quarta-feira, 10 de maio de 2023

Uma ideia genial

 



Já disse mais que uma vez. Tive muita sorte em ficar por cá. Outros, não. Foram mobilizados para a guerra do Ultramar e ficaram por lá. Todos voltaram. Uns, encerrados em caixas grosseiramente prismáticas. Outros, estropiados, física e psicologicamente, passaram noites em claro para não terem pesadelos, dos quais acordavam alagados em suor, desorientados, presos a um misto de revolta e loucura. Eu sei lá o que sofreram. Tive sorte. Vi-os partir e fiquei por cá. Só tive um contra. Congelei durante mais de três anos. Durante todo esse tempo tentei, em vão, continuar a progredir no meu curso superior.
Para quê aquela guerra sem sentido? Angola é nossa! Uma ova. Foi devolvida de mão beijada e os que a receberam continuaram a guerra. Irmãos contra irmãos.
Nenhuma guerra fez sentido. Mas vem desde as origens do homem. É uma espécie de regra sem exceção. Vai continuar até que o planeta deixe de ter condições, inclusivamente para a guerra. Portanto é lógico que não aborde este tema. Dou a palavra a outros que gostam de abordar o tema. Se é que não gostam dele. Pronto. Já está. Prefiro abordar a santa tropa que passei. Uma vida entre duas vidas. Com passagens divertidas, trágicas no limiar do drama, românticas das quais já recordei muitas. Foram mais que três anos de continências entre chefões e subalternos, longe e ao mesmo tempo perto do fio da vida real. E não é paradoxo. Por vezes imaginei que estava liberto de amarras. Por vezes pensei que não tinha amarras. Mas continuava lá. Entre duas vidas. Uma suspensa para sempre. Outra em modo de espera. Enfim, em todo esse tempo senti-me barrado, mas também como que banhado pela aura da sorte e de uma espécie de gás hilariante que alimentou a esperança de tudo voltar a ser a ser igual ou parecido ao que foi.
Ainda não é tempo da história. É preciso dar tempo ao tempo. Por enquanto vou desenhar um cenário tipo interlúdio. Já encontrei a história e recordo-me dela mais do que imaginava. Descobri-a escondida, como todas as minhas histórias, num baú que contém toda uma amálgama do real e do fictício que tive de desenlear. E desta vez tudo se conjuga para que o real saia largamente a ganhar. Ao menos haja uma vez.

Estava uma noite serena, relativamente quente, que mostrava a beleza de um céu coberto de estrelas. Tinha saído de casa, ao Saldanha, logo a seguir ao jantar, com o propósito de tomar na Duque d'Ávila o elétrico para Campolide. Não era habitual dirigir-me à noite para essa zona da cidade, mas tornou-se imperioso fazê-lo porque o comandante tinha ameaçado dar-me uma "porrada" se não entregasse em dois dias um maldito relatório sobre a existência real de material de guerra da Companhia, pois parecia que não batia a bota com a perdigota. Coisa mais surreal do que se podia imaginar, uma vez que o dito relatório nunca poderia ser real, dadas as manigâncias que já tinham sido feitas para salvar a pele do capitão Soeiro, responsável número um pelos bens da Companhia. O seu substituto tinha feito um relatório circunstanciado do material afeto à Companhia após a posse e o pobre do Soeiro, que não tinha feito o mesmo quando tomou conta da Companhia, via-se agora obrigado a entrar com dinheiro não fossem os truques e artifícios mentirosos que eu e o tenente "lateiro" Gamito do "Material de Guerra" engendrámos. E a propósito, é altura de introduzir na história o sargento Tinoco, homem da confiança do tenente. Sem ele não é possível continuar a história, pois é uma peça-chave ao longo do seu desenvolvimento.

Numa noite serena, relativamente quente e com estrelas a brilhar no fundo escuro do espaço sideral, para lá do qual existiam milhões de galáxias invisíveis a olho nu, comecei a descer a rua de Campolide rumo ao quartel onde me esperava o trabalho de escravatura imposto por um comandante prepotente onde a frieza, cinismo e desumanidade eram os seus atributos de marca.
«O nosso alferes leva uma "porrada" que lhe fica de memória para o resto da vida.»
Pois era. Com ela ou sem ela nunca me esqueceria. Foi o que pensei ao entrar no quartel depois de responder à continência do sentinela.
Quando abri a porta do gabinete do "Material de Guerra" já lá estavam os meus companheiros de trabalho. Ia ser um serão e peras.
«Viva, alferes Mário, vem disposto a fazer uma noitada?»
«Que remédio, tenente Gamito» e virando-me para o sargento: «Contrariado também, sargento Tinoco?»
«É verdade, meu alferes.»
«Já tem na sua secretária uma AZERTY que desencantei no depósito. Está habituado a esse teclado?»
«Penso que não vou ter problema.»
«Ótimo.»
Tinha sido incompreensível a atitude de comandante Monteiro Correia. Dias antes chamou-me ao gabinete por causa de um assunto pessoal. Muito simples. Uma das filhas estava no oitavo ano e precisava de explicações de Matemática e Física.
«Como é que soubeste que dou explicações?» pensei.
Claro que prontifiquei-me logo a dar explicações à menina.
«Depois falamos dos honorários, senhor alferes.»
«Pelo amor de Deus, meu comandante. Tenho muito gosto em auxiliar a sua filha a levantar as notas e longe de mim pensar em dinheiro!»
«Então, obrigado. Não sei se sabe que moro no Estoril, mas isso não constitui problema. O meu carro de serviço fica à sua disposição e não se preocupe com o horário.»
E ficámos assim. Tudo por conta do Estado. Até me agradava trabalhar fora do quartel. Já não precisava de dar as golpadas do costume para sair antes do toque à ordem.
«Onde está o alferes Mário Fonseca?»
«Vi-o há pouco no Parque Auto.»
«Não está lá.»
«Então foi ao Serviço de Justiça ou está no Material de Guerra com o tenente Gamito.»
Na verdade acumulava o meu cargo no Parque Auto com estes dois serviços. Isto não contando com o desempenho de funções de Oficial de Dia, com uma escala muito apertada que chegava a ser de quatro em quatro dias. Salvo este último cargo, não era má de todo a acumulação, pois assim "desenfiava-me" com mais facilidade.
Mas não houve explicações de Matemática e Física a dar à filha do comandante. Dias mais tarde este disse-me que já não era preciso.
«Contratei uma pessoa que mora no Estoril. De qualquer forma fico agradecido pela sua disponibilidade, nosso alferes Mário.»
E depois do que se passou, o agradecimento vinha agora com a ameaça de "porrada". Nada bom porque dava prisão. Para já, do fio da navalha ninguém me livrava.
«Vamos safar o capitão Soeiro que é boa pessoa.» Disse o tenente. «O Tinoco já comprou material em falta na Feira da Ladra e eu estou a tratar de um abate à carga de material de guerra diverso. Imagine que até falta um armário cheio de ferramentas para as Morris Diesel e para um Jipão. Desapareceram como fumo.»
«Também o armário?»
«É verdade. Mas isso vem de longe. O capitão Soeiro quis ser amigo do seu antecessor e deu no que deu. Limitou-se a mandar copiar o relatório anterior que também já vinha de trás. Até se perdeu o motor de um Jipe que estava em reparação na oficina.»
«Mas aí a responsabilidade é do sargento-ajudante Fiuza.»
«Qual coisa! Também já vem de longe...»
«E como fez com o motor?»
«Dei-o como incapaz.»
«Mas tem que existir...»
«O sargento Tinoco já tratou disso. Agora vou dar-lhe a lista das existências e a outra do abate à carga que também tem que se diga em extensão. Espera-o uma noite longa, alferes Mário.»
«Então quer dizer que tenho a noite por minha conta.»
«Vai ser capaz. Não se esqueça que o relatório é em triplicado.»
«Certo, obrigado.»
«E falando de impossíveis, depois do que vi no jogo de vólei, para si não há impossíveis. Atirar-se para o cimento e apanhar uma bola já considerada perdida, é obra.»
Limitei-me a sorrir.
«Já estou a ver que vocês ganharam o jogo.» Comentou o sargento.
«Não.»
«Podia ter dado cabo de um joelho.»
«Pois podia, meu tenente.»
Por vezes não valia o sacrifício. E naquele caso o jogo já estava perdido. Agora disputava outro mais perigoso que só dependia de mim. De passar um relatório numa máquina que tinha um teclado que mal conhecia. Antes fosse uma HCESAR. Todo o mundo contra mim.
Não comentei e dispus-me a atirar ao trabalho.
«Não se esqueça dos químicos para o triplicado.»
«Estou já a tratar disso.»
Tinha que atirar-me ao trabalho quanto antes. Só de pensar nas consequências se não cumprisse a horas a tarefa senti um arrepio percorrer o corpo. Sabia muito bem que o comandante era irredutível nas suas decisões, pois tinha bem presente na memória o que aconteceu a um pobre soldado só por causa de um naco de carne...

Problemas e mais problemas. Tive que ir a uma das casernas tentar descobrir o autor do furto de uma carteira. Quando entrei na caserna os soldados estavam alinhados junto às camas e, à voz firme do sargento, puseram-se em sentido. Fiz um sinal para ficarem à vontade.
«Alguém viu alguma coisa, sargento Tapadas?»
«Meu alferes, é o costume» disse este, ao mesmo que fazia um encolher de ombros. «Ninguém viu nada.»
«Já passou revista aos homens? Abriu os armários?»
«Não, meu alferes. Estava à espera que vossa senhoria viesse.»
«Pare com a merda dos salamaleques, sargento. Deixe lá o "vossa senhoria" para os outros. Só quero saber uma coisa: ausentou-se alguém?»
«Ninguém. Isto desde que recebi a queixa do catorze e vim para a caserna.»
«Catorze?»
«Soldado catorze, do Parque Auto. O Tomé.»
«Ah! Com os nomes é que me entendo.»
A mania que tinham de rotular os soldados pelos números. Achava que era impessoal e desprezível. Nunca gostei. Era a vantagem de ser miliciano.
Quanto ao autor do furto, descobri-lo, admiti desde logo que era como procurar uma agulha num palheiro. Tinha quase a certeza que o ladrão já não estava presente na caserna.
«Vamos lá então a passar a caserna a pente fino. Sargento Tapadas, mande os soldados alinharem em frente às suas camas.»
«Já estão, meu alferes.»
«É verdade.»
Iniciou-se de imediato a busca por toda a caserna.
«Não esqueça as camas...»
Dito e feito. Também as camas. Mas nenhum sinal da carteira.
«Procure nas casas de banho e depois diga-me qualquer coisa. Agora vou tratar de um assunto muito importante. Olhe, ninguém pode sair da caserna durante a próxima hora. Ninguém, entende?»
«Sim, meu alferes!»
Maldito servilismo!
O objetivo era falar em segredo com o sargento da guarda. Todos os soldados que passassem pela porta de armas seriam revistados.
Consequências da revista à saída do quartel: um soldado do refeitório foi apanhado com dois quilos de carne num saco. A carne estava escondida entre a roupa. Antes não tivesse dado tal ordem.
Mandei-o vir à minha presença e dei-lhe uma reprimenda das grandes.
O homem estava arrependido. Foi a primeira vez que roubou alguma coisa. Uma tentação do diabo, confessou-me. Tive pena. Era muito magro. E aquele ar de tuberculoso…
Pensei ainda em perdoar. Esquecer e mandá-lo em paz. Dava-lhe dois tabefes e pronto, assunto resolvido. Se calhar a família do desgraçado tinha fome. Era casado e...
Mas o sargento da guarda e um soldado tinham testemunhado a caricata cena do pedaço de carne. Não me restava mais outra coisa senão incluir o maldito caso no relatório de ocorrências para o comandante.
Militarista como era, pessoa que cortava a direito, sem compaixão, não augurava nada de bom para o soldado.
De facto o resultado foi dramático. O soldado apanhou quinze dias de prisão. Ainda falei com o comandante para perdoar ao desgraçado. Foi irredutível.
«Tem que servir de exemplo!»
Caso arrumado. Nada feito. Fui almoçar e tentei esquecer aquele momento infeliz. E quanto à carteira, esta acabou por aparecer num dos autoclismos das casas de banho anexas à caserna. Claro que o dinheiro já não estava lá.
Maldito engano que me deve ter custado mais uma dúzia de faturas a pagar no futuro!

«Lembrei-me agora do nosso segundo comandante e pelas piores razões.» Disse o sargento.
Levantei os olhos da máquina de escrever. Ainda não era desta que o raio do relatório ia para a frente.
«Diga, Tinoco.»
«Ontem fui à agropecuária para comprar um frango e o meu camarada sargento Gaiteiro disse que já não havia.
«O quê?» admirei-me.
«É que o nosso major Beleza dos Santos levou-os todos. Eram dez.»
«Não pode ser!»
«Ai pode, pode. Está a desconfiar de mim, meu sargento? Não é uma grande injustiça? Nós só podemos comprar dois frangos de cada vez e ele...»
«Então esse sacana teve a lata de levar os frangos todos.» Comentei, indignado.
«Tal e qual.»
«Não oiça o que vou dizer, Tinoco. O homem é um oportunista e açambarcador. Está dito.»
«A propósito, ainda não sabem o melhor.»
«Diga, diga, alferes Mário. Já que estamos a lavar roupa suja, mais roupa menos roupa tanto faz.»

Dias atrás o major tinha ido ao Parque Auto e perguntou-me, com certa sobranceria, pelo Barbosa, alferes mais antigo do que eu e que era o responsável pelo Parque.
«Não está, meu major, foi comprar uma peças para uma Morris. É urgente. As outras duas foram requisitadas para Coimbra.»
«Afinal tanto faz. O alferes Mário pode resolver o problema.»
Notei que tinha amenizado o tom de voz. E afinal o que era? Pouca coisa. Precisava que lhe pintassem o carro e era urgente.
«Meu major, o pintor está a acabar de pintar uma GMC e foi requisitar um litro de leite a que tem direito.»
Nova mudança de tom.
«Arranje-se como quiser, mas o pintor vai já largar a GMC e tratar de pintar o meu Toyota. Depois de amanhã quero-o pronto.»
E saiu do Parque sem mais uma palavra.
«Tape os ouvidos, Tinoco. Aquele filho de uma magana teve a lata de exigir o que exigiu?» Confirmação que o tenente Gamito era alentejano.
«Que podia fazer, meu tenente? Não posso com aquele homem, mas ele é o segundo comandante...»
«Esqueçamos as injustiças e amenizemos o ambiente. Vossas senhorias conhecem o soldado Josué?»

O Josué era um soldado manhoso que vivia, com frequência, de expedientes. Talvez com muita sorte, ou esperteza a mais, conseguia sempre sair-se bem das alhadas em que se metia. O que lhe interessava era passar bem o tempo de tropa que o resto logo se via. Não demoraria muito tempo que tivesse a "peluda" à porta e então os expedientes estavam a ser mais frequentes. O nosso homem trabalhava na agropecuária e já não era a primeira vez que levava para casa à conta do Estado um frango ou uma galinha poedeira para casa. E de ovos não se falava. Mas desta vez tratava-se de caça grossa. Nem mais nem menos um porquinho preto que destinava para uma festança de amigos. 
Estava tudo já combinado. Ele dava o porco, o José Firmino fornecia o vinho, as batatas, as alfaces e os tomates. Quanto aos cafés e digestivos estavam por conta do Gregório. Ah!, faltava quem tratasse da saúde ao porco, esquartejasse e o pusesse pronto a comer, problema que resolveu. Tinha amigos para tudo. E o porco não podia faltar, claro. Para tal, o Josué contou com a sua magia e o porta-bagagens do envelhecido Ford. Um, dois, três e o porco, apanhado de surpresa, não teve sequer tempo para grunhir. Nem o Josué lhe disse ao que vinha quando o pegou e levou para o alojamento provisório. Dali até à vivenda do Joaquim Melancia foram só trinta quilómetros.
Grande festança. Primeiro, um saboroso sarrabulho. Depois, um cozido só de porco e enchidos. Para finalizar o que o porco deu, fêveras com batatas fritas e uma salada de alface e tomate. Seguiu-se a cena do café e dos digestivos e um discurso de agradecimento ao Josué, a cargo do José Firmino, que foi muito aplaudido pelos participantes no festim.
«E agora a surpresa do fim de almoço...» Anunciou o Josué.
Bailarinas. Dança do ventre. Mais vinho. Deboche. E está tudo dito. Um almoço fechado com chave de ouro.
No dia seguinte é que foram elas.

«Que fizeste à porra do porco? Falta um porco preto. Já os contei, Josué.»
E que saboroso estava...
«Que porco, meu sargento?»
O responsável da agropecuária sabia de tudo. Um "submarino" tinha dado com a boca nos dentes.
«Escusas disfarçar porque tenho provas, meu ladrão amador!» 
Amador? Nunca na vida. E provas? Afinal o sargento Gaiteiro não tinha provado o porco saboroso, saído há pouco de leitão. Nem dançou disfarçado de bailarina, embora houvesse um rumor de disseram que disseram...
.«Não sei do que está a falar, meu sargento.»
«Conheces a Lurdes mamuda?»
Pronto, estava tudo dito. Devia ter convidado bailarinas de fora. Desesperado, tentou desviar a incriminação.
«Não terá sido o nosso segundo comandante que requisitou o porco?»
Um ponto a seu favor, já que o sargento Gaiteiro colaborava na sombra com as chefias.
«Bom, sou teu amigo. Tens dois dias para trazer o porco. Senão, vais dentro. E agora dá corda às botas...»
Era inevitável. Pelo menos quinze dias de prisão. Tinha que se pôr em campo o mais depressa possível. Mal o sargento fizesse a participação, adeus ilusões. Não ia tão depressa para a "peluda".
«Mas...»
«Vais quanto antes à procura do porco. Está dito.»

Ao toque da ordem o Josué saiu apressado do quartel e foi à procura de um porco com um "bilhete de identidade" parecido com o do infausto porco preto. Procurou no mercado da Malveira, mas só encontrou um porco branco parecido com o outro.
«Que remédio, vou comprá-lo.»

«Este não serve, cabrão. É branco.»
«Ninguém dá conta, meu sargento.»
«Dei eu. Vai trocar o porco.»
Não se trocava um porco como quem trocava uma camisa. Até porque nem tinha fatura. Para ter um desconto não exigiu comprovativo. Assim, não sabia o que fazer. Ele, Josué. O gabarola que saía, incólume, de todas as enrascadas não podia ser levado para a "prisa" sem dar luta.
«Ah, já sei.» 
Ideia genial!

«Aqui está o porco, meu sargento.»
«Sim, é ele. Vês como conseguiste encontrar a porra do porco?»
«Custou mas foi.» 
«Ainda bem para ti. Já sabias o que te esperava.»
Só que o Josué entrara numa rota de colisão com o azar. Nesse mesmo momento começou a chover com intensidade e a pele do porco sofreu uma transformação brusca. Voltou à sua cor natural.
«Pintaste o porco, meu cabrão!»

«E foi assim que lhe puseram a alcunha de "Pinta o porco".»
«Que sucedeu ao "Pinta o porco", sargento Tinoco?»
Por causa da insinuação do Josué sobre as requisições do segundo comandante que podiam pôr em perigo a idoneidade do sargento da agropecuária, tudo ficou em águas de bacalhau.
«Bom, vamos esquecer isto. Mas com uma condição...»
«Estou por tudo, meu sargento. Passo à "peluda" no próximo mês e...»
«Ótimo, ó Josué. Safo-te, mas tens que comprar o porco. Depois, pinta-o ao teu gosto.»
«Mas...»
«Falaste ou grunhiste?»
«Esta é inédita. Um ladrão que compra duas vezes o mesmo artigo.» Comentou o tenente. «Agora, vamos ao trabalho. Fica proibido de voltar a abrir a boca, Tinoco. O nosso alferes precisa de acabar o maldito relatório.»

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