Arquimínio não era propriamente uma flor que se cheirasse. Pensando bem, e para não sair do reino vegetal, talvez fosse adequada a ele, como imagem-retrato, o cato, planta que sobrevive melhor do que qualquer outra (mesmo as designadas plantas gordas) em regiões secas sujeitas a temperaturas extremas. Além do mais, há que ter em atenção que o cato tem espinhos. Pica e faz sangrar. Fere ao contacto com o incauto que se aproximou demasiado. Sem remorso. Com a perspicácia e frieza do homem escorpião que, antes de entrar numa sala onde estão reunidas várias pessoas em cavaqueira amena, apesar das aparências, avalia com mil cuidados o perigo a que pode ser exposto e só depois entra. Sempre com cuidados redobrados, reúne-se à volta das pessoas que previamente escolheu sem nunca renunciar ao ataque antes de ser atacado.
Era, sem dúvida, um homem do signo Escorpião.
Depois, havia a outra faceta de um sedutor incorrigível. Mulher que se deixasse embalar nas suas palavras medidas com rigor e dirigidas com o objetivo certo, e à hora certa, entrava fatalmente na órbita do seu acontecer. Isto enquanto ele quisesse, pois era homem de paixões, as tais nuvens passageiras que o vento levava para longe quando queria. A esse respeito nunca se expôs. O seu egocentrismo era uma arma poderosa, sempre pronta a ser usada mal a nuvem se afastasse.
Não se lhe conheciam pontos fracos. Aliás, como hermético que era, tornava-se impossível penetrar no seu íntimo, usando a metáfora, nem que seja um centímetro.
Mário foi a pessoa que melhor o conheceu sem o conhecer. E, a propósito de "melhor o conhecer", conheceram-se uma tarde numa reunião de escola, no início do ano letivo. Mais propriamente numa reunião conjunta de Ciências da Natureza e Matemática.
«Este nosso colega que está muito calado, não quer entrar na discussão da estratégia proposta pela Adelaide?» perguntou a delegada de Ciências.
«Pelo que já ouvi, devo necessariamente fazer a apologia de uma estratégia inconsistente?»
eram os únicos homens presentes na reunião. Portanto, o mulherio estava confortavelmente em maioria. Mas até parecia que não. Todas ficaram surpresas com a sua reação de "chega-te para lá", talvez hipnotizadas pela força do seu caráter.
«Inimigos para sempre?» devem ter desejado. «Se não cais nas boas graças da maioria vais ver o que te espera...»
E ele deve ter reagido no íntimo:
«A minha cara de preocupado.»
Não ripostou, nem o Mário soube o que pensou. Nem ninguém que estava presente.
«Deixa o nosso colega em paz, Sofia. Eu procedia da mesma forma» tentou defender o colega. «Este é o primeiro dia de reuniões e o Arquimínio está a ambientar-se e a tentar conhecer os colegas de grupo. Dá tempo ao tempo.»
O visado virou-se para Mário.
«Obrigado por me ter defendido. Mas, na realidade, posso bem com quem me ataca.»
«Eu não o ataquei. Simplesmente...»
«Acabemos com esta parvoíce. Afinal qual é a tua estratégia, Adelaide, para ultrapassarmos a perda de tempo com a verificação dos trabalhos de casa dos nossos alunos?»
«Muito simples, Mário. Primeiro, perguntamos à turma se há alunos que não fizeram os trabalhos. Depois, tiramos à sorte os nomes de dois ou três alunos para mostrarem os cadernos.»
«Mas isso é o que faço há muito!» comenta uma das participantes na reunião.
«E eu» disse Mário. «Mais... passado um mês não preciso de fazer mais fiscalização. Os próprios alunos que não fizeram os trabalhos acusam-se. E assim poupam-se alguns minutos que podem ser preciosos.»
«E o colega?»
«Bom... não me preocupo com esse problema que considero ser de lana caprina.»
«Então?» perguntou, intrigada.
«Não passo trabalhos para casa.»
Outra estratégia. Boa para os alunos ficarem aligeirados. Tinham mais tempo livre para fazerem disparates. Mas estratégias eram estratégias. E havia-as para todos os gostos.
Mário lembrou-se dos seus tempos de aluno. O professor de Físico- Químicas, que acumulava com a direção da escola, militarão baixinho que olhava os alunos mais espigados de baixo para cima (daí a alcunha de caça-aviões), deslocava-se para a escola utilizando o comboio da linha do oeste. Homem de muitos empregos, faltava com frequência às aulas e era com grande alegria que viam o Prudente, viajante no mesmo comboio, correr avenida abaixo, de braços abertos, sinal que o diretor não vinha no comboio. Portanto, os rapazes tinham a primeira hora destinada ao futebol, quer fizesse chuva ou sol.
As aulas eram mais produtivas com os alunos suados e os seus níveis de energia em baixo e ainda com o pensamento num golo marcado com categoria, ou numa bola atirada de propósito para o recreio das raparigas? Claro que não. Mas os alunos mais conscientes compensavam em casa com estudo redobrado, principalmente em vésperas de pontos ou chamadas.
Com o passar dos dias, Mário e o colega criaram alguns laços de amizade visto serem os únicos homens no quarto grupo onde imperava um mar de mulheres já amadurecidas, salvo duas ou três provisórias, alvo das preferências do sedutor Arquimínio.
Houve outro argumento forte para aproximar os dois homens. O paranormal, muito do agrado de Mário. Bastou-lhe contar o caso de "A Mulher de Vermelho" para lhe despertar logo a curiosidade e tê-lo do seu lado. Seguiram-se mais algumas histórias. Curiosamente nada transpirou da sua parte. Nem um curto episódio. Mas o certo é que o ouvia sempre com muita atenção.
«É mesmo verdade que essa Esfinge fazia parte de uma seita?»
«Infelizmente.»
Arquimínio coçou a cabeça, parecendo denunciar alguma indecisão que não passou despercebida a Mário.
«Diz lá então o que tens para dizer.»
«Nada nada» mentiu. «Aliás, ainda é cedo.»
«Cedo?»
«Eu cá sei» olhou para o colega com o olhar número um de Escorpião. «Mas diz-me uma coisa... então foste interrogado exaustivamente pelo tal indivíduo que tinha aspeto de nazi...»
«E então?»
«Reprovou-te no exame. Mas querias entrar naquele grupo secreto, porquê? Só porque estavas vidrado na tal Esfinge, segundo a tua opinião um coiro e uma mulher cheia de vícios?»
«E não só. A Esfinge de facto era um coiro mas devia ser uma serpente na cama.»
«E então?»
«Reprovou-te no exame. Mas querias entrar naquele grupo secreto, porquê? Só porque estavas vidrado na tal Esfinge, segundo a tua opinião um coiro e uma mulher cheia de vícios?»
«E não só. A Esfinge de facto era um coiro mas devia ser uma serpente na cama.»
«Apenas uma ideia?»
«Infelizmente.»
Arquimínio puxou do maço de cigarros Camel e tirou um cigarro com um gesto automático. O seu pensamento devia morar longe naquele momento.
«Olha que estás a pôr o cigarro ao contrário!»
«Obrigado. E se fôssemos tomar um café?»
«No bar da escola?»
«Não. Ao café mais próximo. Estamos mais à vontade para falar.»
Mário consultou o relógio.
«Pode ser. Ainda temos meia hora...»
«Eu tenho mais tempo e tu também. Não te lembras?»
«Estou de plantão aos apoios. Mas que se lixe. Hoje está a faltar pouca gente. Vamos lá.»
E saíram. Ao fim de pouco mais de cinco minutos já tinham as bicas na frente.
«Diz lá o tens para contar. Eu...»
«Que foi?»
«Olha a Odete. Vem a entrar no café.»
«Essa gaja não te perde de vista, carago!»
«Desta vez penso que foi puro acaso. Olha, voltou para trás. Ainda bem que não me viu. Já podemos falar à vontade.»
«Estávamos a falar daquele grupo esquisito onde querias entrar e não te deixaram. Nunca descobriste porquê, pois não?»
«Desconfio de uma coisa. Talvez porque eu não queria nada com a droga e o nazi topou. Devo ter-me descaído em qualquer momento durante aquele interrogatório tipo pidesco. Tenho quase a certeza que o tipo era traficante . Já te falei daquela noite em que o nazi quis que descêssemos todos até ao atelier e a Esfinge passou-lhe uma nota de cinco contos para as mãos (1)?»
«Sim. A troco de um minúsculo pacote de plástico. Bom, vejamos se não faço mal.»
«Mas fez de propósito para eu ver!»
«Também acho que sim. Quis saber como reagias.»
«Em que estás a pensar, Arquimínio?»
«Diz-se uma coisa, amanhã à noite estás disponível?»
«Amanhã é sexta. É o meu dia de folga. Sim, claro.»
«Queres ir a um sítio?»
«Depende.»
O colega esboçou um sorriso irónico.»
«Tens que ir de fraque.»
Arquimínio puxou do maço de cigarros Camel e tirou um cigarro com um gesto automático. O seu pensamento devia morar longe naquele momento.
«Olha que estás a pôr o cigarro ao contrário!»
«Obrigado. E se fôssemos tomar um café?»
«No bar da escola?»
«Não. Ao café mais próximo. Estamos mais à vontade para falar.»
Mário consultou o relógio.
«Pode ser. Ainda temos meia hora...»
«Eu tenho mais tempo e tu também. Não te lembras?»
«Estou de plantão aos apoios. Mas que se lixe. Hoje está a faltar pouca gente. Vamos lá.»
E saíram. Ao fim de pouco mais de cinco minutos já tinham as bicas na frente.
«Diz lá o tens para contar. Eu...»
«Que foi?»
«Olha a Odete. Vem a entrar no café.»
«Essa gaja não te perde de vista, carago!»
«Desta vez penso que foi puro acaso. Olha, voltou para trás. Ainda bem que não me viu. Já podemos falar à vontade.»
«Estávamos a falar daquele grupo esquisito onde querias entrar e não te deixaram. Nunca descobriste porquê, pois não?»
«Desconfio de uma coisa. Talvez porque eu não queria nada com a droga e o nazi topou. Devo ter-me descaído em qualquer momento durante aquele interrogatório tipo pidesco. Tenho quase a certeza que o tipo era traficante . Já te falei daquela noite em que o nazi quis que descêssemos todos até ao atelier e a Esfinge passou-lhe uma nota de cinco contos para as mãos (1)?»
«Sim. A troco de um minúsculo pacote de plástico. Bom, vejamos se não faço mal.»
«Mas fez de propósito para eu ver!»
«Também acho que sim. Quis saber como reagias.»
«Em que estás a pensar, Arquimínio?»
«Diz-se uma coisa, amanhã à noite estás disponível?»
«Amanhã é sexta. É o meu dia de folga. Sim, claro.»
«Queres ir a um sítio?»
«Depende.»
O colega esboçou um sorriso irónico.»
«Tens que ir de fraque.»
«Então digo já que não.»
«Estou a brincar. Às dez da noite saímos de Lisboa. Nada de perguntares onde vamos. É surpresa.»
«Adoro surpresas, principalmente daquelas que nos informam à priori serem surpresas...»
Seguiram para sul.
«Estás bem disposto, Mário?»
«Que tem a ver com a surpresa?»
«Nada. Olha, vamos pela ponte Vasco da Gama. No fim da ponte tenho que te vendar os olhos.»
«Faz como entenderes. Confio em ti. Mas cuidado!, vê lá para onde me levas...»
«Creio que vais gostar.»
«Tem a ver com a Esfinge?»
«De certa maneira. Mas não me perguntes mais nada.»
Pouco depois já estavam a atravessar a ponte.
«Parece que esta ponte foi feita a metro.»
«Sim. Acho que foi essa a intenção do seu mentor» confirmou Mário. «Alguém ficou a lucrar.»
«Ou mais que um.»
«Pois.»
Fizeram em silêncio o resto da travessia da ponte. Mário dava voltas à cabeça e sentia-se cada vez mais vazio de ideias. Não imaginava para onde iam e, pior ainda, o que estava para acontecer.
«É agora.»
«Vamos jogar à cabra cega?»
Com o Fiat já encostado à berma da estrada, Arquimínio virou-se para o colega. Tinha nas mãos um lenço preto, daqueles que as mulheres usavam nos anos cinquenta, tanto no campo como algumas nas cidades. Nas cidades porque era moda.
«Posso?»
«Se tem que ser...»
«Só te peço uma coisa: silêncio absoluto a partir do momento em que te tirar a venda dos olhos.»
«Porquê?»
«Porque é importante. Vais apenas como observador. E mesmo que alguém te faça uma pergunta, por mais ingénua que seja, tem tento na resposta. Pode ser perigoso.»
«Adoro surpresas, principalmente daquelas que nos informam à priori serem surpresas...»
Seguiram para sul.
«Estás bem disposto, Mário?»
«Que tem a ver com a surpresa?»
«Nada. Olha, vamos pela ponte Vasco da Gama. No fim da ponte tenho que te vendar os olhos.»
«Faz como entenderes. Confio em ti. Mas cuidado!, vê lá para onde me levas...»
«Creio que vais gostar.»
«Tem a ver com a Esfinge?»
«De certa maneira. Mas não me perguntes mais nada.»
Pouco depois já estavam a atravessar a ponte.
«Parece que esta ponte foi feita a metro.»
«Sim. Acho que foi essa a intenção do seu mentor» confirmou Mário. «Alguém ficou a lucrar.»
«Ou mais que um.»
«Pois.»
Fizeram em silêncio o resto da travessia da ponte. Mário dava voltas à cabeça e sentia-se cada vez mais vazio de ideias. Não imaginava para onde iam e, pior ainda, o que estava para acontecer.
«É agora.»
«Vamos jogar à cabra cega?»
Com o Fiat já encostado à berma da estrada, Arquimínio virou-se para o colega. Tinha nas mãos um lenço preto, daqueles que as mulheres usavam nos anos cinquenta, tanto no campo como algumas nas cidades. Nas cidades porque era moda.
«Posso?»
«Se tem que ser...»
«Só te peço uma coisa: silêncio absoluto a partir do momento em que te tirar a venda dos olhos.»
«Porquê?»
«Porque é importante. Vais apenas como observador. E mesmo que alguém te faça uma pergunta, por mais ingénua que seja, tem tento na resposta. Pode ser perigoso.»
«Bom, agora estás a meter-me medo.»
«Apenas deves ser cauteloso.»
«Que grande mistério!»
A viagem prosseguiu já com Mário vendado. Foi contando grosseiramente os minutos que passavam. De nada servia caso fosse necessário mais tarde encontrar o caminho de regresso. Apenas ficava com uma ideia aproximada da distância do fim da ponte ao destino.
Cerca de quinze minutos passados sentiu uma travagem mais brusca.
«Cabrão! Foi por pouco...»
«Que aconteceu, pá?»
«Um gajo travou de repente e quase me ia enfeixando nele.»
Instintivamente levou as mãos à venda.
«Ainda não, Mário!»
«Está bem.»
Mas não demorou muito tempo a chegarem.
«Vamos entrar numa casa. Não te esqueças do que te disse há pouco. Por nada deste mundo entres em contacto com alguém!»
«Ok. Se o dizes...»
Sentiu o ranger de uma porta a abrir-se. Portanto, o prédio era antigo. Mas não interessava investigar porque desconhecia em absoluto o sítio onde estava.
«Agora há uns degraus. Eu ajudo-te.»
«Acho bem. Não quero levar as mãos ao chão!»
O colega riu-se.
«E pronto. Estamos cá em cima. Podes tirar a venda...»
O amigo trazia um saco de plástico de supermercado.
«Olha, põe esta máscara. Eu também ponho a minha.»
«São iguais!»
«Pois.» Foi a resposta.
«É mole. Parece borracha...»
«É mesmo borracha, Mário. Mais uma vez, silêncio absoluto. A coisa pode descambar,»
«Caso para dizer que o silêncio é de ouro. Descansa que não vou falar por nada deste mundo. Com tantos avisos teus...»
«Assim fico mais descansado.»
E entraram logo num hall onde estava apenas um indivíduo vestido a rigor que os intercetou.
Arquimínio mostrou-lhe um cartão e seguiram em frente. A dois metros havia um porta que abriu.
«Entra. A partir de agora ficas entregue a ti próprio...»
«E tu?» perguntou Mário, algo desconfiado.
«Eu também entro, claro. Mas não podemos ficar juntos.»
Estava num salão enorme onde as pessoas formavam pequenos grupos, provavelmente por terem algo de comum a verem uns com os outros. Vestiam informalmente. Tudo normal na aparência. Apenas uma coisa que achava estranha: as máscaras eram iguais para os homens e para as mulheres.
«Primeira coisa estranha...»
Um homem, vestido a rigor, apareceu-lhe na frente com uma bandeja repleta de taças de espumante, algumas delas já vazias.
Tirou uma taça e bebeu de um trago o conteúdo. Nem sequer teve tempo de sentir o bouquet do espumante. Precisava urgentemente de ganhar alma porque sentia-se quase à beira de um ataque de nervos.
Contava com tudo menos com uma reunião de homens e mulheres cujas identidades se escondiam atrás de uma máscara e cuja temática era do seu desconhecimento.
«Contudo, formam grupos...» Pensou. «Talvez se conheçam.»
Ele é que, à priori, não conhecia ninguém a não ser o colega e esse não sabia para onde tinha ido.
Aparentemente a contrariar a sua previsão, uma mulher apareceu na sua frente e fez-lhe uma ligeira vénia, segurando-lhe a mão direita, que apertou suavemente. Algo admirado, deixou-se arrastar até um recanto da sala. Mal teve tempo para colocar a taça sobre uma mesa porque logo ela se cingiu a ele, iniciando os dois uma dança lenta sem a presença de qualquer música de fundo. Ficou a matutar no que ela queria. Lembrou-se do colega e optou por manter-se calado. Ela tinha encostado o rosto ao seu e parecia-lhe que também optara por manter-se calada. O único diálogo presente era a sensação erótica de dois corpos quase fundidos num só.
«Que grande mistério!»
A viagem prosseguiu já com Mário vendado. Foi contando grosseiramente os minutos que passavam. De nada servia caso fosse necessário mais tarde encontrar o caminho de regresso. Apenas ficava com uma ideia aproximada da distância do fim da ponte ao destino.
Cerca de quinze minutos passados sentiu uma travagem mais brusca.
«Cabrão! Foi por pouco...»
«Que aconteceu, pá?»
«Um gajo travou de repente e quase me ia enfeixando nele.»
Instintivamente levou as mãos à venda.
«Ainda não, Mário!»
«Está bem.»
Mas não demorou muito tempo a chegarem.
«Vamos entrar numa casa. Não te esqueças do que te disse há pouco. Por nada deste mundo entres em contacto com alguém!»
«Ok. Se o dizes...»
Sentiu o ranger de uma porta a abrir-se. Portanto, o prédio era antigo. Mas não interessava investigar porque desconhecia em absoluto o sítio onde estava.
«Agora há uns degraus. Eu ajudo-te.»
«Acho bem. Não quero levar as mãos ao chão!»
O colega riu-se.
«E pronto. Estamos cá em cima. Podes tirar a venda...»
O amigo trazia um saco de plástico de supermercado.
«Olha, põe esta máscara. Eu também ponho a minha.»
«São iguais!»
«Pois.» Foi a resposta.
«É mole. Parece borracha...»
«É mesmo borracha, Mário. Mais uma vez, silêncio absoluto. A coisa pode descambar,»
«Caso para dizer que o silêncio é de ouro. Descansa que não vou falar por nada deste mundo. Com tantos avisos teus...»
«Assim fico mais descansado.»
E entraram logo num hall onde estava apenas um indivíduo vestido a rigor que os intercetou.
Arquimínio mostrou-lhe um cartão e seguiram em frente. A dois metros havia um porta que abriu.
«Entra. A partir de agora ficas entregue a ti próprio...»
«E tu?» perguntou Mário, algo desconfiado.
«Eu também entro, claro. Mas não podemos ficar juntos.»
Estava num salão enorme onde as pessoas formavam pequenos grupos, provavelmente por terem algo de comum a verem uns com os outros. Vestiam informalmente. Tudo normal na aparência. Apenas uma coisa que achava estranha: as máscaras eram iguais para os homens e para as mulheres.
«Primeira coisa estranha...»
Um homem, vestido a rigor, apareceu-lhe na frente com uma bandeja repleta de taças de espumante, algumas delas já vazias.
Tirou uma taça e bebeu de um trago o conteúdo. Nem sequer teve tempo de sentir o bouquet do espumante. Precisava urgentemente de ganhar alma porque sentia-se quase à beira de um ataque de nervos.
Contava com tudo menos com uma reunião de homens e mulheres cujas identidades se escondiam atrás de uma máscara e cuja temática era do seu desconhecimento.
«Contudo, formam grupos...» Pensou. «Talvez se conheçam.»
Ele é que, à priori, não conhecia ninguém a não ser o colega e esse não sabia para onde tinha ido.
Aparentemente a contrariar a sua previsão, uma mulher apareceu na sua frente e fez-lhe uma ligeira vénia, segurando-lhe a mão direita, que apertou suavemente. Algo admirado, deixou-se arrastar até um recanto da sala. Mal teve tempo para colocar a taça sobre uma mesa porque logo ela se cingiu a ele, iniciando os dois uma dança lenta sem a presença de qualquer música de fundo. Ficou a matutar no que ela queria. Lembrou-se do colega e optou por manter-se calado. Ela tinha encostado o rosto ao seu e parecia-lhe que também optara por manter-se calada. O único diálogo presente era a sensação erótica de dois corpos quase fundidos num só.
«Isto é muito mau. Acho que vou descarrilar.» Pensou.
Não eram os únicos pares que dançavam ao som de uma música que primava pela ausência. A proximidade erótica dos corpos parecia ser comum a todos os pares e para ele, Mário, a sensação de prazer crescia de forma galopante, quase incontrolável. Não se importava com os outros, talvez devido à máscara que usava, talvez... sabia lá porquê!
Não se passou muito tempo e logo se deixou levar pela mulher misteriosa que o escolhera, provavelmente tão misteriosa como ele devia ser para ela.
Atravessaram a sala até uma porta que ela abriu. Estavam agora num corredor comprido que ambos percorreram até quase ao fundo. A mulher estacou junto a uma porta e fitou Mário, ainda em silêncio. Pareceu-lhe que estava a fazer um convite e ele não hesitou, aceitando tacitamente. Adivinhava ao que ia. Ou melhor: ao que iam.
Deixou que ela entrasse primeiro.
«O Arquimínio bem me podia ter dito que vínhamos para um bacanal!» pensou.
Não se admirou por terem entrado num quarto. Ela muito menos, certamente.
Pouco depois estavam despidos, frente a frente.
«Vamos continuar a dançar?» perguntou a desconhecida.
«Finalmente podemos falar. Mas não preferes fazer outra coisa?»
Não eram os únicos pares que dançavam ao som de uma música que primava pela ausência. A proximidade erótica dos corpos parecia ser comum a todos os pares e para ele, Mário, a sensação de prazer crescia de forma galopante, quase incontrolável. Não se importava com os outros, talvez devido à máscara que usava, talvez... sabia lá porquê!
Não se passou muito tempo e logo se deixou levar pela mulher misteriosa que o escolhera, provavelmente tão misteriosa como ele devia ser para ela.
Atravessaram a sala até uma porta que ela abriu. Estavam agora num corredor comprido que ambos percorreram até quase ao fundo. A mulher estacou junto a uma porta e fitou Mário, ainda em silêncio. Pareceu-lhe que estava a fazer um convite e ele não hesitou, aceitando tacitamente. Adivinhava ao que ia. Ou melhor: ao que iam.
Deixou que ela entrasse primeiro.
«O Arquimínio bem me podia ter dito que vínhamos para um bacanal!» pensou.
Não se admirou por terem entrado num quarto. Ela muito menos, certamente.
Pouco depois estavam despidos, frente a frente.
«Vamos continuar a dançar?» perguntou a desconhecida.
«Finalmente podemos falar. Mas não preferes fazer outra coisa?»
«Não tenhas pressa.»
«Então, continuemos a dançar. Mas agora é perigoso.»
«Sim. Muito perigoso.» Disse, libertando a mão direita.
«Já percebi.»
Foram as palavras de Mário. Não teve tempo para mais.
Foram as palavras de Mário. Não teve tempo para mais.
A porta do quarto abriu-se de repente e surgiram na frente de Mário e da desconhecida dois indivíduos de forte compleição física.
«Mas...»
Um dos homens dirigiu-se para a companheira e disse-lhe, em voz áspera:
«Segue para o teu destino, cabra!»
Ela olhou para Mário, como que a pedir desculpa, e obedeceu, saindo do quarto tal como Eva veio ao mundo. Mário adivinhou que lhe ia acontecer o mesmo e recuou para o fundo do quarto, tapando as partes genitais.«Não adianta esconderes a gaita, sacana...» Disse um dos homens.
E os dois avançaram para ele, ameaçadores.
«Não estávamos a fazer nada de mal. Ela convidou-me e eu disse que sim.»
«Vamos!»
«Pronto, eu vou. »
Estava disposto a tudo, mas não sabia o que era tudo.
Os dois intrusos agarraram Mário pelos braços e arrastaram-no para fora do quarto. Em poucos segundos entrava no salão onde continuavam em confraternização homens e mulheres, todos escondidos em máscaras que lhes tapavam totalmente os rostos. Olhou em redor mas não conseguiu descobrir, pelo traje, o seu colega. Aliás, nem esperava descobrir. Os homens vestiam todos fatos escuros. Uma forma de não se identificarem. Quanto a ele, parece que pisara o risco. Bem o avisou o amigo, mas foi seduzido por aquela mulher.
Sentia-se só e desamparado. Tinha a certeza que acabara de cair numa armadilha ao acompanhar a mulher para o quarto. Porquê, não sabia. Propriamente eles não eram inimigos. Apenas colegas que não se antagonizavam. Mas parecia que o Arquimínio tinha-o levado para a boca do lobo.
O ruído das vozes extinguiu-se no exato momento em que a presa entrou na sala. Como se tivessem obedecido a uma voz de comando, voltaram-se todos para a porta por onde Mário tinha entrado.
«Avança!» ouviu-se uma voz masculina.
Olhou em frente e teve ainda tempo de descobrir que o cenário estava mudado. Ao fundo, havia uma mesa comprida coberta por um pano vermelho, sem qualquer objeto a ornamentá-la. Na parede viu algo que o intrigou mais do que a mesa.
«Um pentagrama!»
Pior era impossível. Trava-se de um pentagrama invertido, certamente um símbolo satânico muito poderoso.
«Avança!» repetiu a voz.
Teve que avançar. Sentia-se tão aturdido que nem sequer se lembrou de tapar as partes digitais.
Um homem chifrudo, envolto num manto vermelho, com o rosto aparentemente pintado de vermelho, apontou-lhe um dedo acusador.
«Vais pagar cara a tua ousadia!» gritou.
A pequena multidão repetiu a acusação por três vezes e calou-se a um gesto daquele que parecia ser o chefe.
«Para já, tira a máscara, profanador!»
«Mas os outros...»
«Tira! Quero ver se te conheço...»
Claro que não o conhecia.
Uma mulher, também envolta num manto, este de cor negra, aproximou-se da mesa com três velas. Uma branca, outra negra e a última vermelha. Trazia também consigo uma esferográfica e uma folha que lhe pareceu ser de pergaminho. Logo a seguir, outra mulher com vestes iguais trouxe uma taça cheia de vinho tinto, um sino e um prato raso. Finalmente, uma terceira mulher, também com vestes iguais, trouxe uma caveira.
«Um altar satânico!» exclamou. «Mas que faz a caveira? Vai ser feito aqui um sacrifício?»
«Vais ser julgado pela tua ousadia. Este lugar é sagrado. Só entra aqui quem é convidado. Quanto ao sacrifício, logo veremos.»
«Um amigo trouxe-me. Não sabia nada disto...»
Foi então que viu a desconhecida vestida com os trajes de Eva, mas sem a parra.
Jazia no chão, à sua direita, inerte, aparentemente sem vida. Já não tinha máscara.
«É ela quem vai ser sacrificada!» pensou. «E é uma pena. Uma mulher tão bonita...»
«Quem é esse traidor que ainda deve andar escondido por aí? Descobre-o, cabrão, e serás perdoado! E trá-lo à minha presença.»
«Não vou traí-lo.»
«Não? É o que vamos ver, intruso. Obedece a Satã!»
«Onde me fui meter! Isto é satanismo!» pensou, desorientado. «Este fanático chifrudo vai dar cabo de mim...»
Foi empurrado para o meio da multidão silenciosa e começou a procurar o colega. Era o mesmo que descobrir uma agulha num palheiro.
«Não pares, temente a Lúcifer!»
O olhar dirigiu-se para a porta por onde tinha entrado. O que mais desejava naquele momento era fugir por aquela porta. Mas era quase impossível!
«Volta para cá!»
Já estava junto ao altar. As velas, acesas, dispunham-se num triângulo. O prato situava-se no meio do triângulo. Havia um cheiro intenso a incenso.
«Imagino que tens um desejo secreto de alcançares fama e dinheiro. Quanto à mulher que está na tua frente representa o símbolo dos teus desejos carnais. Só espera que chegue o momento que será o último para ela.»
«Mentira! Nunca tive tais pensamentos.»
«Não?» perguntou o chifrudo. «De verdade, não?»
«Foram apenas sonhos. Quem não sonha com a fama e o dinheiro?»
«Não ouses desafiar o poder do Teu Senhor!»
«Não conheço qualquer Senhor. Sou agnóstico.»
«Pois és. Mas não demora que vás servir Satã.»
«Nunca!»
O chifrudo gargalhou.
«Invoca-o e repete três vezes comigo: Renich; Taso; Uberaco; Biaso; Icar; Lúcifer!»
Mário manteve-se calado, mas não conseguiu evitar olhar para a desconhecida que começou a entrar em convulsões. Desconhecia se eram de caráter erótico ou se sentia dores, mas, sem saber porquê, sentiu o desejo a crescer.
«Isto é diabólico!» sussurrou.
Mesmo assim o outro ouviu-o.
«Pois é. Pega no sino e toca-o nove vezes...»
«Porquê nove vezes?» perguntou, tentando ganhar tempo.
«Porque vais repetir nove vezes a homenagem ao teu Senhor. Ela vai sofrer ainda mais se não obedeceres!»
Mário olhou para a mulher desnuda que voltara a ficar inerte.
«Não tenho qualquer Senhor!»
«Vamos! Não podes negar o pacto que desejaste fazer com Lúcifer. Vais ter fama, dinheiro e todas as mulheres que desejares. Mas para alcançares tudo há um preço. Fica a saber que há um preço a pagar.»
«Que preço?»
«Muito simples. Servirás o teu Senhor Lúcifer no Inferno! E voltarás à Terra para O servires sempre que Ele ordenar.»
«Isso é que era bom! E estás a mentir com todos os dentes de que tens. Falaste numa só mulher e agora vens com essa de eu ter todas as mulheres que desejar...»
O chifrudo agarrou Mário pelo pescoço e fê-lo ajoelhar-se.
«Se quiser, esmago-te como se fosses um inseto. Vá, diz o teu nome completo. E depois profere comigo... invoco o teu nome e o teu poder. Oh!, imperador do Inferno... Mestre de todos os espíritos rebeldes... Lúcifer, eu te invoco!»
A situação agudizava-se.
«Mas antes de mais nada vais possuir aquela cabra na frente de todos os tementes a Lúcifer. Queres saber se já foi possuída muitas vezes? Sim, por mil e oitocentos adoradores de Lúcifer.»
«Eu não vou possuir essa desgraçada!»
«Esta puta?» apontou na direção da desconhecida. «Claro que vais. E será a última vez...»
O chifrudo olhou para a mulher desnuda e Mário aproveitou aquele momento de distração para correr, entre a pequena multidão de mascarados, até à porta.
Apanhado de surpresa, o chifrudo vociferou:
«Agarrem-no! O cabrão cometeu mais um sacrilégio!»
Mas já Mário atravessava o corredor em busca das escadas salvadoras. O caminho parecia estar aberto para a salvação.
«Ah!»
Sentiu-se empurrado e, de repente, fez-se escuridão à sua volta.
Entreabriu os olhos, muito a custo. Havia alguém a fitá-lo por entre a neblina. Estava deitado no chão.
Aos poucos a imagem foi-se tornando mais nítida até que viu o rosto avermelhado de um homem, iluminado pelos faróis de um carro.
«Satanás! Não me levas contigo...»
«O quê?»
O homem, que vestia uma farda, olhava para ele com ar de espanto.
«Delira.» Comentou. «O melhor é deitar o desgraçado na maca. E é para já!»
«Não sou um desgraçado. Onde... onde estou?»
Certamente no inferno. Não podia ser noutro sítio porque se sentia em chamas.
«Está calor...»
«Temos homem.»
«O que me aconteceu?»
Estava disposto a tudo, mas não sabia o que era tudo.
Os dois intrusos agarraram Mário pelos braços e arrastaram-no para fora do quarto. Em poucos segundos entrava no salão onde continuavam em confraternização homens e mulheres, todos escondidos em máscaras que lhes tapavam totalmente os rostos. Olhou em redor mas não conseguiu descobrir, pelo traje, o seu colega. Aliás, nem esperava descobrir. Os homens vestiam todos fatos escuros. Uma forma de não se identificarem. Quanto a ele, parece que pisara o risco. Bem o avisou o amigo, mas foi seduzido por aquela mulher.
Sentia-se só e desamparado. Tinha a certeza que acabara de cair numa armadilha ao acompanhar a mulher para o quarto. Porquê, não sabia. Propriamente eles não eram inimigos. Apenas colegas que não se antagonizavam. Mas parecia que o Arquimínio tinha-o levado para a boca do lobo.
O ruído das vozes extinguiu-se no exato momento em que a presa entrou na sala. Como se tivessem obedecido a uma voz de comando, voltaram-se todos para a porta por onde Mário tinha entrado.
«Avança!» ouviu-se uma voz masculina.
Olhou em frente e teve ainda tempo de descobrir que o cenário estava mudado. Ao fundo, havia uma mesa comprida coberta por um pano vermelho, sem qualquer objeto a ornamentá-la. Na parede viu algo que o intrigou mais do que a mesa.
«Um pentagrama!»
Pior era impossível. Trava-se de um pentagrama invertido, certamente um símbolo satânico muito poderoso.
«Avança!» repetiu a voz.
Teve que avançar. Sentia-se tão aturdido que nem sequer se lembrou de tapar as partes digitais.
Um homem chifrudo, envolto num manto vermelho, com o rosto aparentemente pintado de vermelho, apontou-lhe um dedo acusador.
«Vais pagar cara a tua ousadia!» gritou.
A pequena multidão repetiu a acusação por três vezes e calou-se a um gesto daquele que parecia ser o chefe.
«Para já, tira a máscara, profanador!»
«Mas os outros...»
«Tira! Quero ver se te conheço...»
Claro que não o conhecia.
Uma mulher, também envolta num manto, este de cor negra, aproximou-se da mesa com três velas. Uma branca, outra negra e a última vermelha. Trazia também consigo uma esferográfica e uma folha que lhe pareceu ser de pergaminho. Logo a seguir, outra mulher com vestes iguais trouxe uma taça cheia de vinho tinto, um sino e um prato raso. Finalmente, uma terceira mulher, também com vestes iguais, trouxe uma caveira.
«Um altar satânico!» exclamou. «Mas que faz a caveira? Vai ser feito aqui um sacrifício?»
«Vais ser julgado pela tua ousadia. Este lugar é sagrado. Só entra aqui quem é convidado. Quanto ao sacrifício, logo veremos.»
«Um amigo trouxe-me. Não sabia nada disto...»
Foi então que viu a desconhecida vestida com os trajes de Eva, mas sem a parra.
Jazia no chão, à sua direita, inerte, aparentemente sem vida. Já não tinha máscara.
«É ela quem vai ser sacrificada!» pensou. «E é uma pena. Uma mulher tão bonita...»
«Quem é esse traidor que ainda deve andar escondido por aí? Descobre-o, cabrão, e serás perdoado! E trá-lo à minha presença.»
«Não vou traí-lo.»
«Não? É o que vamos ver, intruso. Obedece a Satã!»
«Onde me fui meter! Isto é satanismo!» pensou, desorientado. «Este fanático chifrudo vai dar cabo de mim...»
Foi empurrado para o meio da multidão silenciosa e começou a procurar o colega. Era o mesmo que descobrir uma agulha num palheiro.
«Não pares, temente a Lúcifer!»
O olhar dirigiu-se para a porta por onde tinha entrado. O que mais desejava naquele momento era fugir por aquela porta. Mas era quase impossível!
«Volta para cá!»
Já estava junto ao altar. As velas, acesas, dispunham-se num triângulo. O prato situava-se no meio do triângulo. Havia um cheiro intenso a incenso.
«Imagino que tens um desejo secreto de alcançares fama e dinheiro. Quanto à mulher que está na tua frente representa o símbolo dos teus desejos carnais. Só espera que chegue o momento que será o último para ela.»
«Mentira! Nunca tive tais pensamentos.»
«Não?» perguntou o chifrudo. «De verdade, não?»
«Foram apenas sonhos. Quem não sonha com a fama e o dinheiro?»
«Não ouses desafiar o poder do Teu Senhor!»
«Não conheço qualquer Senhor. Sou agnóstico.»
«Pois és. Mas não demora que vás servir Satã.»
«Nunca!»
O chifrudo gargalhou.
«Invoca-o e repete três vezes comigo: Renich; Taso; Uberaco; Biaso; Icar; Lúcifer!»
Mário manteve-se calado, mas não conseguiu evitar olhar para a desconhecida que começou a entrar em convulsões. Desconhecia se eram de caráter erótico ou se sentia dores, mas, sem saber porquê, sentiu o desejo a crescer.
«Isto é diabólico!» sussurrou.
Mesmo assim o outro ouviu-o.
«Pois é. Pega no sino e toca-o nove vezes...»
«Porquê nove vezes?» perguntou, tentando ganhar tempo.
«Porque vais repetir nove vezes a homenagem ao teu Senhor. Ela vai sofrer ainda mais se não obedeceres!»
Mário olhou para a mulher desnuda que voltara a ficar inerte.
«Não tenho qualquer Senhor!»
«Vamos! Não podes negar o pacto que desejaste fazer com Lúcifer. Vais ter fama, dinheiro e todas as mulheres que desejares. Mas para alcançares tudo há um preço. Fica a saber que há um preço a pagar.»
«Que preço?»
«Muito simples. Servirás o teu Senhor Lúcifer no Inferno! E voltarás à Terra para O servires sempre que Ele ordenar.»
«Isso é que era bom! E estás a mentir com todos os dentes de que tens. Falaste numa só mulher e agora vens com essa de eu ter todas as mulheres que desejar...»
O chifrudo agarrou Mário pelo pescoço e fê-lo ajoelhar-se.
«Se quiser, esmago-te como se fosses um inseto. Vá, diz o teu nome completo. E depois profere comigo... invoco o teu nome e o teu poder. Oh!, imperador do Inferno... Mestre de todos os espíritos rebeldes... Lúcifer, eu te invoco!»
A situação agudizava-se.
«Mas antes de mais nada vais possuir aquela cabra na frente de todos os tementes a Lúcifer. Queres saber se já foi possuída muitas vezes? Sim, por mil e oitocentos adoradores de Lúcifer.»
«Eu não vou possuir essa desgraçada!»
«Esta puta?» apontou na direção da desconhecida. «Claro que vais. E será a última vez...»
O chifrudo olhou para a mulher desnuda e Mário aproveitou aquele momento de distração para correr, entre a pequena multidão de mascarados, até à porta.
Apanhado de surpresa, o chifrudo vociferou:
«Agarrem-no! O cabrão cometeu mais um sacrilégio!»
Mas já Mário atravessava o corredor em busca das escadas salvadoras. O caminho parecia estar aberto para a salvação.
«Ah!»
Sentiu-se empurrado e, de repente, fez-se escuridão à sua volta.
Entreabriu os olhos, muito a custo. Havia alguém a fitá-lo por entre a neblina. Estava deitado no chão.
Aos poucos a imagem foi-se tornando mais nítida até que viu o rosto avermelhado de um homem, iluminado pelos faróis de um carro.
«Satanás! Não me levas contigo...»
«O quê?»
O homem, que vestia uma farda, olhava para ele com ar de espanto.
«Delira.» Comentou. «O melhor é deitar o desgraçado na maca. E é para já!»
«Não sou um desgraçado. Onde... onde estou?»
Certamente no inferno. Não podia ser noutro sítio porque se sentia em chamas.
«Está calor...»
«Temos homem.»
«O que me aconteceu?»
Adivinhar era impossível.
«Tiveram um acidente. O vosso carro chocou com outro no cruzamento. Não se mexa muito...»
«O meu amigo...?»
O homem demorou a responder.
«Lamento.»
«Está muito ferido?»
A expressão do seu rosto disse tudo, mas Mário não acreditou.
«Consegue levantar-se?»
Levantou-se, ajudado pelo outro, e sacudiu as calças com as mãos. Felizmente saíra incólume do acidente.
«Quer que o leve ao hospital? Veja lá...»
«Não, obrigado. Estou bem. Só quero ver o meu amigo.»
«Impossível. Foi levado na ambulância.»
«E?»
«Infelizmente morreu a caminho do hospital...»
«Ah!» reagiu sem mais palavras.
«O senhor teve melhor sorte. O choque foi tremendo. De tal forma que as frentes dos carros ficaram metidas para dentro. Olhe... não quer mesmo que o leve ao hospital?»
«Obrigado. Não preciso. Estou bem.»
«Vá para casa e descanse. Se sentir tonturas ou vómitos vá de imediato ao hospital.»
«Ok. Obrigado por tudo.»
«De nada. É a minha obrigação.»
E afastou-se do local. Antes de tomar um táxi precisava de andar um pouco. Mal não fazia. Era mesmo uma forma de confirmar se tudo nele estava bem.
«Que sorte eu tive!»
Meteu as mãos nos bolsos e deu as primeiras passadas. Precisava de se refazer do susto que teve quando viu o homem fardado debruçado sobre ele. Julgava-se já no inferno.
Mas o que era aquela coisa mole que a mão direita apalpava no interior do bolso das calças?
«Deixa-me ver... Uma máscara?!...»
Tinha a certeza que o Arquimínio deu-lhe a máscara quando começaram a subir os degraus da escada que os levou ao encontro dos admiradores de Lúcifer...
«Tiveram um acidente. O vosso carro chocou com outro no cruzamento. Não se mexa muito...»
«O meu amigo...?»
O homem demorou a responder.
«Lamento.»
«Está muito ferido?»
A expressão do seu rosto disse tudo, mas Mário não acreditou.
«Consegue levantar-se?»
Levantou-se, ajudado pelo outro, e sacudiu as calças com as mãos. Felizmente saíra incólume do acidente.
«Quer que o leve ao hospital? Veja lá...»
«Não, obrigado. Estou bem. Só quero ver o meu amigo.»
«Impossível. Foi levado na ambulância.»
«E?»
«Infelizmente morreu a caminho do hospital...»
«Ah!» reagiu sem mais palavras.
«O senhor teve melhor sorte. O choque foi tremendo. De tal forma que as frentes dos carros ficaram metidas para dentro. Olhe... não quer mesmo que o leve ao hospital?»
«Obrigado. Não preciso. Estou bem.»
«Vá para casa e descanse. Se sentir tonturas ou vómitos vá de imediato ao hospital.»
«Ok. Obrigado por tudo.»
«De nada. É a minha obrigação.»
E afastou-se do local. Antes de tomar um táxi precisava de andar um pouco. Mal não fazia. Era mesmo uma forma de confirmar se tudo nele estava bem.
«Que sorte eu tive!»
Meteu as mãos nos bolsos e deu as primeiras passadas. Precisava de se refazer do susto que teve quando viu o homem fardado debruçado sobre ele. Julgava-se já no inferno.
Mas o que era aquela coisa mole que a mão direita apalpava no interior do bolso das calças?
«Deixa-me ver... Uma máscara?!...»
Tinha a certeza que o Arquimínio deu-lhe a máscara quando começaram a subir os degraus da escada que os levou ao encontro dos admiradores de Lúcifer...




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