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| De regresso ao passado... a imaginar o futuro. |
Certas fases na vida de uma pessoa comparam-se como um jogo de póquer fechado a que também se dá o nome de bluff. Por vezes resulta ir a jogo apostando forte com jogo fraco para afugentar os adversários. Mas se um destes jogadores tem bom jogo e não se intimida com as fichas lançadas para a mesa pelo blufista, as coisas de certeza que lhe correm mal. Partindo do princípio que o adversário se encolhe e desiste da aposta, jogar o jogo só pelo jogo dá resultado. Mas nem sempre, se o jogador insiste no mesmo sistema. Mais tarde ou mais cedo o blufista perde. Mas fazer bluff no póquer não é o caso para ilustrar esta história que acaba de vir do centro das histórias.
Na verdade, o Mário julgava que tinha bom jogo e apostou. Continuando com a metáfora, ganhou a jogada. Mas talvez não fosse o momento adequado para ter êxito na globalidade do jogo. Assim, parece que a jogada das jogadas ficou por jogar. Não veio a acontecer porque ele cometeu um erro grave de avaliação.
Na verdade, o Mário julgava que tinha bom jogo e apostou. Continuando com a metáfora, ganhou a jogada. Mas talvez não fosse o momento adequado para ter êxito na globalidade do jogo. Assim, parece que a jogada das jogadas ficou por jogar. Não veio a acontecer porque ele cometeu um erro grave de avaliação.
Não existe máquina do tempo nem varinha mágica para uma pessoa poder voltar ao passado. Se houvesse uma dessas hipóteses os problemas do Mário teriam sido resolvidos a curto e a médio prazo. Assim, contentou-se apenas com um hipotético "se..." e uma cruel ausência de "então..."
Não queria acreditar no que via!
O velhinho café Fortunato. Há quanto tempo! O empregado que espreitava a sua chegada e pedia um café de imediato ao balcão. Os clientes da época, da bica e do copo de água e pouco mais. As mesas junto às montras. As pessoas mais velhas que passavam na rua e olhavam para o grupo de amigos, com alguma desconfiança. E também a minha desconfiança porque sentia-se deveras exposto. Nunca gostou de dar nas vistas.
O velhinho café Fortunato. Há quanto tempo! O empregado que espreitava a sua chegada e pedia um café de imediato ao balcão. Os clientes da época, da bica e do copo de água e pouco mais. As mesas junto às montras. As pessoas mais velhas que passavam na rua e olhavam para o grupo de amigos, com alguma desconfiança. E também a minha desconfiança porque sentia-se deveras exposto. Nunca gostou de dar nas vistas.
Aquele magrizelas engravatado e de fato cinzento sou ele. Hoje tinha mais vinte quilos em cima dele. Comia muito bem na altura. Devia ser hiperativo ou então tinha a solitária. Nada me fazia proveito.
E o que estava a ver...?
Tinham chegado as férias de Natal e preparava-se com a Inês para a frequência de Matemáticas Gerais. Ou melhor, dava-lhe explicações. Ela nunca iria atinar com os artifícios aplicados nos difíceis exercícios de limites de sucessões. Autênticas obras de arte. Estava talhado para esse tipo de exercícios. Ela, não. Era burra de verdade.
Ali estava ele e o seu à-vontade. Dominava a matéria, mas na verdade ia ser surpreendido com um sete na frequência a seguir às férias do Natal. Nem mais nem menos.
Constava entre a rapaziada que quem via as provas costumava usar a cama do quarto como sistema de aferição. Atirava-as ao ar e as que caíam em cima da cama eram classificadas com nota positiva. Ai das que tinham com destino o chão! Quanto às poucas que aterravam em cima do penico, essas tinham nota alta. Vá lá acreditar em coisas do arco-da-velha? Se fosse uma metáfora tudo mudava de figura. Mas que havia bruxas, lá isso havia.
Sentia-se demasiado entusiasmado com o que via para continuar uma discussão que tinha falta de pernas para andar. Ele, jovem, na pujança da vida, lado a lado com a Inês, uma mulher interessante, mas que nem por isso o atraía. A Gina, sim. Os seus olhos tristes lembravam-me a Manuela. Lembravam. Apenas.
«Oh! estou a olhar para ela. Será que...?»
Acabava de chegar a Gina. A atenção concentrou-se naquela jovem que frequentava o curso de Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras e dava-lhes apoio moral no café Fortunato.
Um dia, foi ter com ela à Cidade Universitária. Águas passadas que deixaram marcas ténues. Nada de especial aconteceu.
Avançando pouco mais de um mês, o Mário e duas amigas lembraram-se de formar um grupo de explicações. Foram postos anúncios nas montras de algumas lojas da vila de ontem e os resultados chegaram logo, principalmente para ele. Na verdade, muito bons.
Dava explicações de Matemática e Físico-Químicas e elas encarregavam-se do Inglês, Português e História. Mas não era uma sociedade. Cada um trabalhava para si. Só estiveram juntos no anúncio.
No entanto, em virtude da incerteza das explicações, o Mário decidiu procurar emprego e começou a ler os anúncios do Diário de Notícias.
Ali estava ele, já no quarto alugado na travessa de S. Sebastião, lendo e selecionando os anúncios. Até que um deles chamou-me especialmente a atenção e respondi de imediato.
Estava numa sala a prestar uma prova escrita de Matemática, juntamente com uma vintena de candidatos. Achou-a demasiado fácil. E não podia ser de outra forma, pois as questões propostas estavam ao nível do segundo ano do liceu e não se podia esquecer que era um estudante universitário. Um futuro senhor doutor.
A prova de Português também lhe correu bem, excepto a redação. Céus! Como era magro! Nem se reconhecia.
Que estava a ver agora?
Uma sala que já foi o seu quarto. Agora dava ali explicações a grupos de jovens. Dar explicações a grupos foi uma boa ideia. Era mais lucrativo. Assim, já tinha dinheiro que sobre para visitar a namorada.
Continuou a observar o quarto, agora transformado em sala de explicações. Logo à entrada, à esquerda, estava a secretária com tampo de vidro. Na gaveta do meio guardo as cartas da Manuela. Dia em que não recebia uma, era dia em que ficava insuportável. Adiante. Havia quatro mesas e quatro cadeiras onde se instalavam os explicandos. Do lado esquerdo da janela, e ao canto, via-se um quadro em ardósia apoiado num cavalete que o tio Mourinho foi descobrir abandonado no sótão da sua loja de móveis. Um rapaz está junto ao quadro. Tinha o giz apoiado na ardósia. Dir-se-ia que acabou de ter uma cãibra e que os dedos ficaram presos. Mas a realidade era outra. O desgraçado do rapaz era mais duro que um penedo e o Mário estava quase a perder a paciência. O que lhe valeu foi lembrar-me que era pago. Tinha que ser paciente.
«Vá lá, “penedo”, tem dó de mim! Olha que vou perder a paciência não tarda um fósforo.»
O calino foi salvo no último momento de mais uma admoestação porque acabavam de tocar à campainha. Fez um sinal para os explicandos aguardarem e foi abrir a porta. Era o carteiro. Todo ele encheu-se de sorrisos. Uma carta da Manuela. Mas... puro engano. A carta era da Companhia de Seguros Ultramarina. Acabava de ser admitido como funcionário a título eventual e devia apresentar-me ao serviço no primeiro dia do próximo mês. Faltavam já poucos dias. Mas estava indeciso. E sabia muito bem porquê. Ganhava muito mais nas explicações, mesmo descontando os dias de férias. Não. Não ia aceitar um ordenado de mil e duzentos escudos porque já ganhava quase três mil nas explicações. Três mil escudos permitiam-me fazer extravagâncias tais como pagar uns lanches a amigos, além das viagens para estar com a namorada a quem jurou amor eterno.
Decisão tomada. Até porque aquele emprego era precário. Fez bem em não aceitar.
Se tinha a certeza?
Alguém afirmou que tudo é relativo.
«Se tiver um bom desempenho no trabalho posso ficar como efetivo. Depois, subo de categoria. Vou subindo sempre... sei lá até onde!»
E um argumento de peso era seu objetivo de acabar o curso.
E alguém disse-lhe:
«Bem sei. No mínimo acaba o curso em quatro anos. Se der-se bem no emprego e se as promoções vierem, ficará noutra situação bem mais sustentável. Quer espreitar no retângulo mágico?»
«Retângulo mágico? Mas há uma coisa dessas?»
Claro que nesse tempo ainda não havia televisão. É cedo. Mas existia magia. Nada de pedras filosofais e de sonhos que não passavam de sonhos. Magia. Só magia.
As imagens da sala de explicações que já foi o seu quarto tornaram-se nubladas, até que desapareceram de vez. Tudo mudou de repente. Via-se a entrar num gabinete confortável, para não falar em luxuoso. Levava uns papéis na mão. Muito provavelmente foi chamado pelo chefe de serviços. Tinha quase a certeza que ia arrastar-se penosamente como subalterno por muito tempo. Nunca foi um homem de sorte. Para ele o êxito moraria sempre longe. Era esse o seu destino.
«Precisa de um empurrãozinho.» Disse-lhe alguém, a propósito de poder singrar no mundo das canções.
«Um empurrãozinho, uma ova!»
«Engana-se. Vai ter êxito.»
Êxito? Ele, um eterno azarado...
Ah! Parece que não foi chamado ao chefe de serviços. Na verdade era o chefe de serviços. E mais ainda. Estava quase a ser promovido a um cargo mais alto, ligado à gestão. Afinal nesse momento em que se vejo a entrar para o gabinete, o dito curso de quatro anos já não fazia parte dos seus projetos.
Que via mais?
A sua carreira profissional estava imparável. Ao mesmo tempo, fazia aplicações financeiras que iam render bom dinheiro dentro de dois anos. Era o que vi no retângulo mágico.
Será que atravessou o portal para outro mundo alternante em que ia ter um êxito materialista excecional?
«Sim. Algum, é favor. Provavelmente está a acontecer o êxito do cavalheiro elegante [1] e não vai faltar-lhe dinheiro que gastará até ao último centavo para alimentar os seus caprichos. Carros caros, mulheres caras, vivências loucas que nunca imaginou ter. Uma ambição sem limites. E quando se ganha menos do que se gasta, o que pode acontecer a breve trecho? Luvas. Lavagem de dinheiro. Corrupção.»
O monstro da corrupção lembrava os crimes de colarinho branco que ocorrem (e ocorrerão) com frequência e cujos autores fugiam, como enguias, impunemente entre as malhas largas da Justiça porque a ambiguidade das leis assim o permitia.
Então... e o amor?
A eterna busca. Era uma injustiça clamorosa não se poder ter as duas coisas! Assim, vou tinha que optar.
Depois do tempo das explicações, o serviço militar foi apanhá-lo a meio do curso. Para trás ficou para sempre o êxito materialista. E ponto final. Acabará o curso e seguirá a via do ensino.
«Do mal, o menos. É um meio termo, Mário. E talvez um pouco de amor...»
«Só isso?«
«Neste universo, sim. Mas há portais e portais...»
Seria que para lá de um desses portais ia ter a mulher que lhe estava destinada e que Alguém lhe roubou com a sua mão esquerda?
Queria acreditar que sim, pois era um ingénuo. E mais que ingénuo, um eterno sonhador.
(1) Maré vazia

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