Naquela manhã de chuva copiosa tive mesmo que sair de casa com o pequeno chapéu de chuva, daqueles que encolhiam quando se fechavam. Sempre detestei usar esses famigerados chapéus, bem como os de por na cabeça, bem como bonés ou boinas, estas últimas principalmente se ainda tinham os três vinténs. Em relação aos primeiros, digamos que foi em última instância que levei o chapéu de chuva que encolhia, pois chovia copiosamente. Felizmente não havia vento. Fui sempre um desajeitado a usar o chapéu.
A viagem até à escola não teve incidentes. Passava pouco das dez quando entrei na sala de professores. Demorei algum tempo a deixar o chapéu de chuva no porta chapéus, uma vez que já havia muitos chapéus depositados, principalmente de senhoras e tive dificuldade em encontrar uma nica de espaço. E foi nesta luta à procura de espaço que a Luísa me viu e logo lançou a sua interpelação com uma ponta de veneno.
«Olá, Mário. Que fazes aqui a esta hora?»
Sorri. A Luísa tinha razão. O meu horário era noturno.
«Preciso de tratar de um assunto na secretaria.»
«Morde aqui» disse, jocosa. «Vens mas é à procura de uma aulinha de apoio.»
Já estava sentado no sofá do costume que tinha "herdado" do Silva depois que este se reformara. Dali observava-se tudo o que havia para observar, principalmente as entradas e as saídas. Não que eu fosse cusca, entenda-se. Mas dava jeito.
«Talvez tenhas razão, Luísa. E vês aí algum problema?»
«Não te zangues. Perguntei por perguntar.»
«Aí foi?» perguntei aos meus botões.A viagem até à escola não teve incidentes. Passava pouco das dez quando entrei na sala de professores. Demorei algum tempo a deixar o chapéu de chuva no porta chapéus, uma vez que já havia muitos chapéus depositados, principalmente de senhoras e tive dificuldade em encontrar uma nica de espaço. E foi nesta luta à procura de espaço que a Luísa me viu e logo lançou a sua interpelação com uma ponta de veneno.
«Olá, Mário. Que fazes aqui a esta hora?»
Sorri. A Luísa tinha razão. O meu horário era noturno.
«Preciso de tratar de um assunto na secretaria.»
«Morde aqui» disse, jocosa. «Vens mas é à procura de uma aulinha de apoio.»
Já estava sentado no sofá do costume que tinha "herdado" do Silva depois que este se reformara. Dali observava-se tudo o que havia para observar, principalmente as entradas e as saídas. Não que eu fosse cusca, entenda-se. Mas dava jeito.
«Talvez tenhas razão, Luísa. E vês aí algum problema?»
«Não te zangues. Perguntei por perguntar.»
«Claro que não me zango. Se precisasses de uns extras também fazias o mesmo que eu. Dá muito jeito a quem tem pouco dinheiro, sabes?»
Deve ter engolido em seco. O marido era um quadro superior de uma empresa privada.
«Olha uma coisa...»
Dei mais atenção à zona dos chapéus de chuva que às investidas da minha colega. Um colega do grupo do Alfredo estava no momento junto ao porta chapéus de chuva. Baixou-se e agarrou num que me pareceu ser o meu. Ato continuo saiu da sala, levando consigo o dito cujo chapéu.
«Não quero acreditar!» comentei.
«O quê, Mário?»
«Nada, nada.»
Levantei-me como uma mola e encaminhei-me para a porta.
Ia sair? Não. No momento estava a olhar para o porta chapéus de chuva. Do meu, nem rasto. Em vez dele vi outro. Parecido. Só que tinha problemas em duas varetas, das quais o pano do chapéu se soltara. Quanto ao cabo, este estava rachado. Um descuido, uma queda no chão e o resultado à vista.
«O grande sacana!»
«Que foi, Mário?»
«Nada de especial. Diz lá então o que tens para dizer.»
«Olha, contaram-me que andas com a Odete. É mesmo verdade?»
«O quê? Quem disse tal?»
«Um passarinho ao ouvido.»
«Ah! esse passarinho devia era estar na gaiola.»
Senti vontade de a esbofetear. Estrangular. Comer viva.
Alto lá. Comer, mas de outra maneira.
«Acaso tens ciúmes?»
Ficou muito séria. Depois corou e desapareceu logo da vista.
Acertei em cheio no passarinho e fiquei com a certeza que o caso morria ali. Aliás, nem existia caso. Em boa verdade era mentira, embora adivinhasse que a Odete tinha um fraco pela minha pessoa. E o mal era falarmos muito. Daí provavelmente os boatos Nessa altura só pensava na Maria dos cabelos soltos ao vento.
Estávamos no princípio do ano letivo e mal conhecia o suspeito que se encarregou, de forma deliberada, de trocar os chapéus. Dei pela manobra subversiva enquanto falava com a minha colega delatora.
«Bom negócio.»
«Estás a falar sozinho. Aproveita, pá, que o Júlio abriu uma vaga no hospital.»
Voltei-me. Quem havia de ser? O Alfredo.
«Deixaram-te sair de lá sem mais nem menos? Vê lá se ainda não estás curado da doença do figo...»
«Essa não conheço. Vamos lá fora tomar café e conta-me a história da doença do figo, bem como o negócio que fizeste.»
«A doença do figo demora algum tempo a contar. Quanto ao negócio, um gajo levou-me o chapéu e deixou outro com varetas soltas. É do teu grupo. O fulano coxeia. Conheces?»
«Já sei quem é. Essa foi boa. O gajo tem olho. Vais fazer alguma coisa?»
«Que achas?»
«Eu dava com o chapéu velho nas ventas do coxo.»
«Bem merece. Vou pensar nisso. Mas vamos ao café...»
E fomos tomar o café. No momento não chovia.
«Conta-me então esse caso da doença do figo.»
Levei a chávena aos lábios.
«Porra!, está a escaldar. E tem robusta até dizer chega.»
«O quê?»
«É áspero.»
«Põe-lhe açúcar. Ou um cheirinho de bagaço. Queres que peça?»
«Agora já me escaldei. Quanto à história da doença, é muito simples e conta-se em poucas palavras.»
O caso da doença do figo passou-se num hospital de doentes mentais.
Um dia, o chefe dos enfermeiros foi chamado ao gabinete do diretor precisamente por causa de uma denominada e misteriosa doença chamada do figo. Achava exagerado tanto internamento. Os relatórios não enganavam. Preto no branco. Tinha que saber do que se tratava.«Senhor diretor, até podiam ser mais...»
«Como assim?, é um caso de epidemia? Não. Acenaste com a cabeça e isso quer dizer não. Mas não poupes com as palavras, Ambrósio. Terá sido uma intoxicação alimentar? Também não. Doentes internados todos dias também invalidam essa hipótese. Mas estás-te a rir, enfermeiro-chefe!»
«Pois, senhor diretor. Só vendo no local.»
«E o que é que vendes no local?»
«Não é isso, senhor diretor! Se me quiser seguir, logo vai ver.»
«Então, vamos lá ver o que tens para me mostrar.»
Em pouco tempo chegaram ao denominado palco da "doença do figo". A causa estava, nada mais nada menos, numa grande figueira onde estavam pendurados nos ramos alguns doentes com os seus pijamas às listas que lembravam presidiários.
«Não vejo nada de especial.»
«Só um momento.»
E foi de facto um momento, pois um dos doentes que estava pendurado na figueira, gritou bem alto para os outros:
«Estou maduro!»
E mergulhou para o solo onde o maqueiro de dia estava já a postos. Serviços combinados.
«Ah! Ah! Ah!»
«Estás a rir porque não achaste graça?»
«Já conhecia a história.»
«Só tu. E deixaste-me contar tudo, tim-tim por tim-tim, do princípio ao fim, meu grande sacana. Para castigo pagas a despesa.»
«Já tinha convidado. Olha quem vem ali?»
«Já vi. É a Odete.»
«Ouvi dizer que ela grama-te aos molhinhos.»
Outro?
Em pouco tempo chegaram ao denominado palco da "doença do figo". A causa estava, nada mais nada menos, numa grande figueira onde estavam pendurados nos ramos alguns doentes com os seus pijamas às listas que lembravam presidiários.
«Não vejo nada de especial.»
«Só um momento.»
E foi de facto um momento, pois um dos doentes que estava pendurado na figueira, gritou bem alto para os outros:
«Estou maduro!»
E mergulhou para o solo onde o maqueiro de dia estava já a postos. Serviços combinados.
«Ah! Ah! Ah!»
«Estás a rir porque não achaste graça?»
«Já conhecia a história.»
«Só tu. E deixaste-me contar tudo, tim-tim por tim-tim, do princípio ao fim, meu grande sacana. Para castigo pagas a despesa.»
«Já tinha convidado. Olha quem vem ali?»
«Já vi. É a Odete.»
«Ouvi dizer que ela grama-te aos molhinhos.»
Outro?
Uns dias depois a chuva voltou e levei para a escola o chapéu com as varetas soltas. O meu lugar estava, como de costume, à disposição e não me fiz rogado. Sentei-me. Dali avistava-se toda a sala, à exceção da zona por detrás dos armários que serviam de separador dos fumadores com os não fumadores. Uma ideia brilhante visto que os armários não iam até ao teto e o fumo entranhava-se em tudo o que era sítio.
Aproximava-se o intervalo grande da manhã e a sala estava vazia no momento.
«Cuidado, Mário!» pensei.
O sinal de alarme ocorreu quando vi a Anabela entrar na sala e dirigir-se ao balcão para tomar o pequeno almoço. Por instinto ou não, lançou-me um olhar meloso, mais a apontar para o carneiro mal morto. A Odete tinha razão. Ela começava a fazer-me o cerco e eu limitava-me a fingir que não via.
«Não olhes para ela, Mário. Tu sabes muito bem que despes as mulheres com os olhos!»
Apeteceu-me dizer:
«Então olho para as mamas?»
A minha passividade ia custar-me caro no futuro.
«Não. Está bem. Não olho.»
Felizmente que dirigiu-se para o lado das casas de banho e respirei de alívio.
Toque para o intervalo. Pouco depois os professores começaram a entrar na sala que ficou cheia e barulhenta num instante.
«E aí vem ele...»
O "gajo", como eu lhe chamava, tinha entrado na sala, deslocando-se "vinte e nove trinta", vindo da rua e acompanhado do meu querido chapéu de chuva sem varetas soltas nem cabo rachado. Oportunidade única que não ia perder.
Entretanto a campainha tocou e os meus colegas professores foram saindo a caminho das salas de aula até que só ficámos eu e a empregada do bar.
«Vamos lá!»
Levantei-me e dirigi-me para o porta chapéus de chuva.
«Anda cá, filho pródigo que voltas ao teu pai.» Comentei, entre dentes.
Finalmente tinha chegado o momento de sair para a rua com o "filho pródigo" pela mão!
Aproximava-se o intervalo grande da manhã e a sala estava vazia no momento.
«Cuidado, Mário!» pensei.
O sinal de alarme ocorreu quando vi a Anabela entrar na sala e dirigir-se ao balcão para tomar o pequeno almoço. Por instinto ou não, lançou-me um olhar meloso, mais a apontar para o carneiro mal morto. A Odete tinha razão. Ela começava a fazer-me o cerco e eu limitava-me a fingir que não via.
«Não olhes para ela, Mário. Tu sabes muito bem que despes as mulheres com os olhos!»
Apeteceu-me dizer:
«Então olho para as mamas?»
A minha passividade ia custar-me caro no futuro.
«Não. Está bem. Não olho.»
Felizmente que dirigiu-se para o lado das casas de banho e respirei de alívio.
Toque para o intervalo. Pouco depois os professores começaram a entrar na sala que ficou cheia e barulhenta num instante.
«E aí vem ele...»
O "gajo", como eu lhe chamava, tinha entrado na sala, deslocando-se "vinte e nove trinta", vindo da rua e acompanhado do meu querido chapéu de chuva sem varetas soltas nem cabo rachado. Oportunidade única que não ia perder.
Entretanto a campainha tocou e os meus colegas professores foram saindo a caminho das salas de aula até que só ficámos eu e a empregada do bar.
«Vamos lá!»
Levantei-me e dirigi-me para o porta chapéus de chuva.
«Anda cá, filho pródigo que voltas ao teu pai.» Comentei, entre dentes.
Finalmente tinha chegado o momento de sair para a rua com o "filho pródigo" pela mão!

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