Pode ter-se como certo que a boa sorte nem sempre sorri aos audaciosos. E provo esta afirmação de uma forma muito simples, sem precisar de saber quem são os audaciosos sortudos e quem não são. Basta pensar num acontecimento como aquele em que se lança um dado não viciado. A probabilidade de ser mostrada uma das seis faces é a mesma, embora em poucos lançamentos possa surgir com mais frequência o cinco, por exemplo. Puro engano. Continuando os lançamentos, as frequências vão-se aproximando à medida que esses prosseguem e o cinco não é exceção.
Na vida real, quando o aventureiro passa na sua caminhada por diversos e imprevistos cruzamentos, onde estão patentes casos que obrigam a decisões no momento, sem saber o que vai acontecer num futuro próximo ou longínquo, isto, em qualquer futuro, ele sente-se protegido, continua a arriscar e a sair-se airosamente decisão após decisão. Até um dia em que atravessa a dead line, uma linha que, uma vez atravessada, não dá hipótese de retorno. Está feito e não se pode desfazer. O terreno pantanoso não era propício e ele sabia disso. Mas arriscou. Como em muitas outras ocasiões. Arriscou e foi vencido. Por isso se diz que passou para lá da dead line, ou linha vermelha. Deixa de haver progressão e a hipótese de retorno é nula. O ser audacioso, rotulado de vencedor e digno de ter cem por cento de credibilidade, quase a tender para o imortal, vê-se agora numa situação ambígua. Sente que já não é ele porque atravessou a tal linha vermelha. Por outro lado, o outro eu, que não conseguia tirar a mordaça por estar a ser constantemente vigiado pelo seu censor, também não pode inverter a situação provocada por uma decisão mais audaz com variantes de acontecimentos improváveis. Quanto a chamar à ribalta o eu esbatido ou isso de eu é manobra impossível de fazer. Não consta que um ser do outro mundo volte a este com todas as prerrogativas de ser não material e agir como se o fosse.
A boa sorte, que simplifico a partir deste para sorte, a sorrir sempre aos audaciosos é uma máxima que não subscrevo. Um dia tudo muda.
Foi o que aconteceu a Albert. Um aventureiro bafejado pela sorte que não contou com a probabilidade de, um dia, a mesma vir a mudar. Era suposto atravessar com frequência a dead line e ter sempre garantido o retorno. Tal não aconteceu uma vez.
Mas vejamos a história de Albert, não sem antes ser deixada advertência que qualquer coincidência com a realidade é pura fantasia, obra da imaginação de quem ma contou, a mim, Mário Fonseca, contador de histórias...
Na vida real, quando o aventureiro passa na sua caminhada por diversos e imprevistos cruzamentos, onde estão patentes casos que obrigam a decisões no momento, sem saber o que vai acontecer num futuro próximo ou longínquo, isto, em qualquer futuro, ele sente-se protegido, continua a arriscar e a sair-se airosamente decisão após decisão. Até um dia em que atravessa a dead line, uma linha que, uma vez atravessada, não dá hipótese de retorno. Está feito e não se pode desfazer. O terreno pantanoso não era propício e ele sabia disso. Mas arriscou. Como em muitas outras ocasiões. Arriscou e foi vencido. Por isso se diz que passou para lá da dead line, ou linha vermelha. Deixa de haver progressão e a hipótese de retorno é nula. O ser audacioso, rotulado de vencedor e digno de ter cem por cento de credibilidade, quase a tender para o imortal, vê-se agora numa situação ambígua. Sente que já não é ele porque atravessou a tal linha vermelha. Por outro lado, o outro eu, que não conseguia tirar a mordaça por estar a ser constantemente vigiado pelo seu censor, também não pode inverter a situação provocada por uma decisão mais audaz com variantes de acontecimentos improváveis. Quanto a chamar à ribalta o eu esbatido ou isso de eu é manobra impossível de fazer. Não consta que um ser do outro mundo volte a este com todas as prerrogativas de ser não material e agir como se o fosse.
A boa sorte, que simplifico a partir deste para sorte, a sorrir sempre aos audaciosos é uma máxima que não subscrevo. Um dia tudo muda.
Foi o que aconteceu a Albert. Um aventureiro bafejado pela sorte que não contou com a probabilidade de, um dia, a mesma vir a mudar. Era suposto atravessar com frequência a dead line e ter sempre garantido o retorno. Tal não aconteceu uma vez.
Mas vejamos a história de Albert, não sem antes ser deixada advertência que qualquer coincidência com a realidade é pura fantasia, obra da imaginação de quem ma contou, a mim, Mário Fonseca, contador de histórias...
Albert, quando atingiu a maioridade, herdou de um familiar uma importante coleção de selos austríacos e portugueses. O problema é que não era filatelista, mas esse contratempo foi salvaguardado no papel.
Condição primeira e única: um juramento solitário perante o jazigo do familiar em que prometia nunca se desfazer de parte ou do total da referida coleção, fosse qual fosse o motivo. Tudo escrito preto no branco. Acaso o herdeiro prevaricasse ser-lhe-ia retirada pelo "divino" a parte restante da coleção, caso não vendesse tudo, bem como o valor da venda. Em anexo aos álbuns da coleção figurava uma lista quase interminável dos selos que faziam parte da mesma e que serviria para futuro controle. Mas, caso curioso, não estava indicado no testamento o nome da pessoa que teria a cargo a nobre missão de verificar se Albert cumpria ou não o juramento.
Não entendia aquela do "divino". Mas o melhor era fazer o juramento. Depois, logo se via.
E assim um fez dias depois. O juramento foi feito a preceito junto ao jazigo. Ou melhor, parte do juramento porque, entretanto, tinha ouvido uma restolhada vinda do interior do jazigo quando mencionara, em tom pouco sério, o nome do familiar benemérito. Porque anoitecia e as coisas podiam complicar-se resolveu "dar às de vila-diogo".
Não tinha dado meia dúzia de passadas apressadas e já tropeçava num pedra bicuda que sobressaía do piso térreo.
«Porra para o velho!» exclamou, exaltado, sem encontrar, no entanto, um motivo suficiente para voltar atrás e completar o juramento.
E dormiu sobre o esquecimento.
Ora o nosso Albert, pessoa inteligente e conhecedora dos segredos básicos da filatelia devido a vários encontros que fizera com o familiar e os selos, ansioso por conhecer o real valor que tinha entre mãos, agarrou em si e começou a pôr mãos à obra. Como era lógico, começou por adquirir um catálogo do Yvert. Depois pôs-se a fazer contas à coleção e à vida, chegando à conclusão que era uma boa ideia vender os selos e empatar o capital num qualquer negócio mais rendível.
«E aquilo do "divino"?» pensou, preocupado.
E se bem ou mal o pensou, não desistiu da ideia. Que se lixasse.
Mas não estava a infringir a tal condição primeira e única?
Por outro lado, quem o podia controlar?
E decidiu vender a coleção.
Decidiu, mas não a vendeu. Foi um golpe de sorte e tanto. Quis o acaso que, no momento em que entrou numa loja filatélica sediada algures na Baixa de Lisboa, o Cupido decidisse trespassá-lo com uma das suas setas apropriadas para inocularem o elixir do amor. Simplesmente… amor. A causa da não venda dos selos e do adormecimento do tal "divino".
Resumindo, foi atendido por uma jovem, filha do dono. Palavra puxa palavra, dia seguido a dia, casaram-se e a loja teve mais um empregado a atender ao balcão. Diga-se que nessa época havia um potencial de filatelistas jovens que prometia um futuro risonho para o negócio e um empregado a mais em nada comprometia o equilíbrio orçamental da loja. Até porque aquele jovem, um filatelista promissor, além de ter-se apaixonado pela filha do lojista, apaixonou-se também pela filatelia. Digamos, uma paixão que foi crescendo com o desenrolar do fio do tempo e que, rapidamente, ficou ao nível da outra. Mas a história com a tal outra é marginal.
Entretanto o sogro morreu de um enfarte fulminante, ou de uma queda, por exemplo, escada abaixo, e ele ficou à testa do negócio. Morreu, está dito.
Nessa altura já era um especialista de renome no que dizia respeito aos clássicos originais, cunhos, ensaios e provas, culminando nas reimpressões. Por motivos não investigados a sua coleção aumentou substancialmente, atingindo um valor considerável para a época, valor esse que não parou de crescer. Na realidade do seu conhecimento profundo do milieu, ao dedicar-se à expertização dos selos encontrou a sua galinha dos ovos de ouro. Ao mesmo tempo, entusiasmado com a descoberta da autenticidade das peças da filatelia que chegavam às suas mãos, não voltara a pensar desfazer-se da coleção. Aliás, a mesma valorizou-se substancialmente.
Uma moeda tem duas faces e o mesmo acontece com um selo. Não podem existir uma sem a outra. Mas se entrarmos no campo das metáforas a realidade diz-nos que ou estamos numa face ou noutra.
Foi o que aconteceu a Albert. Um dia apareceu a grande oportunidade de utilizar a seu favor o lado obscuro do real conhecimento da expertização quando um vendedor potencial lhe entrou pela porta com um selo novo de cem réis de D. Maria com vestígios nítidos de goma e umas margens de luxo. Não precisou de muito tempo para verificar a autenticidade daquele selo lilás.
«Belo selo, meu amigo. Parabéns.»
«Obrigado. É valioso, não é?»
«Mas deixe-me ver melhor…»
«Algum defeito?» perguntou o cliente, algo alarmado.
«Não.»
«Ah... por momentos fiquei em estado de choque.»
Ter resolvido com êxito alguns casos que mereceram dúvidas aos peritos seus concorrentes, deu-lhe prestígio e respeito. Nada a apontar quanto à sua idoneidade profissional.
«O selo está perfeito.»
«Já me disse.»
«Mas há um problema.»
«Então o que é?»
«Trata-se de uma reimpressão de 1928. Repare como o papel é fino e branco… Mas não deixa de ser belo.»
Uma moeda tem duas faces e o mesmo acontece com um selo. Não podem existir uma sem a outra. Mas se entrarmos no campo das metáforas a realidade diz-nos que ou estamos numa face ou noutra.
Foi o que aconteceu a Albert. Um dia apareceu a grande oportunidade de utilizar a seu favor o lado obscuro do real conhecimento da expertização quando um vendedor potencial lhe entrou pela porta com um selo novo de cem réis de D. Maria com vestígios nítidos de goma e umas margens de luxo. Não precisou de muito tempo para verificar a autenticidade daquele selo lilás.
«Belo selo, meu amigo. Parabéns.»
«Obrigado. É valioso, não é?»
«Mas deixe-me ver melhor…»
«Algum defeito?» perguntou o cliente, algo alarmado.
«Não.»
«Ah... por momentos fiquei em estado de choque.»
Ter resolvido com êxito alguns casos que mereceram dúvidas aos peritos seus concorrentes, deu-lhe prestígio e respeito. Nada a apontar quanto à sua idoneidade profissional.
«O selo está perfeito.»
«Já me disse.»
«Mas há um problema.»
«Então o que é?»
«Trata-se de uma reimpressão de 1928. Repare como o papel é fino e branco… Mas não deixa de ser belo.»
«Percebo pouco de selos. Disseram-me que podia confiar no senhor…»
«E quem lhe disse não mentiu.»
«Ah!»
Coçou a cabeça. Por momentos sentiu-se indeciso, o que equivaleu a dar um passo à retaguarda. Mas logo se recompôs e avançou.
«Lamento. Como hei de dizer-lhe? Pronto, tenho que dizer. É a reimpressão mais valiosa, mas os selos saem muito desvalorizados quando não são originais. Ou vende por um preço mais baixo, ou desiste de vender…»
O cliente demorou a responder.
«Quanto?»
«Muito menos do que se fosse um selo original.»
«Não pode ser verdade o que me está a dizer!»
«Já falou com mais alguém entendido a respeito do selo?»
Acenou negativamente com a cabeça.
«Então, ou vende, ou fica com ele, ou fala com outro perito para confrontar o seu parecer com o meu.»
A faceta de jogador audacioso estava a preparar um bluff perfeito, inatacável, tendo à partida conhecimento que o vendedor não ia repicar (linguagem de bluff).
«Se é assim, então que hei de fazer?»
«A reimpressão em si é de luxo. Tenho quem lhe dê um pouco mais do que o que marca o catálogo.»
«Seja.»
Um golpe de mestre que lhe trouxe um alto benefício porque o selo era original. A atividade do lado negro dos seus dons de perito em selos clássicos não ia parar. Assim, seguiu-se uma quadra de cinco réis novos de D. Pedro V, quanto a ele mais raros que os de D. Maria de cem réis.
Nem queria acreditar na peça filatélica que tinha na frente!
E foi continuando com as suas avaliações fraudulentas.
Mas na vida de cada um há sempre um "mas". Neste caso não chamando à coação as engrenagens implacáveis do tempo, mas simplesmente uma frase de efeitos terríveis. Em cinco palavras, "o prazer que me dá"!
Então qual era o problema?
Muito simples e relacionada com o prazer. Começou a fazer uma vida faustosa, de exigências crescentes, e a balança pendeu perigosamente para o lado da despesa. Mais. Cada vez mais. Imparável no seu gosto pelo bem viver. Imparável também nas deambulações ao sabor do lado negro do seu caráter, agora aguçado pela necessidade de compensar o exagero da despesa.
«E quem lhe disse não mentiu.»
«Ah!»
Coçou a cabeça. Por momentos sentiu-se indeciso, o que equivaleu a dar um passo à retaguarda. Mas logo se recompôs e avançou.
«Lamento. Como hei de dizer-lhe? Pronto, tenho que dizer. É a reimpressão mais valiosa, mas os selos saem muito desvalorizados quando não são originais. Ou vende por um preço mais baixo, ou desiste de vender…»
O cliente demorou a responder.
«Quanto?»
«Muito menos do que se fosse um selo original.»
«Não pode ser verdade o que me está a dizer!»
«Já falou com mais alguém entendido a respeito do selo?»
Acenou negativamente com a cabeça.
«Então, ou vende, ou fica com ele, ou fala com outro perito para confrontar o seu parecer com o meu.»
A faceta de jogador audacioso estava a preparar um bluff perfeito, inatacável, tendo à partida conhecimento que o vendedor não ia repicar (linguagem de bluff).
«Se é assim, então que hei de fazer?»
«A reimpressão em si é de luxo. Tenho quem lhe dê um pouco mais do que o que marca o catálogo.»
«Seja.»
Um golpe de mestre que lhe trouxe um alto benefício porque o selo era original. A atividade do lado negro dos seus dons de perito em selos clássicos não ia parar. Assim, seguiu-se uma quadra de cinco réis novos de D. Pedro V, quanto a ele mais raros que os de D. Maria de cem réis.
Nem queria acreditar na peça filatélica que tinha na frente!
E foi continuando com as suas avaliações fraudulentas.
Mas na vida de cada um há sempre um "mas". Neste caso não chamando à coação as engrenagens implacáveis do tempo, mas simplesmente uma frase de efeitos terríveis. Em cinco palavras, "o prazer que me dá"!
Então qual era o problema?
Muito simples e relacionada com o prazer. Começou a fazer uma vida faustosa, de exigências crescentes, e a balança pendeu perigosamente para o lado da despesa. Mais. Cada vez mais. Imparável no seu gosto pelo bem viver. Imparável também nas deambulações ao sabor do lado negro do seu caráter, agora aguçado pela necessidade de compensar o exagero da despesa.
Naquela manhã chegou à loja uns minutos depois das nove. O empregado responsável na sua ausência já tinha aberto a porta e cumprimentou-o, sorridente.
«Bom dia, senhor Albert.»
«Olá... bom dia, Pedro.»
Desconhecia o motivo, mas sentia-se diferente nessa manhã. Não era sexta-feira treze nem vira pelo caminho um gato preto. Tinha a certeza.
«Está um cliente à sua espera no gabinete.»
«Tão cedo?»
«É verdade, senhor Albert» confirmou. «Deve estar aflito com algumas contas.»
«Também eu.» Pensou.
Já no gabinete, depois das habituais apresentações e do cliente lhe apresentar as peças filatélicas, concentrou-se no seu estudo, demorando mais do que o costume.
«Que se passa, Albert?» pensou. «Vai tudo correr bem…»
Tratava-se de um selo novo de cinquenta réis de D. Maria e de uma folha de dois réis e meio dos "Jornaes". O denteado dos selos era 11 3/4 X 12, papel liso.
«Muito me conta, senhor Albert. Uma reimpressão e os selos da folha são de papel porcelana…»
«Mas as gomas são genuínas.»
«Ah sim? As gomas. A sua peritagem foi perfeita. Ou não?»
O cliente levantou-se e tirou um cartão que apresentou a Albert. Depois saiu, sem dizer mais uma palavra. Levando consigo os selos, claro.
Ficou a pensar, preocupado. O nome do cliente dizia-lhe qualquer coisa. Abriu uma gaveta da secretária e pôs-se logo a rebuscar no seu caderno de notas. Até que se deteve numa página e ficou mais sério do que estava.
«Pedro!», chamou.
O empregado apareceu de imediato à porta.
«Chamou, senhor Albert?»
«Aquele cliente já saiu?»
«E levava fogo no… Bom, ia com muita pressa.»
Não passou muito tempo que o negócio começasse a piorar e Albert sabia porquê. Aquela manhã, que por acaso não fora sexta-feira treze, marcou o princípio do fim da sorte para o negócio que sempre bafejara o conceituado perito e vendedor filatélico. A "galinha dos ovos de ouro" deixara de os pôr. As suas peritagens fraudulentas passaram a ser quase inexistentes, simplesmente porque já poucos cliente lhe batiam à porta. À beira da falência, teve de recorrer às reservas. Depois, foi a vez da querida coleção começar a ser desmantelada, série atrás de série, sem hipótese de retorno. Até o selo de D. Maria e a quadra valiosa dos cinco réis de D. Pedro V foram levadas pela voragem das dívidas. Tudo.
Sem dar conta, o tal "divino" estava a tramar-lhe a vida. Uma dívida acumulada ia-lhe tirando noites após noites de sono. E os principais credores, dois irmãos que considerava mafiosos, não eram para graças. Tinha três dias para pagar a dívida.
«Três dias, Albert!»
Mas como ia dar a volta desta vez?
A mulher e os dois empregados deram pela mudança no humor. A falta de sono tornava-o irascível. Já não conseguia disfarçar.
«Passa-se alguma coisa, Albert?»
«Nada nada. Está tudo bem. Olha, hoje vamos almoçar ao Tavares Rico. Os quatro.»
Entretanto foi ter com ele aquilo que lhe pareceu ser uma tábua de salvação. Tinha em mãos um negócio importante que não metia desta vez os malditos selos da sua perdição. Ia receber em breve o secretário de um príncipe do leste que trazia joias valiosas para vender e pensava tirar uma comissão que lhe permitia pagar uma parte substancial da dívida.
O príncipe atravessava na altura dificuldades de tesouraria. Era natural que tivesse mais joias e assim talvez ele, Albert, pudesse pagar o resto da dívida.
Aparentando boa disposição, descia a rua do Carmo. Não era caso para menos. As joias tinham rendido bom dinheiro e a comissão que tirava daí ia libertá-lo de preocupações por alguns dias.
«Olha quem vem aqui!»
Sentiu que lhe barravam o caminho.
«Posso pagar agora uma parte…»
«Os chefes querem tudo de uma vez. Não cumpriste o prazo...»
«Só peço mais um semana para pagar o resto.»
«Não estás a falar a sério, pois não? Se não pagares tudo até logo à noite nem sabes o sarilho em que te vais meter.»
A boa disposição de Albert tinha desaparecido no tempo de uma nuvem de fumo de tabaco se desfazer.
«Então?»
Pensou nas joias. O dinheiro que tinha no envelope ultrapassava ligeiramente a dívida. E depois, logo se via.
«Bom...»
«Sim, Albert?»
«Por acaso trago aqui o dinheiro de uma venda que acabei há pouco de fazer. E até sobra.» Informou, retirando o envelope do bolso do casaco e entregando, ato contínuo, a um dos homens que o tinham intersetado.
Mas como ia dar a volta desta vez?
A mulher e os dois empregados deram pela mudança no humor. A falta de sono tornava-o irascível. Já não conseguia disfarçar.
«Passa-se alguma coisa, Albert?»
«Nada nada. Está tudo bem. Olha, hoje vamos almoçar ao Tavares Rico. Os quatro.»
Entretanto foi ter com ele aquilo que lhe pareceu ser uma tábua de salvação. Tinha em mãos um negócio importante que não metia desta vez os malditos selos da sua perdição. Ia receber em breve o secretário de um príncipe do leste que trazia joias valiosas para vender e pensava tirar uma comissão que lhe permitia pagar uma parte substancial da dívida.
O príncipe atravessava na altura dificuldades de tesouraria. Era natural que tivesse mais joias e assim talvez ele, Albert, pudesse pagar o resto da dívida.
Aparentando boa disposição, descia a rua do Carmo. Não era caso para menos. As joias tinham rendido bom dinheiro e a comissão que tirava daí ia libertá-lo de preocupações por alguns dias.
«Olha quem vem aqui!»
Sentiu que lhe barravam o caminho.
«Posso pagar agora uma parte…»
«Os chefes querem tudo de uma vez. Não cumpriste o prazo...»
«Só peço mais um semana para pagar o resto.»
«Não estás a falar a sério, pois não? Se não pagares tudo até logo à noite nem sabes o sarilho em que te vais meter.»
A boa disposição de Albert tinha desaparecido no tempo de uma nuvem de fumo de tabaco se desfazer.
«Então?»
Pensou nas joias. O dinheiro que tinha no envelope ultrapassava ligeiramente a dívida. E depois, logo se via.
«Bom...»
«Sim, Albert?»
«Por acaso trago aqui o dinheiro de uma venda que acabei há pouco de fazer. E até sobra.» Informou, retirando o envelope do bolso do casaco e entregando, ato contínuo, a um dos homens que o tinham intersetado.
«Afinal sempre havia dinheiro...»
«Conta, Alfredo. Ele diz que deve sobrar. Vamos a ver se fala verdade.»
Em silêncio, o Alfredo pôs-se a contar o dinheiro.
«Tens razão. Sobram cinco contos. Pega neles, palerma. Desta vez safaste-te. E queres um conselho?»
«Diz, Alfredo?»
«Não podes continuar a viver à grande e à francesa. Ganha juízo nessa tola. Agora vai em paz.»
Pouco depois estava no Rossio. Sem as joias do príncipe e sem o dinheiro da venda das mesmas. Tinha que arranjar uma maneira de sair daquela encrenca.
«Que vou dizer ao Dimitri daqui a dois dias?» pensou.
Chegou-se a hora do almoço. A mulher e os empregados aguardaram por ordens. Em questões de horários ele não se atrasava nem adiantava.
«Albert, são horas do almoço.»
«Ah sim. Vão andando que ainda tenho umas coisas para fazer.»
«Mas...» Argumentou a mulher.
«E aliás ainda não tenho apetite. Logo à tardinha chega o Dimitri e preciso de me preparar.»
«Ainda não vendeste as joias, Albert?»
«É isso. As joias. Estou a ultimar a venda. Vão andando. Eu fecho a loja.»
Em silêncio, o Alfredo pôs-se a contar o dinheiro.
«Tens razão. Sobram cinco contos. Pega neles, palerma. Desta vez safaste-te. E queres um conselho?»
«Diz, Alfredo?»
«Não podes continuar a viver à grande e à francesa. Ganha juízo nessa tola. Agora vai em paz.»
Pouco depois estava no Rossio. Sem as joias do príncipe e sem o dinheiro da venda das mesmas. Tinha que arranjar uma maneira de sair daquela encrenca.
«Que vou dizer ao Dimitri daqui a dois dias?» pensou.
Chegou-se a hora do almoço. A mulher e os empregados aguardaram por ordens. Em questões de horários ele não se atrasava nem adiantava.
«Albert, são horas do almoço.»
«Ah sim. Vão andando que ainda tenho umas coisas para fazer.»
«Mas...» Argumentou a mulher.
«E aliás ainda não tenho apetite. Logo à tardinha chega o Dimitri e preciso de me preparar.»
«Ainda não vendeste as joias, Albert?»
«É isso. As joias. Estou a ultimar a venda. Vão andando. Eu fecho a loja.»
Mal saíram levantou-se da secretária e dirigiu-se ao armário situado atrás e ao canto da sala. Por momentos deixou-se ficar estático, como se tentasse lembrar-se de qualquer coisa. De seguida, procurou a chave do armário num dos bolsos das calças.
Foi então que se lembrou do juramento que não chegou ao fim e da história daquele tal "divino" que, afinal, sempre era verdade que trazia água no bico e da pesada. Nunca devia ter vendido os selos que o tio lhe deixou. A opção era ter vivido, a partir do momento em que o prazer que lhe dava bem vestir, bem comer e beber e outros, como pagar despesas à roda de amigos que o acompanhavam, como sanguessugas, nas libações que conduziam normalmente a bacanais, dentro de parâmetros razoáveis, consentâneos com as suas possibilidades financeiras. E afinal de contas, o que sentia pelos selos não era amor, mas sim uma paixão, daquelas que se assemelhavam a nuvens passageiras que se esqueciam depois de terem passado. Por outro lado, não tinha culpa que os conhecimentos que os ditos selos lhe tinham trazido fossem aplicados em prol do lado negro do negócio, dando alimento a uma espiral incontrolada de despesismo, muito acima das suas possibilidades. Era como se fosse uma droga. Pior ainda. Uma vez que o agarrasse nunca mais o largava. Não era. Foi mesmo.
Mas para tudo havia sempre uma solução. Boa ou má, ela aparecia. Tinha a certeza.
Com a chave, que acabava de tirar do bolso das calças, abriu o armário e retirou de lá uma corda comprida, razoavelmente grossa.
Logo de seguida, ele e a corda entraram na casa de banho. Mesmo estando sozinho na loja filatélica não se esqueceu de fechar a porta. O fio do seu tempo acabava ali, na solidão daquela casa de banho.
Foi então que se lembrou do juramento que não chegou ao fim e da história daquele tal "divino" que, afinal, sempre era verdade que trazia água no bico e da pesada. Nunca devia ter vendido os selos que o tio lhe deixou. A opção era ter vivido, a partir do momento em que o prazer que lhe dava bem vestir, bem comer e beber e outros, como pagar despesas à roda de amigos que o acompanhavam, como sanguessugas, nas libações que conduziam normalmente a bacanais, dentro de parâmetros razoáveis, consentâneos com as suas possibilidades financeiras. E afinal de contas, o que sentia pelos selos não era amor, mas sim uma paixão, daquelas que se assemelhavam a nuvens passageiras que se esqueciam depois de terem passado. Por outro lado, não tinha culpa que os conhecimentos que os ditos selos lhe tinham trazido fossem aplicados em prol do lado negro do negócio, dando alimento a uma espiral incontrolada de despesismo, muito acima das suas possibilidades. Era como se fosse uma droga. Pior ainda. Uma vez que o agarrasse nunca mais o largava. Não era. Foi mesmo.
Mas para tudo havia sempre uma solução. Boa ou má, ela aparecia. Tinha a certeza.
Com a chave, que acabava de tirar do bolso das calças, abriu o armário e retirou de lá uma corda comprida, razoavelmente grossa.
Logo de seguida, ele e a corda entraram na casa de banho. Mesmo estando sozinho na loja filatélica não se esqueceu de fechar a porta. O fio do seu tempo acabava ali, na solidão daquela casa de banho.

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