Talvez não tenha sido uma boa escolha a pensão da rua de S. Bento. Mas o que tem que ser é muito forte e não há nada a fazer para contrariar uma decisão que considero ter sido a menos certa. É bem verdade que quem vê caras não vê corações. De facto a dona da pensão, de nome Maria dos Anjos, era uma mulher muito simpática, bem falante, mas não foi só por isso que decidi ficar. A sala de refeições era agradável, com mesas individuais cobertas por toalhas muito brancas, guardanapos a condizer e um serviço impecável, segundo ela. E acrescentou que o ambiente era muito bom. Só homens, muito educados, alguns universitários e até um licenciado.
Eu e o meu pai entreolhámo-nos e ele perguntou:
«Então, gostas?»
«Não me desagrada.»
O problema principal no quarto interior, exíguo. Não que sofresse de claustrofobia, mas não se coadunava com o preço mensal, demasiado alto.
«Fique descanso que não é por muito tempo. Há um hóspede que vai sair e o seu filho muda-se para o quarto dele.»
Fiquei convencido.
«Veja lá, minha senhora. A mensalidade não é nada barata.»
«Pode ficar descansado. Não é mais que uma semana...»
«Sendo assim...» Disse o meu pai, virando-se para mim. «O Mário fica.»
«E está muito perto da Faculdade. É só subir a rua do Arco de S. Mamede e tem logo a rua da Escola Politécnica.»
«Se não gostares, mudas-te.»
«Sim, pai.»
E fiquei na pensão da Maria dos Anjos. O quarto interior onde dormia tinha uma virtude, se é que se pode chamar virtude. Não sabia onde a dona da pensão dormia, mas o meu quarto quarto era um local privilegiado para ouvir a Maria dos Anjos e o companheiro que só aparecia à noite e não tomava qualquer refeição na sala dos hóspedes. Na verdade, por volta da uma da manhã, havia um misto de choros, gritos e diálogos inflamados que até metiam insultos, alguns com palavrões que faziam corar os mortos e, principalmente, gemidos de prazer. Procurava entender o que se passava, mas o sono acabava por fazer valer a sua força. Pela manhã, quando enchia com café e leite a chávena ornamentada com motivos florais, a dona da pensão aproximava-se da minha mesa, e, solícita, perguntava, com o maior dos sorrisos se estava tudo ao meu gosto. Acabava de barrar com manteiga a primeira carcaça e preparava-me para dar a primeira dentada.
«Está tudo bem, D. Maria dos Anjos.»
O aspeto da mulher era o mesmo de todas as manhãs. Quanto ao companheiro, este já devia ter saído na calada do amanhecer. Assim, o mistério daqueles ruídos diversos mantinha-se. Talvez descobrisse na próxima noite, se é que o sono não me pregasse a partida do costume.
«O amante é violento.» Pensei.
Era a história de "quanto mais me bates mais eu gosto de ti". Talvez fosse um amor canalha.
Quanto aos hóspedes, confirmou-se a informação da dona da pensão. Eram simpáticos, educados e um deles até tinha um curso superior. Tudo bem. Mas eram indianos e tinham-me avisado para ficar atento à medida que o tempo fosse correndo.
Faziam todos os possíveis para me agradar, inclusivamente um de nome Dassay (único nome de que me lembro) que até quis "ler-me a mão". Nesses tempos nada sabia de quirologia e aceitei como certo o que ouvi da sua boca e até fiquei animado com as suas previsões.
«Tens aqui uma estrela! É bom sinal.»
«E então?» perguntei, ao mesmo tempo que olhava para a palma da mão e tentava descobrir a tal estrela.
E lá estava. Uma estrela imperfeita que me deixou entusiasmado. Mal sabia que uma estrela, formada por várias linhas que se cruzavam num ponto, afinal era um sinal nefasto.. Vim a saber desse erro de palmatória do indiano porque, anos mais tarde, especializei-me em quirologia.
Estávamos reunidos num quarto amplo de duas camas que dava para a rua de S. Bento. Entretanto já me tinha mudado para um quarto melhor, cumprindo-se a promessa da Maria dos Anjos, a tal mulher sempre sorridente e amável de manhã e também durante o resto dia e uma personagem dramática durante a noite, no seu leito de sofrimento ou de gozo. Não sabia e talvez nunca viesse a saber.
«Vais ser célebre. Quando, não sei.»
«Em quê?»
«Descobrirás...»
Pois. Descobriria. Até hoje...
«A festa sempre é logo à noite?» perguntou um dos indianos.
Era o mais alto de todos, tinha pele cor do café e exibia um pequeno bigode tipo Cantinflas.
«É, sim.» Confirmou o Dessay. «E o nosso amigo está convidado.»
Agradeci. Não sabia de que festa se tratava.
«Não sei se vais gostar dos petiscos. É talvez um pouco picante para ti.»
«Obrigado pelo convite. Logo vejo.»
«Ah sim. Se não gostares, tens o jantar da Maria dos Anjos. Hoje é galinha de fricassé.»
Torci o nariz. Se calhar ia passar por baixo da mesa.
Bingo! O jantar dos indianos foi para esquecer. Consistia em vários pratos e todos eram ao mesmo jeito. Muito picantes. Ardiam na boca a ponto de ser preciso chamar os bombeiros. Maldito jantar. Quanto à galinha, a Maria dos Anjos que a comesse. Valeu-me a sopa de feijão. Temperada com umas gotas de vinagre ficou de comer e chorar por mais. Ao mesmo tempo serviu para acalmar o céu da boca em chamas por causa da sacana de uma malagueta que meti na boca inadvertidamente.
Estava na sobremesa quando o indiano do bigode abortado se aproximou da mesa.
«Estamos a pensar ir ao Bolero. Queres ir?»
«A festa sempre é logo à noite?» perguntou um dos indianos.
Era o mais alto de todos, tinha pele cor do café e exibia um pequeno bigode tipo Cantinflas.
«É, sim.» Confirmou o Dessay. «E o nosso amigo está convidado.»
Agradeci. Não sabia de que festa se tratava.
«Não sei se vais gostar dos petiscos. É talvez um pouco picante para ti.»
«Obrigado pelo convite. Logo vejo.»
«Ah sim. Se não gostares, tens o jantar da Maria dos Anjos. Hoje é galinha de fricassé.»
Torci o nariz. Se calhar ia passar por baixo da mesa.
Bingo! O jantar dos indianos foi para esquecer. Consistia em vários pratos e todos eram ao mesmo jeito. Muito picantes. Ardiam na boca a ponto de ser preciso chamar os bombeiros. Maldito jantar. Quanto à galinha, a Maria dos Anjos que a comesse. Valeu-me a sopa de feijão. Temperada com umas gotas de vinagre ficou de comer e chorar por mais. Ao mesmo tempo serviu para acalmar o céu da boca em chamas por causa da sacana de uma malagueta que meti na boca inadvertidamente.
Estava na sobremesa quando o indiano do bigode abortado se aproximou da mesa.
«Estamos a pensar ir ao Bolero. Queres ir?»
O Bolero era um cabaré.
«Não posso.»
«Tens que estudar para amanhã?»
«Não é isso. Estou sem dinheiro.»
«Eu empresto-te.»
E puxou da carteira.
Cinquenta escudos davam para o que desse e viesse.
Passava das onze quando entrámos no Bolero, à época um dos cabarés mais conhecidos de Lisboa que ficava para os lados da rua da Palma, já em plena avenida Almirante Reis. Não era muito dado a estes ambientes, mas decidi acompanhar os meus companheiros indianos. Ver-se-ia no que ia dar.
Logo à entrada desagradou-me o ambiente pesado de fumo que mal deixava ver em volta. Aos poucos fui-me adaptando e os rostos tornaram-se menos nebulosos. Entretanto os meus companheiros tinham desaparecido. Claro que não foram raptados. Orientaram-se. E o objetivo era esse. Cada um tratava de si.
«Bom, vou beber qualquer coisa para me animar.» Pensei.
E fui até ao balcão.
«Não peças nada.»
Virei-me.
«Já reparei que estás desambientado. Vieste sozinho?»
A mulher não fazia o meu gosto, mas também não era nada que se deitasse fora. Um pouco mais velha que eu, mas não interessava. Vinha mesmo a calhar.
«Por acaso vim com uns companheiros e já não os vejo. Cada um foi à sua vida.»
«É natural. Já vieste aqui alguma vez?»
Voltei a olhar para ela. Saiu mais valorizada.
«Viste tudo o que tinhas a ver?»
Sorrimos ambos.
«Falta muito para ver.» Afirmei, com um sorriso aberto.
«Não posso.»
«Tens que estudar para amanhã?»
«Não é isso. Estou sem dinheiro.»
«Eu empresto-te.»
E puxou da carteira.
Cinquenta escudos davam para o que desse e viesse.
Passava das onze quando entrámos no Bolero, à época um dos cabarés mais conhecidos de Lisboa que ficava para os lados da rua da Palma, já em plena avenida Almirante Reis. Não era muito dado a estes ambientes, mas decidi acompanhar os meus companheiros indianos. Ver-se-ia no que ia dar.
Logo à entrada desagradou-me o ambiente pesado de fumo que mal deixava ver em volta. Aos poucos fui-me adaptando e os rostos tornaram-se menos nebulosos. Entretanto os meus companheiros tinham desaparecido. Claro que não foram raptados. Orientaram-se. E o objetivo era esse. Cada um tratava de si.
«Bom, vou beber qualquer coisa para me animar.» Pensei.
E fui até ao balcão.
«Não peças nada.»
Virei-me.
«Já reparei que estás desambientado. Vieste sozinho?»
A mulher não fazia o meu gosto, mas também não era nada que se deitasse fora. Um pouco mais velha que eu, mas não interessava. Vinha mesmo a calhar.
«Por acaso vim com uns companheiros e já não os vejo. Cada um foi à sua vida.»
«É natural. Já vieste aqui alguma vez?»
Voltei a olhar para ela. Saiu mais valorizada.
«Viste tudo o que tinhas a ver?»
Sorrimos ambos.
«Falta muito para ver.» Afirmei, com um sorriso aberto.
«Acredito.»
Talvez faltasse pouco.
«Como te chamas?»
«Anita.»
«Bonito nome para uma mulher bonita.»
«Obrigada. E tu? Deixa-me adivinhar... Carlos?»
«Não. Segunda oportunidade.»
«Rodrigo. Tem que ser Rodrigo. Vamos dançar?»
E ficou Rodrigo. Na altura o conjunto tocava uma música lenta, propícia à aproximação dos corpos e também um chamamento para o desejo que faz mover montanhas.
«És daqui ou vieste por acaso?» perguntei, embora já conhecesse a resposta.
«Sabes?, perdi o emprego e vim desanuviar.»
«Ah sim.»
«Pois» pensei. «E eu sou daqui.»
Sentia a proximidade dos seus seios e não resisti à tentação de encostar o rosto ao seu. Claro que não me repeliu. Mordiscou-me levemente a orelha em jeito de provocação.
«Temos o caldo entornado.» Admiti.
«Que disseste, Rodrigo?»
«Que está calor aqui dentro.»
«Pois está. Mas antes de sairmos quero dizer-te uma coisa...»
Adivinhei que ia falar no preço da queca ou assim. Tinha cinquenta escudos. Fiquei na expectativa porque não sabia se chegava.
«Diz, Anita.»
«Estava a mentir-te quando disse que vim aqui desanuviar.»
«Eu sei. E também não perdeste o emprego. Não importa.»
«Anita.»
«Bonito nome para uma mulher bonita.»
«Obrigada. E tu? Deixa-me adivinhar... Carlos?»
«Não. Segunda oportunidade.»
«Rodrigo. Tem que ser Rodrigo. Vamos dançar?»
E ficou Rodrigo. Na altura o conjunto tocava uma música lenta, propícia à aproximação dos corpos e também um chamamento para o desejo que faz mover montanhas.
«És daqui ou vieste por acaso?» perguntei, embora já conhecesse a resposta.
«Sabes?, perdi o emprego e vim desanuviar.»
«Ah sim.»
«Pois» pensei. «E eu sou daqui.»
Sentia a proximidade dos seus seios e não resisti à tentação de encostar o rosto ao seu. Claro que não me repeliu. Mordiscou-me levemente a orelha em jeito de provocação.
«Temos o caldo entornado.» Admiti.
«Que disseste, Rodrigo?»
«Que está calor aqui dentro.»
«Pois está. Mas antes de sairmos quero dizer-te uma coisa...»
Adivinhei que ia falar no preço da queca ou assim. Tinha cinquenta escudos. Fiquei na expectativa porque não sabia se chegava.
«Diz, Anita.»
«Estava a mentir-te quando disse que vim aqui desanuviar.»
«Eu sei. E também não perdeste o emprego. Não importa.»
«Gostei de ti mal te vi. Parecias perdido.»
Talvez .
Continuávamos enlaçados, arrastados pelo ritmo mais que lento de um bolero que conhecia mas não me lembrava do nome. Também não interessava porque tinha nos meus braços uma realidade mais importante, embora soubesse que ia desfazer-se em breve na espuma dos minutos.
Continuávamos enlaçados, arrastados pelo ritmo mais que lento de um bolero que conhecia mas não me lembrava do nome. Também não interessava porque tinha nos meus braços uma realidade mais importante, embora soubesse que ia desfazer-se em breve na espuma dos minutos.
Dançamos ainda por mais um quarto de hora. Em silêncio. Aproveitando tudo o que o bolero nos podia dar. Engano o meu e retifico. Tudo o que o bolero me podia dar. Assim estava mais certo. Ou não?
«Que fazes na vida, Rodrigo?»
Respondi prontamente.
«Estudo na Faculdade de Ciências. E já agora... não me chamo Rodrigo.»
«Então?»
«Chamo-me Mário.»
«Já calculava, Mário.»
«Anita, que se passa com esse olhar triste?»
«Nada, Rodrigo. Isto é... Mário.»
«Mesmo nada?»
«Bom...»
«Nunca me aconteceu. Acho que estou a perder o controle! Que raio de magia é esta?»
«Não sei. Também me sinto atraído por ti. Muito.»
«Não sei. Também me sinto atraído por ti. Muito.»
«É estranho, não achas?»
Não sabia se ela estava a falar verdade.
«Sim.»
«Quem dera ter-te conhecido antes desta vida porca!»
Paixão à primeira vista? Cuidado com o aviso à navegação, Mário!
Foi então que vi o meu amigo indiano do bigode quase invisível que tinha-me emprestado os cinquenta escudos. Ao mesmo tempo que sorria, agarrado a uma loura com um parque de diversões de se tirar as medidas, fez-me um sinal de apoio com o polegar.
«Sorriste, porquê?»
Paixão à primeira vista? Cuidado com o aviso à navegação, Mário!
Foi então que vi o meu amigo indiano do bigode quase invisível que tinha-me emprestado os cinquenta escudos. Ao mesmo tempo que sorria, agarrado a uma loura com um parque de diversões de se tirar as medidas, fez-me um sinal de apoio com o polegar.
«Sorriste, porquê?»
A expressão do seu rosto mudara de repente.
«Não é o que pensas, Anita. Acabei de ver um dos meus companheiros. Lamento teres seguido esta vida.»
«Não sabes metade da missa. Nem vais saber.»
«Não é o que pensas, Anita. Acabei de ver um dos meus companheiros. Lamento teres seguido esta vida.»
«Não sabes metade da missa. Nem vais saber.»
«Vamos esquecer hoje essas coisas?»
Como resposta beijou-me no rosto e eu também respondi, apertando-a mais contra mim. Entretanto a música chegou ao fim e a maior partes dos pares separou-se. Ficámos no meio da sala a olhar-nos de olhos nos olhos. Era um momento mágico que não queria que tivesse fim. Ela estava a mexer comigo de uma maneira completamente surreal.
«E agora?» perguntou.
Deixei que se libertasse, lânguida, dos meus braços.
«Não sei.»
«Que vais fazes na vida futura?»
«Conforme já te disse, sou universitário. Estudo Geologia. Talvez vá para o ensino.»
«A história da Terra. Tens pachorra para aturar os filhos dos outros?»
Olhei-a, surpreendido.
Como resposta beijou-me no rosto e eu também respondi, apertando-a mais contra mim. Entretanto a música chegou ao fim e a maior partes dos pares separou-se. Ficámos no meio da sala a olhar-nos de olhos nos olhos. Era um momento mágico que não queria que tivesse fim. Ela estava a mexer comigo de uma maneira completamente surreal.
«E agora?» perguntou.
Deixei que se libertasse, lânguida, dos meus braços.
«Não sei.»
«Que vais fazes na vida futura?»
«Conforme já te disse, sou universitário. Estudo Geologia. Talvez vá para o ensino.»
«A história da Terra. Tens pachorra para aturar os filhos dos outros?»
Olhei-a, surpreendido.
«Não sei. Logo se vê.»
«Vê lá no que te metes.»
Que queria dizer?
«E tu, que fazias antes?»
«Hoje não vou contar-te a história da minha vida. Não é momento para tristezas. Essas, guardo-as comigo.»
A música recomeçou. Arrastada, como antes.
«Vamos para minha casa?»
Ponderei. Não tinha dinheiro para veleidades. Mas pareceu que ela tinha adivinhado o meu pensamento.
«Queres vir comigo? Não falei de dinheiro...»
«Hoje não vou contar-te a história da minha vida. Não é momento para tristezas. Essas, guardo-as comigo.»
A música recomeçou. Arrastada, como antes.
«Vamos para minha casa?»
Ponderei. Não tinha dinheiro para veleidades. Mas pareceu que ela tinha adivinhado o meu pensamento.
«Queres vir comigo? Não falei de dinheiro...»
Acordei com os raios solares a banharem a cama. E logo então lembrei-me da noite que nos envolveu com o seu abraço. Sentia o odor do perfume da Anita, mas a cama estava vazia dela. Queria-a junto de mim e não a tinha.
«Anita!»
Ninguém me respondeu.
Levantei-me e percorri o apartamento à sua procura. Da Anita, só um vestígio. Um papel sobre a mesa da cozinha.
«Mário... fui fazer umas compras. Volto pelas onze. Espera que volte. Não fujas de mim! Almoçamos aqui.»
Consultei o relógio.
«Dez horas.»
Nunca tivera o sono tão pesado. Quase de certeza que me pôs qualquer coisa no whisky. Ou então...
Ninguém me respondeu.
Levantei-me e percorri o apartamento à sua procura. Da Anita, só um vestígio. Um papel sobre a mesa da cozinha.
«Mário... fui fazer umas compras. Volto pelas onze. Espera que volte. Não fujas de mim! Almoçamos aqui.»
Consultei o relógio.
«Dez horas.»
Nunca tivera o sono tão pesado. Quase de certeza que me pôs qualquer coisa no whisky. Ou então...
«A minha carteira!»
Suspirei de alívio. A nota de cinquenta estava no seu sítio.
«Anita, quero-te toda mal chegues a casa!» sussurrei.
Onze horas. A Anita estava a chegar. Comecei a pôr a mesa.
Doze horas. Ansiedade. O fio do tempo a desenrolar-se. Implacável. E a Anita demorava a chegar.
Esperei por ela até ao fim da tarde. Depois, desisti.
No dia seguinte quis saber a verdade. A única referência que tinha era o Bolero e foi aí que me disseram que a Anita tinha sido atropelada mortalmente quando atravessava um passadeira.
Suspirei de alívio. A nota de cinquenta estava no seu sítio.
«Anita, quero-te toda mal chegues a casa!» sussurrei.
Onze horas. A Anita estava a chegar. Comecei a pôr a mesa.
Doze horas. Ansiedade. O fio do tempo a desenrolar-se. Implacável. E a Anita demorava a chegar.
Esperei por ela até ao fim da tarde. Depois, desisti.
No dia seguinte quis saber a verdade. A única referência que tinha era o Bolero e foi aí que me disseram que a Anita tinha sido atropelada mortalmente quando atravessava um passadeira.
Não queria acreditar! Mais uma vez Deus dava-me com uma mão e tirava-me com a outra!
Nunca saberia se ela era o meu destino ou se outro destino a tragou. Teias que o império tece. Eu, que fui sempre madrugador, nessa manhã nem sequer dei por ela levantar-se, nem ouvi os seus passos, nem sequer o bater da porta quando saiu ao encontro do fim do seu destino.
Mal a conhecia. Mas a sua perda abriu uma ferida profunda nos meus sentimentos. Ferida que demorou a sarar porque senti-me culpado só por ter ido ao Bolero na noite anterior.
Quanto à ideia que tinha dos indianos da pensão da Maria dos Anjos, aquela mulher que, ao pequeno almoço, exibia o melhor dos sorrisos e gemia de dor ou prazer ao longo da noite, essa ideia estava mais que certa. Com o passar dos dias a minha vida foi-se tornando num inferno insuportável, tão insuportável que acabei por trocar a pensão da rua de S. Bento pela da "Aninhas Morte-Lenta".
Se os indianos não me tivessem convidado para ir com eles ao Bolero, nunca teria chegado a conhecer a Anita e assim ela não teria morrido na flor da vida.
É bem certo. Nunca farei ninguém feliz...
Nunca saberia se ela era o meu destino ou se outro destino a tragou. Teias que o império tece. Eu, que fui sempre madrugador, nessa manhã nem sequer dei por ela levantar-se, nem ouvi os seus passos, nem sequer o bater da porta quando saiu ao encontro do fim do seu destino.
Mal a conhecia. Mas a sua perda abriu uma ferida profunda nos meus sentimentos. Ferida que demorou a sarar porque senti-me culpado só por ter ido ao Bolero na noite anterior.
Quanto à ideia que tinha dos indianos da pensão da Maria dos Anjos, aquela mulher que, ao pequeno almoço, exibia o melhor dos sorrisos e gemia de dor ou prazer ao longo da noite, essa ideia estava mais que certa. Com o passar dos dias a minha vida foi-se tornando num inferno insuportável, tão insuportável que acabei por trocar a pensão da rua de S. Bento pela da "Aninhas Morte-Lenta".
Se os indianos não me tivessem convidado para ir com eles ao Bolero, nunca teria chegado a conhecer a Anita e assim ela não teria morrido na flor da vida.
É bem certo. Nunca farei ninguém feliz...
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