Morava numa casinha térrea situada no centro da aldeia que os seus falecidos pais lhe tinham deixado. O segundo e último haver era um terreno de menos de meio hectare, situado para norte, a dois quilómetros de distância. Aí passava algum tempo a cuidar da horta e das cerejeiras, limoeiros, laranjeiras e pereiras.
Era certo que o nosso homem, enamorado platónico pela Maria do Carmo, não dispunha de muito tempo para se dedicar ao dito enamoramento. Restava-lhe o domingo. Dia em que se vestia a rigor para ir à missa, não porque fosse católico devoto, sim porque tinha uma oportunidade única que não podia desperdiçar. Era à entrada e à saída da capelinha que residia o encantamento. Poder trocar os ditos olhares apaixonados que registaria em casa, ao almoço, no pequeno caderno ensebado. Digamos, uma espécie de base de dados.
Primeiro quadro: juntava-se à pequena multidão de homens que espreitavam a passagem das moçoilas casadeiras, quiçá trocando os olhares que podia trocar, e destacar um que considerava o mais importante e que ficava mais na memória.
Segundo quadro: antes do fim da cerimónia, corria para o exterior da capelinha e voltava a juntar-se a alguns persistentes devotos do "santo sacrifício da saída da missa", assim ficando em adoração platónica duns olhos grandes e esverdeados, dumas maçãs do rosto avermelhadas e duns cabelos compridos anelados. Isto para não falar dos seus peitos generosos, de bicos proeminentes que queriam saltar da blusa às flores e não podiam.
E havia ainda um terceiro quadro: a frustração de a ver afastar-se, sem mais um olhar, até a perder de vista. Um quadro triste. Desolador. Sim, desolador e triste porque teria que esperar mais uma semana para voltar a vê-la e poder sonhar para lá dos olhares que, segundo ele, trocavam.
Já à porta de casa, rodou a maçaneta e entrou. Estava escuro e frio lá dentro. O outono tinha entrado agreste, sem pedir licença.
«Acorda, José! Ela não é para ti...»
Coçou a cabeça e olhou, desconfiado, em volta.
«Ia jurar... Não. Fui eu a falar cá de dentro.»
Mas era verdade. A Maria do Carmo, uma menina fina e prendada, com estudos, nem sequer pensara uma vez nele. José da Cruz, um simples trabalhador de sol a sol, sempre de enxada em punho a rasgar o ventre da terra para esta poder dar os seus frutos, enxugando o suor fedorento do rosto tisnado da braveza do sol, devia render-se à evidência. Ele, um básico na leitura e conversador quase mudo, embora soubesse entender a força e o alcance das palavras não dispunha de meios, nem ousava, de uma vez por todas deixar-se de estatísticas e ultrapassar aquela fase platónica.
Pelo sim pelo não, levantou a chaminé do candeeiro a petróleo, riscou um palito de fósforo na lixa da caixa e aproximou-o da torcida. Só depois de recolocar a chaminé no seu sítio é que afinou a intensidade da chama para não sujar o vidro de negro do fumo. Finalmente percorreu, com o candeeiro em punho, a cozinha e os restantes compartimentos da casa.
Concluiu de uma vez por todas. A voz de há pouco veio dentro dele.
«Que temos para o almoço?» pensou alto.
Abriu a porta do forno do fogão e soltou uma exclamação de contentamento. Ainda havia uma sobra do guisado da véspera. Galinha com batatas e cenouras, escurecidas pelo molho do sangramento da mesma. Não gostava muito de degolar uma galinha, principalmente uma daquelas chamadas galinhas carecas de pescoço alto, muito vermelho. Por outras palavras, o manuseamento de armas brancas não se ligava bem com ele. Mas aquele sangue que escorria do pescoço da ave ia dar um paladar do outro mundo ao guisado.
O fogão a lenha ainda tinha brasas. Dois ou três cavacos ateavam em pouco tempo as brasas e não tardou que o tacho de barro aquecesse.
Uma fatia generosa de pão, uma tigela de azeitonas e um canjirão de vinho tinto. Um copo e um garfo. Era o bastante.
«José, é isto que vais pôr na mesa para a tua amada? Deixa-te de sonhos tolos.»
Comeu rapidamente do tacho e mal tocou no pão, nas azeitonas e no vinho. De seguida, baixou a intensidade da chama do candeeiro e dirigiu-se para o quarto. Deitou-se em cima da cama, sem sequer tirar os sapatos.
Triste vida, José da Cruz...
Não demorou muito que adormecesse.
Acordou, sobressaltado. Anoitecera.
«Calma, José, hoje é domingo.»
Respirou fundo, aliviado.
Que ia fazer àquelas horas?
Procurou o candeeiro na cozinha e fez subir a chama. Passava das oito. Lá fora era noite cerrada.
Tinha duas opções. Ou ficava deitado na cama a ler pela enésima vez "A Morgadinha dos Canaviais", ou então ia beber um copo à taberna do Elias.
«Isso mesmo. Vai saber-te bem um copo fora de casa. Talvez consigas pensar menos nela...»
Agasalhou-se com o sobretudo esfiapado e saiu porta fora, tomando o rumo da taberna. Uma aragem fria fê-lo puxar a gola para cima. Em menos de cinco minutos estava à entrada da porta da taberna. Esfregou as mãos. Um hábito antigo de indecisão.
Havia uma mesa livre a um canto. Ainda bem. Ninguém o incomodava.
«Elias, meio canjirão de tinto. Um quarto de pão e uma tigela de sopa. Bem quente.»
Nem perguntou o que era a sopa. Invariavelmente, era de grão ou feijão com hortaliça. A chamada sopa de colher em pé. Muito substancial e de consequências sonoras, devastadoras, ao alvorecer. Felizmente vivia só.
Pouco depois tinha uma colher e a tigela na sua frente.
«Já trago o resto. Queres vinagre para a sopa, José?»
«Não. Desta vez não.»
Sem querer, concentrou-se na conversa que se desenrolava na mesa ao lado.
«Sempre queres ir lá no dia 13...?»
«Não sei. A que dia da semana calha?»
«É sábado.»
«Sendo sábado, posso. O pior é se chove. Ainda é meia hora a andar e com passada larga. Mas estou muito curioso. Será que as crianças inventaram tudo aquilo?»
«Achas?, com aquela idade? Nem pensar!»
«Ou então alguém as influenciou. Os padres são bem capazes disso. Olha que meninos para ganharem trunfos!»
«Mas então, afinal o que é que viram?»
«Bom... Em 13 de maio as crianças levaram o rebanho para a Cova da Iria, como era costume. O céu estava sereno e de repente um clarão apareceu sobre um carrasqueiro e então a Lúcia viu uma senhora vestida de branco, mais brilhante que o sol, muito séria. E dizem que falou com ela.»
«Quem era?»
«Não disse naquele dia. Que rezassem muito e fossem àquele sítio todos os dias 13, por seis vezes. Mais tarde souberam que era a Nossa Senhora.»
Não conseguiu ouvir mais porque tinha-se estabelecido uma discussão azeda entre o Elias e um cliente por causa de um caneco que, segundo o dono da taberna, não tinha sido pago.
«Foram cinco!» disse o cliente.
«Mas aqui estão seis...»
«É verdade. Mas já cá estava um.»
E a discussão continuou, num tom cada vez mais alto e agressivo. Por causa de um caneco iam envolver-se à porrada, pensou.
Finalmente os ânimos serenaram.
«Bom, então fica combinado. Arrancamos daqui cedo. Sempre quero ver se há ou não um milagre no sábado.»
«E é verdade que prometeu que a guerra vai acabar em breve?»
«Sim. Desde que rezassem com fervor o terço todos os dias para se alcançar a paz no mundo e o fim da guerra...»
«Era muito bom. Tenho lá um sobrinho... Mas tu acreditas naquelas patranhas?»
«Não digas blasfémias que ainda te acontece uma coisa ruim!»
E foram as últimas palavras que ouviu. Entretanto tinham-se levantado e encaminhado para a porta. José juntou o que já tinha ouvido antes com a revelação feita pelos dois indivíduos que conversavam na mesa ao lado. Talvez não fosse má ideia ir também. A situação do seu enamoramento pela filha do patrão não podia piorar mais do que já estava, se é que havia alguma coisa mais concreta que as trocas de olhares aos domingos, antes e depois da missa. Por outro lado, o milagre talvez o pudesse beneficiar. Nunca se sabia.
Passava já das nove horas da manhã quando José da Cruz saiu de casa. Depois de várias hesitações, lá resolveu finalmente pôr-se ao caminho para testemunhar ou não o milagre previsto pela Lúcia, já alcunhada de vidente. Nuvens negras ameaçavam borrasca da grande.
A princípio era só ele. Ao fim de dez minutos já via aparecerem as pessoas de todos os lados, como formigas de carreiros que não existiam mas que certamente desembocavam na Cova da Iria. Primeiro eram só pessoas e chapéus de chuva abertos. Depois começou a descortinar os mais variados meios de locomoção utilizados pelos crentes e não crentes; carros de bois, automóveis luxuosos e não luxuosos, carroças com assentos improvisados, galeras, bestas, bicicletas. E sobretudo muita, muita gente. Muita gente a caminho da Cova da Iria. Umas iluminadas pela fé e outras procurando um motivo para escarnecerem mais do que já tinham escarnecido aquilo que consideravam ser um embuste.
E ele...? Era crente, ou não crente?
Apesar de trazer consigo o enorme chapéu de chuva, resistente à intempérie mais extrema, e que já pertencera ao seu saudoso pai, receava ficar ensopado até aos ossos antes de chegar ao local onde certamente já se concentrava a multidão que, certamente, não parava de rezar, embora houvesse uns tantos que tentavam aproveitar-se da ingénua religiosidade dos fiéis para proferirem as mais inimagináveis blasfémias.
Chegou pelas dez horas, quando o céu ainda ficou mais negro, o vento fustigou impiedosamente os rostos das pessoas e começou a chover a bem chover. Apesar do mau tempo, as pessoas mantiveram-se no seu posto, movidas pelos mais diversos interesses, como era o caso do interesse de José da Cruz, um pobre trabalhador que se enamorara perdidamente pela filha do agricultor mais rico da aldeia. E ali estavam todos, ele e uns bons milhares, no ponto onde se disse que a Virgem aparecera aos pastorinhos do lugarejo de Aljustrel que, entretanto, ainda não tinham chegado. Lúcia (a vidente), Francisco e Jacinta, respetivamente de 10, 9 e 8 anos.
É então que José vê uma jovem a dois metros, molhada dos pés à cabeça, tiritando de frio. Tem um lenço a tapar-lhe a cabeça e as orelhas. Sente pena dela e aproxima-se.
«Uma camponesa desesperada.» Pensou.
«Então... a menina não trouxe chapéu?»
«Virou-se a meio do caminho...» Justificou-se, fitando o condoído José da Cruz.
E não voltou para trás. Tamanha era a devoção pela Virgem!
«Olhe, abrigue-se no meu chapéu. Dá bem para os dois.»
«Obrigada, senhor.»
E abrigou-se. José sentiu a proximidade do corpo da jovem. A cabeça chegava-lhe aos ombros.
«Veio pela fé ou só por curiosidade?»
«Olhe, não sei bem. Ouvi falar tanto...»
«Como eu.»
A jovem continuava a tremer. Sentindo pena da jovem, num gesto instintivo despiu o sobretudo e passou-o pelos seus ombros.
«Assim não vale. Ainda se constipa...»
«Ora, sou rijo como o aço. A menina é que se constipa se não se agasalhar. Está toda ensopada.»
«Pois estou. Obrigada, aceito. Chamo-me Cristina.»
«E eu José. José da Cruz para a servir. Só Cristina?»
«Sim» demorou a concluir. «Nunca conheci os meus pais. Fui criada num orfanato.»
Finalmente apareceram a Lúcia e os primos. Há grande agitação entre a multidão. A chuva continua a cair mas ninguém desespera. Grupos de fiéis ajoelham na lama. As atenções estão todas viradas para a vidente. Vai falar do milagre.
Então a Lúcia pede-lhes que fechem os chapéus em sinal de respeito. A ordem é transmitida e a grande maioria obedece, apesar da chuva. Há muita gente em êxtase. Gente comovida, com as mãos unidas em oração. Gente que sente. Gente a quem parece tocar o sobrenatural. O momento é único.
A Senhora falou a Lúcia mais uma vez, afirma esta. E a fé aumenta. Ao mesmo tempo, as nuvens deixam de ficar negras e a chuva para.
«Que estranho!» comentou a jovem. «Parou de chover!»
«Sim. E já se vê o céu velho...»
«Céu velho?»
«O azul do céu que as nuvens tapavam...»
«Entendi.»
Ela é bonita. Quem sabe...?
«José, estás a ver mal. A beleza interior é que conta.»
Outra vez aquela voz!
«Disse alguma coisa, José?»
«Não não. Só falava para os meus botões.»
«Ah.»
Entretanto o sol aparece.
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(Excerto de um artigo de Avelino de Almeida, jornalista, à época, de "O Século"...)A manifestação miraculosa, o sinal visível anunciado está prestes a produzir-se – asseguram muitos romeiros. E assiste-se então a um espectáculo único e inacreditável para quem não foi testemunha dele. Do cimo da estrada, onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas de pessoas, a quem escasseou valor para se meter à terra barrenta, vê-se toda a imensa multidão voltar-se para o Sol, que se mostra liberto de nuvens, no zénite. O astro lembra uma placa de prata fosca e é possível fitar-lhe o disco sem o mínimo esforço. Não queima, não cega. Dir-se-ia estar-se realizando um eclipse. Mas eis que um alarido colossal se levanta, e aos espectadores que se encontram mais perto se ouve gritar:
– Milagre, milagre! Maravilha, maravilha!
E, a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o que viram. O maior numero confessa que viu a tremura, o bailado do Sol; outros, porém, declaram ter visto o rosto risonho da própria Virgem, juram que o Sol girou sobre si mesmo como uma roda de fogo de artificio, que ele baixou quase a ponto de queimar a terra com os seus raios…
Há quem diga que o viu mudar sucessivamente de cor…" ..............................................................................................................................................................
«Viu, Cristina?!...»
«Sim, José. Que belo! Até pareceu que o sol bailava!»
Aos olhos extasiados do povo, rendido ao fenómeno, o sol tremeu.
«Impossível... O sol não pode bailar. O que estamos a ver é uma ilusão. Mas acha que a pequena vidente nos mandou olhar para o céu?»
«Foi o que ouvi.» Virou-se para trás. «A notícia veio daquelas bandas.»
«Então também não estou enganado. Este foi o milagre que ela pediu em agosto à Senhora para que todos acreditassem.»
(O "bailar" do Sol, que foi visto, em êxtase, pela maior parte dos que estavam a olhar o céu, não se circunscreveu à região, pois foi visto em vários locais, segundo testemunhos dados. O próprio poeta Afonso Lopes Vieira também o viu da sua casa em São Pedro de Moel, a menos de 40 km da Cova da Iria. Portanto, este fenómeno não se tratou de uma alucinação coletiva no local. A reforçar ainda a natureza diversa dos observadores, uma amálgama de crentes e descrentes. E mesmo que os céticos viessem a afirmar que aquele fenómeno não passara de coisa atmosférica, nunca encontrariam explicação para a previsão da vidente de um milagre a ocorrer nesse dia.
Também parece não constar que Nossa Senhora disse-lhe que o milagre viria do céu. O certo é que a vidente mandou o povo olhar o céu à hora exata...)
«Já não sinto frio, José. Tome o seu sobretudo. Mais uma vez, obrigada pela sua generosidade.»
«Pois tive muito gosto.»
«A minha roupa secou! Apalpe, José...»
Apalpou. E ela estremeceu.
«Afinal ainda sente frio.»
Corou.
José entendeu.
«Não foi por mal.»
Como resposta recebeu um sorriso envolvente da jovem.
«Sim, José. Que belo! Até pareceu que o sol bailava!»
Aos olhos extasiados do povo, rendido ao fenómeno, o sol tremeu.
«Impossível... O sol não pode bailar. O que estamos a ver é uma ilusão. Mas acha que a pequena vidente nos mandou olhar para o céu?»
«Foi o que ouvi.» Virou-se para trás. «A notícia veio daquelas bandas.»
«Então também não estou enganado. Este foi o milagre que ela pediu em agosto à Senhora para que todos acreditassem.»
(O "bailar" do Sol, que foi visto, em êxtase, pela maior parte dos que estavam a olhar o céu, não se circunscreveu à região, pois foi visto em vários locais, segundo testemunhos dados. O próprio poeta Afonso Lopes Vieira também o viu da sua casa em São Pedro de Moel, a menos de 40 km da Cova da Iria. Portanto, este fenómeno não se tratou de uma alucinação coletiva no local. A reforçar ainda a natureza diversa dos observadores, uma amálgama de crentes e descrentes. E mesmo que os céticos viessem a afirmar que aquele fenómeno não passara de coisa atmosférica, nunca encontrariam explicação para a previsão da vidente de um milagre a ocorrer nesse dia.
Também parece não constar que Nossa Senhora disse-lhe que o milagre viria do céu. O certo é que a vidente mandou o povo olhar o céu à hora exata...)
«Já não sinto frio, José. Tome o seu sobretudo. Mais uma vez, obrigada pela sua generosidade.»
«Pois tive muito gosto.»
«A minha roupa secou! Apalpe, José...»
Apalpou. E ela estremeceu.
«Afinal ainda sente frio.»
Corou.
José entendeu.
«Não foi por mal.»
Como resposta recebeu um sorriso envolvente da jovem.
«Vamos, Cristina?»
«Sim, José.»
A multidão começou a desmobilizar, seguindo cada um o seu destino.
«Quer que a leve a casa?»
Ela olhou com a intensidade de uns olhos carentes que pareciam falar. Ele tentou interpretar que súplica era aquela que via nos seus lindos olhos.
«Cristina...»
«José...»
«Tenho uma galinha que deixou de pôr ovos. Posso fazer um guisado...»
«Obrigada, José, mas tenho que me fazer ao caminho.»
«Vá lá. Mas não quer mesmo...?»
A única resposta foi um sorriso angelical que lhe aqueceu a alma.
Se a Cristina aceitou o convite de José da Cruz e se viveram juntos até que a morte os separou, devem-no a Nossa Senhora. Então, extrapolando, o enamoramento platónico do José pela Maria do Carmo foi arrumado num um canto inacessível da sua memória naquele mesmo dia. Só ele sabe o que aconteceu, mas não está cá para esclarecer se matou ou não a galinha que deixou de pôr ovos...
«Sim, José.»
A multidão começou a desmobilizar, seguindo cada um o seu destino.
«Quer que a leve a casa?»
Ela olhou com a intensidade de uns olhos carentes que pareciam falar. Ele tentou interpretar que súplica era aquela que via nos seus lindos olhos.
«Cristina...»
«José...»
«Tenho uma galinha que deixou de pôr ovos. Posso fazer um guisado...»
«Obrigada, José, mas tenho que me fazer ao caminho.»
«Vá lá. Mas não quer mesmo...?»
A única resposta foi um sorriso angelical que lhe aqueceu a alma.
Se a Cristina aceitou o convite de José da Cruz e se viveram juntos até que a morte os separou, devem-no a Nossa Senhora. Então, extrapolando, o enamoramento platónico do José pela Maria do Carmo foi arrumado num um canto inacessível da sua memória naquele mesmo dia. Só ele sabe o que aconteceu, mas não está cá para esclarecer se matou ou não a galinha que deixou de pôr ovos...
Na aldeia ninguém sabia. O enamoramento do pobretanas José da Cruz pela Maria do Carmo era discreto e platónico. Afinal de contas tudo não passou de uma troca de olhares com a moça mais bonita da aldeia e, por coincidência, a filha do lavrador mais rico do lugarejo.


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