar mas por conta do outro.
Mas qual era a sua intenção ao jogar fraco?
Minutos depois tive a resposta. Parou o jogo e disse qualquer coisa ao homem da história. Este também interrompeu as jogadas de 9x10 (dezoito euros por cada jogada) e ficaram a cochichar.
Por coincidência ou não, um mecânico passava em frente na altura. Bastou um simples gesto do velho para este se dirigir a eles, solícito.
Sentando na minha cadeira giratória e jogando pausadamente, estava mais em cima do jogo do outro do que do meu.
O mecânico ouviu-os com atenção e, quando se calaram, retirou a caixa preta da máquina onde o velho jogava e levou-a consigo.
Foi o primeiro acontecimento insólito porque, aparentemente, não havia nada de anormal na máquina do velho. Quanto muito tinha jogado uma dúzia de vezes e não me pareceu que tivesse ocorrido qualquer avaria. Entretanto o outro continuou a jogar em alto risco. Quanto ao mecânico, voltou pouco depois e repetiu a operação em mais duas máquinas, restando apenas uma máquina com a sua caixa original. Não queria acreditar no que viram os meus olhos. E o mais estranho de tudo é que a máquina onde o jogador investia dezoito euros por cada toque na tecla de reapostar fora a única que tinha ficado com a caixa do dinheiro.
Estava perante uma cena surrealista, para não dizer outra coisa mais acutilante.
O curioso é que o homem levantou-se mais uma vez para ir levantar dinheiro. Apesar da aparente ajuda do mecânico, o jogo de alto risco continuava a correr-lhe mal. Pelas pancadas secas nas teclas, agora mais vigorosas, via-se que estava exasperado, pelo que receei pela integridade da máquina.
Mesmo assim não resultava?
Quanto a mim, tinha deixado de jogar e seguia com atenção o que se passava na minha frente a pouco mais de cinco metros.
Passados vinte minutos o mecânico voltou e pôs as três caixas no sítio e foi-se embora sem dizer uma palavra, ficando para mim tudo ainda mais estranho. Entretanto o jogador, cada vez mais irritado, não desistia. Continuava a jogar muito forte e a perder. Só um bónus com repetição o podia salvar. A máquina estava fechada e tudo levava a crer que desta vez, contra o que era hábito, não se ia safar. Por isso, resolvi abandonar o local e ir para os lados do Fort Knox. Também se passavam nessa zona muitas coisas que eram igualmente estranhas e que precisavam de ser investigadas, como, por exemplo, o caso do homem do rosto largo.
Perdi pouco tempo porque o nosso homem não estava presente e também não me apetecia jogar. Aliás, precisava de ter muito cuidado porque a minha teoria da conspiração dizia-me que fazia parte da lista negra e assim, tudo o que tentasse no jogo para obter algum rendimento, era de imediato bloqueado.
Resolvi voltar à zona das máquinas de vinte cêntimos e constatei que eles já não estavam presentes no local. Por um descargo de consciência aproximei-me mais e ainda bem que o fiz. Afinal o jogador e o velho estavam agora na máquina em oposição àquela onde este último jogara uma dúzia de vezes. E o que via era elucidativo. Tinha entrado no bónus e as coisas corriam bem. Jogando com um factor multiplicativo dez e, em virtude do bónus oferecer um factor multiplicativo três, significava que cada aposta premiada beneficiava de um factor multiplicativo trinta.
Procurando não dar nas vistas, segui a curta distância o evoluir do jogo. Os três livros apareceram no decorrer do bónus ainda por mais duas vezes. Com semelhante ocorrência certamente que o homem passou num ápice de vencido a vencedor.
E se eu passasse por trás deles para poder confirmar aquele bom "trabalho"?
Não o fiz. Naquela noite cheguei cedo a casa.


[1] Enganei-me na avaliação. Se teve dinheiro foi no passado. Agora até lhe pagavam a refeição da noite e as raparigas tinham instruções para perguntar~lhe se precisava de alguma coisa.
[2] Nome que lhe dei.

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