Sabia que a partir daquela noite em que decidi ir à inspeção do casino nada voltaria a ser como dantes. Desenhava-se um novo jogo que tinha que tentar até às últimas consequências, sem hipótese de os dados lançados apresentarem resultados diferentes. Para desempenhar com sucesso aquilo que julgava ser a minha missão teria que fazer um trabalho paciente, ora deslocando-me entre os jogadores à procura de pistas, ora jogando de modo a compreender a estrutura do software instalado, ora jogando e observando simultaneamente. Mas uma coisa era certa. A partir do momento em que fui reclamar à inspeção estava marcado. Cada vez seria mais difícil ter algum êxito no jogo.
«Mário, já reparou como estão as máquinas hoje?»
«Se vi!»
Era tão evidente que até o Palrador (1) se queixava que os cavalos e as linhas não apareciam.
«Não há cavalos, não há cavalos!»
Afirmou que já tinha deixado na máquina duzentos euros e os resultados deixavam muito a desejar. Como se eu não o conhecesse de sobra! Fazendo o desconto, não deixou mais que cinquenta euros. Talvez setenta.
«Quer ouvir a última?»
As informações do Vítor, o obstinado "preparador de máquinas" eram sempre bem recebidas. Quanto ao facto de jogar a três créditos e mesmo a um, dava para pensar. Talvez que essas jogadas, que se prolongavam no tempo, fossem uma forma de tentar "abrir" a máquina para uma série mais positiva. E uma coisa estranha acontecia normalmente. O Vítor conseguia ir ao cofre mesmo jogando muito fraco e criticando o sistema alto e bom som para que todos ouvissem, nomeadamente o facto dos homens da central fecharem as máquinas quando queriam e também abrirem as mesmas para os jogadores do costume. E a partir do momento em que a máquina invertia a tendência ao abrir, logo o Vítor cedia a máquina a um qualquer dos seus amigos que jogavam forte. O jogador ficava entregue a si próprio e o Vítor não abandonava o seu posto, esperando por uma recompensa que não tardava. Ao mesmo tempo vinha do outro lado, o lado que muitos conhecem, a compensação. Essa compensação de ir ao cofre jogando muito pouco de cada vez, parecia então ser devida ao facto de ele entregar às feras os jogadores que investiam forte e que não obtinham bons resultados na maior parte dos casos. O casino sentia-se na obrigação de agradecer. Havia outras hipóteses, mas achava melhor ficar-me por esta, suficientemente forte. Um dar e receber. Uma espécie de ação-reação.
Mistério dos mistérios…
Havia uma concentração anómala de mirones junto a uma máquina de vinte cêntimos.
«Eis o par ideal» pensei. «O enigmático homem da bengala e o companheiro que joga forte. Deixa-me cá ver o que se passa.»
Aproximei-me mais.
«Outra vez a jogar a dezoito euros cada batida.»
Ia metendo notas de cinquenta euros na bocarra do monstro e os resultados eram nulos.
«Vejamos se acontece outra vez uma viragem do jogo. Desconfio que sim.»
As notas iam entrando na máquina e os resultados não se viam. Contudo continuava a acreditar que a mudança estava para breve. E na verdade tudo mudou. O homem entrou no bónus e ganhou mais de seiscentos euros.
«Mas que vai fazer o desgraçado?»
Incrível! Ri agora, Mário. Ri sem saberes se deves rir ou ficar muito sério, a meditar no que acabaste de ver. Nunca farias, isso, não? E estás todo arrepiado como se acabasses de ver um fantasma. Vives num mundo cão, acredita. De certeza que o dinheiro não lhe custa a ganhar.
Estará a "lavar" dinheiro?
O homem acabara de apostar na cor o prémio que tinha ganho. Isso significava uma probabilidade de cinquenta por cento de ganhar.
E ganhou! Ao todo ganhou mil e duzentos euros enquanto o diabo esfrega um olho.
Pergunto: que mundo é este?
Os dados foram lançados
Foi perdendo marés a seguir a marés, até que uma, maré cheia surgiu fora do calendário e ele não hesitou. Deixou-se envolver, em boa hora, pela dita maré e por quem veio com ela. Finalmente recebeu um sorriso terno da vida, como terna passou a ser a noite. Não fora a crise e teria encontrado finalmente a sua alma gémea. Mas isso é outra história. Uma história que não é para contar agora. Nem talvez nunca seja contada.
Então, que história vai contar o Mário?
Tinha bem seguro o cavalo do poder e não o quis montar porque a primavera e o outono fatalmente não podiam abraçar-se, nem que fosse ao longo do tempo por onde se espraiava um sonho utópico. Outro tempo para amar que o Mário deixou fugir, talvez por cometer um erro grosseiro. Ou foi o melhor que podia ter decidido. Ou aconteceu porque tinha que acontecer. Dos três, o diabo que escolha. Nunca saberá. Só sabe que ela soltou os cabelos ao vento e passou por ele. era uma gazela espantada a fugir do predador que não era predador e insistia sempre para fugir para longe, mas que não se esquecesse de sonhar todos os dias com ele!
Anoiteceu na avenida de Roma. A noite estava fria. Junto ao passeio, tentou descobrir ao longe um táxi para os lados sul. A vista já não era a mesma. As engrenagens impiedosas do tempo não perdoavam.
«Parece que é agora» pensou. «Não, este traz passageiros.»
Não demorou a chegar um segundo táxi.
«Boa noite. Para o casino, por favor.»
«Os dados estão lançados.» Admitiu.
«Como?»
«Estava a falar com os meus botões.»
«Desculpe.»
Título de um romance de Sartre. Mas aqueles dados nada tinham a ver com o romance. O Mário sabia muito bem no que estava a pensar. E nem ele nem Deus jogavam aos dados. Pelo menos, ele não gostava. Já da besta, o "666", não se podia dizer o mesmo.
A propósito de bestas (outro tipo de bestas), quantas já teve oportunidade de conhecer no casino?
Bestas quadradas, cúbicas... sabia lá. Mais que uma mão cheia, como o caso daquelas criaturas que viam o seu casaco pendurado nas costas da cadeira rosa postada em frente à máquina com créditos marcados e um pacote de lenços de papel a tapar a bocarra do monstro.
Vinte minutos depois a inspetora chegou. Trazia consigo uma pasta volumosa.
A utopia mora longe. Mesmo que venha a realizar-se no futuro, esta não dará notícias a quem ficou. Mário talvez tenha sido um déspota na sua última encarnação. De preferência, um pirata das Caraíbas que morreu afogado quando o seu barco fez a última e fatal abordagem. É capaz de ser verdade porque nunca suportou convenientemente um duche, quente ou frio, com a água a cair-lhe em força sobre a cabeça. Por outro lado, talvez que, quando era criança (o Marinho que gostava de gatos e que atirava-os da varanda para o quintal), alguém estupidamente o agarrasse e mergulhasse por inteiro nas águas frias do Atlântico.
Mas voltando ao pirata que deve ter sido noutra vida, quase de certeza fez nesse tempo muitas coisas ruins, não mostrando o mínimo de compaixão pelo próximo. Era talvez o motivo porque pagava agora faturas a seguir a faturas sem hipótese de ver luz ao fundo do túnel.
Em boa verdade não merecia que os bons momentos fossem curtos e fugissem dele como enguias quando tudo levava a crer que tinham vindo para ficar. Também não merecia que a vida lhe deixasse de sorrir materialmente quando o crepúsculo se mostrou ao longe e foi-se aproximando, sorrateiro, como um gato à caça do rato, não lhe dando agora qualquer hipótese de levantar cabeça e partir para uma recuperação que seria fácil noutro tempo. Não bastava a grave situação dum país sem retorno, herdada principalmente de um certo "Pinóquio" megalómano que levou a dívida soberana a duplicar no espaço incrível de seis anos.Foi perdendo marés a seguir a marés, até que uma, maré cheia surgiu fora do calendário e ele não hesitou. Deixou-se envolver, em boa hora, pela dita maré e por quem veio com ela. Finalmente recebeu um sorriso terno da vida, como terna passou a ser a noite. Não fora a crise e teria encontrado finalmente a sua alma gémea. Mas isso é outra história. Uma história que não é para contar agora. Nem talvez nunca seja contada.
Então, que história vai contar o Mário?
Tinha bem seguro o cavalo do poder e não o quis montar porque a primavera e o outono fatalmente não podiam abraçar-se, nem que fosse ao longo do tempo por onde se espraiava um sonho utópico. Outro tempo para amar que o Mário deixou fugir, talvez por cometer um erro grosseiro. Ou foi o melhor que podia ter decidido. Ou aconteceu porque tinha que acontecer. Dos três, o diabo que escolha. Nunca saberá. Só sabe que ela soltou os cabelos ao vento e passou por ele. era uma gazela espantada a fugir do predador que não era predador e insistia sempre para fugir para longe, mas que não se esquecesse de sonhar todos os dias com ele!
Anoiteceu na avenida de Roma. A noite estava fria. Junto ao passeio, tentou descobrir ao longe um táxi para os lados sul. A vista já não era a mesma. As engrenagens impiedosas do tempo não perdoavam.
«Parece que é agora» pensou. «Não, este traz passageiros.»
Não demorou a chegar um segundo táxi.
«Boa noite. Para o casino, por favor.»
«Os dados estão lançados.» Admitiu.
«Como?»
«Estava a falar com os meus botões.»
«Desculpe.»
Título de um romance de Sartre. Mas aqueles dados nada tinham a ver com o romance. O Mário sabia muito bem no que estava a pensar. E nem ele nem Deus jogavam aos dados. Pelo menos, ele não gostava. Já da besta, o "666", não se podia dizer o mesmo.
A propósito de bestas (outro tipo de bestas), quantas já teve oportunidade de conhecer no casino?
Bestas quadradas, cúbicas... sabia lá. Mais que uma mão cheia, como o caso daquelas criaturas que viam o seu casaco pendurado nas costas da cadeira rosa postada em frente à máquina com créditos marcados e um pacote de lenços de papel a tapar a bocarra do monstro.
«Quer que o deixe à porta?»
«Tanto faz, meu amigo.»
Pagou, gratificou, deu as boas noites e saiu do táxi. Já no interior do casino avançou na direção habitual, não sem ter olhado em volta à medida que se aproximava do objetivo.
«Qualquer dia os empregados ficam a jogar uns com os outros.» Comentou para si.
Referia-se à quebra nítida dos utentes que frequentavam o casino. A culpa não era só da crise que o país atravessava, agravada por uma troika incompetente e também por vontade dos governantes que queriam ser mais papistas que o papa.
Quanto às máquinas do Fort Knox, talvez a galinha dos ovos de ouro do casino, eram uma exceção à regra. Estavam sempre ocupadas e até havia utentes em linha de espera. Eram máquinas de dois cêntimos e a aposta máxima totalizava dez euros. Coisa de arrepiar. Havia mais suicidas.
Dizia-se à boca cheia que a receita tirada naquele grupo de máquinas ia colmatar as brechas abertas em termos de prejuízo nas restantes (salvo honrosas exceções) do primeiro piso e do deserto em que se transformara o segundo.
De um golpe de vista reconheceu vários conhecidos na zona do Fort Knox, quase todos adeptos da mesma profissão não remunerada. Os outros, em minoria, como se impunha, também estavam presentes. Ganhavam quase sempre e não sabia como. Mistério insondável que ocasionava a teoria da conspiração ridicularizada pelos fiscais e chefes de sala do casino. Nas mesmas máquinas jogavam os destinados a serem ganhadores e os outros, os perdedores.
«Aqui temos uma cadeira mesmo a jeito.» Disse, sorrindo, ao Palrador, que estava, como de costume, a jogar baixo na máquina 19. Dali dominava-se o Fort Knox.
«Então hoje não joga, Mário?»
Quem lhe mandou dirigir a palavra àquele cretino? Agora nunca mais se calava. Por isso chamavam-se o Palrador.
«Ah!, felizmente que está a falar com a senhora que tem tiques.»
Apurou o ouvido. O Palrador discutia sobre uma oportunidade perdida só porque lhe faltou um leão na primeira coluna. Bruxo! O aleatório tinha dessas coisas curiosas. Normalmente faltava a peça chave para ocorrer um desenlace feliz. Curioso, esse tal aleatório que se repetia vezes sem conta. Mas as pessoas atiravam-se ao jogo sobre as máquinas e não tinham tempo para pensar.
O nosso homem jogava quase sempre nos Unicorn e, de momento, estava na retaguarda. A sua máquina preferida não se encontrava disponível, as outras não lhe interessavam, ou a sua hora ainda não tinha chegado. A propósito, normalmente dava-se bem na última meia hora antes do fecho do casino (uma "crença"?). Jogava entre catorze e dezassete créditos, mas conseguia tirar prémios interessantes. Além disso tinha direito a bar aberto, o que era no mínimo surrealista para um modesto jogador como ele era. De longa data, não se cansava de dizer para quem tivesse paciência de o ouvir. Considerava-se um jogador viciado.
Esqueceu o Palrador e virou-se para a sua esquerda.
«Incrível!»
A mulher que jogava a sete e a nove acabava de bater no vidro, sinal de ter ido ao cofre. Outro dos enigmas. Por noite ia três ou quatro vezes ao cofre e já a vira arrancar o ouro. E também platina, segundo o Vítor, guardador de máquinas.
Donde vinha tanta sorte para uma mulher que jogava muito fraco?
O Vítor, que no momento jogava na Cleopatra 1, era também um eficiente preparador de máquinas. Arriscava três ou cinco créditos por cada batida e também ia com frequência ao cofre. Era pessoa não grata entre os chefes de sala, mas, por um motivo obscuro, não lhe bloqueavam o jogo, como acontecia com frequência com o Mário. Mas não tinha nada contra ele. Antes pelo contrário. Muitas vezes oferecia-lhe a sua máquina quando via que este estava à espera que uma vagasse.
Os pensamentos apagaram-se ao reparar que o Vítor estava a fazer-lhe sinais. Aproximou-se.
«Vou largar a máquina. Tenho que ir trabalhar.»
Era um convite.
«Obrigado. Como está ela?»
«Ruim. Tenho jogado baixo. Precisa de uma chicotada psicológica que o meu amigo bem pode dar.»
Aí estava em campo a teoria da conspiração em toda a sua plenitude. Mas que havia qualquer coisa, havia.
«Em princípio não vou passar dos vinte e cinco créditos.»
«Boa sorte. Pode ser que consiga dar-lhe a volta.»
«Obrigado.»
Introduziu na ranhura uma nota de dez euros e fixou os vinte e cinco créditos como jogada. À sua direita, um desconhecido jogava a duzentos e cinquenta. Iria com frequência ao cofre e Mário não.
Mas enganou-se. Parecia que a máquina do outro estava bloqueada.
Concentrou-se no jogo. O Vítor tinha razão. A máquina estava ruim. Engoliu num ápice os dez euros.
«Tenho que jogar mais pausadamente.» Pensou.
«Isto é escandaloso!»
Virou-se para o homem que jogava forte.
«Já reparei. O senhor só conseguiu ir uma vez ao cofre e tirou cobre.»
O nível mais baixo do bónus que começava em vinte euros.
«Não compreendo.»
«Mas eu compreendo. Se lhe contasse metade do que sei, também compreendia.»
O homem que jogava forte suspendeu o jogo.
«Ah sim?» admirou-se. «Não me diga que há trapaça! Olhe que já lá vão mais de oitocentos euros e a máquina não tem dado nada.»
«Pode crer que sim. Bloqueou. Ou melhor: instalou-se uma série ruim. Nem sequer consegue ir ao cofre, o que é uma anomalia das grandes.»
«Cofre?»
«É como chamamos vulgarmente ao prémio progressivo. Mas vai começar a abrir com mais frequência dentro em breve, acredite. É só uma questão de tempo.»
O homem suspirou de alívio.
«Deus o oiça, porque já estou quase a desistir.»
«Deus, não. O diabo. Deus não joga aos dados. Ou melhor: não devia jogar.»
Insinuação perigosa para quem já sofrera na pele as influências do deus menor.
Ficaram em silêncio, cada um entregue ao seu jogo. Pouco depois, conforme Mário previra, o desconhecido foi ao cofre.
Mas a sorte não estava do seu lado. Morreu logo na praia. Um cinco e um vinte nos quadrados castanhos. Não conseguiu atingir os mínimos para continuar no bónus.
«A partir de agora terá oportunidade de ir mais vezes ao prémio progressivo. Mas não se entusiasme. Está numa série ruim e sabe-se lá quando esta acaba. A realidade nua e crua é que isto está mais que manipulado. Eles dão bons prémios a quem querem. A uns poucos e privilegiados, sortudos do costume. Sabe?... Observo mais do que jogo e tenho assistido a coisas do arco da velha. Por exemplo, aquela senhora que está à nossa esquerda a jogar nos cavalos e a apostar a cinco e a sete créditos, vá lá nove, como de costume não está a dar-se mal. Por norma vai ao cofre três, quatro vezes em cada noite que vem jogar. E olhe que já a vi ir ao ouro e há quem diga que atingiu mais que uma vez o prémio máximo.»
«Isso não está certo.»
«Acredite, meu amigo. E depois há o tal princípio da Física que, na prática, se traduz numa reação à ação. Uma noite, um indivíduo, num ato de fúria, deu cabo dos monitores de três máquinas de vinte cêntimos. Suponho que o fez com uma cadeira. Ouvi-o ameaçar e cumpriu a promessa.»
«Já lá vão quase mil euros e é o que vê. Vou desistir antes que me passe também pela cabeça uma coisa má. E o que é que aconteceu ao homem que saiu fora dos carretos?»
«Em segundos viu-se rodeado por seguranças que surgiram do nada e depois foi encaminhado para a saída.»
«Onde o aguardavam os polícias.»
«Tal e qual. Por outro lado...»
«Olhe, desisto.»
«E eu também vou abandonar a máquina.»
O desconhecido jogou os últimos créditos e virou-se para Mário.
«Convido-o para bebermos uma imperial no piso de cima. Lá o ambiente está mais calmo. Vejo que está bem informado. Creio que não se importa de contar-me alguns casos que se passam aqui, mais ou menos anómalos.»
«Com todo o gosto.»
«Aqui vale tudo. Nada acontece por acaso. Por exemplo, empregados que estão a comunicar com uma suposta central em primeira mão a saída de um prémio chorudo ainda antes desse prémio estar visível. Já assisti a esse fenómeno. Nem mais nem menos uma platina que vale sempre mais de dois mil euros.
«Curioso. Não me diga que já se queixou na inspeção?»
«Ainda não. Mas já faltou mais.»
Seria que os dados estavam lançados?
«Tanto faz, meu amigo.»
Pagou, gratificou, deu as boas noites e saiu do táxi. Já no interior do casino avançou na direção habitual, não sem ter olhado em volta à medida que se aproximava do objetivo.
«Qualquer dia os empregados ficam a jogar uns com os outros.» Comentou para si.
Referia-se à quebra nítida dos utentes que frequentavam o casino. A culpa não era só da crise que o país atravessava, agravada por uma troika incompetente e também por vontade dos governantes que queriam ser mais papistas que o papa.
Quanto às máquinas do Fort Knox, talvez a galinha dos ovos de ouro do casino, eram uma exceção à regra. Estavam sempre ocupadas e até havia utentes em linha de espera. Eram máquinas de dois cêntimos e a aposta máxima totalizava dez euros. Coisa de arrepiar. Havia mais suicidas.
Dizia-se à boca cheia que a receita tirada naquele grupo de máquinas ia colmatar as brechas abertas em termos de prejuízo nas restantes (salvo honrosas exceções) do primeiro piso e do deserto em que se transformara o segundo.
De um golpe de vista reconheceu vários conhecidos na zona do Fort Knox, quase todos adeptos da mesma profissão não remunerada. Os outros, em minoria, como se impunha, também estavam presentes. Ganhavam quase sempre e não sabia como. Mistério insondável que ocasionava a teoria da conspiração ridicularizada pelos fiscais e chefes de sala do casino. Nas mesmas máquinas jogavam os destinados a serem ganhadores e os outros, os perdedores.
«Aqui temos uma cadeira mesmo a jeito.» Disse, sorrindo, ao Palrador, que estava, como de costume, a jogar baixo na máquina 19. Dali dominava-se o Fort Knox.
«Então hoje não joga, Mário?»
Quem lhe mandou dirigir a palavra àquele cretino? Agora nunca mais se calava. Por isso chamavam-se o Palrador.
«Ah!, felizmente que está a falar com a senhora que tem tiques.»
Apurou o ouvido. O Palrador discutia sobre uma oportunidade perdida só porque lhe faltou um leão na primeira coluna. Bruxo! O aleatório tinha dessas coisas curiosas. Normalmente faltava a peça chave para ocorrer um desenlace feliz. Curioso, esse tal aleatório que se repetia vezes sem conta. Mas as pessoas atiravam-se ao jogo sobre as máquinas e não tinham tempo para pensar.
O nosso homem jogava quase sempre nos Unicorn e, de momento, estava na retaguarda. A sua máquina preferida não se encontrava disponível, as outras não lhe interessavam, ou a sua hora ainda não tinha chegado. A propósito, normalmente dava-se bem na última meia hora antes do fecho do casino (uma "crença"?). Jogava entre catorze e dezassete créditos, mas conseguia tirar prémios interessantes. Além disso tinha direito a bar aberto, o que era no mínimo surrealista para um modesto jogador como ele era. De longa data, não se cansava de dizer para quem tivesse paciência de o ouvir. Considerava-se um jogador viciado.
Esqueceu o Palrador e virou-se para a sua esquerda.
«Incrível!»
A mulher que jogava a sete e a nove acabava de bater no vidro, sinal de ter ido ao cofre. Outro dos enigmas. Por noite ia três ou quatro vezes ao cofre e já a vira arrancar o ouro. E também platina, segundo o Vítor, guardador de máquinas.
Donde vinha tanta sorte para uma mulher que jogava muito fraco?
O Vítor, que no momento jogava na Cleopatra 1, era também um eficiente preparador de máquinas. Arriscava três ou cinco créditos por cada batida e também ia com frequência ao cofre. Era pessoa não grata entre os chefes de sala, mas, por um motivo obscuro, não lhe bloqueavam o jogo, como acontecia com frequência com o Mário. Mas não tinha nada contra ele. Antes pelo contrário. Muitas vezes oferecia-lhe a sua máquina quando via que este estava à espera que uma vagasse.
Os pensamentos apagaram-se ao reparar que o Vítor estava a fazer-lhe sinais. Aproximou-se.
«Vou largar a máquina. Tenho que ir trabalhar.»
Era um convite.
«Obrigado. Como está ela?»
«Ruim. Tenho jogado baixo. Precisa de uma chicotada psicológica que o meu amigo bem pode dar.»
Aí estava em campo a teoria da conspiração em toda a sua plenitude. Mas que havia qualquer coisa, havia.
«Em princípio não vou passar dos vinte e cinco créditos.»
«Boa sorte. Pode ser que consiga dar-lhe a volta.»
«Obrigado.»
Introduziu na ranhura uma nota de dez euros e fixou os vinte e cinco créditos como jogada. À sua direita, um desconhecido jogava a duzentos e cinquenta. Iria com frequência ao cofre e Mário não.
Mas enganou-se. Parecia que a máquina do outro estava bloqueada.
Concentrou-se no jogo. O Vítor tinha razão. A máquina estava ruim. Engoliu num ápice os dez euros.
«Tenho que jogar mais pausadamente.» Pensou.
«Isto é escandaloso!»
Virou-se para o homem que jogava forte.
«Já reparei. O senhor só conseguiu ir uma vez ao cofre e tirou cobre.»
O nível mais baixo do bónus que começava em vinte euros.
«Não compreendo.»
«Mas eu compreendo. Se lhe contasse metade do que sei, também compreendia.»
O homem que jogava forte suspendeu o jogo.
«Ah sim?» admirou-se. «Não me diga que há trapaça! Olhe que já lá vão mais de oitocentos euros e a máquina não tem dado nada.»
«Pode crer que sim. Bloqueou. Ou melhor: instalou-se uma série ruim. Nem sequer consegue ir ao cofre, o que é uma anomalia das grandes.»
«Cofre?»
«É como chamamos vulgarmente ao prémio progressivo. Mas vai começar a abrir com mais frequência dentro em breve, acredite. É só uma questão de tempo.»
O homem suspirou de alívio.
«Deus o oiça, porque já estou quase a desistir.»
«Deus, não. O diabo. Deus não joga aos dados. Ou melhor: não devia jogar.»
Insinuação perigosa para quem já sofrera na pele as influências do deus menor.
Ficaram em silêncio, cada um entregue ao seu jogo. Pouco depois, conforme Mário previra, o desconhecido foi ao cofre.
Mas a sorte não estava do seu lado. Morreu logo na praia. Um cinco e um vinte nos quadrados castanhos. Não conseguiu atingir os mínimos para continuar no bónus.
«A partir de agora terá oportunidade de ir mais vezes ao prémio progressivo. Mas não se entusiasme. Está numa série ruim e sabe-se lá quando esta acaba. A realidade nua e crua é que isto está mais que manipulado. Eles dão bons prémios a quem querem. A uns poucos e privilegiados, sortudos do costume. Sabe?... Observo mais do que jogo e tenho assistido a coisas do arco da velha. Por exemplo, aquela senhora que está à nossa esquerda a jogar nos cavalos e a apostar a cinco e a sete créditos, vá lá nove, como de costume não está a dar-se mal. Por norma vai ao cofre três, quatro vezes em cada noite que vem jogar. E olhe que já a vi ir ao ouro e há quem diga que atingiu mais que uma vez o prémio máximo.»
«Isso não está certo.»
«Acredite, meu amigo. E depois há o tal princípio da Física que, na prática, se traduz numa reação à ação. Uma noite, um indivíduo, num ato de fúria, deu cabo dos monitores de três máquinas de vinte cêntimos. Suponho que o fez com uma cadeira. Ouvi-o ameaçar e cumpriu a promessa.»
«Já lá vão quase mil euros e é o que vê. Vou desistir antes que me passe também pela cabeça uma coisa má. E o que é que aconteceu ao homem que saiu fora dos carretos?»
«Em segundos viu-se rodeado por seguranças que surgiram do nada e depois foi encaminhado para a saída.»
«Onde o aguardavam os polícias.»
«Tal e qual. Por outro lado...»
«Olhe, desisto.»
«E eu também vou abandonar a máquina.»
O desconhecido jogou os últimos créditos e virou-se para Mário.
«Convido-o para bebermos uma imperial no piso de cima. Lá o ambiente está mais calmo. Vejo que está bem informado. Creio que não se importa de contar-me alguns casos que se passam aqui, mais ou menos anómalos.»
«Com todo o gosto.»
«Aqui vale tudo. Nada acontece por acaso. Por exemplo, empregados que estão a comunicar com uma suposta central em primeira mão a saída de um prémio chorudo ainda antes desse prémio estar visível. Já assisti a esse fenómeno. Nem mais nem menos uma platina que vale sempre mais de dois mil euros.
«Curioso. Não me diga que já se queixou na inspeção?»
«Ainda não. Mas já faltou mais.»
Seria que os dados estavam lançados?
Não devia ter saído de casa naquele dia. Mas adivinhar era impossível. Por exemplo, ter escolhido a máquina certa podia atenuar o prejuízo que estava destinado. Acreditar que a máquina preferida do homem do rosto largo ia receber-me de braços abertos às três da tarde.
«É preciso acreditar.» Disse a cigana que jogava, quase em simultâneo, nas duas máquinas dos corações.
E se praticasse uma variante à técnica do Leonardo, o homem do rosto largo?
Pedi a um conhecido que estava numa máquina à esquerda para tomar conta da máquina enquanto ia levantar dinheiro.
«Mas você ainda tem alguns créditos na máquina!»
«Pois tenho. Foi uma ideia que me passou pela cabeça.»
«Vá descansado.»
Levantei duzentos euros e voltei à máquina. Subi para cinquenta créditos a parada por batida e fui alimentando a máquina com notas de vinte euros. Como resultado, a situação melhorou. Pelo menos encontrei o equilíbrio.
«Finalmente!»
O jejum tinha acabado com o aparecimento de três faraós. Entrava pela primeira vez no bónus. Agora era só aparecer uma linha boa ou uma repetição dos três faraós. Só assim podia subir a parada para setenta e cinco créditos.
«Você está cá com um galo! A jogar a cinquenta e a merda dos créditos que ganhou. Isto não se admite!»
Às nove da noite a máquina continuava igual a si própria. Por uma questão de segurança tinha baixado a parada para vinte e cinco. Fora três vezes ao bónus e nenhuma ao cofre. De linhas boas nem falar. Prémios menores escassos. A máquina estava bloqueada. Mais uma vez. Para ele.
«Acabou o jogo. Mas eles não vão ficar a rir-se!»
«Tenha calma, meu amigo.»
«Se tivesse trazido um martelo, talvez. Mas posso fazer melhor que uma martelada.»
«Então?»
«Vou lá acima, à inspeção.»
Carreguei no botão para tirar o ticket e levantei-me.
«Vejamos se encontro alguém para me explicar como devo proceder.»
«Boa sorte, amigo.»
Descarreguei o mau humor no primeiro chefe de sala que encontrei. O homem encaixou, sem direito de resposta.
«A quem posso apresentar uma reclamação?»
Foi pronto na resposta.
«Bateu na porta certa. Posso levá-lo à inspeção. Mas não prefere antes ir à administração?»
Fiquei para morrer.
«O quê? Não quero acreditar no que ouvir.» Pensei
Fui parvo em não aproveitar uma oportunidade de ouro. Falar com a administração teria sido a decisão mais correta a meu favor.
«Mas diga-me o que aconteceu.»
Ouviu-me com uma certa displicência, mas a expressão do rosto foi-se carregando à medida que desbobinava o que tinha para dizer.
«A máquina estava numa série má» tentou remediar, coçando a barba rala. «Teve azar, meu amigo... Eu chamo-me Sardinha. Qual é o seu nome?»
«Mário. Mário Fonseca. Já sei o que a casa gasta. E a seguir vai enfatizar que o jogo é aleatório. Sim, de facto devia ser. Mas não é. Como me calha sempre a parte negativa do aleatório dá para pensar, não acha?»
«Digamos que o senhor tem estado em maré de azar.»
«Bom, essa é a desculpa habitual dos seus colegas quando me queixo. Um deles até já insinuou que eu era um dos apoiantes da teoria da conspiração. E teve a resposta certa na hora, acredite.»
«Como assim? Mas vamos andando para o piso de cima.»
Insinuei que devia existir algures uma sala donde os controladores tinham acesso a tudo o que fosse relevante.
«Sabe do caso daquele indivíduo que partiu três vidros de máquinas de vinte cêntimos, não sabe?»
«Sei... e depois?, onde quer chegar?»
«Num instante viu-se rodeado de seguranças. Pareciam formigas vindo do nada. E aqui não foi o olfato que denunciou o homem, pois não? Quanto ao meu caso, a máquina onde joguei esteve fechada durante seis horas. Uma ou outra ida ao bónus e sempre com péssimos resultados, como ausência de linhas, prémios escassos e baixos e principalmente nenhuma ida ao cofre.»
«É preciso acreditar.» Disse a cigana que jogava, quase em simultâneo, nas duas máquinas dos corações.
E se praticasse uma variante à técnica do Leonardo, o homem do rosto largo?
Pedi a um conhecido que estava numa máquina à esquerda para tomar conta da máquina enquanto ia levantar dinheiro.
«Mas você ainda tem alguns créditos na máquina!»
«Pois tenho. Foi uma ideia que me passou pela cabeça.»
«Vá descansado.»
Levantei duzentos euros e voltei à máquina. Subi para cinquenta créditos a parada por batida e fui alimentando a máquina com notas de vinte euros. Como resultado, a situação melhorou. Pelo menos encontrei o equilíbrio.
«Finalmente!»
O jejum tinha acabado com o aparecimento de três faraós. Entrava pela primeira vez no bónus. Agora era só aparecer uma linha boa ou uma repetição dos três faraós. Só assim podia subir a parada para setenta e cinco créditos.
«Você está cá com um galo! A jogar a cinquenta e a merda dos créditos que ganhou. Isto não se admite!»
Às nove da noite a máquina continuava igual a si própria. Por uma questão de segurança tinha baixado a parada para vinte e cinco. Fora três vezes ao bónus e nenhuma ao cofre. De linhas boas nem falar. Prémios menores escassos. A máquina estava bloqueada. Mais uma vez. Para ele.
«Acabou o jogo. Mas eles não vão ficar a rir-se!»
«Tenha calma, meu amigo.»
«Se tivesse trazido um martelo, talvez. Mas posso fazer melhor que uma martelada.»
«Então?»
«Vou lá acima, à inspeção.»
Carreguei no botão para tirar o ticket e levantei-me.
«Vejamos se encontro alguém para me explicar como devo proceder.»
«Boa sorte, amigo.»
Descarreguei o mau humor no primeiro chefe de sala que encontrei. O homem encaixou, sem direito de resposta.
«A quem posso apresentar uma reclamação?»
Foi pronto na resposta.
«Bateu na porta certa. Posso levá-lo à inspeção. Mas não prefere antes ir à administração?»
Fiquei para morrer.
«O quê? Não quero acreditar no que ouvir.» Pensei
Fui parvo em não aproveitar uma oportunidade de ouro. Falar com a administração teria sido a decisão mais correta a meu favor.
«Mas diga-me o que aconteceu.»
Ouviu-me com uma certa displicência, mas a expressão do rosto foi-se carregando à medida que desbobinava o que tinha para dizer.
«A máquina estava numa série má» tentou remediar, coçando a barba rala. «Teve azar, meu amigo... Eu chamo-me Sardinha. Qual é o seu nome?»
«Mário. Mário Fonseca. Já sei o que a casa gasta. E a seguir vai enfatizar que o jogo é aleatório. Sim, de facto devia ser. Mas não é. Como me calha sempre a parte negativa do aleatório dá para pensar, não acha?»
«Digamos que o senhor tem estado em maré de azar.»
«Bom, essa é a desculpa habitual dos seus colegas quando me queixo. Um deles até já insinuou que eu era um dos apoiantes da teoria da conspiração. E teve a resposta certa na hora, acredite.»
«Como assim? Mas vamos andando para o piso de cima.»
Insinuei que devia existir algures uma sala donde os controladores tinham acesso a tudo o que fosse relevante.
«Sabe do caso daquele indivíduo que partiu três vidros de máquinas de vinte cêntimos, não sabe?»
«Sei... e depois?, onde quer chegar?»
«Num instante viu-se rodeado de seguranças. Pareciam formigas vindo do nada. E aqui não foi o olfato que denunciou o homem, pois não? Quanto ao meu caso, a máquina onde joguei esteve fechada durante seis horas. Uma ou outra ida ao bónus e sempre com péssimos resultados, como ausência de linhas, prémios escassos e baixos e principalmente nenhuma ida ao cofre.»
O chefe de sala que se chamava Sardinha não deu resposta e eu continuei:
«Azar o meu apanhar uma série tão longa? Não. Definitivamente não. Ter sempre azar é impossível. Aleatoriamente impossível.»
«Quem lhe contou essa treta das séries?»
Deixei escapar um sorriso irónico.
«Um colega seu que trabalha ao balcão. E ainda há pouco o senhor insinuou que a máquina estava numa série má. Não me diga que a sua memória falhou!»
Corte brusco na conversa. Deu-lhe jeito.
«Chegámos. Esta é a porta da inspeção. Vou chamar alguém para o encaminhar.»
«Obrigado. Mas não me chegou a dizer onde ficamos com essa treta das séries.»
Limitou-se a sorrir e fez-me um gesto para aguardar.
«Compreendo.» Ironizei.
Não esperei muito tempo.
«Sabrina!» sussurrei.
«Boa noite. Vou ver se a senhora inspetora o pode receber.»
Vi-a entrar. Pouco depois estava de volta.
«A senhora inspetora ainda não chegou. Quer tomar um café?»
«Não, muito obrigado. Eu fico à espera.»
«Nem uma água?»perguntou ainda, parecendo que havia ali um excesso de amabilidade.
Abanei a cabeça negativamente.
«Com licença. Aviso-o quando a senhora inspetora chegar.»
«Quem lhe contou essa treta das séries?»
Deixei escapar um sorriso irónico.
«Um colega seu que trabalha ao balcão. E ainda há pouco o senhor insinuou que a máquina estava numa série má. Não me diga que a sua memória falhou!»
Corte brusco na conversa. Deu-lhe jeito.
«Chegámos. Esta é a porta da inspeção. Vou chamar alguém para o encaminhar.»
«Obrigado. Mas não me chegou a dizer onde ficamos com essa treta das séries.»
Limitou-se a sorrir e fez-me um gesto para aguardar.
«Compreendo.» Ironizei.
Não esperei muito tempo.
«Sabrina!» sussurrei.
«Boa noite. Vou ver se a senhora inspetora o pode receber.»
Vi-a entrar. Pouco depois estava de volta.
«A senhora inspetora ainda não chegou. Quer tomar um café?»
«Não, muito obrigado. Eu fico à espera.»
«Nem uma água?»perguntou ainda, parecendo que havia ali um excesso de amabilidade.
Abanei a cabeça negativamente.
«Com licença. Aviso-o quando a senhora inspetora chegar.»
«Obrigado.»
«Parece que trabalho não lhe falta.» Pensei.
«É só um momento. A senhora inspetora já o chama.» Disse a Sabrina, esboçando um sorriso simpático.
«Obrigado pela atenção.»
«De nada.»
E afastou-se.
Pouco depois era recebido pela inspetora. Observei-a com atenção. Uma mulher que devia rondar os cinquenta anos.
Afastei de imediato o olhar ao sentir a perturbação de minha interlocutora. Em poucos minutos expliquei os motivos que me tinham levado, primeiro à sensação de revolta e depois à decisão de apresentar uma queixa.
«Não sei se sabe mas tem que fazer a sua reclamação por escrito. Será analisada e garanto-lhe que terá uma resposta no máximo vinte dias depois de a ter apresentado.»
Fiz um gesto a denotar impaciência.
«Senhora inspetora, antes de decidir se devo ou não apresentar uma reclamação, preciso que me dê alguns dados sobre o desempenho da máquina. Conforme já lhe disse, estive a jogar numa máquina do Fort Knox, das três da tarde até uns minutos depois das noves e os resultados não foram nada brilhantes. Uma série ruim, dirá. E eu acrescento: demasiado longa. Poucos prémios, linhas raras, bónus raros e nenhuma ida ao cofre.»
«O que tenho para lhe dizer em resposta é que são as contingências do jogo. De que máquina se trata?»
«É uma das três Cleopatras do Fort Knox. Trago comigo o último ticket que tirei da máquina. De certeza que tem o número impresso.»
Estiquei o braço para lhe entregar o ticket.
«Obrigada. Ora deixa-me cá analisar...»
Fez-se silêncio por uns momentos.
«Vejo o dia e a hora. Não consigo encontrar o número.»
«Penso que é o 818.»
«Só um instante. Vou procurar no computador.»
A pesquisa demorou alguns minutos e foi negativa. Pegou no telefone e chamou alguém.
Pouco depois...
«Dá-me licença, senhora inspetora?»
Claro que a máquina tinha um número. Outra coisa não seria de esperar.
«Seis dígitos. Nunca pensei...»
«E o 818?» perguntei.
«Representa a zona.» Respondeu o funcionário.
«Obrigada. Pode retirar-se.»
Ficámos de novo frente a frente.
«Então, que decide quanto à reclamação?»
«De momento, nada» respondi. «Precisava de saber uma coisa muito simples. Quantas vezes fui ao bónus durante as seis horas em que estive a jogar? Em relação ao prémio progressivo nem é bom perguntar. Nem uma, senhora inspetora!»
«Com o número da máquina provavelmente já posso dizer-lhe alguma coisa.»
Aguardei.
«Não tenho hipótese de saber.»
«E agora?»
Chamou outro empregado e pôs-lhe a questão.
«Vai demorar algum tempo, senhora inspetora.»
Aproveitei para contar alguns casos estranhos a que tinha assistido e outros que me tinham sido contados. Não me esqueci de relatar a ocorrência com o velho da bengala e o jogador que investia forte, bem como o caso do sempre ganhador homem do rosto largo.
«O que me conta é muito estranho. Mas de certeza que há uma explicação.»
Explicações para casos estranhos como este? Só uma. Corrupção. Dizia?
Fiquei-me pelo silêncio.
«Como sabe, o jogo é aleatório.»
A desculpa do costume. Toda a gente sabia que de aleatório o jogo das máquinas não tinha nada. Bastava assistir.
«Senhora inspetora, não acredito que se possa aplicar o aleatório para casos como este. A começar pela percentagem de prémios, em função da receita, que têm que devolver aos utentes. Como pode ser possível fazer a distribuição dos prémios com esta condicionante da percentagem a devolver, sem haver necessidade de recorrer à manipulação do software?»
«Bom, não está nas minhas atribuições discutir isso. Eu aqui represento os interesses do Estado no que diz respeito a impostos e atendo as reclamações dos utentes. É por este motivo que estamos agora a conversar.»
«Representa o Estado para fiscalizar se a percentagem sobre a receita é canalizada para boas mãos. E quem protege os jogadores que perdem sistematicamente, viciados ou não? Quanto aos que ganham quase sempre não há necessidade de ajuda. Antes pelo contrário, é preciso refletir sobre os motivos que levam ao êxito sistemático desses indivíduos ganhadores. Faço uma proposta. Ou melhor, dou-lhe um conselho. Alguém da inspeção, ou credenciado pela mesma, devia andar entre as máquinas e observar o que se está a passar na relação máquina-jogador. É que acontecem aí muitas coisas estranhas. E os utentes, como eu, que protestam, acabam por cair em desgraça. As máquinas onde jogam dão ainda menos prémios. É uma tática que afasta novas queixas.»
«Compreendo-o, mas não posso fazer nada. Atualmente estou só eu ao serviço, pois os meus dois colegas aposentaram-se e não foram substituídos. Quanto às máquinas, são testadas dez mensalmente.»
Muito relevante! Dez máquinas. Dava vontade de rir.
«Quer mais casos?»
Não respondeu. Mas já tinha um na calha.
«Como é possível uma jogadora apostar sete ou nove créditos em cada batida e ir em média, por noite, quatro vezes ao cofre?»
Voltou a não responder. Continuei.
«Não sou só eu que sei. Fala-se disso à boca cheia e não é bom para o casino, aliás como muitas outras versões que circulam. Mais um caso insólito: uma vez, e eu estava lá, antes de se concretizar uma ida à platina já um funcionário, situado atrás da jogadora, contactava com a central sobre a efetivação do prémio. Esta é mesmo surrealista a situação. Esse homem foi ao futuro, senhora inspetora!»
«Central? Não existe qualquer espécie de controle, acredite, senhor Mário Fonseca.»
«Bem gostaria de acreditar! Sei dos filmes que isso existe. Manipulação do jogo. Pura e simples.»
«Bom, só nos jogos de mesa. Roleta, póquer e dados.»
«Porquê só nesses? Não fico convencido.»
«É verdade, garanto-lhe.»
«E o caso daqueles que jogam alto e vão com frequência ao cofre, "morrendo quase sempre na praia" por causa da saída sistemática de números baixos. É azar repetido, ou somos obrigados a pensar em outra coisa, senhora inspetora?»
Não chegou a responder. O funcionário acabava de chegar com umas folhas de papel na mão.
«Vamos ver o que temos aqui...»
«Sempre posso saber quantas vezes fui ao bónus?»
Analisou as folhas uma a uma e depois passou-as para as minhas mãos. Ali estava o historial da máquina. As notas que tinham entrado e os tickets que tinham saído. Tudo com as horas em que tinham ocorrido.
«Quer dizer que não me pode dar o que pedi.»
A inspetora e o funcionário trocaram um olhar rápido.
«Não é possível.» Disse o funcionário.
Levantei-me.
«Sem me dar o que lhe peço, não vou fazer qualquer reclamação. Contudo, não gostaria de vir a saber um dia que esses dados ficam registados. Acredite, senhora inspetora, que era muito grave.»
Voltaria mais vezes ao gabinete da inspeção. Pelo menos só para dizer que estava bem vivo e que eles não passavam de zombies que alinhavam com o sistema. Só um mereceu o meu respeito quando me disse, à saída do gabinete, em voz baixa:
«É só um momento. A senhora inspetora já o chama.» Disse a Sabrina, esboçando um sorriso simpático.
«Obrigado pela atenção.»
«De nada.»
E afastou-se.
Pouco depois era recebido pela inspetora. Observei-a com atenção. Uma mulher que devia rondar os cinquenta anos.
Afastei de imediato o olhar ao sentir a perturbação de minha interlocutora. Em poucos minutos expliquei os motivos que me tinham levado, primeiro à sensação de revolta e depois à decisão de apresentar uma queixa.
«Não sei se sabe mas tem que fazer a sua reclamação por escrito. Será analisada e garanto-lhe que terá uma resposta no máximo vinte dias depois de a ter apresentado.»
Fiz um gesto a denotar impaciência.
«Senhora inspetora, antes de decidir se devo ou não apresentar uma reclamação, preciso que me dê alguns dados sobre o desempenho da máquina. Conforme já lhe disse, estive a jogar numa máquina do Fort Knox, das três da tarde até uns minutos depois das noves e os resultados não foram nada brilhantes. Uma série ruim, dirá. E eu acrescento: demasiado longa. Poucos prémios, linhas raras, bónus raros e nenhuma ida ao cofre.»
«O que tenho para lhe dizer em resposta é que são as contingências do jogo. De que máquina se trata?»
«É uma das três Cleopatras do Fort Knox. Trago comigo o último ticket que tirei da máquina. De certeza que tem o número impresso.»
Estiquei o braço para lhe entregar o ticket.
«Obrigada. Ora deixa-me cá analisar...»
Fez-se silêncio por uns momentos.
«Vejo o dia e a hora. Não consigo encontrar o número.»
«Penso que é o 818.»
«Só um instante. Vou procurar no computador.»
A pesquisa demorou alguns minutos e foi negativa. Pegou no telefone e chamou alguém.
Pouco depois...
«Dá-me licença, senhora inspetora?»
Claro que a máquina tinha um número. Outra coisa não seria de esperar.
«Seis dígitos. Nunca pensei...»
«E o 818?» perguntei.
«Representa a zona.» Respondeu o funcionário.
«Obrigada. Pode retirar-se.»
Ficámos de novo frente a frente.
«Então, que decide quanto à reclamação?»
«De momento, nada» respondi. «Precisava de saber uma coisa muito simples. Quantas vezes fui ao bónus durante as seis horas em que estive a jogar? Em relação ao prémio progressivo nem é bom perguntar. Nem uma, senhora inspetora!»
«Com o número da máquina provavelmente já posso dizer-lhe alguma coisa.»
Aguardei.
«Não tenho hipótese de saber.»
«E agora?»
Chamou outro empregado e pôs-lhe a questão.
«Vai demorar algum tempo, senhora inspetora.»
Aproveitei para contar alguns casos estranhos a que tinha assistido e outros que me tinham sido contados. Não me esqueci de relatar a ocorrência com o velho da bengala e o jogador que investia forte, bem como o caso do sempre ganhador homem do rosto largo.
«O que me conta é muito estranho. Mas de certeza que há uma explicação.»
Explicações para casos estranhos como este? Só uma. Corrupção. Dizia?
Fiquei-me pelo silêncio.
«Como sabe, o jogo é aleatório.»
A desculpa do costume. Toda a gente sabia que de aleatório o jogo das máquinas não tinha nada. Bastava assistir.
«Senhora inspetora, não acredito que se possa aplicar o aleatório para casos como este. A começar pela percentagem de prémios, em função da receita, que têm que devolver aos utentes. Como pode ser possível fazer a distribuição dos prémios com esta condicionante da percentagem a devolver, sem haver necessidade de recorrer à manipulação do software?»
«Bom, não está nas minhas atribuições discutir isso. Eu aqui represento os interesses do Estado no que diz respeito a impostos e atendo as reclamações dos utentes. É por este motivo que estamos agora a conversar.»
«Representa o Estado para fiscalizar se a percentagem sobre a receita é canalizada para boas mãos. E quem protege os jogadores que perdem sistematicamente, viciados ou não? Quanto aos que ganham quase sempre não há necessidade de ajuda. Antes pelo contrário, é preciso refletir sobre os motivos que levam ao êxito sistemático desses indivíduos ganhadores. Faço uma proposta. Ou melhor, dou-lhe um conselho. Alguém da inspeção, ou credenciado pela mesma, devia andar entre as máquinas e observar o que se está a passar na relação máquina-jogador. É que acontecem aí muitas coisas estranhas. E os utentes, como eu, que protestam, acabam por cair em desgraça. As máquinas onde jogam dão ainda menos prémios. É uma tática que afasta novas queixas.»
«Compreendo-o, mas não posso fazer nada. Atualmente estou só eu ao serviço, pois os meus dois colegas aposentaram-se e não foram substituídos. Quanto às máquinas, são testadas dez mensalmente.»
Muito relevante! Dez máquinas. Dava vontade de rir.
«Quer mais casos?»
Não respondeu. Mas já tinha um na calha.
«Como é possível uma jogadora apostar sete ou nove créditos em cada batida e ir em média, por noite, quatro vezes ao cofre?»
Voltou a não responder. Continuei.
«Não sou só eu que sei. Fala-se disso à boca cheia e não é bom para o casino, aliás como muitas outras versões que circulam. Mais um caso insólito: uma vez, e eu estava lá, antes de se concretizar uma ida à platina já um funcionário, situado atrás da jogadora, contactava com a central sobre a efetivação do prémio. Esta é mesmo surrealista a situação. Esse homem foi ao futuro, senhora inspetora!»
«Central? Não existe qualquer espécie de controle, acredite, senhor Mário Fonseca.»
«Bem gostaria de acreditar! Sei dos filmes que isso existe. Manipulação do jogo. Pura e simples.»
«Bom, só nos jogos de mesa. Roleta, póquer e dados.»
«Porquê só nesses? Não fico convencido.»
«É verdade, garanto-lhe.»
«E o caso daqueles que jogam alto e vão com frequência ao cofre, "morrendo quase sempre na praia" por causa da saída sistemática de números baixos. É azar repetido, ou somos obrigados a pensar em outra coisa, senhora inspetora?»
Não chegou a responder. O funcionário acabava de chegar com umas folhas de papel na mão.
«Vamos ver o que temos aqui...»
«Sempre posso saber quantas vezes fui ao bónus?»
Analisou as folhas uma a uma e depois passou-as para as minhas mãos. Ali estava o historial da máquina. As notas que tinham entrado e os tickets que tinham saído. Tudo com as horas em que tinham ocorrido.
«Quer dizer que não me pode dar o que pedi.»
A inspetora e o funcionário trocaram um olhar rápido.
«Não é possível.» Disse o funcionário.
Levantei-me.
«Sem me dar o que lhe peço, não vou fazer qualquer reclamação. Contudo, não gostaria de vir a saber um dia que esses dados ficam registados. Acredite, senhora inspetora, que era muito grave.»
Voltaria mais vezes ao gabinete da inspeção. Pelo menos só para dizer que estava bem vivo e que eles não passavam de zombies que alinhavam com o sistema. Só um mereceu o meu respeito quando me disse, à saída do gabinete, em voz baixa:
«Não desista.»
Mas desisti.
(1) Mais ou menos dez anos depois uma suspeita, de Mário e não só, consolidou-se. Sempre que um chefe de sala muito amigo do Palrador está de serviço, a vida deste frequentador assíduo do casino tornava-se um paraíso que causaria inveja a Adão e Eva.
Só um pequeno exemplo que ocorreu recentemente. Jogando a treze e quinze créditos (no máximo trinta cêntimos cada vez que joga), o nosso "herói" obteve mais de €2500,00 (leia-se dois mil e quinhentos euros) em três fantásticas jogadas para quem jogava tão baixo: duas de cavalos e leões - muito improvável de acontecer, seguidas e na mesma máquina e um ouro gorducho. E mais, o que é, no mínimo nojento: vangloriou-se do êxito atingido. Mais uma vez houve um burburinho discreto da parte dos utentes e sabemos porquê. O medo de, como viciados que eram, ficarem expostos a uma publicidade que não desejavam.
O país sufoca de corrupção e lavagem de dinheiro, mas parece que nos casinos não há corrupção!


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