Contrariamente ao que tínhamos combinado, a Manuela não esteve em Portalegre em setembro. Quase em cima do acontecimento, trocou Portalegre pelo Porto, indo passar as férias a casa de um tio. Tal contrariedade desanimou-me muito, isto para não dizer outra palavra. Mas, pensando melhor, vou dizer: revoltou-me. Depois... é bem mais que certo que "a ocasião faz o ladrão".
"Do seu tempo de menino recorda-se do jogo do berlinde. Lançava-o para um novo destino sem ter a certeza de acertar. E o berlinde que era o mundo do menino que o lançava, rolando mudou num segundo o rumo que tinha traçado porque Deus destinou-lhe outro rumo sem ter sido consultado! Só encontrou uma nova vida no sonho que quis alcançar. Entrem em bicos de pés, não vá o sonho acordar!"
sábado, 6 de maio de 2023
O baile de Carnaval
A Olinda, minha irmã, tinha três amigas em Portalegre que a acompanhavam quando saía para passear pela cidade. Aliás, já no verão anterior, e na companhia da Manuela, tinha-me cruzado com as quatro. Por sinal, considerava uma delas como uma mulher atraente. Chamava-se Simone e fez uma brecha no meu futuro. Fiquei agastado pelo facto da minha namorada me ter trocado pelo Porto e se ter deslumbrado por qualquer coisa (chuva de verão) que deixou escapar nas poucas cartas trocadas nesse mês de Setembro, qualquer coisa que me fez ciúmes. Um rapaz de quem falou nas cartas mais que uma vez, o que me levou a questioná-la. Afirmou que era só amizade. Amizade ou não amizade, o certo é que conseguiu fazer-me ciúmes e passei a ser o quinto companheiro da minha irmã e das suas amigas nas passeatas à tarde pelas ruas de Portalegre.
Cedo notei que as três estavam em disputa por um lugar ao sol e eu sentia-me grato por tanta distinção e não evitei que a "corrida" por um troféu que era eu chegasse ao fim. Portanto, resisti. Até ao fim de setembro fui igual a mim próprio. O amor pela Nelinha não esfriou. A Simone, que era a mais bonita das três pretendentes, bem se esforçou
Só para rematar, vou descrever rapidamente uma passagem que acho deliciosa pelo ridículo que simboliza e significa o vale tudo para se alcançar um fim.
Numa noite quente fomos a um cinema ao ar livre. Não me lembro do filme, nem é relevante. Apenas quero lembrar que se estabeleceu uma grande confusão na disputa a três para ficarem sentadas ao meu lado. Ganhou a Simone e na verdade não me desagradou. Apesar de tudo o pensamento continuava centrado na Manuela, o meu grande amor. Tudo o mais não tinha o mínimo interesse senão motivo de diversão. Quanto ao arrufo que tivemos, foi coisa passageira. Cedo retornámos.
Consegui juntar dinheiro das explicações de Matemática e Físico-Químicas para ir passar uns dias em Estremoz pelo Carnaval. Hoje tento lembrar-me de pequenas passagens do pouco que ainda conservo na memória. Recordo-me especialmente da noite do baile. Os amigos da Manuela tinham combinado mascarar-se e ela alugou para mim um dominó que não cheguei a vestir, pois afinal ninguém do grupo ia mascarado. Coisas de gente jovem.
Ao anoitecer a Manuela foi à cabeleireira e eu fiquei ao frio, à sua espera. O tempo ia passando. O frio apertava. Mas já estava habituado a esperar por ela. Acontecia o mesmo em Portalegre. Danava-me e só tinha vontade de explodir. Quando aparecia, muito bonita, esquecia tudo e sorria.
Gostavas do meu sorriso?
«Está frio!»
«Não, está fresco.»
«Fresco?»
Foi este curto diálogo que se repetiu muitas vezes. Ela dizia que estava frio e eu sugeria, logo de seguida, que estava fresco. E tudo acabava num sorriso que nos aquecia a alma.
Fiquei de facto ao frio. Mas não sentia o rosto enregelar-se pelo frio cortante de fevereiro. O tempo é que custava a passar.
Finalmente chegou a hora do baile. O contacto dos nossos corpos, do seu rosto macio como veludo. O apertar forte e sentido das mãos, com os dedos entrelaçados. Nunca os nossos corpos estiveram tão próximos, com os rostos a tocaram-se, falando de promessas, sonhando com um mundo diferente, só nosso.
Um mundo que não passou do sonho?
Nessa noite inesquecível do baile nem a dança das vassouras foi motivo para nos separar. Era Carnaval e "no Carnaval nada parece mal". Mas a ela pareceu quando alguém teve a ideia de trazer uma vassoura para a sala de baile, como se do seu par se tratasse. Logo de seguida desencadeou-se um processo em cadeia, inocente e divertido. Quem tinha a vassoura na sua posse dava alguns passos de dança com a mesma e logo a passava para as mãos de um homem ou mulher que dançava, conforme o caso, claro.
Até que chegou a nossa vez. Uma mulher ofereceu a vassoura à minha companheira que me agarrou de imediato com força, não deixando que ela me levasse na tal dança inocente. Depois, sorriu para mim com uma ternura infinita e encostou o seu rosto ao meu.
Possessiva?
Ainda bem.
Foi uma noite maravilhosa, única, que passámos juntos até quase ao amanhecer. Se dormi uma hora foi muito. Lembro-me de ter acordado mal disposto e ir para a rua. Passavam alguns minutos das oito. O ar fresco da manhã fez-me bem.
Também foi nessa noite que me disse quem era o Melícias, um indivíduo que ela odiava por lhe mover uma perseguição quase constante, mesmo com contornos obsessivos. Para obsessiva bastava a nossa relação.
Ostensivamente fomos ao bar para ele nos ver bem. Foi ela que quis, para lhe mostrar em concreto quem era o seu amor. E ele viu-nos. Estava a atender um cliente.
Como a Manuela o odiava!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
-
"Alvalade foi uma das doze freguesias criadas pela reorganização administrativa da cidade de Lisboa de 7 de Fevereiro de 1959 , por d...
-
9 de setembro. Ainda ontem era agosto. O tempo passa a correr. Não posso esperar mais. Quero sorrisos. Tenho urgência. Mesmo que não haja ...
-
(Um conto extraído do meu romance " Manuela ". Se quiser ler o romance, clique, atrás.,em Manuela) Primeiros dias de setembro. E...

Sem comentários:
Enviar um comentário