quarta-feira, 17 de maio de 2023

A minha alma gelou


Fui encontrar este texto, que data dos primeiros meses de 2008, perdido entre outros.
Ele chamava-se João. E ela, Maria. Por obra do destino seguiram caminhos diferentes.

 


A minha alma gelou. A princípio era um túnel vulgar, não muito extenso, onde, de vez em quando, uma pessoa de Deus decidia escolher o momento exato para se revoltar com Ele ou com a vida. Enganei-me. Parece que estou num outro túnel mais escuro e extenso que este, cada vez mais escuro. Já não sei voltar para trás. Arrasto-me. Tento sobreviver. Devo estar às portas do inferno porque oiço gritos lancinantes, talvez de pecadores que sobreviveram para expiarem os seus pecados. Ou de inocentes mal julgados. Tenho que encontrar uma saída. Não sei como vim parar aqui. Pressinto que vai acontecer qualquer coisa horrível. É melhor ficar parado. À espera de ver uma luz ao fundo do túnel. Tem que haver uma saída. Há sempre uma luz ao fundo do túnel, dizem. Uma porta que se abre, depois de todas as possíveis se terem fechado.
Os gritos pararam. Agora não sei se o silêncio me incomoda mais. De qualquer forma, ou sigo em frente, ou continuo parado. Voltar atrás é impossível.
Não foi sempre assim. Ainda ontem o meu céu estava azul e tinha a certeza que havia azul para lá do horizonte. Mas enganei-me. De repente dei comigo neste túnel escuro como breu que me gelou a alma. Foram momentos como este que substituíram os outros. Azuis por negros.
Será que morri?
Não sei como aconteceu. Eras a mulher certa. A dona da verdade e da virtude. E eu, um vilão das palavras, um manipulador, a belo prazer, de destinos virtuais.
Porque foi que escureceu de repente à minha volta?
Chamaste-me possessivo. Estavas brava comigo. Ofendida com as palavras do vilão que não entraram dentro de ti como veludo, mas como lâminas aceradas.
Não vi sangue. Talvez ódio. É capaz de ser forte demais, mas o sentimento andava muito perto do ódio. Como foi depois? Ah sim. Entraste pela via da discussão e eu deixei-te falar, falar. Não queria discutir. Só queria entender, pois sabia, por experiência própria, o resultado que ia dar se te desse réplica. Mas tu não desististe e eu continuei a pensar. Sou perigoso quando julgo que penso certo. E se era o que estava a ver, se procuravas indiretamente um fim e não sabias outro modo senão da maneira como estavas a fazer, então não tinha mais senão calar a voz e esperar que acabasses a tua zanga. Assim foi. Despedimo-nos com um beijo, como de costume, e cortou-se a ligação. Mas o fio do pensamento continuou a evoluir e desta vez empurrado para o sítio das tempestades interiores. Mau presságio. Era mesmo isso o querias, pensei. E deixei-me arrastar...
Ah!, se ao menos pudesse acabar com esta negritude que me consome!
Fiquei muito triste. Depois, revoltado, deixei soltar a ira. Ainda com o telefone na mão, continuei a ouvir as palavras duras que me tinhas dito, provavelmente em curto-circuito. Pousei o telefone no descanso e resolvi usar doutra forma as palavras que nunca te diria. Agarrei no telemóvel e comecei a teclar uma mensagem. Foi então que tudo escureceu à minha volta e vim parar aqui, onde está escuro como breu e faz muito frio. Tenho tanto frio que até a alma gelou. Por isso penso que morri. Mesmo que não tenha morrido, de certa maneira morri.
Não posso voltar para trás. Nem enviar-te o resto da mensagem a dizer aquilo que sempre te disse e que sabes muito bem o que é.
Não sei se éramos só amigos. Se podíamos ser mais que amigos. Dos meus sentimentos, não tenho dúvidas. Dos teus, nunca saberei. Amámo-nos? Só sei que cada vez há mais frio neste túnel donde não posso sair.
Queria tanto realizar o meu sonho impossível e agora só sei que morri neste frio gélido sem realizar o último desejo que até aos condenados por crimes graves se dá. Fazes hoje anos e nem sequer te posso dar os parabéns porque não consigo voltar atrás. Eu sou assim. Maldito orgulho!
Porque não se apagam as palavras que me disseste e que continuam a alimentar feridas cá dentro, se é fácil esquecer-me delas?
Agora os tempos são outros. As pessoas passam por aqui e não deixam qualquer sinal da sua passagem. Pouco me interessa. Quando comecei era diferente. O comentário transcrito abaixo, ou o que quer que tenha sido, é uma prova do que acontecia nesses tempos. As pessoas estão cada vez mais sós e indiferentes. As suas almas também gelaram. Como a minha. Lamento por elas e por mim. Só desejo que continuem a passar por aqui, nem que demorem apenas segundos para lerem uma ou duas linhas. E que não voltem se não gostarem. E que voltem, em silêncio ou não, se os textos lhes aqueceram as almas geladas. Prometo continuar aqui, mesmo sabendo que tudo mudou.

O orgulho exagerado é sempre um mau aliado.
Pores em causa uma amizade...?
Eu sei o quanto as palavras podem magoar, mas também sei que alimentar esperanças, não nos faz evoluir...
Mas nada disto me parece desculpa suficiente para não dares os parabéns a uma amiga...
Não, não estás perdoado.
Maldito orgulho...
Parabéns pelo texto.

Maria

Lembras-te desta tarde?

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