quinta-feira, 11 de maio de 2023

Sinais

Aparentemente o homem sensitivo está na proximidade da zona de transição, metaforicamente o horizonte de eventos que é a antecâmara de um buraco negro, o grande mistério astronómico que desafia as leis da Física, quiçá uma ponte entre dois universos. Aparentemente, pois tudo o que ele sente e o preocupa pode não passar de uma alucinação provocada pela força do subconsciente, um cavalo à solta que fugiu do seu carcereiro dono e senhor, pondo à prova o seu instinto aguçado e que vai controlando as defesas e consegue aventurar-se ao sabor do aleatório até as coisas, boas ou más, acontecerem. Está atento e procura o momento ideal, uma janela a abrir-se para se lançar no desconhecido. Enquanto não for controlado, opera milagres ou deita tudo a perder. Tem uma força e poder incomensuráveis, mas é cego.
Ah!, se o consciente pudesse ter conhecido quem veio ter com ele naquela noite (1)!
A sedutora visita tímida, como lhe chamou o sensitivo, surgiu aureolada de promessas interessantes que o iludiram. Fizeram amor até de madrugada e o pensamento cavalgou para lá da esperança. Depois, adormeceram, exaustos. Quando acordou, deu com uma cama vazia de amor e o odor a jasmim. Ela tinha desaparecido sem saber quem tinha amado.
Outras coisas já se instalaram sem cerimónia dentro de si e começa a aprender como deve lidar com elas. Se não oferecer resistência, como o medo ou a fuga, pode tirar ainda mais ensinamentos e proveitos. Contudo, avançou pouco e continua a ser um incipiente aprendiz de feiticeiro. Com ela aconteceu magia. Sentiu a força da atração que exerceu sobre aquele ente que considerou misterioso. Aos poucos, podiam construir outro amanhã diferente de tudo o que se pudesse imaginar e ele finalmente via nascer a possibilidade de evoluir no caminho que muitos desejaram trilhar e nunca tiveram coragem para o fazer. Podiam ter feito uma simbiose de efeitos imprevisíveis, mas não aconteceu. Talvez ela tivesse medo de assumir um amor que julgava ser impossível. Talvez as leis do outro lado da porta o não permitissem. Talvez outras coisas mais.
É inimaginável onde podiam ter chegado. Como não a conheceu, para além daqueles momentos loucos na cama, não lhe restou outra hipótese senão deixar que se instalassem de novo outros eventos. No entanto, de pouco valeu. Apenas entravam e saíam. Uma após outra. Serviam-se da coisa impura e desapareciam sem deixar rasto. Nada parecido com o que se passou naquela noite. 
Preo­cupava-o desconhecer quem era ela e o que queria. Bem tentou descobrir. Por exemplo, que essência tentou rou­bar no mais íntimo do seu ser? E se não roubou, porque foi? Talvez ela visse alguma coisa poderosa que a perturbou e fez desistir e só por isso nunca mais voltou.
Hoje, mais maduro, mais esclarecido, será que vai aprender a ouvir os que sabem mais que ele, a beber a sua sabedoria e a deixar de olhar para o seu próprio centro, como se fosse um deus do sol?
A verdade está no silêncio e na meditação. Quanto me­nos falar de si, melhor. Já lá vai o tempo da necessidade de falar para que acreditem nele. Para avançar, precisa de ter muito respeito por aquilo que julga ser o sobrenatural, um terreno obviamente de natureza movediça onde ninguém lhe pode estender um braço salvador se começar a afundar-se. Só um grande motivo não o faz voltar atrás. Vaidade, talvez não. Só quer desbravar o caminho que existe entre os dois mundos ligados pela tal ponte. Para conseguir esse feito, passado o tempo dos grandes medos, tem que encontrar a ponte que um dia o há de conduzir à outra margem.
Tem esperança que a visita tímida volte um dia. Também possui uma arma poderosa para a chamar. Usar a sua própria lei da atração para a chamar. Tem a certeza que vai conseguir ver a porta com ligação para o outro lado da vida. E se não voltar, paciência. Certamente valerá a pena seguir o instinto, por mais fatal que seja o resultado. Recebeu um sinal poderoso e vai ficar à espera. Nem que espere milénios, porque, nestes casos, a eternidade não passará de um segundo para ele.
São muitos os sinais que continua a receber de um amor perdido na noite escura do seu afastamento. São muitas as saudades do seu olhar triste e longínquo que há muito perdeu e que nunca mais verá. São muitas as memórias, sinais do passado que procura, em vão, nas cinzas já frias da memória.
Foi um amor que renasceu numa madrugada quando insistiu em sonhar que ela podia voltar a ser sua. 
Dizem que chora, no seu mundo fechado; dizem também que volta amanhã, mas o amanhã amanhece e ele acordo sem ela!
Quando se esquece que ela existe para lá da porta aparecem logo sinais evidentes que não pode ignorar e simulam dizer que ela é tudo para ele. Passado, presente e futuro. Quando finge que não existe, de imediato a voz e o pensa­mento são abafados por uma força que o torna escravo da memória. Então, o seu egoísmo transborda pelo cálice do fantástico e é obrigado a acreditar no que não alcança, a amar o que é proibido amar, a odiar o que foi seu e amou, a desprezar valores que lhe são gratos. E se volta o tempo de levantar a âncora continua a viagem onde lhe esperam novos dias com sinais dúbios. Mas é só por um momento. Não quer ficar para trás. Impede que se lance na recuperação do tempo perdido. Tenta transfigurar-se. Ou melhor: é de novo ele, com todos os seus defeitos e virtudes. Com o vulgar fa­to cinzento e a vontade de ser assim como era. Depois, vem o tédio. Aí se recolhe e tenta ficar longe das promessas que fez e ficaram por cumprir. Dos sonhos que se transformaram em pesadelos grotescos. Dos sinais enigmáticos que não conseguiu seguir. Das estrelas que imaginava guiarem-no para que não se perdesse no azul constelado e cada vez mais o afastavam.

Tens medo de brilhar na tua noite longa. Longa e escu­ra onde te escondes. Manténs-te vigilante na distância proibida, mas sinto que podes voltar. A não ser que o nosso passado tenha sido uma utopia. Repetiu-se no futuro o que já foi passado. Vi-te brilhar. O teu olhar triste e ansioso transformou-se num sorriso de promessas (2). Mas foram só uns segundos. Já não olhava para ti. A verdade estava noutros olhos e num outro sorriso. A verdade que nos transportou para longe, mas que se esfumou no tempo à velocidade da luz. Talvez não tenha acontecido. 
Agora os teus sinais são fracos, estrela. O teu fogo já não consegue atear a obsessão pelo passado remoto. Assim, apenas vai ficar um rasto de saudade.
Não te desprezo nem odeio. Mas também não te quero porque não posso ter-te. Peço-te apenas para partires e não deixares sinais para trás. Porque agora o meu tempo é outro, atravessei aquele que foi nosso e em que te amei talvez como tu nunca me amaste.
Só uma pergunta: eras a visita tímida naquela noite em que nos amámos até de madrugada?

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