quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Quinhentos euros na bocarra do monstro

 



Nos primeiros tempos os prémios dados pelas máquinas eram bons e com riscos baixos. Agora são baixos, favorecendo cada vez mais o casino. E o próprio Estado, visto que arrecada uma percentagem choruda dos lucros.
E o retorno dado pelo pai e padrasto de todos nós, contribuintes, será o mais justo?
Quero falar dum passado recente, algures próximo do fim do ano, que serviu de exemplo para decisões futuras. Passou-se entre as quatro da tarde e as três da manhã. A estratégia era perfeita e falhou. O jogo escolhido por nós foi o do monopólio. Na véspera tínhamos ficado com a ideia, mal surgisse o bónus, que, se fizéssemos um investimento na compra de "casas", teríamos êxito garantido. Mas, pobres de nós, a lutarmos mais uma vez contra um polvo traiçoeiro...
Deambulámos por outros mundos ainda antes do ataque frontal ao jogo do monopólio e mais uma vez com resultados nulos. Então, decidimos subir um pouco as "paradas". Os resultados não foram muito convincentes, principalmente nas fases de jogo mais forte. O aparecimento de prémios baixava logo assustadoramente e tínhamos que voltar à primeira forma.
«Esta merda está viciada!» queixou-se o Raul.
A ideia de que o jogo era aleatório não passava de uma ilusão.
«Vais ver que no monopólio são favas contadas. Enchemos as ruas de prédios e o valor dos prémios sobe em flecha.»
Pois, pois...
Infelizmente as máquinas preferidas estavam ocupadas. Tivemos que continuar a jogar noutras. 
«Isto vai bom. Ai vai, vai!»
«Pior é impossí­vel, Mário.»
«Tens razão. O melhor é estarmos uns tempos sem vir.»
«Talvez tenhas razão.»
Finalmente conseguimos apanhar uma máquina do monopólio. O céu azul deixou o astro-rei brilhar. Mas foi só por momentos. Quando pudemos aplicar o método xpto que considerávamos infalí­vel, não obtivemos os frutos desejados, chegando mesmo os resultados a serem negativos, o que era ilógico. Nos jogos de bónus ganhava-se sempre. Às vezes pouco, outras vezes assim, assim, outras vezes ainda muito. A defesa do sistema da máquina baseava-se em quatro vertentes. Escassez de bónus, números altos no lançamento dos dados (assim, menos jogadas com prémio), prémios baixos, fuga da marca (cavalo, carro, cão, chapéu e bota) às casas de prémios mais apetecí­veis.
Enfim, acabámos por considerar aquele jogo uma verdadeira fraude. Era de maior rendibilidade jogar no outro sistema.
«Que esperavas?» comentou o Raul.
«É mais uma razão para afirmar que está tudo viciado. Que fazem os fiscais do Estado? Logicamente a inspeção devia também zelar pelos interesses dos utentes e não o faz.»
«Já falámos muito sobre isso. Quanto mais alto for o lucro, mais engorda o fisco. É uma vergonha!»
«Insisto que os inspetores deviam defender-nos. Sair do conforto dos gabinetes para assim conhecerem realidades, como esta das máquinas do monopólio. E muitas outras anomalias que desconfio que existem. Corrupção não falta. Alimenta muita gente.»
«Por isso, é intocável.»
Desistimos de jogar. Quando investimos em casas, depois de entrarmos no bónus, o retorno diminuiu drasticamente.

A ideia pré-estabelecida que só joga quem quer é uma falácia. Talvez aconteça nos primeiros tempos. Passa-se o mesmo com a droga. Muitos dos que entram nela nunca mais saem. Chegam ao ponto limite de venderem os bens por tuta e meia. O que têm e o que não têm, até a própria alma.
A princípio tudo foi muito bom. Os prémios foram facilmente alcançados e tudo levava a crer que iam repetir-se nos dias seguintes. Prémios e mais prémios, até que se fechou e torneira e surgiram os dias cinzentos.
«Talvez que amanhã seja melhor. Não!, amanhã vai mesmo ser melhor!»
Entretanto instalaram máquinas em círculo e os primeiros dias foram um autêntico estado de graça. Uma oferta aos utentes de generosas salas de chuto assistidas que os viciaram ao atingirem uma linha vermelha de não retorno. A princípio só havia bons dias. Depois, alternaram os bons com os maus dias. Até que só ficaram os maus. Sem darem por isso, os utentes estavam a ser empurrados para a autodestruição. Os dois pratos da balança estavam longe da calibragem que se pretendia ser honesta.
Não bastando as ditas salas já referidas, o mais curioso é que também já há salas de chuto não assistidas, bem mais perigosas que as outras.
Há novas máquinas que estão a nascer como clones, também em cí­rculo (vicioso?) ou linha poligonal fechada, cada vez mais aliciantes e com sugestivos prémios nos dias de lançamento, tal como aconteceu nos saudosos tempos do estado de graça. Só que aqui os jogadores não se vêem e são obrigados a encerrarem-se cada vez mais no seu mundo alienado, sem bitola de comparação com os companheiros dos lados.
E o problema da localização abusiva e desonesta dos botões?
Jogue a aposta máxima! Jogue a aposta máxima, mesmo que não queira! Não custa nada. É só enganar-se no botão que está mesmo ao lado do outro que permite repetir a aposta e que, por vezes, é das mesmas dimensões que o outro.
Não vale a pena tecer mais considerações sobre os clones. Ficam apenas dois nomes como sinal de alerta: "Zorro". e "Roda da Sorte".

Quinhentos euros na bocarra do monstro
Agora que chegou...
Seja bem-vindo e não se apresse em deixar-me sem a sua companhia!
Mergulhe, não nas ondas, mas nesta viagem quase fantástica ao centro das histórias e, cuidado, não se perca nas suas ramificações labirínticas.
Divirta-se, se conseguir...

Vesti a pele do cordeiro e assim pude sentir o sabor amargo de ser derrotado pela lógica da máquina programada para reagir aos tais impulsos ou insistências do jogador que perde sempre na mesma máquina. O mais seguro é saltar de máquina em máquina. Nunca insistir na mesma por teimosia. Tal atitude leva ao drama, à brutal queda no abismo, ao mergulho irreversível na merda, à obsessão pela mesma máquina que amanhã pode dar mais do que tirou ontem.
Só joga quem quer, dirão os responsáveis. Eu direi: só deve jogar quem pode e tem força para parar no momento certo, quer esteja a ganhar ou a perder.
Porque será que a pessoa que joga pela primeira vez ganha quase sempre?
E porque será que as máquinas novas estão sempre em estado de graça nos seus primeiros dias de apresentação ao público?
Pura promoção e objetivos sinistros que pretendem criar "laços de amizade" com os utentes ganhadores.
Quanto à grande fraude da aposta máxima e da reaposta, com botões brancos colocados lado a lado, e das legendas "aposte cem créditos", "aposte isto, aposte aquilo", não serão casos a ter em consideração por quem coordena as funções dos fiscais estatais ou com os responsáveis da defesa do consumidor?
Inspetores vindos do Estado? Grande falácia.
Provavelmente estou a ser ingénuo em relação aos objetivos dos primeiros. Os inspetores controlam as contribuições dos casinos ao Estado. A César o que é de César. E ninguém protege o utente. Em teoria são os inspetores. Mas quantas reclamações são atendidas? 
Tenho ouvido falar muito na "fonte" da hipótese do estudo do perfil do jogador e, em caso de dúvida, há que estudar sobre a legalidade dessa forma rigorosa de marketing, como a suspeição sobre a mais que provável existência nos casinos de câmaras ocultas, de programação cada vez mais sofisticada, de estudo direto do comportamento do jogador perante a máquina feito por observadores ao serviço do casino. Não estou a fazer uma afirmação nem a ser ficcionista. Tenho direito à dúvida, como utente, perante o que vejo, o que oiço e o que sinto quando acontece o quase insólito, quer a meu favor ou em meu prejuízo.
Não é excessivo bater na mesma tecla.
Vejamos um caso verídico, entre muitos, que vem aparentemente baralhar o sistema e dar novas cartas, desta vez tentando simular uma parábola.
É uma história de um pequeno jogador e um grande que se cruzaram por acaso. O pequeno meteu uma nota de dez euros numa das três máquinas do monopólio. O grande, uma nota de quinhentos euros. O pequeno viu a nota ser introduzida no boqueirão da máquina e arrepiou-se todo. O grande apenas tinha executado um gesto de pura rotina.
O que se seguiu também era rotina. Linhas máximas e apostas máximas. Mas não se deu bem. Entretanto, por obra e graça não só do acaso, o pequeno começou a ganhar prémios razoáveis e até entrou no bónus do monopólio. O grande continuou a perder. Houve um momento em que os olhares se cruzarem e o grande tomou uma decisão e mudou para a terceira máquina situada à sua esquerda (palpites ou superstições). O pequeno sabia que o outro já só tinha quatro mil créditos.
Continuou a jogar até que terminou o bónus e sacou o ticket. Nada mau! Quarenta euros.
Dirigiu-se à máquina de pagamento automático e ficou com dinheiro vivo nas mãos. Depois, movido pela curiosidade, passou por trás do homem dos quinhentos euros e viu que os créditos continuavam a baixar. Encolheu os ombros e foi procurar outra máquina. Era mais que certo que ele, pequeno jogador, tinha sido favorecido e o outro não. Mas... se a máquina à sua esquerda não tivesse engolido os quinhentos euros? Certamente estaria sujeito à lei do aleatório. Assim, foi protegido por obra do acaso. Não ligado diretamente à máquina onde jogava mas sim devido à chegada aleatória do grande (que até podia ser pequeno e estar a arriscar para lá dos limites dos seus recursos).
Não é preciso tirar uma conclusão porque o que aconteceu é bem explícito. A programação da máquina prejudicou o utente infrator porque este, ao apostar mais, pensava que aumentava as suas probabilidades de êxito. E tinha a sua lógico raciocínio feito. Mas prejudicava o sistema e só assim o pequeno saiu beneficiado [1].
Só uma coisa. Eu era o pequeno e o grande talvez fosse natural da China. Mas não é regra geral. Já os tenho visto ganhar bom dinheiro.
Ainda impressionado com o gesto fácil do meu companheiro da esquerda ao introduzir na máquina gulosa uma nota lilás resolvi interromper os jogos por momentos e deambular pelo piso onde estava. Passei pela zona das mesas e nesse momento a roleta batia o recorde de participantes.
Já em casa, demorei algum tempo a deitar-me. O caso da nota tinha funcionado como se fosse um “abre-te, Sésamo” para novas estratégias do jogador, enquanto a minha outra faceta fugia do jogo em si e ia debruçar-se sobre novos ambientes de jogo.
Antes de adormecer tive um último pensamento dirigido para o grupo de máquinas do Fort Knox que tinham acoplados quatro níveis de prémios e onde, normalmente, não se passava do primeiro, este com um prémio a partir de dez euros.

[1] Em três máquinas parece haver uma que abre para o jogador.



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