terça-feira, 23 de maio de 2023

Momentos

 

Ouviu vozes ao fundo e aproximou-se, sem fazer ruído, tomando todas as cautelas que se impunham. Parou a meio do corredor e deixou-se ficar. As vozes vinham do quarto e estavam mais altas do que o costume. Do sítio onde estava podia ver a porta entreaberta.
«Que mania a tua de veres coisas que não existem. A mulher olhou para mim e mais nada. Juro-te que nunca a vi nem mais gorda nem mais magra.»
«Está bem, abelha. Bem dei conta do sorriso dessa megera! A descarada até te piscou o olho, sonso...»
Ouviu a desculpa dele. Adivinhava tempestade no mar, com ondas alterosas e tudo mais. Podia aproximar-se que eles não davam pela sua presença.
«Já sabes que não gosto que me mintas.»
«Quando é que te menti? Por vezes omito certos acontecimentos só por mero esquecimento...»
«A omissão é uma forma cínica de mentir.»
«Achas?»
Não tomou as devidas precauções e esbarrou na perna da consola. Qualquer coisa caiu de imediato.
«Oh!»
«Ouviste?» perguntou ela.
«Claro que ouvi» sorriu, irónico. «Será que é um fantasma? Nunca se sabe. Já te disse mais que uma vez que esta casa é sinistra. Por vezes tenho a impressão que não estamos sós.»
«Não brinques com coisas sérias. Não sei como vai ser se uma noite destas não dormires em casa. Vai ver o que aconteceu, anda.»
«Vou. E se vir o fantasma?, dou-lhe as boas tardes ou leva uma sarrafada?»
Empurrou-o na direção da porta.
«Deixa-te de conversas parvas. Assim estragas o efeito surpresa...»
«Ora!»
Entreabriu a porta e espreitou para o fundo do corredor.
«Está escuro.» Sussurrou.
«Então acende a luz.»
«Não. Estraga-se o efeito surpresa.»
«Tens razão. Deixa lá.»
Sentiu a leveza da mão dela sobre o ombro e voltou-se.
«Como posso deixar de gostar de ti um dia?» pensou.
«Que foi?»
«Nada.»
Ficaram muito sérios e depois chegou-a para si e beijou-a, num impulso. 

Voltou costas e iniciou a caminhada para o outro extremo do corredor. Mas foi um momento. Aconteceu tudo muito rápido. Outra coisa o atraiu. Voltou-se para a parede do lado direito e quedou-se a olhar.
«É bem mais interessante o que estou a ver.»

«Os amores não são eternos.» Disse ela um dia.
«É uma forma de dizer. Tens razão. De um momento para o outro tudo muda. Oxalá não venha a acontecer connosco.»
«Onde está o Loris?»
«Deixa-o lá em paz. Anda por aí...»
«Tive um pressentimento!»
«Que vais fazer?»
Meio vestido com o manto da nudez foi até à porta e saiu para o corredor. Acendeu a luz. 
«Eu sabia!» exclamou para si.
O Loris parecia de tal maneira hipnotizado com a parede que nem dera pela sua presença.
«Estranho! Que está este gajo agora a ver?»
Rápido, voltou a entrar no quarto. 
«Anda ver uma coisa.»
«Vou assim?»
«Claro. Depressa!»
Naquele momento o Loris já não estava no corredor.
«Aquele safado!»
«Não te entendo.»
«Vamos até à sala.»
«Vou assim?» repetiu.
«Só estamos eu, tu e o Loris. Não há fantasmas.»
Encolheu os ombros, resignada.
«Olha...»
«Ah!, o safado!»
«Avança com cuidado...» 
E o que viram?


 





 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 



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