Hoje realizou-se mais uma feira rural. Tradicionalmente as feiras realizavam-se (isto no meu tempo de infância) noutro local e as vendas estavam mais concentradas. Uma várzea a perder de vista era o local escolhido e a feira de São Pedro o seu ponto alto. Tantas recordações e belas me deixaram! Que daria de meu para voltar a tê-las de novo como reis? Mas continuemos. Agora pelas várias secções, das quais destaco a dos produtos hortícolas, do artesanato, da doçaria e das antiguidades e velharias.
Comecei a volta pela feira nos produtos hortícolas porque acompanhava a minha irmã por causa das dificuldades que ela tinha em levar para casa o carrinho cheio de batatas, cenouras, fruta e assim. Mas é sobre a última secção que vou debruçar-me. Em boa verdade, há pouco estava a debruçar-me sobre a pobre secção de livros à venda, a maioria à venda a partir de cinco euros para baixo. Eram duas bancas encravadas em outras destinadas principalmente às velharias que, em boa verdade, pouco tinham para ver e assim para contar. Passei a primeira banca a pente fino e fiquei indeciso num livro de Camilo José Cela. A dúvida era simples. Não se relacionava com o preço nem como o estado do livro. Custava cinco euros e apresentava-se como novo. Talvez o livro tivesse um defeito quase imperceptível, ou então fora comprado por atacado. A verdade era outra. Não tinha a certeza de ter aquele livro nas três estantes da minha casa. Assim, não o comprei. A caminhada até à segunda banca foi curta. Aí os livros eram todos em segunda mão e custavam, por unidade, a partir de três euros para cima.
Espanto dos espantos! Acabava de ver um livro do qual já tivera dois exemplares de editoras diferentes e dos quais não sabia o paradeiro. Constavam da minha base de dados, mas já não existiam materialmente.
Peguei no livro, folheei-o e perguntei à vendedora quanto custava,
«Três euros.»
«Fico com ele.»
Pu-lo de parte e continuei a minha pesquisa. A coincidência de ter encontrado o livro tinha a ver com a perda dos outros dois e não só. Recentemente vi na televisão um programa relacionada com o livro. "Desaparições Misteriosas", de Patrice Gaston. Um livro de capa negra de "Círculo de Leitores". Neste caso uma aparição seguida de duas desaparições que considerei misteriosas, embora nada tivessem a ver com o tema do livro.
O segundo exemplar que me chamou a atenção foi um livro de Joel Serrão e Jorge de Macedo. "Introdução à Filosofia e à Psicologia -1º volume", da "Seara Nova". O livro era de 1948 e estava em bom estado. O que me chamou a atenção nele foi a dedicatória escrita na primeira página:
"Ao José Hermano Saraiva, com a consideração dos autores - Joel Serrão - 30/3/1949"
«E este quanto custa?»
«Deixe ver...»
Passei-lhe o livro para as mãos.
«Cinco euros.»
«É muito.»
Tinha posto o livro no seu sítio depois de ter comentado em voz baixa, mas com a certeza da vendedora ter ouvido.
Continuei a ver os títulos dos livros e ainda folheei mais dois. Seguiu-se o pagamento. Três euros que procurei no pequeno bolso das calças.
«Se fizer três euros, também o levo.»
A mulher ficou a pensar. A vida estava difícil e ficaria pior ainda com a maldita guerra na Europa, objeto de uma mente perversa e doentia (fica melhor a palavra "louca"), deve ter tomado em conta e assegurado a venda.
«Seja. Assim são seis euros.»
Paguei com uma nota de dez euros e passei-lhe também para as mãos uma moeda de euro.
«Assim, dá-me cinco euros.»
«Certo.»
Guardei a nota de cinco na carteira e pus-me ao caminho com o carrinho das compras da minha irmã e um pacote em papel acastanhado espesso que me fez lembrar o tempo dos cartuchos onde se levada o açúcar, o arroz e todos os produtos alimentícios que estivessem no estado sólido. Ainda não tinha chegado a praga do plástico. Nesse tempo poucos pensavam no efeito estufa, nas consequências da alteração do clima para os russos, indianos e chineses, por exemplo.
Porque a poluição veio à baila, lembro-me da existência de uma lixeira a céu aberto que havia na vila, muito para lá dos lavadouros, talvez no sopé do monte jurássico que costumava subir a pé nas festas dedicadas ao Santo António. Da última vez e única vez que lá estive, e não devia ter mais que dez anos, vi umas tantas pessoa procurando não sei o quê entre os detritos amontoados. O que vi não me interessou e deve ter sido o motivo porque não voltei a esse local inóspito e insalubre. Como contraponto, por exemplo as peles de coelho eram aproveitadas para serem vendidas, bem como os jornais que o "ferro velho" comprava a mais de dez tostões o quilo, bem como outras coisas que já não tinham validade para a sua função. As próprias garrafas de vidro tinham o seu valor de retorno. Isto é: fazia-se reciclagem sem se saber que se estava a fazer bem ao planeta azul. A única razão era porque o "dinheiro estava muito caro"
Em menos de cinco minutos estava a abrir o portão verde que era um dos dois acessos à casa da minha irmã. Quando já tinha fechado o o portão reparei num homem parado no passeio e que olhava para mim com uma certa curiosidade.
Que queria de mim?
Larguei o carrinho e fiquei à espera de uma reação do homem. Essa reação veio de imediato.
«Conheço-o de qualquer parte.» Disse ele.
«E eu não estou a conhecê-lo.»
Parecia que ia haver um impasse, mas não foi bem assim. O desconhecido, que aparentava ter mais de setenta anos e denunciava uma doença hepática pela coloração do rosto, contribuiu para afastar essa hipótese ao olhar para a sua esquerda e comentar:
«Almocei ali muitas vezes.»
Embora me tivesse ausentado por muitos anos da minha vila de ontem, atingi o seu pensamento de momento. Na verdade, ele tinha razão. Em tempos recuados existira naquele espaço uma cantina para os empregados de uma empresa metalúrgica.
«O cozinheiro era o Jorge.»
«Não me lembro desse Jorge. Mas, sim senhor, havia ali uma cantina.»
«Nasci no antigo hospital.»
Tinha-se esgotado o tema da cantina. Fiquei sem saber mais alguma coisa sobre o Jorge que cozinhava as refeições na cantina..
«Onde era o hospital?»
«O senhor é daqui?»
«Sim. Nasci em casa. Agora não me lembro onde era o hospital.»
Mesmo que tivesse nascido no hospital ia dar ao mesmo.
«Por cima do Luís Patrocínio. Em frente ficava o café Fortunato.»
«Já sei. Onde mais tarde foi a Escola Comercial.»
«Industrial.»
«Penso que não. Mas seja como diz.»
A conversa sobre o hospital esgotou-se. Mas logo o homem partiu para outra. Sem qualquer ligação virou-se para a antiga moagem. Nada tinha a ver com as cerejas que vinham umas atrás das outras.
Lembrava-me de um dos antigos donos. Por sinal fora meu vizinho. Morava numa pequena vivenda logo a seguir ao prédio e tinha um quintal com uma área que se aproximava da do nosso que era dividido por quatro inquilinos.
A propósito da vivenda, lembro-me de um episódio caricato acontecido numa certa noite de verão. Uma daquelas muitas noites quentes em que não soprava uma brisa (agora é coisa rara, pois as noites de verão são mais frescas e húmidas, por se exercer com mais intensidade a influência do ar marítimo). Nesse tempo apetecia continuar na rua, mas estava limitado pela hora marcada para chegar a casa. Já tinha passado pelo edifício dos Bombeiros e estivera a assistir ao ensaio da Banda e até rira para dentro ao lembrar-me da barracada que um tio do lado do meu pai, quase da minha idade, fizera uma vez ao relatar-me e também ao Justino uma cena que só existiu na sua imaginação. O músico dos pratos estava ao lado do seu colega do bombo, que era gordinho e careca. Fazia-me lembrar o "Bucha" do célebre duo do cinema que tanto me encantou.
A dado momento apareceu uma mosca a importunar o homem do bombo que começou, desesperado, a abanar a cabeça porque tinha as mãos ocupadas com os maços. Entretanto o seu colega dos pratos deu conta do desespero e resolveu logo ajudar. Como foi? No momento da sua intervenção, ou fora dele, não interessa... zás!, uniu com força os pratos no rosto do gordinho para matar a mosca intrusa. Azar dos Távoras. A mosca voltou e ainda mais agressiva. Seguiu-se uma risada dos três ante a cena imaginada e tivemos logo que abandonar a zona do ensaio antes que fôssemos corridos ao pontapé. Não fiquei a saber se o homem dos pratos teve êxito na segunda vez, se foi admoestado pelo maestro, ou se causou alguma mossa significativa ao infeliz do homem do bombo.
Depois de contornar o célebre passeio circundado à direita por um gradeamento que marcava o fim da quinta do doutor Bandeira, onde imaginava existirem fantasmas que me queriam agarrar, ao chegar ao cimo da rua admirei-me de ver muita gente concentrada junto à vivenda. Em menos de um minuto estava junto à gentalha e pus-me a investigar e em pouco tempo fiquei a par. Coisa simples. Um roubo gorado. Havia um ladrão no interior da vivenda.
«E está armado?» ouvi alguém perguntar.
«Parece que ele tem uma faca. Mas a polícia já entrou.»
Pois. Mas continuavam todos à espera do desenlace. Uma espécie de "nem o pai morre, nem a gente almoça".
«Não sei porque demoram tanto tempo a sair.» Disse outro alguém.
«Naturalmente já há mortos. Admira-me não estar a carreta dos bombeiros.»
«Ainda não houve tirar. Devem estar a dialogar.»
Se acontecesse com a guarda republicana a coisa piava fino. Já tinha assistido a uma investida da guarda no "peão" no campo de futebol do clube da minha vila de ontem que meteu coronhada e mais coronhada por causa de um desaguisado entre adeptos rivais. Lá meigos não eram.
Então, esperavam o quê?
O caso estava resolvido porque os polícias já estavam no interior da vivenda. E assim, ala almoço que se fazia tarde. Passava das onze e tinha pisado o risco. O António, que era eu, não podia estar na rua nem mais um minuto.
«Vais de castigo para a loja.» Ordenava a minha mãe, já depois de ter ameaçado com o chinelo.
Por isso é que não gostava de estar na loja do meu pai!
No dia seguinte tomei conhecimento do que se passou na verdade no interior da vivenda. Nada de roubos. Nem de tiros ou facadas. Nem tão pouco de mortos. Simplesmente um homem tinha sido apanhado a "dormir" com a criada na cave onde se situava o quarto da serviçal. Na verdade, daquela concentração de um Zé Povinho curioso e imaginativo tinha resultado a história do ladrão e sabe-se lá que mais que não ouvi porque já se fazia tarde. O pecado do homem que invadira propriedade alheia resumia-se a ter comida a sopeira.
Não me recordo como foi. A certa altura começou a falar do padre Onofre e do padreca.
«Padreca?»
«Era assim que o tratávamos. Nunca imaginei que ele chegasse tão alto onde chegou. Ele deve ser dois ou três anos mais novo do que eu.»
«E que idade tem o meu amigo?»
«Setenta e nove.»
Mal conservados. Talvez efeitos do álcool e de alguma trombose menos agressiva. A voz lenta, arrastada, denotava alguma dificuldade no falar. Entretanto o homem esforçava-se em defrontar o passado, mas notava-se a falta das preciosas células cinzentas.
«Foi o padre Onofre quem me batizou.»
«Curioso. E a mim também. Mais tarde foi meu professor de Moral.»
Tinha treze anos e fui batizado com o desconhecimento do meu pai e a cumplicidade dos meus avós paternos.
«Ele era boa pessoa, não era?»
«Só tenho a dizer bem dele, meu amigo.»
«Lembra-se da fábrica da moagem que ardeu em tempos?»
Pareceu-me que o homem tinha dado mais um salto descontínuo para outro tema. Mas na verdade tinha a ver com o padreca.
«Da moagem, sim. Mas não sabia que tinha ardido. Fui estudar para Lisboa quando tinha dezoito anos, sabe?»
Tempo de corrermos até à mata, um jardim ao abandono em contraste com o jardim do centro. As tais segregações que existiam noutros tempos e que ainda hoje existem e não se dá conta porque estão camufladas. Eu, o meu tio e o Justino corríamos o mais que podíamos. Obrigatoriamente, quando passávamos pelo grande edifício, já na rua estreita tínhamos que ler as palavras pintadas na parede. "Farinhas, Cabecinhas, Cereais e Adubos".
«Ó velocidade cada vez mais mais! Ó velocidade pó pó!» gritava o Zé a plenos pulmões e nós imitávamo-lo.
Nunca cheguei a perguntar ao Zé porque dizíamos todos "Semeais" em vez de "Cereais".
«O Alves é que estava à frente da moagem. Quanto ao outro irmão...»
Interrompi-o.
«Sabia que eles eram três irmãos?»
«Acho que eram só dois.»
«O terceiro chamava-se Mourato e não estava ligado à moagem. Era um operário da metalúrgica. Mas culto.»
«Não me parece...»
Talvez fosse irmão da mãe do padreca.
Esse terceiro irmão, ou cunhado, devia ser muito infeliz. Um solitário. Era a chamada ovelha ronhosa (ranhosa?) da família. Quem o quisesse ver à noite, encontrava-o a altas horas para os lados da mata. Perdido de bêbado e recitando versos seus. Vi-o só uma vez e nessa noite nem sequer uma quadra recitou. Como de costume (diziam os meus amigos que não falhava uma noite) estava bêbado que nem um cacho, mas bem consciente. Desta vez tinha-lhe dado para dizer mal da família. Que se sentia-se abandonado. Pior ainda: desprezado.
Não comento. Mas fiquei impressionado.
O homem continuava do outro lado do portão.
Não veio a talhe de foice, mas fez alusão a José Hermano Saraiva, coisa que me deixou perplexo. Seria amigo do padre Onofre ou de um dos dois irmãos ou cunhados? É que não via qualquer ligação do historiador e grande conversador com a minha vila de ontem. A não ser uma ligação com França Borges.
«Tenho livros de História dele.»
«Curiosa coincidência. Acabo de comprar um livro. Tem uma dedicatória. Veja...»
E mostrei-lhe.
«Não consigo ler. Só com óculos de ver ao perto e não os tenho aqui comigo.»
«Então eu leio.»
Depois de ler a dedicatória fiquei a olhar para ele. Não notei a mínima reação. E caramba! Uma coincidência daquelas merecia um mínimo reparo. Acontecimentos daqueles não ocorriam todos os dias. Talvez nem todos os anos.
«Lembra-se do Lapão?»
Outra descontinuidade aparente.
«Sim. Trabalhava na metalúrgica.»
«Morava para os lados da mata.»
«Mas nos meus tempos de juventude ele morava numa das casinhas por detrás do ferrador.»
«Sim, o ferrador. Sei onde era.»
«À frente das casas havia um largo que dava para jogar a bola. Passei aí muitas tardes a castigar os sapatos. Ao anoitecer atacávamos um limoeiro e toca de comer limões.»
«Limões? Diarreia certa.»
«Sim.»
«Nesses tempos que importava? Agora me lembro. Foi o José Hermano Saraiva quem lhe deu essa alcunha.»
Seria que a memória do homem estava bem conservada? Não havia já muitos neurónios mortos por ali?
«Tem a certeza?»
Não respondeu. Tinha chegado a hora da despedida.
«Vou andando. Até um dia.»
«Adeus.»
«Adeus é para sempre...» Teria dito a "Fadinha da Lagoa Azul"
Enquanto subia a ligeira rampa que dava acesso às traseiras da casa da minha irmã, tentava identificar o rosto do homem que contribuiu para o culminar das coincidências ocorridas num curto espaço de tempo. Primeiro, foi o livro "Desaparições Misteriosas", e já expliquei porquê. Segundo, foi a dedicatória encontrada no outro livro. Terceiro, foi o homem ter referido várias vezes o nome de José Hermano Saraiva.
Se ainda hoje fosse vivo, Fernando Pessa não teria perdido a oportunidade para perguntar em tom exclamativo:
«E esta, hein?»
«Ó velocidade cada vez mais mais! Ó velocidade pó pó!» gritava o Zé a plenos pulmões e nós imitávamo-lo.
Nunca cheguei a perguntar ao Zé porque dizíamos todos "Semeais" em vez de "Cereais".
«O Alves é que estava à frente da moagem. Quanto ao outro irmão...»
Interrompi-o.
«Sabia que eles eram três irmãos?»
«Acho que eram só dois.»
«O terceiro chamava-se Mourato e não estava ligado à moagem. Era um operário da metalúrgica. Mas culto.»
«Não me parece...»
Talvez fosse irmão da mãe do padreca.
Esse terceiro irmão, ou cunhado, devia ser muito infeliz. Um solitário. Era a chamada ovelha ronhosa (ranhosa?) da família. Quem o quisesse ver à noite, encontrava-o a altas horas para os lados da mata. Perdido de bêbado e recitando versos seus. Vi-o só uma vez e nessa noite nem sequer uma quadra recitou. Como de costume (diziam os meus amigos que não falhava uma noite) estava bêbado que nem um cacho, mas bem consciente. Desta vez tinha-lhe dado para dizer mal da família. Que se sentia-se abandonado. Pior ainda: desprezado.
Não comento. Mas fiquei impressionado.
O homem continuava do outro lado do portão.
Não veio a talhe de foice, mas fez alusão a José Hermano Saraiva, coisa que me deixou perplexo. Seria amigo do padre Onofre ou de um dos dois irmãos ou cunhados? É que não via qualquer ligação do historiador e grande conversador com a minha vila de ontem. A não ser uma ligação com França Borges.
«Tenho livros de História dele.»
«Curiosa coincidência. Acabo de comprar um livro. Tem uma dedicatória. Veja...»
E mostrei-lhe.
«Não consigo ler. Só com óculos de ver ao perto e não os tenho aqui comigo.»
«Então eu leio.»
Depois de ler a dedicatória fiquei a olhar para ele. Não notei a mínima reação. E caramba! Uma coincidência daquelas merecia um mínimo reparo. Acontecimentos daqueles não ocorriam todos os dias. Talvez nem todos os anos.
«Lembra-se do Lapão?»
Outra descontinuidade aparente.
«Sim. Trabalhava na metalúrgica.»
«Morava para os lados da mata.»
«Mas nos meus tempos de juventude ele morava numa das casinhas por detrás do ferrador.»
«Sim, o ferrador. Sei onde era.»
«À frente das casas havia um largo que dava para jogar a bola. Passei aí muitas tardes a castigar os sapatos. Ao anoitecer atacávamos um limoeiro e toca de comer limões.»
«Limões? Diarreia certa.»
«Sim.»
«Nesses tempos que importava? Agora me lembro. Foi o José Hermano Saraiva quem lhe deu essa alcunha.»
Seria que a memória do homem estava bem conservada? Não havia já muitos neurónios mortos por ali?
«Tem a certeza?»
Não respondeu. Tinha chegado a hora da despedida.
«Vou andando. Até um dia.»
«Adeus.»
«Adeus é para sempre...» Teria dito a "Fadinha da Lagoa Azul"
Enquanto subia a ligeira rampa que dava acesso às traseiras da casa da minha irmã, tentava identificar o rosto do homem que contribuiu para o culminar das coincidências ocorridas num curto espaço de tempo. Primeiro, foi o livro "Desaparições Misteriosas", e já expliquei porquê. Segundo, foi a dedicatória encontrada no outro livro. Terceiro, foi o homem ter referido várias vezes o nome de José Hermano Saraiva.
Se ainda hoje fosse vivo, Fernando Pessa não teria perdido a oportunidade para perguntar em tom exclamativo:
«E esta, hein?»
Quanto às minhas celulazinhas cinzentas, como dizia Hercule Poirot, uma personagem carismática da escritora Agatha Christie, também começavam a ficar destroçadas. É que continuava a não me lembrar como raio daquele homem que não me era estranho.

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