domingo, 27 de outubro de 2024

Mulheres como tu?

 


Há mulheres como tu que agarram o momento e mais tarde bendizem o sexto sentido que souberam usar e que as fez acertar na hora certa. Serão felizes porque acreditaram que agarraram o momento certo.
Há outras que jogam de olhos fechados no tabuleiro errado  e depois queixam-se da solidão que ajudaram a criar.

Há mulheres que agarram a onda no momento certo, mas que foram arrastadas pela corrente que criaram e viram ser levada para longe a coisa amada que a onda trouxe. 

Há mulheres belas que despertam desejos fortes e são engolidas na voragem do mito que ajudaram a criar. 


Há mulheres que se elogiam na sua beleza e só mostram o que querem mostrar. Essas mulheres só gostam delas.

Há mulheres como tu que deviam ter vivido duas vezes.

Há mulheres que matam os fetos que foram gerados nos seus ventres. Outras que não os podem ter. Outras que não os querem ter. E ainda outras que foram proibidas de os ter.

Há mulheres míopes que julgam ter tudo na vida. Outras, também míopes, dão tudo a quem não lhes dá nada. Outras que não são míopes mas perderam tudo na vida só por uma questão de miopia.

Há mulheres que amaram e foram amadas e quem as amou fez tudo para as conservar. Outras que deitaram fora a riqueza interior e correram atrás da outra riqueza.

Há mulheres que lutam até à exaustão por uma causa perdida. Para essas mulheres virá sempre uma nova oportunidade.

Há mulheres das quais nunca se sabe o que se espera porque a ocasião faz o ladrão e fiéis ou infiéis... um dia são, outro dia não.

Há mulheres... muitas mulheres! Brancas, negras, mestiças, magras, gordas, sardentas, com poucos sinais, bexigosas, de seios grandes e tesos ou caídos, de seios pequenos que não enchem a mão, altas, baixas, belas, feias, que amam e são amadas, que vivem livres ou enclausuradas, que se entregam ou são aprisionadas, que amam e são amadas.
Há mulheres destinadas a serem amadas ou odiada, para serem felizes ou infelizes, para um só homem ou mais que um, mulheres lésbicas, ou bivalentes, mulheres de toda a gente e de ninguém. Essas também são mulheres.

Há mulheres, como tu, que eu amei e que me amaram. Partiram muito cedo para o constelado do céu, talvez porque foram convidadas, se é que existe Alguém que, supostamente, as convidou. 
Mulheres como tu que partiram e nem sequer se despediram. São essas mulheres como tu que estou. hoje e sempre, a recordar...



A última rosa



Este não é o meu mundo. Julgava que este mundo tinha sido obra benigna de Deus. Já fui crente nesse tempo. Mas Hoje sou quem sou e não quem era. Alguém desencantado. Não foi Ele, mas o aleatório que levou o jovem da camisola azul ao encontro da rapariga do vestido branco numa noite tépida de setembro. Eu e a minha Eva sonhámos uma vida a dois, até que a serpente me tentou. Uma parente da mesma que expulsou o homem e a mulher do Paraíso. Tudo por causa de uma maçã colhida de uma certa árvore proibida que, por sinal, chamava-se cinicamente "árvore da vida". Que tinha a árvore de especial? As maçãs eram maçãs ou uma metáfora? Claro que eram. Estavam ali para tentar o homem e correr com ele (e a mulher) dali para fora de uma vez por todas. Talvez Deus quisesse fazer uma experiência. E se fez, esta correu mal. O mundo de Deus foi posto a nu. Desde então não houve mais paz neste mundo criado para o homem que, por sua vez, fora criado à Sua imagem. Até que um dia cheguei eu. Estive numa coisa, para mim parecida com o Paraíso e hoje estou como estou! Porra de vida. Tudo por causa de uma árvore e de uma serpente? Treta. Aquilo era uma armadilha e tinha mesmo que acontecer porque no mundo do Senhor Deus, Omnisciente, Omnipotente e Omnipresente, há serpentes espalhadas por tudo o que é sítio. Apesar do que disse e do quase tudo que ficou por dizer, porque ainda acredito encontrar um dia o Paraíso perdido, não consegui evitar este chorinho que se segue... 

Coração orgulhoso e ingrato que escolheste ignorar os desencantados como eu. Coração ingrato e cego.  Sei que estás aí. Presa na escuridão. Talvez chorando baixinho por não ter sido teu. No tempo do amor, dávamos as mãos e seguíamos juntos o nosso caminho. Mas talvez não fosse bem assim. O amor, quando é amor, sabe perdoar. 
Amor ou ódio, tanto faz. O elixir é meu, a magia das palavras também. 
Sai da noite e volta para o azul. Molha os pés na espuma da onda que veio e já não volta. Pisa as pegadas que ficaram para trás e vem ao meu encontro, coração cruel que apagaste os segredos guardados na memória adormecida. Chegou o tempo. Mostra-te. Ganha rosto. Vem ter comigo. Aceita a rosa que nunca te dei e foi colhida no tempo dos amantes, quando a esperança ainda ontem morava em nós, tal como a supernova implodiu ao perder todo o seu hidrogénio. 
Regressa. Vem compor a sinfonia para o crepúsculo. Vem, antes que seja tarde e a última viagem já não tenha partida. Estou à tua espera. No silêncio do espinho cravado fundo. Na dor insensível do grito abafado. Vem, coração frio que jazes na terra dos esquecidos e vês o dia e a noite pela fresta que se abriu quando te procurei. 
Havia rosas brancas sobre a tua campa. De quem eram? 
Tudo à minha volta apontava o dedo da vingança. Mas por mais forte que tivesse sido a razão, se o teu amor fosse eterno, como o sonhámos, terias aberto os braços para me receberes outra vez. 
Ternas eram as nossas noites. Frias são as tuas agora.
Porque não te disse que aquele desvio era efémero? Não sei. Fala com Deus porque eu não posso falar. Só Ele sabe a verdade. Já não acredito em Deus? Tens razão. Ele nunca falou comigo. Por isso e só por isso, perdi a fé. Deixemos então Deus em paz. Tem muito com que se entreter, se é que existe.
A chuva continua a cair em bátegas gélidas na terra hoje ensopada e ontem seca de lágrimas que não foram choradas. Não te vejo, nem oiço a voz que não era suposto vir das profundezas. Mas sinto a tua presença e há uma voz interior que julgo ser a tua. Estás cá dentro e, ao mesmo tempo, longe. Mesmo agora estou a ouvir-te. Pedes para deitar rosas vermelhas na ilha que te ofereci. As rosas brancas. Lembram a morte e ainda estás viva em mim.  D
izem que choras por não seres minha. Que ouvem o teu soluçar angustiado. Pobre de mim, que sou cego e surdo para o teu mundo, aquele que está ainda para lá da última cortina que ainda não consegui abrir.
Fecho os olhos para imaginar como eras. Só vejo um anjo de olhar triste. Tão abandonada estás nesse cárcere que tem as frestas de onde vês os dias e as noites! E sobre a pedra mármore, alva, que te cobre, tens por companhia rosas brancas, já secas. Rosas brancas que eu não ofereci ao meu amor. Para o meu único amor só queria oferecer rosas vermelhas.
Foste a primeira rosa. Levou-te a morte muito cedo. Nunca mais te vi, nem nunca mais te verei. Mas continuo a pensar em ti. 
Como era o teu olhar triste e a melodia da voz que julguei ouvir há pouco?
Não me lembro.
Como foi possível perder-te tão cedo?
Os vermes comeram-te a carne. Já não tens mãos de veludo. Nem corpo de adolescente. Mas à força de sonhar, nesta ilha em que te espero, um dia vou encontrar-te, rosa vermelha em botão. Estás viva em mim e vou oferecer-te uma rosa vermelha. As brancas são para a morte e essa já a "matei-a", dando de comer aos vermes a carne e as rosas brancas. A saudade e a rosa vermelha são de ti o que me resta.
Estou só. Como tu. De ti nem sequer vem um sinal. Não há rasto de azul. Apenas vejo na frente um deserto imenso de solidão e desespero. Dói-me a alma. Pela primeira vez penso que não sou eterno. Que o meu relógio vai parar. Talvez amanhã. Talvez depois. E mesmo no parar do relógio receio que vamos continuar desencontrados do outro lado da porta.
Estou decidido. Levo comigo três rosas para te oferecer. Uma, para recordar o tempo em que o primeiro amor despertou. Outra, destinada aos longos dias em que não te tive. E a terceira, a última, quem sabe... para que renasça, aí, desse lado, o amor que um dia jurámos ser eterno!
Quando nos encontrarmos, vou ralhar contigo porque partiste para a tua eternidade sem sequer me avisares! Depois... a propósito... será que o tempo existe aí?



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