Quantos não gostariam que esta história fosse verdadeira! Infelizmente, só em parte o é . Mas, de certa forma, e a apontar para o ridículo, ela é premonitória...
Tudo começou com a ida ao Centro Cultural de Belém para vermos a exposição Berardo de Arte Contemporânea. A ideia foi do Raul e concordei logo. Não pusemos em causa a qualidade das obras de arte que pudemos apreciar. Nunca fui pessoa entendida em arte contemporânea, mas nem por isso deixei de apreciar o que os meus olhos viram, de tal forma que não evitei tirar várias fotos com a Olympus digital 7.1, usando disfarçadamente o flash. A forma discreta com que tirei as fotos não evitou que fosse intercetado por um ou outro segurança, desculpando-me de imediato. Desconhecia as normas e não voltava a tirar outra foto, prometi. Mas quando mudei de sala a cena repetiu-se. Pequenos episódios que o Raul abominou, mas acontece que queria ficar com recordações daquela boa ideia que ele teve para visitarmos a exposição, aliás de acesso complicado. Havia poucas indicações para se chegar sem dificuldade à zona da exposição, supostamente por questões de conflito que já muita gente conhecia e que considero inqualificáveis de uma das partes. Mas adiante e alguém que feche a porta que eu já saí.
Ainda ofuscados pela qualidade das obras que tivemos a sorte de apreciar, viemos para o exterior comentar o que os nossos olhos tinham acabado de ver e as sensações deixadas. Mais uma ou duas fotos a um curioso arranjo de garrafas formando uma árvore (foi o que vi) e só então saímos em definitivo e atravessámos o pátio bem arejado que ligava o exterior às salas da exposição e aos auditórios.
Entretanto vi umas jovens mulheres à distância, sentadas nos degraus de pedra e brinquei com o Raul:
«Elas estão a dizer-nos adeus.»
Não comentou. Provavelmente estava distraído.
«Já lá vamos.»
«O quê?»
«Acordaste finalmente. São aquelas meninas a acenarem para cá.»
Foi então que aconteceu. Surgiu do nada e escolheu-nos entre muitas pessoas que também saíam na altura. Vestia de castanho. Uma blusa à cava. Óculos escuros que tiravam qualquer hipótese de a identificar. O cabelo era castanho-claro, não muito comprido.
Como vinha bem disposto recebi-a com uma certa abertura. Pensei logo em publicidade e fiquei de pé atrás. Surpresa! Ofereceu-me um cartão. Li: Andreia (o apelido não digo, por razões óbvias). O objetivo era passarmos a fazer parte da base de dados de uma empresa de casting. O inquérito que se seguiu até teve direito a fotografias. Nem sei como o Raul foi nisso.
A certa altura aproximou-se mais para me tirar uma foto de perto.
«Não faça isso. Compreende, não compreende?»
«Até está bem. Olhe, podem ser contactados de um momento para o outro.»
«Mas eu não tenho o mínimo jeito para representar!»
«Não se preocupe. Pode ser chamado só como figurante. Temos falta de pessoas mais velhas.»
«Então, se é assim, está bem. Ah, então quer o nosso contacto.»
«O meu amigo depois telefona-me.» Desculpou-se logo o Raul.
Dei-lhe o contacto do telemóvel.
Coisa estranha. Parecia que a conhecia. Estive mesmo para lhe pedir que tirasse os óculos porque gostava muito de conhecer as mulheres pelos olhos e os dela deviam ser bonitos.
Acabou a entrevista e foi à sua vida.
«Já viste, Raul, a coincidência de dizer-te que havia umas jovens que nos faziam acenos?»
«Coisas tuas.»
Ficámos por aqui. Pouco depois já atravessávamos a passadeira de peões que dava para o lado do jardim e dei de caras com outra jovem empoleirada sobre um banco do jardim, daqueles que tinham costas contínuas e caracteristicamente pintados de verde. O olhar sorridente, provocante, que lançou na minha direção, deixou-me surpreso. Vestia uma t-shirt colorida com riscas horizontais onde predominava o azul. Não deixei de fazer um comentário:
«Esta gaja anda no engate.»
«Quem?» perguntou.
Estávamos já um pouco deslocados para a esquerda quando nos virámos para o outro lado.
«Essa agora!»
Não queria acreditar. Já não vi ninguém em cima do banco, nem nas proximidades.
«Então?»
«Estava ali, em cima do banco.» Apontei.
«Viste bem?» foi a pergunta.
Não dei resposta e seguimos sem mais conversa. Fiquei deveras intrigado.
Onde se tinha metido a mulher?
Provavelmente escondeu-se atrás de uma árvore. Para o lado do CCB o campo de observação era aberto e não teve tempo de desaparecer da vista. Além da hipótese de se ter escondido atrás de uma árvore (pouco provável), podia ter-se infiltrado no jardim.
Continuámos em frente, começando a deslocar-nos paralelamente aos Jerónimos.
«Vou tirar umas fotos à fachada.»
Atravessámos a rua para o outro lado, evitando, com perícia, os carros que surgiam num e noutro sentido. Claro que o nosso objetivo não era só esse. Os pastéis de Belém, claro. Gostosos (meia dúzia, por favor!), mas enjoativos.
O Raul perguntou se eram do dia.
«Não vês que estão sempre a sair?» admoestei-o.
«Estes têm pelo menos quinze dias.» Brincou o empregado que nos atendeu.
«Desses é que eu gosto.»
Coisa rara o Raul dar-se à paródia. Deviam ser ainda restos da conversa que tivemos com a entrevistadora.
Voltámos ao jardim.
«Quero um banco à sombra.» Exigiu o Raul.
«Está ali um.»
«Qual? O que tem a velha sentada?»
«Esse mesmo. Uma velha que tinha um gato e debaixo da cama o tinha. Corremos com a velha, a cama e o gato. Está feito.»
«Como assim?»
Ainda ofuscados pela qualidade das obras que tivemos a sorte de apreciar, viemos para o exterior comentar o que os nossos olhos tinham acabado de ver e as sensações deixadas. Mais uma ou duas fotos a um curioso arranjo de garrafas formando uma árvore (foi o que vi) e só então saímos em definitivo e atravessámos o pátio bem arejado que ligava o exterior às salas da exposição e aos auditórios.
Entretanto vi umas jovens mulheres à distância, sentadas nos degraus de pedra e brinquei com o Raul:
«Elas estão a dizer-nos adeus.»
Não comentou. Provavelmente estava distraído.
«Já lá vamos.»
«O quê?»
«Acordaste finalmente. São aquelas meninas a acenarem para cá.»
Foi então que aconteceu. Surgiu do nada e escolheu-nos entre muitas pessoas que também saíam na altura. Vestia de castanho. Uma blusa à cava. Óculos escuros que tiravam qualquer hipótese de a identificar. O cabelo era castanho-claro, não muito comprido.
Como vinha bem disposto recebi-a com uma certa abertura. Pensei logo em publicidade e fiquei de pé atrás. Surpresa! Ofereceu-me um cartão. Li: Andreia (o apelido não digo, por razões óbvias). O objetivo era passarmos a fazer parte da base de dados de uma empresa de casting. O inquérito que se seguiu até teve direito a fotografias. Nem sei como o Raul foi nisso.
A certa altura aproximou-se mais para me tirar uma foto de perto.
«Não faça isso. Compreende, não compreende?»
«Até está bem. Olhe, podem ser contactados de um momento para o outro.»
«Mas eu não tenho o mínimo jeito para representar!»
«Não se preocupe. Pode ser chamado só como figurante. Temos falta de pessoas mais velhas.»
«Então, se é assim, está bem. Ah, então quer o nosso contacto.»
«O meu amigo depois telefona-me.» Desculpou-se logo o Raul.
Dei-lhe o contacto do telemóvel.
Coisa estranha. Parecia que a conhecia. Estive mesmo para lhe pedir que tirasse os óculos porque gostava muito de conhecer as mulheres pelos olhos e os dela deviam ser bonitos.
Acabou a entrevista e foi à sua vida.
«Já viste, Raul, a coincidência de dizer-te que havia umas jovens que nos faziam acenos?»
«Coisas tuas.»
Ficámos por aqui. Pouco depois já atravessávamos a passadeira de peões que dava para o lado do jardim e dei de caras com outra jovem empoleirada sobre um banco do jardim, daqueles que tinham costas contínuas e caracteristicamente pintados de verde. O olhar sorridente, provocante, que lançou na minha direção, deixou-me surpreso. Vestia uma t-shirt colorida com riscas horizontais onde predominava o azul. Não deixei de fazer um comentário:
«Esta gaja anda no engate.»
«Quem?» perguntou.
Estávamos já um pouco deslocados para a esquerda quando nos virámos para o outro lado.
«Essa agora!»
Não queria acreditar. Já não vi ninguém em cima do banco, nem nas proximidades.
«Então?»
«Estava ali, em cima do banco.» Apontei.
«Viste bem?» foi a pergunta.
Não dei resposta e seguimos sem mais conversa. Fiquei deveras intrigado.
Onde se tinha metido a mulher?
Provavelmente escondeu-se atrás de uma árvore. Para o lado do CCB o campo de observação era aberto e não teve tempo de desaparecer da vista. Além da hipótese de se ter escondido atrás de uma árvore (pouco provável), podia ter-se infiltrado no jardim.
Continuámos em frente, começando a deslocar-nos paralelamente aos Jerónimos.
«Vou tirar umas fotos à fachada.»
Atravessámos a rua para o outro lado, evitando, com perícia, os carros que surgiam num e noutro sentido. Claro que o nosso objetivo não era só esse. Os pastéis de Belém, claro. Gostosos (meia dúzia, por favor!), mas enjoativos.
O Raul perguntou se eram do dia.
«Não vês que estão sempre a sair?» admoestei-o.
«Estes têm pelo menos quinze dias.» Brincou o empregado que nos atendeu.
«Desses é que eu gosto.»
Coisa rara o Raul dar-se à paródia. Deviam ser ainda restos da conversa que tivemos com a entrevistadora.
Voltámos ao jardim.
«Quero um banco à sombra.» Exigiu o Raul.
«Está ali um.»
«Qual? O que tem a velha sentada?»
«Esse mesmo. Uma velha que tinha um gato e debaixo da cama o tinha. Corremos com a velha, a cama e o gato. Está feito.»
«Como assim?»
O Raul estava noutro planeta.
«Dando-lhe um pastel em troca do banco.»
«Deixa a velha em paz. Está ali outro.»
Começámos então a comer os pastéis de Belém.
«Deliciosos. Não há quem os faça melhor.»
Eram seis. Ficaram dois. Não os comemos todos. Quentes, tornavam-se um pouco enjoativos.
Lembrei-me da Andreia. Tirei-lhe os óculos e vesti-a com um casaco castanho comprido, ainda de inverno. Isto em pensamento. A voz não me dizia muito.
«Já te falei da Mariana, aquela mulher que conheci uma noite junto às máquinas das raposas?»
«Não me digas que é a mesma de há pouco!»
«Parece-me que sim.»
«Ganha juízo.»
«Pronto. Já cá não está quem falou.»
«Agora fiquei com sede.» Disse o Raul. «Vamos andando à procura de uma esplanada.»
Esta não presta. A outra é muito ventosa. No interior está calor.
«Dando-lhe um pastel em troca do banco.»
«Deixa a velha em paz. Está ali outro.»
Começámos então a comer os pastéis de Belém.
«Deliciosos. Não há quem os faça melhor.»
Eram seis. Ficaram dois. Não os comemos todos. Quentes, tornavam-se um pouco enjoativos.
Lembrei-me da Andreia. Tirei-lhe os óculos e vesti-a com um casaco castanho comprido, ainda de inverno. Isto em pensamento. A voz não me dizia muito.
«Já te falei da Mariana, aquela mulher que conheci uma noite junto às máquinas das raposas?»
«Não me digas que é a mesma de há pouco!»
«Parece-me que sim.»
«Ganha juízo.»
«Pronto. Já cá não está quem falou.»
«Agora fiquei com sede.» Disse o Raul. «Vamos andando à procura de uma esplanada.»
Esta não presta. A outra é muito ventosa. No interior está calor.
De dúvida em dúvida, ficámos na esplanada ventosa.
«Que dizes a um prato de caracóis?»
«Que digo? Vai ser a primeira vez que vou comer caracóis.»
«A minha alma está parva!»
«É verdade.»
«Vê lá... manda vir outra coisa para ti.»
«Tenho é sede.»
Quando o empregado nos procurou com as imperiais e o prato de caracóis, já tínhamos mudado de mesa duas vezes. Soprava na altura uma brisa desagradável. Fiz-lhe um sinal.
«Já julgava que nos tínhamos pisgado?»
«Por acaso não. A mesa que os senhores escolheram primeira era muito desabrigada. Admiti logo que tinham mudado de local.»
«Os caracóis recomendam-se?» perguntou o Raul.
Pergunta escusada.
«São de comer e chorar por mais. Aproveitem que ainda vêm a escaldar.»
Claro que comi meia dúzia e chegou. Achei-os mal temperados.
«Manda-se vir um prato de gambas. Quem paga sou eu. Tu compraste os pastéis.»
«E olha que coisa! Fazes bom negócio. Mesmo assim, sem as gambas, ficas a perder. Bebo mais uma imperial e está feito.»
«Tu é que sabes.»
Veio à baila o arrojo da Andreia em abordar-nos para uma entrevista que, a princípio, julguei estar relacionada com mera publicidade. Tinham-se passado já alguns minutos e o subconsciente lançou-me outra vez um sinal de alerta para uma situação com alguma possibilidade de êxito.
Não seria ela a Mariana que tinha conhecido em tempos no casino quando jogava nas slots das raposas?
«Prometeu deixar um comentário no blogue, mas não cumpriu.»
«Lá estás tu a sonhar alto outra. Desce à Terra, homem!»
Ignorei-o.
«Que dizes a um prato de caracóis?»
«Que digo? Vai ser a primeira vez que vou comer caracóis.»
«A minha alma está parva!»
«É verdade.»
«Vê lá... manda vir outra coisa para ti.»
«Tenho é sede.»
Quando o empregado nos procurou com as imperiais e o prato de caracóis, já tínhamos mudado de mesa duas vezes. Soprava na altura uma brisa desagradável. Fiz-lhe um sinal.
«Já julgava que nos tínhamos pisgado?»
«Por acaso não. A mesa que os senhores escolheram primeira era muito desabrigada. Admiti logo que tinham mudado de local.»
«Os caracóis recomendam-se?» perguntou o Raul.
Pergunta escusada.
«São de comer e chorar por mais. Aproveitem que ainda vêm a escaldar.»
Claro que comi meia dúzia e chegou. Achei-os mal temperados.
«Manda-se vir um prato de gambas. Quem paga sou eu. Tu compraste os pastéis.»
«E olha que coisa! Fazes bom negócio. Mesmo assim, sem as gambas, ficas a perder. Bebo mais uma imperial e está feito.»
«Tu é que sabes.»
Veio à baila o arrojo da Andreia em abordar-nos para uma entrevista que, a princípio, julguei estar relacionada com mera publicidade. Tinham-se passado já alguns minutos e o subconsciente lançou-me outra vez um sinal de alerta para uma situação com alguma possibilidade de êxito.
Não seria ela a Mariana que tinha conhecido em tempos no casino quando jogava nas slots das raposas?
«Prometeu deixar um comentário no blogue, mas não cumpriu.»
«Lá estás tu a sonhar alto outra. Desce à Terra, homem!»
Ignorei-o.
«Estou na Terra, Raul.»
«Ao menos era alguma coisa de jeito?»
Evitei responder.
«Sabes que voltei a encontrá-la quase um mês depois, no dia do aniversário do casino?»
«Não me digas! Tens a certeza que era ela?»
«Estivemos a falar uns minutos...»
Tinha levantado um prémio numa das máquinas automáticas e dirigia-me para a zona das slots do Carrossel quando dei de caras com ela a levantar dinheiro de uma ATM. Foi a primeira a falar-me. Confirmei a simpatia manifestada na noite em que a conheci e estivemos a conversar animadamente até que uma das duas companheiras, que esperavam alguns metros à frente, começou a fazer sinais de impaciência. Ela encolheu os ombros, resignada.
«Tenho que ir. Vemo-nos por aí.»
«Não se esqueça do comentário.»
E foi-se...
«Ao menos era alguma coisa de jeito?»
Evitei responder.
«Sabes que voltei a encontrá-la quase um mês depois, no dia do aniversário do casino?»
«Não me digas! Tens a certeza que era ela?»
«Estivemos a falar uns minutos...»
Tinha levantado um prémio numa das máquinas automáticas e dirigia-me para a zona das slots do Carrossel quando dei de caras com ela a levantar dinheiro de uma ATM. Foi a primeira a falar-me. Confirmei a simpatia manifestada na noite em que a conheci e estivemos a conversar animadamente até que uma das duas companheiras, que esperavam alguns metros à frente, começou a fazer sinais de impaciência. Ela encolheu os ombros, resignada.
«Tenho que ir. Vemo-nos por aí.»
«Não se esqueça do comentário.»
E foi-se...
«Combinaram um encontro?»
«Não. Disse que provavelmente voltávamos a ver-nos.»
«Ah sim.»
«Mas não voltei a vê-la.»
«E ficaste com pena, confessa.»
«É cá comigo.»
«Mas não te importavas...»
«Espera.»
Um gole de cerveja e a atenção centrada sobre os pássaros que saltitavam, no chão, entre as mesas verdes metálicas. Debicavam aqui e ali, onde vislumbravam migalhas de pão e bolos. O seu à-vontade entre humanos era notório. Não resisti à tentação de tirar uma foto ao pássaro que estava mais próximo.
Depois, uma segunda e mais outra. Esta última com um resultado fora do comum. No écran da máquina fotográfica pude observar um momento único. A ave de asas abertas, elevava-se do chão para um novo destino. Fiquei extasiado a ver a imagem que tinha captado.
«Olha-me para isto, Raul!»
Fixou o olhar no pequeno écran.
«Mas onde está ele? Ah! Estou a ver. Apanhaste o pássaro a levantar voo...»
«Só tenho pena da máquina não ser de melhor qualidade. De certeza que ganhava um prémio numa exposição. E os caracóis estavam bons?»
«Já comi melhor. Faltava picante. Um pouco mais não ficava mal. Mas quanto a caracóis, aprecio mais os grandes. São suculentos.»
«Breeh! Nem me fales nisso. Depois desta experiência e com a evocação desses malditos caracóis grandes, pegajosos, que esmagava com os pés quando era miúdo, definitivamente não farão parte da minha ementa.»
«Voltando àquela mulher da entrevista, achas então que é a mesma do casino que conheceste na máquina das raposas?»
«Não sei. As coincidências nunca são de mais. O segredo reside no poder de observação de cada um. Deixa as horas correrem que logo te direi. Ainda é cedo.»
«Deixa ver onde pus o cartão. Ela também te deu algum?»
«Claro que não. Não te lembras que não dei qualquer contacto?»
«Mas onde pus o cartão da tal Andreia?»
Levantei-me.
«Talvez num dos bolsos das calças. Também não está-»
«Olha, vou verter águas.»
«Mas onde está ele? Ah! Estou a ver. Apanhaste o pássaro a levantar voo...»
«Só tenho pena da máquina não ser de melhor qualidade. De certeza que ganhava um prémio numa exposição. E os caracóis estavam bons?»
«Já comi melhor. Faltava picante. Um pouco mais não ficava mal. Mas quanto a caracóis, aprecio mais os grandes. São suculentos.»
«Breeh! Nem me fales nisso. Depois desta experiência e com a evocação desses malditos caracóis grandes, pegajosos, que esmagava com os pés quando era miúdo, definitivamente não farão parte da minha ementa.»
«Voltando àquela mulher da entrevista, achas então que é a mesma do casino que conheceste na máquina das raposas?»
«Não sei. As coincidências nunca são de mais. O segredo reside no poder de observação de cada um. Deixa as horas correrem que logo te direi. Ainda é cedo.»
«Deixa ver onde pus o cartão. Ela também te deu algum?»
«Claro que não. Não te lembras que não dei qualquer contacto?»
«Mas onde pus o cartão da tal Andreia?»
Levantei-me.
«Talvez num dos bolsos das calças. Também não está-»
«Olha, vou verter águas.»
«Eu espero.»
Deixei-me ficar sentado e aproveitei a ausência do Raul para continuar a procurar o raio do cartão.
De repente senti um piscar forte de luz que quase me cegou. E depois, mais nada.
Sem saber como nem porquê encontrava-me outra vez à saída do CCB, no passeio do jardim. E lá estava o banco. Sem ninguém. Lembrei-me da jovem mulher que me tinha lançado um olhar cúmplice. Podia também ter sido para alguém atrás de mim.
«Raul...»
Qual Raul! Não estava no meu campo de visão.
Foi então que ouvi uma voz.
«Que faz aí parado?»
Reconheci logo a voz. Voltei-me.
«Com que então anda a perseguir-me!»
«Eu?!... Pode dizer-me porque ia fazer tal coisa?»
Tinha razão. Mas...
Sem saber como nem porquê encontrava-me outra vez à saída do CCB, no passeio do jardim. E lá estava o banco. Sem ninguém. Lembrei-me da jovem mulher que me tinha lançado um olhar cúmplice. Podia também ter sido para alguém atrás de mim.
«Raul...»
Qual Raul! Não estava no meu campo de visão.
Foi então que ouvi uma voz.
«Que faz aí parado?»
Reconheci logo a voz. Voltei-me.
«Com que então anda a perseguir-me!»
«Eu?!... Pode dizer-me porque ia fazer tal coisa?»
Tinha razão. Mas...
«E as visões que tive?»
Demorou a responder.
«Era a Guidinha. Ficou à minha espera fora do CCB. Disse-me que o senhor a olhou duma maneira especial e só se lembrou de sorrir.»
«E depois desapareceu. Ora conte lá a verdade. Essa história está muito mal contada, Andreia.»
«E sem horizontes na frente.»
«Ótimo.»
«Ótimo?»
«Desculpe. Não queria dizer o que estou sentindo. Escapou. Mas conte-me a verdade. Todinha.»
«Quer mesmo a verdade?»
«Era a Guidinha. Ficou à minha espera fora do CCB. Disse-me que o senhor a olhou duma maneira especial e só se lembrou de sorrir.»
«E depois desapareceu. Ora conte lá a verdade. Essa história está muito mal contada, Andreia.»
«E sem horizontes na frente.»
«Ótimo.»
«Ótimo?»
«Desculpe. Não queria dizer o que estou sentindo. Escapou. Mas conte-me a verdade. Todinha.»
«Quer mesmo a verdade?»
«Sim.»
«Conheci-o nas raposas...»
«Bem me parecia. E voltámos a ver-nos quando você levantava dinheiro duma ATM.»
«Tal e qual. Lembra-se que me deu uma lista de endereços da net? Não fiz o comentário que prometi, mas li algumas histórias.»
«E então, gostou?»
«Até gostei. Faz o meu género. Adoro ler textos que abordam o paranormal. Mas também sou brincalhona. Vi-o entrar na exposição Berardo com o seu amigo e lembrei-me de fazer-lhe uma partida. Se a Guidinha desaparecesse de forma misteriosa certamente o senhor ficava intrigado e nós aparecíamos em mais uma das suas histórias.»
«E fiquei mesmo intrigado. Mas como procedeu?»
«Então, dei instruções à Guidinha e ficámos à espera que saíssem. Quando os vi à distância, ela avançou para o seu posto.»
«O banco.»
Começou a rir quase de forma descontrolada.
«Ria à vontade. E depois?»
«Depois também desempenhei o meu papel. Por acaso, além de estudar, é o que faço. Recruto candidatos para castings.»
«Pelo menos aí foi sincera. Mas onde é que ela se meteu para não a ver mais?»
«Escondeu-se atrás duma árvore.»
Tal como pensei na altura.
«Mas voltando ao casino, então como se tem dado? Tem ganho nas raposas?»
«Foram das poucas máquinas onde ganhei. Mas agora já estou a retirar-me. No fundo só queria escrever umas histórias. Alertar as pessoas, compreende?»
«E deixou-se ficar.»
«De certa maneira foi um investimento. Sem me pôr na pele do jogador o realismo nunca seria alcançado. Ao mesmo tempo que era um jogador, observava os outros, revoltava-me com o sistema nitidamente viciado, e também deixava transparecer a impotência sentida para poder dar a volta ao texto. O próprio Estado tem grandes interesses financeiros. Quanto mais dinheiro entrar, mais saca em impostos. Por esse motivo os inspetores vão assobiando para o ar e fazendo a apologia do jogo aleatório.»
«Se ao menos pudéssemos fazer alguma coisa!»
«Também deixou lá dinheiro, Andreia. Ou trato-a por Mariana?»
«Tanto faz. Deixei muito dinheiro para as minhas posses. Hoje faz-me falta.»
Então, tive uma ideia.
«E se fôssemos até ao casino?»
«Não tenho um cêntimo. Mas não quero ser desmancha prazeres. Fico a assistir.»
«Da primeira vez que a vi também não tinha dinheiro. Quando o seu amigo lhe
pediu emprestados cinco euros, bem vasculhou na saqueta...»
«Por acaso ainda tinha vinte euros. Mas fingi que estava nas lonas. Ele demorava a pagar e o dinheiro fazia-me falta.»
«Vamos de táxi.»
«Se é o senhor que paga...»
«Chamo-me Mário. O senhor não conheço.»
«Bem sei. Tem graça! É mesmo Mário que se chama?»
«Talvez. Sim. Definitivamente.»
«O das histórias?» perguntou a Andreia.
«Agora em carne e osso, o Mário contador de histórias. Mas claro que sou diferente dele. Não sei qual de nós é a caricatura, percebe?»
«Não. Baralhou-me. De qualquer forma, muito prazer, Mário. Se quiser então, chame-me Mariana.»
«Gosto mais de Andreia. Olhe, vem aí um táxi.»
Fiz um sinal. Não parou.
«Já viu? Ia livre. Fazem o que querem e sobeja-lhes tempo.»
«Cuidado!»
Senti-me empurrado por ela.
«Não se magoou?»
«Por acaso não. Que ideia foi essa? Não é jogadora de rugby?»
«Com este físico acha que sim?»
Nada de deitar fora, Mário...
«Disse alguma coisa?»
«De maneira nenhuma. Foi alguma pessoa que passou por aqui.»
«Empurrei-o para não ser atropelado. Mas julgo que ainda foi tocado num joelho. Veja se tem alguma mazela.»
«Obrigado. Está tudo bem comigo.»
«De nada. Dói-lhe o joelho?»
«Não.»
«Ainda bem. Ali vem outro.»
Desta vez fomos os dois a fazer sinal. Resultado nulo.
«Mas...»
«Pois é. Estou a entender. Parece que já não precisamos de táxi.»
«Como assim? Não julgue que vamos a pé!»
«Pode confiar em mim.»
«Bem me parecia. E voltámos a ver-nos quando você levantava dinheiro duma ATM.»
«Tal e qual. Lembra-se que me deu uma lista de endereços da net? Não fiz o comentário que prometi, mas li algumas histórias.»
«E então, gostou?»
«Até gostei. Faz o meu género. Adoro ler textos que abordam o paranormal. Mas também sou brincalhona. Vi-o entrar na exposição Berardo com o seu amigo e lembrei-me de fazer-lhe uma partida. Se a Guidinha desaparecesse de forma misteriosa certamente o senhor ficava intrigado e nós aparecíamos em mais uma das suas histórias.»
«E fiquei mesmo intrigado. Mas como procedeu?»
«Então, dei instruções à Guidinha e ficámos à espera que saíssem. Quando os vi à distância, ela avançou para o seu posto.»
«O banco.»
Começou a rir quase de forma descontrolada.
«Ria à vontade. E depois?»
«Depois também desempenhei o meu papel. Por acaso, além de estudar, é o que faço. Recruto candidatos para castings.»
«Pelo menos aí foi sincera. Mas onde é que ela se meteu para não a ver mais?»
«Escondeu-se atrás duma árvore.»
Tal como pensei na altura.
«Mas voltando ao casino, então como se tem dado? Tem ganho nas raposas?»
«Foram das poucas máquinas onde ganhei. Mas agora já estou a retirar-me. No fundo só queria escrever umas histórias. Alertar as pessoas, compreende?»
«E deixou-se ficar.»
«De certa maneira foi um investimento. Sem me pôr na pele do jogador o realismo nunca seria alcançado. Ao mesmo tempo que era um jogador, observava os outros, revoltava-me com o sistema nitidamente viciado, e também deixava transparecer a impotência sentida para poder dar a volta ao texto. O próprio Estado tem grandes interesses financeiros. Quanto mais dinheiro entrar, mais saca em impostos. Por esse motivo os inspetores vão assobiando para o ar e fazendo a apologia do jogo aleatório.»
«Se ao menos pudéssemos fazer alguma coisa!»
«Também deixou lá dinheiro, Andreia. Ou trato-a por Mariana?»
«Tanto faz. Deixei muito dinheiro para as minhas posses. Hoje faz-me falta.»
Então, tive uma ideia.
«E se fôssemos até ao casino?»
«Não tenho um cêntimo. Mas não quero ser desmancha prazeres. Fico a assistir.»
«Da primeira vez que a vi também não tinha dinheiro. Quando o seu amigo lhe
pediu emprestados cinco euros, bem vasculhou na saqueta...»
«Por acaso ainda tinha vinte euros. Mas fingi que estava nas lonas. Ele demorava a pagar e o dinheiro fazia-me falta.»
«Vamos de táxi.»
«Se é o senhor que paga...»
«Chamo-me Mário. O senhor não conheço.»
«Bem sei. Tem graça! É mesmo Mário que se chama?»
«Talvez. Sim. Definitivamente.»
«O das histórias?» perguntou a Andreia.
«Agora em carne e osso, o Mário contador de histórias. Mas claro que sou diferente dele. Não sei qual de nós é a caricatura, percebe?»
«Não. Baralhou-me. De qualquer forma, muito prazer, Mário. Se quiser então, chame-me Mariana.»
«Gosto mais de Andreia. Olhe, vem aí um táxi.»
Fiz um sinal. Não parou.
«Já viu? Ia livre. Fazem o que querem e sobeja-lhes tempo.»
«Cuidado!»
Senti-me empurrado por ela.
«Não se magoou?»
«Por acaso não. Que ideia foi essa? Não é jogadora de rugby?»
«Com este físico acha que sim?»
Nada de deitar fora, Mário...
«Disse alguma coisa?»
«De maneira nenhuma. Foi alguma pessoa que passou por aqui.»
«Empurrei-o para não ser atropelado. Mas julgo que ainda foi tocado num joelho. Veja se tem alguma mazela.»
«Obrigado. Está tudo bem comigo.»
«De nada. Dói-lhe o joelho?»
«Não.»
«Ainda bem. Ali vem outro.»
Desta vez fomos os dois a fazer sinal. Resultado nulo.
«Mas...»
«Pois é. Estou a entender. Parece que já não precisamos de táxi.»
«Como assim? Não julgue que vamos a pé!»
«Pode confiar em mim.»
«Pronto, dou-lhe a mão.»
Subitamente fez-se escuro.
«Que coisa tão estranha! Como viemos aqui parar?»
A resposta foi imediata.
«Muito simples. Já leu "O Segredo"?»
«Por acaso li. Será que...?»
«... que a lei da atração funcionou por termos desejado tanto vir ao casino?»
«Tanto, não digo. Mas reforçámos o desejo.»
«Vamos andando.» Disse.
«Falta uma onda para entrarmos.»
Voltei-me para ela, admirado.
«Sempre leu o blogue, Andreia.»
«Sim. Faltei ao prometido, mas não costumo mentir. Um dia destes vou pôr o meu comentário. Palavra de Andreia.»
Mas ela chamava-se Mariana.
Sugeri que entrássemos ao mesmo tempo pela porta giratória.
«Porquê?»
«Para dar sorte ao jogo.»
«Já lhe disse que não tenho um cêntimo comigo.»
Não respondi. Já estávamos no interior do casino. Estranhei o porteiro não ter dado as boas tardes. Ainda por cima conhecia-me bem.
«Estes indivíduos deixam muito a desejar.»
«A quem se refere?»
«Aos porteiros do casino. Parece que têm o rei na barriga!»
«Porquê?»
«Não nos falou.»
«Não nos falou.»
«Naturalmente estamos invisíveis.»
Fiquei a olhar para ela.
«Não ligue.»
Já estávamos no interior do casino, junto às máquinas em frente ao balcão.
«Apetece-me comer um croquete. São bons. Quer fazer-me companhia, Andreia?»
«Claro que quero.»
Encostámo-nos ao balcão.
«Está-se bem aqui. O ar condicionado funciona nos limites do razoável.»
«E ainda se estaria melhor se o Mário não perdesse hoje.»
«Tem dons, Andreia?»
«Só pressentimentos.»
Já estávamos no interior do casino, junto às máquinas em frente ao balcão.
«Apetece-me comer um croquete. São bons. Quer fazer-me companhia, Andreia?»
«Claro que quero.»
Encostámo-nos ao balcão.
«Está-se bem aqui. O ar condicionado funciona nos limites do razoável.»
«E ainda se estaria melhor se o Mário não perdesse hoje.»
«Tem dons, Andreia?»
«Só pressentimentos.»
De repente lembrei-me da Maria que soltou os cabelos ao vento e não só. Também tinha pressentimentos (1).
«É pena. Mas quero acreditar que hoje vou ganhar.»
Achei exagerada a demora em sermos atendidos.
«O fulano arruma os copos e faz de propósito para não olhar para cá. Faz favor...»
«Psst!» reforçou a minha companheira.
Veio na nossa direção.
«Já não era sem tempo. Bebe imperial, Andreia?»
«Sim.»
«São dois croquetes e duas imperais.»
Franzi o sobrolho. O empregado já se dirigia para uma pessoa ao lado.
«Nós estamos primeiro. Você está a gozar, ou quê?»
«Calma, Mário.»
«Oiça lá, ó seu...!»
Pi!
«Urso, animal de cabelo!» insultei.
«Mula sem cabeça!» ajudou a Andreia.
O urso, animal de cabelo e também mula sem cabeça não reagiu aos nossos insultos.
Olhámos um para o outro.
«Será que estamos a pensar o mesmo?»
Ela acenou com a cabeça.
«Afirmativo. Agora me lembro que o Mário foi tocado há pouco no joelho pelo carro e parece que não sentiu qualquer dor.»
«Pois, já não me lembrava. Vamos à prova real. Vou atirar um copo ao chão. Não se assuste.»
«É pena. Mas quero acreditar que hoje vou ganhar.»
Achei exagerada a demora em sermos atendidos.
«O fulano arruma os copos e faz de propósito para não olhar para cá. Faz favor...»
«Psst!» reforçou a minha companheira.
Veio na nossa direção.
«Já não era sem tempo. Bebe imperial, Andreia?»
«Sim.»
«São dois croquetes e duas imperais.»
Franzi o sobrolho. O empregado já se dirigia para uma pessoa ao lado.
«Nós estamos primeiro. Você está a gozar, ou quê?»
«Calma, Mário.»
«Oiça lá, ó seu...!»
Pi!
«Urso, animal de cabelo!» insultei.
«Mula sem cabeça!» ajudou a Andreia.
O urso, animal de cabelo e também mula sem cabeça não reagiu aos nossos insultos.
Olhámos um para o outro.
«Será que estamos a pensar o mesmo?»
Ela acenou com a cabeça.
«Afirmativo. Agora me lembro que o Mário foi tocado há pouco no joelho pelo carro e parece que não sentiu qualquer dor.»
«Pois, já não me lembrava. Vamos à prova real. Vou atirar um copo ao chão. Não se assuste.»
«Cuidado com o que vai fazer, Mário.»
«Mas o que é isto? Estou insensível!»
«Deixe ver...»
O copo não saiu do sítio.
«Sentiu o seu contacto?»
«Não.»
«O mesmo passou-se comigo. Mas não sei se ficamos só por aqui. Creio que estamos invisíveis. E será só...?»
«Onde quer chegar?»
«Muito simples. Dê-me a mão, Andreia.»
Não gostou.
«Outra vez?»
«Deixe de parte o pudor. Só quero fazer uma experiência.»
Deu-me a mão.
«Que está a fazer?»
«A apertar-lhe a mão.»
«Faz-me cócegas.»
«Impressão sua. Não lhe fiz cócegas.»
«E que pretendeu com isto?»
«Levante a tampa do mostruário dos salgados e tire um croquete.»
«Mas...»
Resolvi eu fazer a experiência. Não consegui levantar a tampa.
«Creio que nos estamos a comportar como fantasmas. Somos imateriais e só temos sensibilidade um com o outro. Olhe, dê-me a mão e vamos de encontro àquele casal de jovens em frente.»
«Vamos magoar-nos, mas seja.»
Simplesmente fomos atravessados pelo casal e nem nós nem eles sentimos as consequências do embate.
«Começo a gostar disto! Há aqui muito para explorar.»
«Olhe, Andreia, para começar vamos às raposas.»
«Você teve sempre um fraco por esse jogo. Mas e os croquetes?»
«Deixe ver...»
O copo não saiu do sítio.
«Sentiu o seu contacto?»
«Não.»
«O mesmo passou-se comigo. Mas não sei se ficamos só por aqui. Creio que estamos invisíveis. E será só...?»
«Onde quer chegar?»
«Muito simples. Dê-me a mão, Andreia.»
Não gostou.
«Outra vez?»
«Deixe de parte o pudor. Só quero fazer uma experiência.»
Deu-me a mão.
«Que está a fazer?»
«A apertar-lhe a mão.»
«Faz-me cócegas.»
«Impressão sua. Não lhe fiz cócegas.»
«E que pretendeu com isto?»
«Levante a tampa do mostruário dos salgados e tire um croquete.»
«Mas...»
Resolvi eu fazer a experiência. Não consegui levantar a tampa.
«Creio que nos estamos a comportar como fantasmas. Somos imateriais e só temos sensibilidade um com o outro. Olhe, dê-me a mão e vamos de encontro àquele casal de jovens em frente.»
«Vamos magoar-nos, mas seja.»
Simplesmente fomos atravessados pelo casal e nem nós nem eles sentimos as consequências do embate.
«Começo a gostar disto! Há aqui muito para explorar.»
«Olhe, Andreia, para começar vamos às raposas.»
«Você teve sempre um fraco por esse jogo. Mas e os croquetes?»
«Deixe lá os croquetes.»
«Se tivesse sido mais objetivo podia ter ganho muito dinheiro.»
«Se eles deixassem.»
«Sim. Não posso deixar de ter em conta essa variável nefasta. Mas vamos. Talvez tenha chegado hoje o dia da desforra.»
«Como assim?»
Em pouco tempo estávamos em frente às três slots das raposas.
«Vamos a ver se podemos fazer alguma coisa.»
«Por exemplo...?» perguntou, abrindo os braços.
Não me contive. Num impulso, segurei-a pelos ombros e olhámo-nos, olhos nos olhos. Os seus olhos melosos eram mais bonitos quando se fixavam nos meus.
«Vamos ficar uma eternidade assim?» perguntou, esboçando um sorriso tímido. «Pelos vistos gosta muito de mexer em mim. Saiu-me cá um grande mexilhão!»
«Não o posso negar. É... é a lei da atração.»
«Eu já lhe digo...»
«Olhe!»
As máquinas acabavam de exibir as três raposas. Mal tinham começado a jogar e já estavam em jogo.
«Viu o mesmo que eu, Mário?»
«Sim. Os cilindros rodaram no momento em que a agarrei. De imediato apareceram as três raposas. Acha que foi coincidência, Andreia?»
Não respondeu porque a máquina não parava de dar prémios e as raposas apareciam com frequência, o que significava um acréscimo constante de bónus.
«Está tudo a correr bem. Mas...»
«Não é altura de largar-me?»
«Desculpe, Andreia. É muito fofinha.»
«Eu lhe digo.»
Larguei-a. Entretanto deixaram de aparecer as raposas e em pouco tempo o jogo chegou ao fim.
«Mesmo assim foram trezentos e vinte euros de bónus. Coisa que nunca consegui ter. No entanto não vamos conseguir sacar o ticket porque somos invisíveis e não temos sensibilidade para tocar nos objetos. Entre nós é diferente. Mas lembrei-me agora de coisa...»
Deu um passo atrás.
«Coisa boa não é, Mário!»
«Adivinhou. Se não se importa, vou agarrá-la outra vez.»
«Tente!»
Bofetão à vista?
«Não é com a intenção de há pouco. É só uma experiência muito simples. Vamos a ver o que acontece quando a segurar. Agora pode dar-me só a mão.»
«Então seja, mas não se aproveite.»
«Promessa de Mário. Pronto, dê-me a mão. Assim.»
«Oh!»
«Certeiro, Bezendjas!»
«Estamos outra vez no bónus. E o que é isso que disse?»
«Bezendjas é um acólito de Olrik, o mau da fita no Mistério da Grande Pirâmide. Gosta de banda desenhada, Andreia?»
«Nem por isso. Mas que se passa? As raposas já não aparecem e o jogo parou.»
«Deixe-me pegar na sua mão outra vez...»
«Bem, bem!»
«Já descobri. Quando estamos em contacto físico as máquinas ficam bondosas e vá de dar prémios e mais prémios.»
Acenou com a cabeça, concordando.
«E se não estou a enganar-me, vamos ter aqui uma grande noite. Dê-me a mão e vamos para outras máquinas.»
«Está a magoar-me. Meus ricos ossinhos! Seja mais meigo, Mário!»
Sorrimos. Senti que ela estava a libertar-se, aos poucos, de todas e quaisquer defesas.
«Podemos tratar-nos por tu?» arrisquei.
Concordou logo.
«E posso beijá-la?» voltei a arriscar.
«Mário! Isso é já pedir demais.»
«Pronto, já cá não está quem falou.»
«Só um beijo na face.»
«Só?»
Não ofereceu resistência.
«Os teus olhos melosos não me enganaram, Andreia!»
«Porque estou a ir nisto?»
«Não penses. Anda. Dá-me a mão mais uma vez e vamos por aí. Há de acontecer muita coisa boa.»
Como dois gaiatos, corremos para as escadas rolantes, atropelando tudo e todos sem que tivéssemos a mínima beliscadura e eles também. Em breve estávamos no segundo piso.
«Isto vai ser divertido.» Disse ela.
«Concordo contigo. Olha, agora vamos dar um belo salto para cima de uma das mesas da roleta e mergulhar entre as fichas e as marcações.»
«Não vai haver confusão?»
«A verdade é que não sei bem o que vai acontecer. E uma coisa: não te desprendas de mim! Lá vamossssssssss!»
«Louco!!! O que estás a fazer?»
Uma coisa que nunca tinha feito em cima de uma mesa de jogo e com a vantagem de ninguém nos ver. Estávamos invisíveis e loucos de paixão.
Mas o jogadores começaram a bater as palmas e a gritar, entusiasmados.
«Não contava com este imediatismo. Afinal eles estão a ver-nos.» Lamentei-me.
«Não é isso, tonto. Estão a gritar porque ganharam prémios.»
«É verdade, tens razão. E ganharam porque as fichas concentraram-se todas na mesma zona. Estão a ser pagos imensos plenos e cavalos. Olha, entretanto apareceu muita gente para assistir.»
Novos gritos de entusiasmo dos jogadores que entretanto tinham duplicado as apostas.
«É muito bom para ser verdade. A continuar assim vamos levar o casino à bancarrota. Não te levantes ainda, Mário.»
«Lamento, Andreia. Bem sabes que não tenho a tua idade. Dá tempo ao tempo.»
«Então vamos continuar o nosso momento de vingança e glória. Aqui, deste casino... com muito amor por toda esta gente desgraçada que tem sido imolada aos servidores de Satã.»
Sim, era nossa vingança. E fazíamos o que estávamos a fazer por muitos e muitos que se deixaram ir nas ilusões criadas de quem não tinha o mínimo escrúpulo. Quanta amargura! Quantas vidas destroçadas! Quantos lares desfeitos! Quantos suicídios!
Ah Mário... Há quanto tempo esperas por este dia?
Foi então que vi a mulher que um dia me disse, imperturbável, que estava a perder mil euros numa máquina. Já me tinham dito que se arruinara.
«Vais ter uma surpresa agradável, minha amiga.»
«Que estás a dizer, Mário?»
Contei-lhe o que se passara com aquela mulher.
«Coitada! Devia ser rica.»
«Foi, Andreia. Foi.»
Aonde levava o maldito vício! Vício alimentado por este sistema sem coração. Primeiro, dão bons prémios e depois retiram o tapete quando o jogador já não consegue libertar-se das garras da habituação que esta droga causa.»
«Olha, já começou a ganhar. Vê como aquele rosto ganhou outra vida!»
Em pouco tempo todas as máquinas davam prémios. Bastava passarmos pelas máquinas, sempre de mão na mão.
«Vamos para baixo?»
Ficou séria.
«Que se passa?»
«Desculpa, Mário. Não te conhecíamos...»
«Como?, estás a falar daquela noite quando tu e os teus amigos me descobriram de roda das raposas. Continuo ainda intrigado. O que os levou a ficarem nas redondezas?»
«Não te zangas comigo?»
«Depende.»
«De quê?»
«Se me deres mais um beijo.»
De repente ficou triste.
«Um beijo não compensa o nosso crime.»
«Bom, nessa noite andávamos à procura de um pato. A ideia foi do Francisco. Eu ia entretendo-te com a minha sedução e o Francisco só falava no seu sistema de jogo do tipo tudo ou nada e exemplificou com o Leilão. Concluindo, queríamos arranjar maneira de jogar à tua custa.»
«Então era isso.»
Pôs-me uma mão no ombro.
«Não te zangas comigo se continuar?»
«Claro que não. O que quer que venha daí são águas passadas.»
«Fiquei admirada porque deixaste de concentrar-te no jogo para falares connosco. Afinal não eras mais um daqueles viciados do casino.»
«Ando à procura de histórias e também a tentar trazer à luz provas dos podres que se escondem algures...»
«É uma atitude nobre, mas que te prejudica.»
«Se prejudica! Mas não vou desistir. Ainda agora começou a guerra, querida Andreia.»
«Continuando, comecei a ficar agradada com a tua conversa e eles danaram-se comigo por não usar a tática que tínhamos combinado. Depois deste-me o papel com os blogues e fiquei ainda mais agradada. E despedimo-nos. Eles ainda fizeram uma última tentativa.»
«Pois. Na máquina do Leilão...»
«Sim. Estávamos à tua espera.»
«Fiz de propósito para nos encontrar-nos outra vez. O teu amigo estava teso e pediu-te cinco euros emprestados. Então procuraste na bolsa pequena. Pareceu-me que também já não tinhas dinheiro.»
«Fazia parte do plano. Ainda bem que não te ofereceste para emprestar dinheiro ao Francisco.»
«Pensei nessa hipótese. Se tivesse sido contigo era diferente.»
A extensão da fila junto às máquinas de pagamento automático era incrível.
«Que coisa boa! Eles vão mesmo à glória. Atenção que aquele empregado está a conversar com alguém. Deve ter um microfone na lapela do casaco. Vamos aproximar-nos. Olha, Mário, ele está a dizer que o problema só reside nas máquinas do segundo piso.»
«Isso é o que julga. Quando chegarmos às máquinas do primeiro piso então é que vão ser elas. Espero que entretanto eles não desliguem as máquinas.»
«Que estás a ouvir agora o que ele diz para a "central"?»
«Propõe que desliguem as máquinas aos poucos e do lado da central dizem que não é aconselhável em virtude da situação de euforia que se estabeleceu entre os jogadores. Para evitar um tumulto têm que deixar as coisas tal como estão. Por enquanto.»
Decidi.
«Vamos agir com rapidez. De um momento para o outro vão desligar as máquinas. Ai vão, vão.»
«Mudando de assunto...»
«Sim, Andreia?»
«Só queria dizer que é bom estarmos de mãos dadas, como dois colegiais...»
Deixámos o empregado a dialogar com alguém da "central" e descemos ao primeiro piso, onde nos esperava uma nova missão.
«Quero começar em beleza.»
«Já sei. É na Roda da Sorte que foi sempre um embuste.»
«Malditos! É a maior fraude deste casino. Por esse motivo a frequência reduziu-se bastante nestes últimos tempos. Vamos pôr toda esta gente a ganhar.»
Sabrina!
«Para onde estás a olhar com tanta insistência?»
«Se tivesse sido mais objetivo podia ter ganho muito dinheiro.»
«Se eles deixassem.»
«Sim. Não posso deixar de ter em conta essa variável nefasta. Mas vamos. Talvez tenha chegado hoje o dia da desforra.»
«Como assim?»
Em pouco tempo estávamos em frente às três slots das raposas.
«Vamos a ver se podemos fazer alguma coisa.»
«Por exemplo...?» perguntou, abrindo os braços.
Não me contive. Num impulso, segurei-a pelos ombros e olhámo-nos, olhos nos olhos. Os seus olhos melosos eram mais bonitos quando se fixavam nos meus.
«Vamos ficar uma eternidade assim?» perguntou, esboçando um sorriso tímido. «Pelos vistos gosta muito de mexer em mim. Saiu-me cá um grande mexilhão!»
«Não o posso negar. É... é a lei da atração.»
«Eu já lhe digo...»
«Olhe!»
As máquinas acabavam de exibir as três raposas. Mal tinham começado a jogar e já estavam em jogo.
«Viu o mesmo que eu, Mário?»
«Sim. Os cilindros rodaram no momento em que a agarrei. De imediato apareceram as três raposas. Acha que foi coincidência, Andreia?»
Não respondeu porque a máquina não parava de dar prémios e as raposas apareciam com frequência, o que significava um acréscimo constante de bónus.
«Está tudo a correr bem. Mas...»
«Não é altura de largar-me?»
«Desculpe, Andreia. É muito fofinha.»
«Eu lhe digo.»
Larguei-a. Entretanto deixaram de aparecer as raposas e em pouco tempo o jogo chegou ao fim.
«Mesmo assim foram trezentos e vinte euros de bónus. Coisa que nunca consegui ter. No entanto não vamos conseguir sacar o ticket porque somos invisíveis e não temos sensibilidade para tocar nos objetos. Entre nós é diferente. Mas lembrei-me agora de coisa...»
Deu um passo atrás.
«Coisa boa não é, Mário!»
«Adivinhou. Se não se importa, vou agarrá-la outra vez.»
«Tente!»
Bofetão à vista?
«Não é com a intenção de há pouco. É só uma experiência muito simples. Vamos a ver o que acontece quando a segurar. Agora pode dar-me só a mão.»
«Então seja, mas não se aproveite.»
«Promessa de Mário. Pronto, dê-me a mão. Assim.»
«Oh!»
«Certeiro, Bezendjas!»
«Estamos outra vez no bónus. E o que é isso que disse?»
«Bezendjas é um acólito de Olrik, o mau da fita no Mistério da Grande Pirâmide. Gosta de banda desenhada, Andreia?»
«Nem por isso. Mas que se passa? As raposas já não aparecem e o jogo parou.»
«Deixe-me pegar na sua mão outra vez...»
«Bem, bem!»
«Já descobri. Quando estamos em contacto físico as máquinas ficam bondosas e vá de dar prémios e mais prémios.»
Acenou com a cabeça, concordando.
«E se não estou a enganar-me, vamos ter aqui uma grande noite. Dê-me a mão e vamos para outras máquinas.»
«Está a magoar-me. Meus ricos ossinhos! Seja mais meigo, Mário!»
Sorrimos. Senti que ela estava a libertar-se, aos poucos, de todas e quaisquer defesas.
«Podemos tratar-nos por tu?» arrisquei.
Concordou logo.
«E posso beijá-la?» voltei a arriscar.
«Mário! Isso é já pedir demais.»
«Pronto, já cá não está quem falou.»
«Só um beijo na face.»
«Só?»
Não ofereceu resistência.
«Os teus olhos melosos não me enganaram, Andreia!»
«Porque estou a ir nisto?»
«Não penses. Anda. Dá-me a mão mais uma vez e vamos por aí. Há de acontecer muita coisa boa.»
Como dois gaiatos, corremos para as escadas rolantes, atropelando tudo e todos sem que tivéssemos a mínima beliscadura e eles também. Em breve estávamos no segundo piso.
«Isto vai ser divertido.» Disse ela.
«Concordo contigo. Olha, agora vamos dar um belo salto para cima de uma das mesas da roleta e mergulhar entre as fichas e as marcações.»
«Não vai haver confusão?»
«A verdade é que não sei bem o que vai acontecer. E uma coisa: não te desprendas de mim! Lá vamossssssssss!»
«Louco!!! O que estás a fazer?»
Uma coisa que nunca tinha feito em cima de uma mesa de jogo e com a vantagem de ninguém nos ver. Estávamos invisíveis e loucos de paixão.
Mas o jogadores começaram a bater as palmas e a gritar, entusiasmados.
«Não contava com este imediatismo. Afinal eles estão a ver-nos.» Lamentei-me.
«Não é isso, tonto. Estão a gritar porque ganharam prémios.»
«É verdade, tens razão. E ganharam porque as fichas concentraram-se todas na mesma zona. Estão a ser pagos imensos plenos e cavalos. Olha, entretanto apareceu muita gente para assistir.»
Novos gritos de entusiasmo dos jogadores que entretanto tinham duplicado as apostas.
«É muito bom para ser verdade. A continuar assim vamos levar o casino à bancarrota. Não te levantes ainda, Mário.»
«Lamento, Andreia. Bem sabes que não tenho a tua idade. Dá tempo ao tempo.»
«Então vamos continuar o nosso momento de vingança e glória. Aqui, deste casino... com muito amor por toda esta gente desgraçada que tem sido imolada aos servidores de Satã.»
Sim, era nossa vingança. E fazíamos o que estávamos a fazer por muitos e muitos que se deixaram ir nas ilusões criadas de quem não tinha o mínimo escrúpulo. Quanta amargura! Quantas vidas destroçadas! Quantos lares desfeitos! Quantos suicídios!
Ah Mário... Há quanto tempo esperas por este dia?
Foi então que vi a mulher que um dia me disse, imperturbável, que estava a perder mil euros numa máquina. Já me tinham dito que se arruinara.
«Vais ter uma surpresa agradável, minha amiga.»
«Que estás a dizer, Mário?»
Contei-lhe o que se passara com aquela mulher.
«Coitada! Devia ser rica.»
«Foi, Andreia. Foi.»
Aonde levava o maldito vício! Vício alimentado por este sistema sem coração. Primeiro, dão bons prémios e depois retiram o tapete quando o jogador já não consegue libertar-se das garras da habituação que esta droga causa.»
«Olha, já começou a ganhar. Vê como aquele rosto ganhou outra vida!»
Em pouco tempo todas as máquinas davam prémios. Bastava passarmos pelas máquinas, sempre de mão na mão.
«Vamos para baixo?»
Ficou séria.
«Que se passa?»
«Desculpa, Mário. Não te conhecíamos...»
«Como?, estás a falar daquela noite quando tu e os teus amigos me descobriram de roda das raposas. Continuo ainda intrigado. O que os levou a ficarem nas redondezas?»
«Não te zangas comigo?»
«Depende.»
«De quê?»
«Se me deres mais um beijo.»
De repente ficou triste.
«Um beijo não compensa o nosso crime.»
«Bom, nessa noite andávamos à procura de um pato. A ideia foi do Francisco. Eu ia entretendo-te com a minha sedução e o Francisco só falava no seu sistema de jogo do tipo tudo ou nada e exemplificou com o Leilão. Concluindo, queríamos arranjar maneira de jogar à tua custa.»
«Então era isso.»
Pôs-me uma mão no ombro.
«Não te zangas comigo se continuar?»
«Claro que não. O que quer que venha daí são águas passadas.»
«Fiquei admirada porque deixaste de concentrar-te no jogo para falares connosco. Afinal não eras mais um daqueles viciados do casino.»
«Ando à procura de histórias e também a tentar trazer à luz provas dos podres que se escondem algures...»
«É uma atitude nobre, mas que te prejudica.»
«Se prejudica! Mas não vou desistir. Ainda agora começou a guerra, querida Andreia.»
«Continuando, comecei a ficar agradada com a tua conversa e eles danaram-se comigo por não usar a tática que tínhamos combinado. Depois deste-me o papel com os blogues e fiquei ainda mais agradada. E despedimo-nos. Eles ainda fizeram uma última tentativa.»
«Pois. Na máquina do Leilão...»
«Sim. Estávamos à tua espera.»
«Fiz de propósito para nos encontrar-nos outra vez. O teu amigo estava teso e pediu-te cinco euros emprestados. Então procuraste na bolsa pequena. Pareceu-me que também já não tinhas dinheiro.»
«Fazia parte do plano. Ainda bem que não te ofereceste para emprestar dinheiro ao Francisco.»
«Pensei nessa hipótese. Se tivesse sido contigo era diferente.»
A extensão da fila junto às máquinas de pagamento automático era incrível.
«Que coisa boa! Eles vão mesmo à glória. Atenção que aquele empregado está a conversar com alguém. Deve ter um microfone na lapela do casaco. Vamos aproximar-nos. Olha, Mário, ele está a dizer que o problema só reside nas máquinas do segundo piso.»
«Isso é o que julga. Quando chegarmos às máquinas do primeiro piso então é que vão ser elas. Espero que entretanto eles não desliguem as máquinas.»
«Que estás a ouvir agora o que ele diz para a "central"?»
«Propõe que desliguem as máquinas aos poucos e do lado da central dizem que não é aconselhável em virtude da situação de euforia que se estabeleceu entre os jogadores. Para evitar um tumulto têm que deixar as coisas tal como estão. Por enquanto.»
Decidi.
«Vamos agir com rapidez. De um momento para o outro vão desligar as máquinas. Ai vão, vão.»
«Mudando de assunto...»
«Sim, Andreia?»
«Só queria dizer que é bom estarmos de mãos dadas, como dois colegiais...»
Deixámos o empregado a dialogar com alguém da "central" e descemos ao primeiro piso, onde nos esperava uma nova missão.
«Quero começar em beleza.»
«Já sei. É na Roda da Sorte que foi sempre um embuste.»
«Malditos! É a maior fraude deste casino. Por esse motivo a frequência reduziu-se bastante nestes últimos tempos. Vamos pôr toda esta gente a ganhar.»
Sabrina!
«Para onde estás a olhar com tanta insistência?»
«É a Sabrina. Nunca te contei...»
«Aquela mulher... Hoje não permito que te entregues a devaneios. A mulher é interessante, a apontar para o exótico, mas és só meu, entendes?»
«Repete. Não ouvi bem.»
Encostou o rosto ao meu e deu-me um beijo.
«Assim está melhor. Mas não tens receio da diferença de idades?»
«Que diferença de idades, Mário? Somos jovens.»
«Essa mulher também está incluída na minha lista de vinganças que tenho a executar.»
Começou a movimentar-se e fiz um gesto à Andreia para nos aproximarmos mais dela.
«Estás a ouvir?»
«Sim. Parece que a epidemia já chegou cá abaixo.»
«E não foi preciso interferirmos. Como assim?» perguntei.
«Não sei. Mas ouve, estão a pedir reforço de dinheiro! O caos instalou-se. As máquinas enlouqueceram. Há jackpotes por todo o lado As pessoas estão histéricas. E as máquinas de pagamento automático bloquearam.»
«Vão desligar tudo! Não pode ser outra coisa...»
«É. Mas o comentário da tua amiguinha surpreende-me. Acaba de dizer: "Ainda bem que isto aconteceu."»
«Eu sabia.»
«O quê?»
«Que ela não me ia desiludir.»
O sonho chegava ao fim. Acabavam de desligar todas as máquinas.
«Vamos, Mário, temos que sair daqui o mais depressa possível!»
«Demasiado tarde. Estamos encurralados neste mar de gente.»
«Não é tarde. Lembra-te que somos invisíveis e podemos passar entre a multidão sem qualquer perigo.»
«Já me esquecia. Vamos quanto antes.»
«Sim. Dá-me a mão. Por ali. Vamos por ali. Creio que há uma saída lá ao fundo...»
«Não me largues, Mário!»
«Por nada deste mundo, Andreia!»
Triste desilusão.
«Mas o que é isto?»
De repente tudo ficou às escuras. Apertei-a de encontro ao peito e senti o bater acelerado do seu coração.
«Não tenhas medo, miúda, que havemos de sair daqui!»
Silêncio absoluto.
«Andreiaaaaaaaa!»
«Afinal de contas onde é que te meteste? Não estiveste este tempo todo na casa de banho, pois não?»
O Raul estava visivelmente chateado.
«Foi dos caracóis! Deram-me volta aos intestinos.»
«Meia dúzia de caracóis? Mas quem foi à casa de banho fui eu!»
Era uma desculpa que não pegava, mas insisti na mentira.
«Aquela mulher... Hoje não permito que te entregues a devaneios. A mulher é interessante, a apontar para o exótico, mas és só meu, entendes?»
«Repete. Não ouvi bem.»
Encostou o rosto ao meu e deu-me um beijo.
«Assim está melhor. Mas não tens receio da diferença de idades?»
«Que diferença de idades, Mário? Somos jovens.»
«Essa mulher também está incluída na minha lista de vinganças que tenho a executar.»
Começou a movimentar-se e fiz um gesto à Andreia para nos aproximarmos mais dela.
«Estás a ouvir?»
«Sim. Parece que a epidemia já chegou cá abaixo.»
«E não foi preciso interferirmos. Como assim?» perguntei.
«Não sei. Mas ouve, estão a pedir reforço de dinheiro! O caos instalou-se. As máquinas enlouqueceram. Há jackpotes por todo o lado As pessoas estão histéricas. E as máquinas de pagamento automático bloquearam.»
«Vão desligar tudo! Não pode ser outra coisa...»
«É. Mas o comentário da tua amiguinha surpreende-me. Acaba de dizer: "Ainda bem que isto aconteceu."»
«Eu sabia.»
«O quê?»
«Que ela não me ia desiludir.»
O sonho chegava ao fim. Acabavam de desligar todas as máquinas.
«Vamos, Mário, temos que sair daqui o mais depressa possível!»
«Demasiado tarde. Estamos encurralados neste mar de gente.»
«Não é tarde. Lembra-te que somos invisíveis e podemos passar entre a multidão sem qualquer perigo.»
«Já me esquecia. Vamos quanto antes.»
«Sim. Dá-me a mão. Por ali. Vamos por ali. Creio que há uma saída lá ao fundo...»
«Não me largues, Mário!»
«Por nada deste mundo, Andreia!»
Triste desilusão.
«Mas o que é isto?»
De repente tudo ficou às escuras. Apertei-a de encontro ao peito e senti o bater acelerado do seu coração.
«Não tenhas medo, miúda, que havemos de sair daqui!»
Silêncio absoluto.
«Andreiaaaaaaaa!»
«Afinal de contas onde é que te meteste? Não estiveste este tempo todo na casa de banho, pois não?»
O Raul estava visivelmente chateado.
«Foi dos caracóis! Deram-me volta aos intestinos.»
«Meia dúzia de caracóis? Mas quem foi à casa de banho fui eu!»
Era uma desculpa que não pegava, mas insisti na mentira.
«Eu fui logo a seguir, Raul...»
«Estive a ver as fotos da tua máquina. Olha esta. A que tiraste ao pássaro. Ficou muito boa.»
«Pois ficou. Ele está a partir para um novo destino.»
«Olha, Mário, apetece-me ir ao casino.»
«Esquece os casinos. Por hoje já chega...»
«O quê? Minha alma está parva!»
«Bom, dói-me a cabeça.»
«Olha, comíamos um bife na Lusitânia e depois passávamos uma noite divertida no casino. A perder, claro. Como de costume.»
«Definitivamente não.»
Sorriu, exibindo o seu sorriso número um de gozo.
«Como tens a mania das magias, não consegues encontrar uma forma de entrares no sistema das raposas e sacares uma série boa, bem prolongada?»
«Já o fiz, Raul.»
«Estive a ver as fotos da tua máquina. Olha esta. A que tiraste ao pássaro. Ficou muito boa.»
«Pois ficou. Ele está a partir para um novo destino.»
«Olha, Mário, apetece-me ir ao casino.»
«Esquece os casinos. Por hoje já chega...»
«O quê? Minha alma está parva!»
«Bom, dói-me a cabeça.»
«Olha, comíamos um bife na Lusitânia e depois passávamos uma noite divertida no casino. A perder, claro. Como de costume.»
«Definitivamente não.»
Sorriu, exibindo o seu sorriso número um de gozo.
«Como tens a mania das magias, não consegues encontrar uma forma de entrares no sistema das raposas e sacares uma série boa, bem prolongada?»
«Já o fiz, Raul.»
(1) Adeus, utopia
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