Hoje está uma noite morna. Convida a uma caminhada ao acaso. Assim posso refletir melhor. Preciso de arrumar as ideias. Desta vez não espero a onda na praia dos desencontros, onde os sonhos começam e acabam, sem solução de continuidade. Não há ausência. Existes tu. A minha onda que ainda está para lá da linha do horizonte.
De repente acontece, como que por magia. O céu da noite foi aquecido pelo riscar efémero de uma estrela cadente. E logo o desejo nasceu. E logo se realizou.
Mas que desejo?
Mistério! Desde o nascer do dia, os meus pensamentos filtram (porque não, bloqueiam?) tudo e todos que não sejam um simples nome, um olhar, uma “emoção” gravada na tela, traduzida num rosto corado de vergonha por uma frase vulgar.
E que mistério é este?, que magia que não me deixa pensar?
É muito estranha a vida no dia a dia. De repente, tudo muda e o outro que não eu mas eu descobre na tela dos corações caídos o nascimento de uma amizade, quiçá paixão. Então o olhar perde-se virtualmente nas distâncias que o mar esconde, galga milhares de quilómetros até que chega ao seu destino.
Aconteceu ontem. O feitiço germinou em meia dúzia de frases trocadas. Frases banais que provocaram uma estranha cumplicidade. Aconteceu ainda ontem e já me sinto vazio. Ausente. Racionalmente não devia ser assim. Não posso ser eu, nem tão pouco o Mário com a sua descontração habitual que estou sempre a sublimar. O mesmo Mário que conquistou a Maria e que depois deixou-a partir, cabelos soltos ao vento, e pediu-lhe para nunca olhar para trás, ao mesmo tempo que insistia para sonhar todos os dias com ele.
Agora há um vazio que nos separa. A mim e ao Mário. Para ele nunca houve noites estreladas, nem precisou de esperar pela onda que não vem. Consegue tudo o que deseja. Sim, se desejar tem o mundo a seus pés. O dinheiro. O amor. O dom de adivinhar. De vencer. De saber perder. De perdoar e castigar. De destruir. E, principalmente, de acertar no cavalo certo e saber perder o cavalo errado. Não. Não sou só eu a pensar em ti e a desejar-te, a amar-te (meu estranho amor!) e a ver-te como te vi ontem:
«Você é linda!»
O outro que não eu mas eu saiu à rua nesta noite morna de abril e abraçou tudo o que os seus olhos viram e não viram porque estavam sempre a ver-te. A própria lua, envergonhada no seu insignificante quarto crescente, e mais abaixo no firmamento, talvez vénus (que me perdoem os astrónomos a ignorância), quando contemplados nas suas distâncias proibidas à minha qualidade de simples mortal, “diziam”:
«Simone... Simone!»
Mas quem era ela?
Uma pergunta a reter.
Não me sai da memória o teu olhar sedutor, a tua boca apetecível, o teu corpo desnudo e abandonado, aquela frase que nunca explicaste:«Achei que me conhecia há uma semana.»
Tudo em ti parecia ser meu, como se te conhecesse há muito e este estranho amor viesse de sempre.
Sei que é loucura. Só nos conhecemos pelas palavras que temos vindo a trocar na tela dos corações caídos, embora esteja em vantagem porque já ouvi a tua voz e creio que foi ela que me aproximou fatalmente de ti. E depois, ver-te corar de vergonha, uma mulher como tu, que já viveste o suficiente e ouviste mais do que o suficiente para não corares.
Ah!, se pudesse estar agora contigo, à beira-mar, ouvindo o ruído das ondas e vê-las espraiarem-se, a beijarem as areias douradas! E se pudéssemos estar muito juntos, colados como um só, eternamente invisíveis, esperando sem pressa pela onda que há de vir para assistir ao orgasmo final...
Mas não. Perco tudo o que ganho. Alguém anda sempre a brincar comigo e a dar-me hoje com uma mão para roubar amanhã com a outra. Alguém que tem muitas mãos e que me dá a força de vencer e a fraqueza de perder. Que me encanta, me atrai, me faz feliz, que me desencanta e entristece.
Quem me dera ter o dom de adivinhar se existe, algures, uma ponte para nos conduzir ao encontro um do outro, ou tudo não é senão uma nuvem passageira.
Só tu sabes se vou perder-te, ou se continuarás por muito tempo na minha órbita do acontecer…
Simone diz na tela dos corações caídos:
«Andaaa… Fala.»
«Falo e depois todo o mundo vai fugir de mim.»
«Não, não vai. Fale. Por favor.»
«Sim? Desculpa. Queres conhecer-me?»
A mulher que dominava a "sala dos descasados" queria conhecer-me. Pouco lógico. Mas tudo bem.
«Sim.»
«Primeiro trocamos frases. Depois, falamos. Tá?»
«Primeiro vejo você na cam. Oiço a sua voz e depois teclamos.»
:D (sorriso aberto)
«Não tenho cam.»
:-/ (confuso)
«Sou feio. Mudo. Atropelo! São três horas da manhã. Volto amanhã.»
Fiquei conhecido numa das "salas dos descasados" como "o atropelador". Parece que interferi numa conversa, o que foi censurado pelo "atropelado". Pedi desculpa e despedi-me. Mas apareceram logo defensoras e fiquei. O próprio "atropelado" fez questão que ficasse. A Simone estava na sala. Foi a primeira vez que senti a sua presença, embora a seguisse há uns tempos com atenção especial.
Foi este o nosso primeiro diálogo. Tinha acabado de chegar de uma noitada e sentia-me cansado. O sono já começava a apertar. Como não vislumbrava grandes hipóteses dum diálogo minimamente interessante àquela hora, decidi ir dormir.
Estranhamente começava a sentir uma certa atração por ela, embora reconhecesse que era ilógico. Talvez fosse o tom de voz. Talvez devido à influência de um comentário doutra mulher presente na "sala dos descasados", que, a certa altura, afirmou que ela liderava a sala. Não concordei de todo em todo ao adivinhar alguns pontos de fraqueza ocultos. Depois, a sua atração pelo vodka, que não escondia dos presentes na sala. As próprias amigas gozavam com ela e referiam-se, com
frequência, à sua bebida predileta.
A partir do dia seguinte...
«Posso fazer-lhe perguntas?»
«Sim. Primeiro eu: qual sua idade, amigo?»
Ocasião ideal para ficar offline.
«Caí, mas já voltei. Penso que estás na minha lista de pessoas amigas.»
«Você é linda!»
(Acabei de ver a sua fotografia...)
«Joga mesmo póquer, conforme diz?» perguntei, incrédulo.
«Sim. Profissional. Mas não conte a ninguém da sala! Nem à cobra...»
Estranhamente começava a sentir uma certa atração por ela, embora reconhecesse que era ilógico. Talvez fosse o tom de voz. Talvez devido à influência de um comentário doutra mulher presente na "sala dos descasados", que, a certa altura, afirmou que ela liderava a sala. Não concordei de todo em todo ao adivinhar alguns pontos de fraqueza ocultos. Depois, a sua atração pelo vodka, que não escondia dos presentes na sala. As próprias amigas gozavam com ela e referiam-se, com
frequência, à sua bebida predileta.
A partir do dia seguinte...
«Posso fazer-lhe perguntas?»
«Sim. Primeiro eu: qual sua idade, amigo?»
Ocasião ideal para ficar offline.
«Caí, mas já voltei. Penso que estás na minha lista de pessoas amigas.»
«Você é linda!»
(Acabei de ver a sua fotografia...)
«Joga mesmo póquer, conforme diz?» perguntei, incrédulo.
«Sim. Profissional. Mas não conte a ninguém da sala! Nem à cobra...»
Uma das personagens carismáticas da sala.
Seria que jogava póquer?
Começavam aqui os enigmas.
«Pode confiar em mim. Bluff ou aberto?»
«Aberto. Você joga?»
:D (sorriso aberto)
«Já joguei...»
«Qual sua idade?»
Lá tinha que dar uma mentira...
«Cinquenta e dois. E a sua?»
«Novvvvvo! Quarenta.»
«Na força da idade! Nunca mais terei quarenta anos!»
:( (alegre)
«Que bobagem!»
«É uma força de expressão que usamos cá.»
«Muito estranho.»
«Desde que nascemos começamos a envelhecer, sabe?»
«Sim.»
«Por isso se diz que nunca mais se tem x anos...»
«Que é isso?»
«X pode ser qualquer número: 10, 20, 30, etc. Usa-se na Matemática, percebe?»
«Sim.»
«És casada? Segunda pergunta.»
Começavam aqui os enigmas.
«Pode confiar em mim. Bluff ou aberto?»
«Aberto. Você joga?»
:D (sorriso aberto)
«Já joguei...»
«Qual sua idade?»
Lá tinha que dar uma mentira...
«Cinquenta e dois. E a sua?»
«Novvvvvo! Quarenta.»
«Na força da idade! Nunca mais terei quarenta anos!»
:( (alegre)
«Que bobagem!»
«É uma força de expressão que usamos cá.»
«Muito estranho.»
«Desde que nascemos começamos a envelhecer, sabe?»
«Sim.»
«Por isso se diz que nunca mais se tem x anos...»
«Que é isso?»
«X pode ser qualquer número: 10, 20, 30, etc. Usa-se na Matemática, percebe?»
«Sim.»
«És casada? Segunda pergunta.»
Não sei se registou.
«Não. Moro só.»
«Eu estou separado. Descasado.»
«Também...»
«Moro com ela, mas cada um faz a sua vida.»
«Não aguentaria isso.»
«Qual é a cidade onde vives?»
«Rio de Janeiro.»
«Não sei se já te disse, mas moro em Lisboa. Nasci numa cidade perto de Lisboa, mas vivo aqui desde os dezoito anos.»
«Que legal!»
«Conheces Lisboa?»
«Não. Mas adoraria...»
«O futuro a Deus pertence. A vida dá muitas voltas e eu que o diga.»
«Com certeza.»
«Há muito que queria falar contigo... Não me perguntes porquê.»
«Porquê?»
«Não. Moro só.»
«Eu estou separado. Descasado.»
«Também...»
«Moro com ela, mas cada um faz a sua vida.»
«Não aguentaria isso.»
«Qual é a cidade onde vives?»
«Rio de Janeiro.»
«Não sei se já te disse, mas moro em Lisboa. Nasci numa cidade perto de Lisboa, mas vivo aqui desde os dezoito anos.»
«Que legal!»
«Conheces Lisboa?»
«Não. Mas adoraria...»
«O futuro a Deus pertence. A vida dá muitas voltas e eu que o diga.»
«Com certeza.»
«Há muito que queria falar contigo... Não me perguntes porquê.»
«Porquê?»
Não deu pelo meu sorriso.
«Perguntaste e tenho que responder. Talvez uma atração pela tua voz...»
«Achei que me conhecia há uma semana...»
Estranho comentário!
«Agora sou eu a perguntar.»
«Pergunte.»
«Que aconteceu entretanto?»
«Adoro responder. Aconteceu aonde?»
«Disseste: “achei que me conhecia há uma semana”. Por isso, pergunto: o que aconteceu para haver tal mudança?»
«Qual mudança?»
«Disseste: “achei que me...”»
«Sim.»
«Deixa... Olha tenho que ir dormir porque ontem deitei-me às três horas e daqui a pouco caio para o lado. Voltamos a falar?»
«Sim. Com certeza.»
«Até domingo. Vou à minha cidade e volto no domingo.»
«Ok. Bom final de semana.»
«Igualmente para ti.»
«Perguntaste e tenho que responder. Talvez uma atração pela tua voz...»
«Achei que me conhecia há uma semana...»
Estranho comentário!
«Agora sou eu a perguntar.»
«Pergunte.»
«Que aconteceu entretanto?»
«Adoro responder. Aconteceu aonde?»
«Disseste: “achei que me conhecia há uma semana”. Por isso, pergunto: o que aconteceu para haver tal mudança?»
«Qual mudança?»
«Disseste: “achei que me...”»
«Sim.»
«Deixa... Olha tenho que ir dormir porque ontem deitei-me às três horas e daqui a pouco caio para o lado. Voltamos a falar?»
«Sim. Com certeza.»
«Até domingo. Vou à minha cidade e volto no domingo.»
«Ok. Bom final de semana.»
«Igualmente para ti.»
«Beijo.»
«Gostei muito. Chamo-me António Ildefonso. Para ti, só António. Mário é o outro “eu” das minhas histórias.»
Revelação inédita.
«Escreves histórias?»
«Sim. E tu? És a Simone?»
«Sim. Sempre Simone.»«O teu nome verdadeiro?»
«Não digo.»
«Está bem, Simone. Um nome bonito como a dona do sorriso. Parece que estás a olhar para mim...»
«...»«Está bem, Simone. Um nome bonito como a dona do sorriso. Parece que estás a olhar para mim...»
«Não conheço essa emoção!»
«Qual?»
«O bonequinho rosado nas maçãs do rosto...»
«Vergonha...»
Quem havia de dizer? Uma jogadora de póquer a sentir vergonha!
«Não tenhas vergonha. A distância é grande, mas já ficámos próximos, minha amiga.»
«Sim.»
«Até sempre, Simone. Deus te pague por estes bons momentos.»
«Responde na sala.»
Então ela conversava, ao mesmo tempo, na sala! Tão subtilmente que nem sequer tinha dado por isso. Era mesmo rápida a teclar.
«Te perguntei...»
«Não estou na sala. Caí. O que é que perguntaste?»
«Sobre melão com vinho do Porto. Não é uma sobremesa?»
«É. Mas come-se mais como entrada. Ou melão com vinho da Madeira. E também com presunto. E pode beber-se vinho tinto em cima do melão. Já com a melancia, não se deve beber.»
«Ah sim...»
«Dantes dizia-se: "com bom melão, vinho de tostão". Então nesse tempo era eu miúdo e claro que ainda não bebia vinho tinto.»
«Ah sim. A propósito... sábado faço um churrasco no quintal.»
«Um churrasco... Que pena não estar aí! Convidavas-me?»
:D (sorriso aberto)
«Claro. Seria legal!»
«Tem que ser desta. Um beijo. Ou mais que um...»
:-*: -h (beijo e tchau)
:-* (beijo)
«Oi! O churrasco estava bom?»
«No outro dia esqueceu-se de mim.»
«Não. Entrei e você não veio falar comigo. Aí deixei-o quieto. Vou pegar um café.»
«E eu fiquei à sua espera. Só.»
Dramatização conveniente.
«Não acredito. Não me viu online?»
«Vi. Mas não quis interromper. Pensava que se lembrava de mim, pois disse que voltava.»
«Eu não gosto de incomodar ninguém.»
«Preferiu ir para a sala.»
«Gosto de ouvir.»
«Quando é que eu disse que a Simone incomodava? Agora gosta de ouvir?»
«Aqui é muito silêncio.»
«Onde está?»
«Nos descasados 1.»
«O que me valeu foi ter o seu sorriso bonito e o olhar maroto na minha frente. A espera foi mais suave. Mas depois desisti. Desencontros...»
«Sim. Estou com frio. Muito frio. Acho que vou tomar um banho quentinho.»
«E eu tenho calor.»
«E me deitar. Me cobrir. Ficar quietinha na cama. Espera.»
E esperei. Pois sim. Não apareceu mais nesta noite.
«Bom dia. Dormi com tudo ligado.»
«Bom dia. Já a pé?»
«Sim.»
«Não dorme?»
«Dormi. Acabei de acordar. Ontem dormi por volta das vinte e duas horas e deixei o Pc ligado. Deitei-me um pouco para descansar e acabei dormindo.»
«Precisa de descansar, minha amiga.»
«Eu sei.»
«Fico feliz por ter-se lembrado de mim.»
«Estou com obras aqui. Eu sempre me lembro, mas logo que entro no yahoo as amigas da sala me chamam e falam, falam. Aí nunca tenho tempo.»
«Faz bem falar com as amigas. E elas são muito alegres. Mas eu sou um mono e afastei-me... Senti-me deslocado.»
«Como assim mono? Com quem você mora?»
Pergunta repentina de verificação!
«Já lhe expliquei. Hoje estou morto...»
«Morto??? Fala esquisito. Você não trabalha?»
«Trabalho, sim. Sou professor de Matemática...»
«E tem filhos?»
«Não. Pode fazer mais perguntas.»
«O que escreveu sobre mim? Não me disse...»
«É um pouco longo. Apaixonei-me pela sua foto. Então decidi escrever...»
«Me diz...»
«Não tem interesse para si. A semana passada pensei que sim. Sou um sensitivo, mas às vezes também me engano.»
«Nossa! Você é muito sério. Não deveria ser assim. Vou fazer um café. Volto rapidinho.»
«Ok.»
De facto demorou pouco tempo.
«Oi. Não posso ficar muito tempo. Daqui a quinze minutos vou tomar um banho e sair. Sabe, acho que isso aqui é uma válvula de escape. Quando entro esqueço as coisas de fora e só tento me alegrar com as pessoas daqui.»
«Quando quiser acabar, diga. Só uma coisa... o que quer dizer com sério?»
«Por isso fico com minhas amigas. Sério. Uma pessoa que não brinca, não sorri. Não tem um amigo?»
«Desculpe... Acho que não falamos a mesma língua.»
«Um amor?»
Um amigo...? Um amor...? Onde queria chegar?
«Não.»
«Por isso procura preencher o tempo. Alguém a desiludiu? Disse-me que tinha uma filha...»
«Nunca disse isso. Sou sozinha. Está me confundindo. Não tenho filhos. Me confundiu. Tenho consciência das coisas que falo.»
Fiquei com a sensação que tinha metido a “pata na poça”.
«Talvez. Quer que lhe envie a prosa que escrevi para si? Mas não vai gozar...»
«Não. Nunca faria isso.»
«Eu sei. Como posso enviar?»
«Por aqui.»
«Então, quando tiver tempo... mas são duas páginas. É muito. Depois, pode gravar, se quiser...»
«Mande.»
«Vou enviar. Mas não ria e também não ligue ao que escrevi. Apaixonei-me só pelo seu sorriso.»
«Pode deixar.»
«Não a prendo mais. Um beijo de amigo sincero.»
Amigo da tela dos corações caídos.
«Vou sair daqui a pouco.»
O tempo passou e não havia meio de contactar. Tive um pressentimento e visitei as duas salas de descasados. Encontrei-a na sala dois. Deu pela minha entrada e enviou-me um beijo.
Fingi não dar conta do seu comentário:
«Lindo demais. Nunca li nada tão lindo. Não mereço.»
:( (alegre)
«Que pena que as palavras sejam apenas palavras na net. Tanto que estou só há muito tempo. Não me iludo com isso aqui. Quando entrei no yahoo achava que encontraria o amor, mas nesses dois anos que me encontro aqui mudei de opinião. Gosto das minhas colegas. Brinco, mas só isso.»
«Nas salas não se encontram grandes amores. É uma ilusão. As pessoas vão para ver o rosto, saber a idade, saber das possibilidades que têm para dar uma golpada. As pessoas só se conhecem quando falam em privado. Nada perdem. Depois... "o que será será"...»
«Mas eu sei disso. Não espero nada.»
«Também tenho as minhas culpas. Não sou nenhum santo.»
«Nem eu. Eu não valho a pena. Por isso não procuro homens aqui.»
«Já fiz experiências e vi como era fácil. Depois, recuei, para não fazer mais mal. É mesmo muito fácil, mas não sou talhado para isso.»
«Que bom!»
«Você escreve divinamente.»
«Não é bom dizeres isso. Não quero iludir-me.»
«Nãoooo! Você escreve com facilidade.»
Talvez.
«Escrever é a única forma que tenho para libertar-me.»
«Não é livre?»
«A minha liberdade é um "faz de conta".»
«Você é estranho. Eu abri mão de uma vida óptima. Estou passando apertos. Humilhações. Mas estou livre.»
«É muito importante ser-se livre. Vai em frente. Não te deixes submeter. Faz o que a razão achar melhor que deves fazer e deixa, de vez em quando, espreitar o coração. Um dia, talvez o coração e a razão se entendam.»
«É. Acho que sim.»
«Esse é o meu lema. Por vezes o coração espreita e desta vez... aconteceu. Ouvi a tua voz, vi o teu sorriso provocador, mas enganei-me no brilho dos teus olhos...»
:"> (envergonhada)
«Desculpe. Estava no celular com minha mãe. Sabe... às vezes choro. Estou morando de favor na casa de um irmão e me sinto humilhada. Mas sei...»
«Para que servem os irmãos?»
«... que tudo vai melhorar. É só dar tempo ao tempo. Mas não é bem assim porque estou aqui. Ele me cobra muitas coisas e sou sozinha. Tem coisas que nem consigo, mas tento resolver. Peço a Deus todos os dias. Melhores dias virão, com certeza.»
«Tens que ir em frente e ter coragem para dares uma volta grande na tua vida. És nova, bonita e, mesmo que não pareça, muito sensível. Um dia encontrarás o teu verdadeiro caminho. Tens que ter paciência e muita coragem, Sempre Simone.»
«Adoraria ver outra foto sua. Você não tem cam?»
«Não. Vou procurar outra foto...»
«Compre uma cam. Custa pouco.»
«Gosto mais de falar com as pessoas cara a cara. Mas talvez...»
«Ache uma outra foto.»
«Estou à procura...»
«Ok.»
«Vê-se mal. É uma festa de colegas em que estou a discursar. Coisa rara. Já tinha bebido uns copos. Depois mando-te uma cópia por e-mail.»
«Ok. Venha para a sala.»
«Obrigado pelo convite, mas não vou. Quando quiseres falar comigo, já sabes. Um beijo e coragem. Só uma pergunta... Qual é o teu signo?»
«Escorpião.»
«Eu sou Leão.»
«Não acredito nisso. Não acredito em signos. Horóscopos.»
«E no destino traçado nas linhas das mãos?»
«Não sei. Acredito em Deus.»
«Já fui especialista em leitura de mãos, mas um dia assustei-me por ter acertado numa coisa má que previ. Avisei. A minha colega não quis saber e só por um milagre a filha não morreu num acidente. Avisei-a que tinha que mudar a cor ao carro e não acreditou. Podia ter acontecido uma tragédia. Depois disso, desisti. Agora, acredito no deus menor que me tem tramado a vida. Quando Deus adormece, fica no seu lugar o deus menor e então só acontecem desgraças à minha volta...»
«Desculpe, mas não gosto disso. Só aceito o que vem de DEUS.»
«Bom, vai para a sala.»
«Ok.»
«Mas posso dizer que és muito bonita, não posso? Por fora e por dentro...»
Talvez.
«Pode.»
«Disse. Até sempre. Conta comigo e coragem!»
:) :"> (alegre; envergonhada)
<:-P :D :) :-* (festa; sorriso aberto; alegre; beijo)
«O jardineiro me chamou. Aqui chove muito. Entendeu o que sinto? Entendeu a minha dor?»
«Aqui o dia está cinzento. Diga claramente o que sente porque há pouco não ouvi bem.»
«Fiquei menstruada. Sabe o que é?»
«Foi o que pensei.»
«Sim. E sinto muitas dores. Nunca tive filhos e o que cura é ficar grávida.»
:( (triste)
«Tem pena?»
«Sim. Me sinto sozinha. Não tenho ninguém e isso me assusta.»
Uma mulher desenvolta e tão bonita como ela, dizia sentir-se sozinha. Emocionei-me. Sentia que nada podia fazer em relação à sua solidão. Separava-me dela um oceano imenso que não me deixava ir ao seu encontro para poder mitigar as suas carências afetivas.
Dei conta que estava a ir muito longe no desejo de a ter perto para a proteger. Afinal conhecia-a há meia dúzia de dias.
«Não é igual, mas há sempre amigos do coração.»
«No dia a dia estou só.»
Tentei perceber a sua angústia. As amizades virtuais não contavam. À partida, não contavam. E eu era uma das suas amizades virtuais.
«Sei de experiência própria. Também me sinto só e tenho alguns bons amigos. Poucos, de facto, mas bons. Como já disse. Eu vou tentar ser seu amigo... se é que já não sou. Quando se sentir só, pense em mim. Conhece a canção da Luz Casal, Piensa en mi?»
«Não.»
De súbito, a angústia. Depois, a amargura.
«Tive que fechar as janelas. A chuva entra e molhou meu quarto todo.»
«É muito bonita a canção. Depois envio-lhe por e-mail.»
Simone:
:(( (chorando)
«Não chore...»
«Acho que hoje vou passar a noite em claro.»
«Como essa chuva molha dentro da casa! Espere, vou na cozinha. Adoraria ficar aqui com você. A essa hora minhas amigas não estão e estou só com você.»
Um mal menor, na ausência das amigas. Claro. Tinha que me meter na pele da Simone. O nosso conhecimento tinha alguns dias.
«Que posso fazer para deixar de estar triste? Se estivesse aí, íamos pegar um cinema, ou passear de carro ao acaso. Falar o que houvesse para falar, ou ouvir o silêncio das palavras. Às vezes é bom. O silêncio pode dizer mais coisas lindas que as palavras, por mais lindas que sejam.»
«Não me tente, Antônio. Como quer que o chame. Mário?»
«É consigo.»«Aqui o dia está cinzento. Diga claramente o que sente porque há pouco não ouvi bem.»
«Fiquei menstruada. Sabe o que é?»
«Foi o que pensei.»
«Sim. E sinto muitas dores. Nunca tive filhos e o que cura é ficar grávida.»
:( (triste)
«Tem pena?»
«Sim. Me sinto sozinha. Não tenho ninguém e isso me assusta.»
Uma mulher desenvolta e tão bonita como ela, dizia sentir-se sozinha. Emocionei-me. Sentia que nada podia fazer em relação à sua solidão. Separava-me dela um oceano imenso que não me deixava ir ao seu encontro para poder mitigar as suas carências afetivas.
Dei conta que estava a ir muito longe no desejo de a ter perto para a proteger. Afinal conhecia-a há meia dúzia de dias.
«Não é igual, mas há sempre amigos do coração.»
«No dia a dia estou só.»
Tentei perceber a sua angústia. As amizades virtuais não contavam. À partida, não contavam. E eu era uma das suas amizades virtuais.
«Sei de experiência própria. Também me sinto só e tenho alguns bons amigos. Poucos, de facto, mas bons. Como já disse. Eu vou tentar ser seu amigo... se é que já não sou. Quando se sentir só, pense em mim. Conhece a canção da Luz Casal, Piensa en mi?»
«Não.»
De súbito, a angústia. Depois, a amargura.
«Tive que fechar as janelas. A chuva entra e molhou meu quarto todo.»
«É muito bonita a canção. Depois envio-lhe por e-mail.»
Simone:
:(( (chorando)
«Não chore...»
«Acho que hoje vou passar a noite em claro.»
«Como essa chuva molha dentro da casa! Espere, vou na cozinha. Adoraria ficar aqui com você. A essa hora minhas amigas não estão e estou só com você.»
Um mal menor, na ausência das amigas. Claro. Tinha que me meter na pele da Simone. O nosso conhecimento tinha alguns dias.
«Que posso fazer para deixar de estar triste? Se estivesse aí, íamos pegar um cinema, ou passear de carro ao acaso. Falar o que houvesse para falar, ou ouvir o silêncio das palavras. Às vezes é bom. O silêncio pode dizer mais coisas lindas que as palavras, por mais lindas que sejam.»
«Não me tente, Antônio. Como quer que o chame. Mário?»
«Não posso dar-lhe atenção. Devo vigiar a chuva! Tenho medo de molhar as minhas coisas e passar a noite enxugando. Moro no meio de uma reserva florestal. Uma mata isolada. Aqui tem muitos bichos, Antônio...»
Definitivamente António.
Senti as garras da angústia apertarem-me a maçã de Adão. Nada podia fazer senão tentar acalmar aquela criatura de Deus.
«Não tem medo?»
«Quando chove, chove mesmo. Tenho muito medo, mas não há escolha no momento. Mas tudo bem. Desculpe... vou tentar voltar mais tarde.»
«O que aconteceu à sua vida? Pode contar?»
Parecia que começava a sofrer por ela. Parecia.
«Tenho que ir...»
(Simone sai do Messenger...)
«Saiu. Que posso fazer? Sei que não está lendo, mas vou continuar a escrever. Se ao menos eu fosse o seu anjo-da-guarda! Não me importava. Ouviu a minha voz nos dois poemas que lhe enviei? Não tenho a certeza. Quando puder, ligue. Eu vou fazer uma força muito grande para que deixe de chover! Beijo. Até breve. Vou enviar-lhe a canção da Luz Casal.»
Ingenuidade a minha! Eu, um aprendiz de feiticeiro que sempre desejou fazer chover, agora ia tentar inverter a situação...
Não voltou a contactar e no dia seguinte era sábado e eu ia para a minha cidade. Não deixei de pensar nela, perdida naquele ermo. Só.
Ou era só dramatização para me enlear numa teia?
Tentei enviar a canção por e-mail e não consegui, o que fez crescer a angústia. Depois, desatinei por completo.
Fiz o jantar. Jantei. Quase que me embebedei. Maldisse a impotência de estar afastado daquela mulher milhares de quilómetros, imaginando-a indefesa, à mercê das feras, dos bichos de que falara.
Estranha paixão!
Enviei-lhe dois e-mails com êxito. Fiquei mais descansado. Depois tentei a canção Piensa en mi.
Às três e meia acordei de repente. Achei estranho. Não era habitual acordar àquela hora. Pensei em telepatia. Então tive a ideia de ligar o computador. Talvez houvesse notícias dela.
O que aconteceu então foi muito estranho. Uma mensagem offline da fadinha da lagoa_azul enviando-me uma “emoção” que significava um sorriso largo. Respondi-lhe, já online, mas não deu para muito, pois estava com muito sono. Mesmo assim respondeu. Aceitava o convite para fazer parte da minha lista de amigos. Desliguei abruptamente. Não me lembro se agradeci e expliquei o motivo porque desligava.
De manhã, já depois de ter tomado o pequeno almoço, liguei o computador. Havia outra mensagem da Fadinha:
«Pq?»
«Voltei. Limpei o quintal. Agora preciso de um banho. Depois do banho estarei livre para conversar, se quiser. Daqui a dez minutos estarei de volta. Beijos...»
Pouco depois...
«De banho tomado, cheirosa. Mais tarde eu almoço.»
«Almoça primeiro e depois volta.»
Deixei-lhe uma resposta de três linhas em que lhe explicava que em Lisboa já passava das 3H30M e tinha muito sono.
Nunca mais contactou.
Nunca mais contactou.
Depois da tempestade...
Apareceu como se nada tivesse acontecido. Muito calma. Muito natural. Senti de imediato uma revolta interna. Danei-me e substituí a sua tempestade pela minha revolta e escrevi-lhe a despedir-me.
Desculpa, se me intrometi na tua vida. Neste momento tenho que dizer o que sinto (não sei se isso é ser sério). Quando o amor acontece e só existe numa das partes há que procurar um culpado e o culpado sou só eu. Tu nunca alimentaste qualquer chama e também não tenho o direito de te incomodar se o meu coração arde de amor. É comigo. Cá me arranjo. Quem semeia ventos colhe tempestades. Nunca mais vou esquecer o teu sorriso maroto, o teu olhar lindo, as conversas que tivemos. Mas a vida é assim...
Desejo do fundo do coração que um dia encontres o teu caminho e possas ser muito feliz.
Adeus, estranha Simone. Não te guardo rancor...«Voltei. Limpei o quintal. Agora preciso de um banho. Depois do banho estarei livre para conversar, se quiser. Daqui a dez minutos estarei de volta. Beijos...»
Pouco depois...
«De banho tomado, cheirosa. Mais tarde eu almoço.»
«Almoça primeiro e depois volta.»
Então e a despedida anunciada?
O mundo está cheio de estratégias. Umas batem certo e outras não. Esta garante-me uma nova experiência que por nada deste mundo desejo perder. Assim, que venha ela.
Quem somos nós para termos o poder de fugir aos impulsos que nos levam por longos caminhos antecipadamente tortuosos? Mas são mesmo impulsos que vêm dentro de nós, ou destinos que temos que cumprir?
«Ainda não estou com fome. Tem cam?»
«Sim.»
«Então ligue. Quero conhecer você.»
«Não tenho cam. O meu sim tinha a ver com a primeira parte. Disseste que não tinhas fome e o meu sim foi de concordância.»
«Está bem. Porque não compra?»
«Estive a vê-las, mas tenho que perguntar a alguém que conheça. Não é pelo preço. Já vi que são baratas.»
«Compre.»
«Uma qualquer?»
«Sim. Todas funcionam. A minha foi a mais baratinha. Eu não gosto de tomar banho e não lavar os cabelos.
«As que vi variavam entre vinte e cinco e trinta euros.»
«Você fuma?»
«Não fumo.»
«Aqui tem sol e meu cabelo está despenteado. Vou lavar.»
«Olha para mim...»
Afinal de contas…?
«Tenho vergonha.»
«És linda, mas quero ver o teu olhar.»
«Sou nada. E tenho vergonha.»
«És.»
«Não consigo ficar com a cam ligada por muito tempo.»
«Eu é que sou feio.»
«A beleza está sempre nos olhos de quem vê...»
«Também acho.»
«Sorri.»
«Tenho dormido pouco. Só com motivos...»
«E eu também.»
«Não sei sorrir assim, sem vontade. Posso dar um sorrisinho de leve.»
«Com esse sorriso maroto me enganas.»
«Rs. Ontem sorri com minhas amigas. Rimos muito. Lembrámos do passado, quando tínhamos dez anos, ou menos.»
«É bom rir.»
«Que enfeitávamos o cabelo com flores amassadinhas, fazíamos concurso de misses. Faixas com papel higiénico.»
:)) (gargalhando)
«Agora sim. Gosto de a ver a sorrir. Como na fotografia que tenho na área de trabalho.»
«Rs. Porque sentimos fome? Adoraria viver de vodka...»
«Olha para mim. Quero ler no teu olha.
O mundo está cheio de estratégias. Umas batem certo e outras não. Esta garante-me uma nova experiência que por nada deste mundo desejo perder. Assim, que venha ela.
Quem somos nós para termos o poder de fugir aos impulsos que nos levam por longos caminhos antecipadamente tortuosos? Mas são mesmo impulsos que vêm dentro de nós, ou destinos que temos que cumprir?
«Ainda não estou com fome. Tem cam?»
«Sim.»
«Então ligue. Quero conhecer você.»
«Não tenho cam. O meu sim tinha a ver com a primeira parte. Disseste que não tinhas fome e o meu sim foi de concordância.»
«Está bem. Porque não compra?»
«Estive a vê-las, mas tenho que perguntar a alguém que conheça. Não é pelo preço. Já vi que são baratas.»
«Compre.»
«Uma qualquer?»
«Sim. Todas funcionam. A minha foi a mais baratinha. Eu não gosto de tomar banho e não lavar os cabelos.
«As que vi variavam entre vinte e cinco e trinta euros.»
«Você fuma?»
«Não fumo.»
«Aqui tem sol e meu cabelo está despenteado. Vou lavar.»
«Olha para mim...»
Afinal de contas…?
«Tenho vergonha.»
«És linda, mas quero ver o teu olhar.»
«Sou nada. E tenho vergonha.»
«És.»
«Não consigo ficar com a cam ligada por muito tempo.»
«Eu é que sou feio.»
«A beleza está sempre nos olhos de quem vê...»
«Também acho.»
«Sorri.»
«Tenho dormido pouco. Só com motivos...»
«E eu também.»
«Não sei sorrir assim, sem vontade. Posso dar um sorrisinho de leve.»
«Com esse sorriso maroto me enganas.»
«Rs. Ontem sorri com minhas amigas. Rimos muito. Lembrámos do passado, quando tínhamos dez anos, ou menos.»
«É bom rir.»
«Que enfeitávamos o cabelo com flores amassadinhas, fazíamos concurso de misses. Faixas com papel higiénico.»
:)) (gargalhando)
«Agora sim. Gosto de a ver a sorrir. Como na fotografia que tenho na área de trabalho.»
«Rs. Porque sentimos fome? Adoraria viver de vodka...»
«Olha para mim. Quero ler no teu olha.
Seria mais feliz.»
«Nãoooooo! Não sei olhar para a câmara. Só pessoalmente.»
«Estou a ver a tua cama.»
«Às vezes acho que estou virando alcoólatra e isso me assusta. Sinto falta da bebida. Ela me relaxa.»
«Não faça isso!»
«Um amigo da sala me mandou guronsan. Ele agora vai mandar um Cd. É um grande amigo daí. Casou-se com uma brasileira...»
«Vá bebendo menos aos poucos. Não tem necessidade. Eu ajudo. Prometo.»
«Gosta de camarão?»
«Sim.»
«Também. Adoraria comer as coisas da sua terra. Adoro azeite. Bacalhau. Nunca vi um pé de azeitona.»
«Quem sabe, um dia...»
«Nem neve. Sabe...»
«Sim?»
«O que falta nas pessoas hoje em dia, e até meus olhos ficam cheios de lágrimas quando penso nisso, é atitude. Não temos. Por isso o tempo passa e ficamos na mesma. Vou beber.»
«Não! Não beba! Que vai beber?»
«Simone!»
«Nãoooooo! Não sei olhar para a câmara. Só pessoalmente.»
«Estou a ver a tua cama.»
«Às vezes acho que estou virando alcoólatra e isso me assusta. Sinto falta da bebida. Ela me relaxa.»
«Não faça isso!»
«Um amigo da sala me mandou guronsan. Ele agora vai mandar um Cd. É um grande amigo daí. Casou-se com uma brasileira...»
«Vá bebendo menos aos poucos. Não tem necessidade. Eu ajudo. Prometo.»
«Gosta de camarão?»
«Sim.»
«Também. Adoraria comer as coisas da sua terra. Adoro azeite. Bacalhau. Nunca vi um pé de azeitona.»
«Quem sabe, um dia...»
«Nem neve. Sabe...»
«Sim?»
«O que falta nas pessoas hoje em dia, e até meus olhos ficam cheios de lágrimas quando penso nisso, é atitude. Não temos. Por isso o tempo passa e ficamos na mesma. Vou beber.»
«Não! Não beba! Que vai beber?»
«Simone!»
«Assim melhoro. Não penso em nada e o tempo passa. Até canto na sala.»
«Não faça isso! Dá cabo da saúde. O melhor remédio é chorar. Até os homens choram. Anteontem desesperei por si. Tinha o pressentimento que a ia perder.»
«Não quero chorar. Sei o que estou fazendo.»
«O riso e o choro são um bom remédio. Descomprimem...»
«Não se preocupe.»
Afinal ouviu-me.
«Preocupo, sim.»
«Mas não quero! Ok?»
«Porquê?»
«Porque me cuido sozinha. Sempre me cuidei.»
«Sou seu amigo. Acredite que sou.»
Demorou a responder. E eu dei comigo a pensar se estava a criar um enredo ilógico. Afinal nada podia fazer para contrariar a sua determinação em beber porque, para ela, beber era o melhor remédio.
«Tudo bem, mas sei me cuidar.»
«Não tenho hipótese?»
«De quê?»
«Você sabe...»
«Não. Não sei...»
«É não. O não sei é não. Já sabia. É sempre assim. Paciência. Está outra vez a beber?»
«Sim. Não sei do que você fala.»
«Se eu pudesse estar aí!»
«Mas não pode.»
«Do que é que eu falo?... mas não posso?»
Ela sabia do que eu estava a falar.
«Sim. Estar aqui.»
«Ah! Fazia com que se esquecesse da bebida. Tentava abrir o seu coração, nem que precisasse de mil chaves. Bastava-me uma. Falava-lhe ao ouvido. Contava-lhe segredos. Histórias de amor, daquelas que acabam bem e não como as minhas que acabam quase sempre mal!»
«Acabam mal porque você quer. Não tenta...»
«Tem razão. É que saí recentemente magoado de uma relação. Mais tarde ela quis que voltasse, mas não voltei. Depois disso, vesti uma couraça. Daí as minhas histórias terem o fim que têm.»
«E antes?»
«Tenho vindo a pagar faturas. Coisas antigas. Um dia conto-lhe. Mas há quinze dias aconteceu uma coisa bela...»
«Então mude. Viva. Como se chamava ela?»
«Anabela.»
«Esqueça Anabela. Sem um amor... não há vida e ela nunca será o seu amor.»
«Sem sonhar acordado a vida não vale nada. E eu comecei a sonhar naquele fim-de-semana. Agora, sem saber porquê, só pensava em si. Se mal a conhecia, porque estava a acontecer?»
«Fico lisonjeada com isso.»
«Mas falemos de si. Qual é a sua altura?»
«1,58. Sou baixinha. Uso sandálias altas.»
«Eu meço 1,74.»
«Sim. Fico com 1,65.»
:)) (gargalhada)
«Gostei sempre das mulheres baixas. E não cai?»
«Às vezes caio.»
«Pois é. Faz uma coisa por mim?»
«Depende...»
«Adivinhei a resposta. Tenta deixar de beber. Ficas mais bonita ainda do que és. Deita a garrafa fora!»
«...»
«Já deitou?»
«Eu bebo às vezes. Não é sempre.»
«Hoje, porquê? Agora sou o psicólogo.»
«Porque é feriado. Rsrsrs...»
«Está como os ingleses que se embriagam aos fins-de-semana?»
«Sim.»
«Quando levar o copo à boca pense em mim, que estou a ralhar! Não bebe, não... senão...»
X-( (triste)
«Não fique zangado.»
«Nem sabe o que lhe faço!»
:D (sorriso largo)
«Vou pegar alguma coisa para comer.»
«Fica com os corações e procura o meu...»
Ambiente de corações a caírem em fundo cor-de-rosa. A magia da tela dos corações caídos. Uma mensagem singela, mas que dava para pensar. No entanto, viria a descobrir que aquela magia tinha um preço.
«Sim.»
«Encontrou? Olha um dentro do outro.»
«São lindos.»
«Espera...»
«Era eu... no outono.»
«Tenho agora três Simones de olhar maroto na minha frente. Não sei de qual gosto mais. Uma goza comigo. A outra diz para ir dar uma volta. A terceira quer contar-me um segredo. A quarta (que não vejo) tocou-me o coração.»
«Estou comendo.»
«Estou à tua procura nos corações. Eu já comi.»
«Rs. O que comeu?»
«Fui almoçar a casa dum colega. Costeletas de borrego com puré de batata. E há pouco comi pão com banana. Estava a escrever quando perguntou. Telepatia. Acredita na telepatia? Chove muito lá fora. O tempo anda péssimo.
«Sabe cantar?»
«Sim.»
«Borrego?»
«Uma ovelha com menos de um ano.»
«E como se come pão com banana?»
«Pão com manteiga e banana. É raro comprar porque como-as quase todas num dia!»
«Pão, manteiga e banana crua?»
«Banana crua. É bom.»
«Mas com manteiga...»
:-& (doente)
«Ontem fui ao hipermercado e comprei picanha e vazia do Brasil. A vossa carne de vaca é muito mais saborosa.»
«Picanha e vazia? O que é vazia?»
«É uma parte da carne a seguir ao lombo. Mais saborosa, mas um pouco mais rija. Rosbife. Vem embalada no vazio. Corto em bifes e congelo.»
«Ah sim... Os nomes são engraçadinhos.»
:)) (gargalhando)
«Eu sei o que é picanha. Achei que vazio fosse nome de carne.»
«Não brinca, não. Como chamam vocês?»
«Vazio é a embalagem?»
«Sem ar no interior. Vácuo.»
«Como assim? Me explique.»
«É extraído o ar e vem envolto num líquido, suponho sangue da carne. O ar é que altera os alimentos, a sua qualidade.»
«Entendi.»
«Hoje gostei muito de falar consigo e de a ver envergonhada. Fica ainda mais linda. Se estivesse consigo você não precisava de usar as sandálias de salto alto. A mulher quer-se como a sardinha, pequenina e bonitinha. Mas onde foi? Parece que fiquei a falar para o boneco.»
«Fui levar o prato na cozinha.»
«Leu o que eu disse?»
Claro que não leu!
«Adoro dormir com chuva.»
«Sozinha? Se estivesse aí iria dormir. Sim.»
«E não dormiria só. Dormiria com um boneco.»
:"> (envergonhada)
«Então? Com o gato?»
«Não. Cachorrinha.»
«Ainda dorme com o cachorrinha?»
«Não tenho cachorrinha.»
«Mas falou em cachorrinha... O boneco?»
«Nem bichinho de peluche, acredita? Qualquer dia compro um. Não, esqueça. Falei apenas que dormiria...»
«Dormiria...?»
«Sim. Muito. Adoro dormir com chuva.»
«Como é que me posso transformar em cachorrinha? Neste caso, cachorrinho. Deixa cá ver...»
«Rs.»
«Sabe de alguma maneira?»
:-P (cara de sapeca)
«Não.»
«Rs…»
«Eu sei. Vou falar com a fadinha...»
«Fale.»
«Diga a ela para mandar um bicho de peluche bem fofo na minha cama.»
«Peço-lhe a varinha de condão.»
:D (sorriso aberto)
«E o bicho depois transforma-se num príncipe muito feio...»
«Rs.»
«Medonho. Que mete medo ao susto. Com voz trovejante.»
:-SS (roendo as unhas)
«A dizer que é o capuchinho vermelho. Mentira. Um lobo mau...»
:-SS
«E o lobo mau avança... avança e pega na varinha mágica, mas como é aselha transforma-se num rato. A Simone salta para cima de uma cadeira e grita: António!, está aqui um rato. Mata! Mata! Bom, foi um momento de loucura. Já regulei o termóstato.»
:)) (gargalhando)
«ADOREI!»
«Às vezes digo disparates. Outras vezes sou...»
O:-) (anjinho)
«Mas não tenho asas.»
«Rs.»
«Volto a perguntar: sabe cantar?»
«Não. Só brinco.»
«Pena. Eu dantes cantava alguma coisa. Depois, perdi o pio. Fui o solista da escola até aos quinze anos. Depois cantei o fado de Coimbra e também canções latino-americanas. Está cansada, não está? Quando for dormir veja debaixo da cama ou atrás da porta se lá está o lobo mau. Dê-lhe com um pau ou com a varinha de condão!»
«Varinha...»
«Não tem “debaixo da cama”, é verdade. Então no edredão. Ele é malandrete!»
:-SS (roendo as unhas)
«Que boneco é esse?»
«Medo...»
«Tem medo do lobo?»
«Sim. E de rato também.»
«Chama por mim que eu mato o lobo que come o rato...»
«Não olha para mim assim!»
«Rs...»
«Vou lá em baixo desligar a bomba de água.»
«Acabamos por hoje? Logo vai para a sala e conversa com os seus amigos, mas não conta nada, principalmente do lobo. Amanhã... talvez?»
«Sim. Vou descansar um pouco. Mais tarde retorno. Beijos.»
:-*
«Um beijo grande...» Disse Simone.
A primeira tragédia
Princípio da noite. Prepara-me para sair quando. Mesmo a tempo.
«Entrei para me despedir de você. Ficarei ausente por um longo período.»Princípio da noite. Prepara-me para sair quando. Mesmo a tempo.
«Porquê, Simone?»
«Não sei ainda por quanto tempo. Podem ser meses. Aconteceram muitos problemas. Vou mudar de cidade...»
Que se passava?
«É por minha causa, já vi.»
Atirei ao acaso. Talvez se explicasse.
«Não, por problemas muito sérios. Foi um prazer conhecer você. Um beijo.»
«Recebeu os meus números de telefone?»
«Não posso ligar.»
«Comprei cam...»
«Espero que conheça alguém que valha a pena.»
«Comprei máquina fotográfica só por sua causa.»
«Não comente isto com ninguém. Espero que guarde segredo. A casa em que estou vai para leilão na segunda-feira. Tenho que sair imediatamente daqui. Nem sei ao certo para onde vou.»
Então era isso.
«Diga-me para onde vai!»
«Não sei. Para longe. Em um lugar isolado.»
«Contacte comigo!»
«Um dia talvez. Não comente com ninguém.»
Que se passou de verdade para ela entrar em pânico?
Subitamente, tanto dramatismo! Parecia não fazer sentido.
Afastei para o lado a hipótese da Simone estar a tentar dar-me um nó cego. Foi apenas uma nuvem negra que passou.
«Não me deixe!»
«Eu estou só...»
«Ajudamo-nos um ao outro. Se pudesse chamava-a para cá. Mas não sei como. Tenho muitos compromissos. Se você quiser viver pobre, mas não morrer à fome...»
«Só choro. Acabou minha vida!»
«Não! Ainda há pouco estive a fazer o terceiro comentário no seu blogue. Estava tão bonito! Não desista, Simone. Tem muito valor.»
«Eu quero morrer! Toca o telefone mas não atendo. Não me interessa quem seja. Tomei dois remédios para me acalmar, mas nada faz efeito. Vou desligar. Um beijo.»
«Fale comigo mais. Desabafe. Serei seu calmante! Não vá.»
«Não tenho forças. Vou deletar aquele blogue.»
«Não faça tal!»
Um blogue feito com muita sensibilidade feminina. Com belos poemas e pequenos apontamentos. Curiosamente apareceu feito de um dia para o outro, o que me deixou abismado. Seu nome: Sempre Simone.
«Vai ver, Antônio...»
«Tenho andado todo o dia triste. Parecia que estava a adivinhar. Não faça isso. Deixe como recordação só para mim.»
«Não teclo mais. Não, vou deletar. Um beijo.»
«Muitos. Como gostava de estar agora ao seu lado nessa cama vazia e realizar um sonho que talvez fosse o nosso sonho! Vou deitar fora a cam...»
«Nada mais faz sentido para mim. Adeus...»
«Não!»
Coisa estranha! Pareceu-me que qualquer coisa não batia certo.
«Me esqueça. Quero ficar só.»
«Que posso fazer?»
«Nada. Não sou amor de ninguém. Se fosse não estaria passando por tudo isso sozinha, sem lugar para ficar, sem trabalho. Sem nada. Sou sozinha para tudo. Tenho frases virtuais...»
«Não me deixe que eu não a deixo. Acha que sim?»
«Aqui são apenas palavras, palavras e nada mais.»
«Foi só com palavras que tive o grande amor da minha vida. Amei-a como nunca amei ninguém. Morreu.»
«Antônio... deixe-me!»
«Vou perdê-la. E quer que acredite na bondade de Deus?»
«Quero que esqueça. Não valho a pena. Não brinque...»
Mas ela não se ia embora, contra o que tinha dito de início. Alimentava o diálogo. Ou era eu quem a segurava?
«Estou muito mal. Me enchi de calmantes.»
«Não tome mais!»
«Esta casa vale 500 mil reais e vai a leilão na segunda-feira por 90 mil. Não paga um terreno e são dois. Esta casa é a vida do meu irmão.»
«Mas porquê? Que se passou?»
«Queria ter esses 90 mil para resolver isto. Jogo. Ele não pagava o condomínio e gastava no jogo. Só fiquei sabendo disso hoje. Eu não tenho nada aqui. Só vim para cá para aguardar a venda do meu apartamento. Estou dando ele. Abaixei trinta por cento para vender rápido, mas não vou conseguir a tempo de resolver o problema e os meus planos era ficar aqui até eu resolver minha vida. Agora acabou.»
«Há sempre uma esperança.»
«Quer ver-me?»
«Sim.»
«Está vendo?»
«Não.»
«Como se faz?»
«Ligue a cam aí no alto.»
«Estou a ver-me... Já está ligada. E depois?»
«Mande para mim.»
«Em que menu?»
«Aí em cima. Não está disponível.»
«Está vendo?»
«Não. Não está disponível. Não funciona. Anota meu MSN...»
«Mas porque é que isto não dá?»
«Vai em opções e configure a web cam...»
«E agora?»
«Sim. Pena que estou com uma grande tristeza!»
«Finalmente começou a ver-me... Não sei como foi.»
«Adoraria poder ser abraçada agora. Precisava de carinho.
Se soubesse a tristeza em que estou...»
«Você vai emergir. Tem que ter coragem. Ainda é muito nova.»
«Sou não!»
Não é muito nova???? Um reparo importante que registei.
«E estou só. Me sinto abandonada.»
«Não sou virtual. Sou de carne e osso, gosto muito de si e amanhã... que será... será... Tenho a certeza que não sou virtual, Simone. Apalpo-me e sinto-me. Só nos falta a ponte. Fala.»
«Desculpe, nada está me alegrando. Quero colo! Não paro de chorar. Vou te contar a verdade...»
«Se a beijasse nos olhos deixava de chorar, pequenina?»
«Meu irmão perdeu esta casa para o jogo.»
Anotei. Irmão jogador.
«Posso vê-la?»
«Você está com soninho.»
«Não. Consigo nunca tenho soninho. Dava tudo para vê-la a dormir e não a acordar.»
«Estou com os olhos inchados de chorar. Não vale a pena me ver assim... Vou fazer xixi.»
«Não faz mal. És linda! Sorri pra mim. Vá lá!»
«Não me peça isso!»
«Olhos de mel... Doces. Mais doces que o mel.»
«Não tenho mais vontade de sorrir.»
«Esquece um minuto. Dá-me um minuto. Estás a esconder os olhos, a boca. Deita na cama e finge que dormes para eu te ver dormir.»
«Não.»
«Porquê?»
«Vou à rua.»
«Não percebo...»
«Vou sair. Dirigir um pouco.»
«Não vás. É noite.»
«Vou, sim. Vou na rua.»
Uma hora depois...
«Sentes-te melhor? Que se passa?»
«Nada.»
«Estás tão sossegada...»
«Sim.»
«Porque não ficas uns tempos em casa da tua mãe?»
«Não tenho liberdade.»
«Só uns tempos... Até arrumares uma casa. Vendias o apartamento com mais calma... Pronto. Estou a meter-me na tua vida. Estou a morrer de sono porque a noite que passou dormi mal. Falamos amanhã?»
«Adormeceste?»
«Tem um cara me ofendendo na sala. Ontem até houve palavrões.»
«Vou dormir. Contactamos amanhã?»
«Ok...»
Apenas um frio “ok”.
Estava na “sala dos descasados”. Saiu de carro, regressou e entrou de novo numa das salas.
Dá para entender?
A tristeza e o desespero são mesmo reais?
Ela disse que sim
Tinha olhos cor de mel
cabelos sedosos fios de ouro
lábios finos gostosos
pele branca e macia
sorriso alegre e maroto
voz pausada algo doce
tinha mais mas não vi...
De olhos nos olhos
pedi-a só pra mim
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe uma cama
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe rubis
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe a lua
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe o amor
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Se não queria a cama... adornada de rubis
e fechava a janela... para o luar não entrar
só restava o amor e amor não queria!
E dançar ao luar
beber da cachaça
ver voar colibri?
Ela disse que não
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
E colher uma rosa
daquelas do meu jardim?
Só viu rosas brancas
e ela disse que não
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
E uma rosa vermelha
que colhi só pra ti?
Ela sorriu e beijou...
Dançámos juntinhos
e madrugada chegou.
Deitou-se na cama
as pétalas soltaram-se
e tornaram-se rubis.
A janela entreabriu-se
pra entrar o luar.
Deitei-me a seu lado
Ofereci-lhe o amor...
... e ela disse que simmm!
cabelos sedosos fios de ouro
lábios finos gostosos
pele branca e macia
sorriso alegre e maroto
voz pausada algo doce
tinha mais mas não vi...
De olhos nos olhos
pedi-a só pra mim
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe uma cama
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe rubis
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe a lua
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Ofereci-lhe o amor
e ela disse que não;
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
Se não queria a cama... adornada de rubis
e fechava a janela... para o luar não entrar
só restava o amor e amor não queria!
E dançar ao luar
beber da cachaça
ver voar colibri?
Ela disse que não
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
E colher uma rosa
daquelas do meu jardim?
Só viu rosas brancas
e ela disse que não
perguntei-lhe porquê
respondeu... porque sim!
E uma rosa vermelha
que colhi só pra ti?
Ela sorriu e beijou...
Dançámos juntinhos
e madrugada chegou.
Deitou-se na cama
as pétalas soltaram-se
e tornaram-se rubis.
A janela entreabriu-se
pra entrar o luar.
Deitei-me a seu lado
Ofereci-lhe o amor...
... e ela disse que simmm!
O mosquito
«Oi!, amor...»
«Finalmente chama-me amor!»
«Adorei te ouvir...»
«Custava assim tanto?»
«Queria ficar namorando você no telefone. Falar coisas.»
«E estamos, de certa forma... embora na inevitável tela.»
«Sussurrar no seu ouvido.»
«Que segredo?»
«Quero namorar você. Falar sobre desejos...»
«Sou todo ouvidos...»
«Sinto vontade, mas são pecaminosos. O mosquito me mordeu.»
«Esses pecados são os melhores desta vida, amor. Os mais saborosos.»
:( (feliz)
«Maroto do mosquito!»
:"> (envergonhada)
:D (sorriso largo)
«Onde é que ele foi morder?»
«No bumbum…»
Sem hesitações. O malandro do mosquito.
«Se eu estivesse aí, o mosquito fugia. Não gosto de ter concorrentes diretos.»
«Quer ver?»
Oi, Simone! Você foi direta.
Que lhe aconteceu hoje?
Confesso que não estava preparado para semelhante investida. Vou entrar no jogo. Que será será. Oxalá não me arrependa.
«Foi o local da picada?»
«Sim.»
«Mostra que eu dou um beijo e logo passa.»
«Mas vou mostrar rapidinho.»
Onde queria chegar?
«Assim não...»
«Só por segundos.»
«Tem vergonha de mim?»
«É no bumbum.»
«Eu curo a picada.»
«Melhor não. Quero namorar você.»
«Porquê?»
«Porque é no bumbum.»
«Pois é. Coisa muito complicada.»
«Posso mostrar por segundos.»
Sempre queria mostrar. Afinal estava fazendo negaças. Artimanhas de uma mulher sabida a fazer-se de ingénua.
«Sim.»
«Viu? Responde.»
Demorei a responder...
«Está desfocado. Mas não vi a picada...»
«Que pena!»
«Meu soutien... Gosta?»
Simone! Sua peste!
«Está-me a pôr louco!»
«É essa a intenção. Senti tesão quando te ouvi.»
«Nem me fale nisso, amor!»
«Quer ver o quê? Sinto tesão também para mostrar.»
«Tudoooo!»
«Eu fico com tesão. Quero ouvir você. Estou há muito tempo sozinha.»
«E eu não, meu amor?»
«Melhor parar. Queria poder ouvir você sussurrando no meu ouvido.»
«Queria vê-la deitada na cama e imaginar que estava consigo…»
«Não!»
«Como na história...»
«Vamos parar! Sinto tesão!, sabia?»
«Então não pára, Simone.»
«Não. Quero parar. Seria capaz de gozar te ouvindo, mas não podemos.»
«Porquê?»
«Porque sim.»
«Porque não?»
«Porque quero você. Não...»
«Quero-a toda para mim!»
«Vamos parar...»
«Então mostra-me os teus olhos. Olha para mim. Quero vê-los e sonhar que estou a beijá-los. Depois a boca, longamente.»
«Não. Tenho vergonha!»
«Por isso é que se virou de costas e mostrou o bumbum?»
«Sim.»
«Não tenhas vergonha de mim, amor...»
«Tenho.»
«Sou assim tão respeitável? Quero ver o seu sorriso.»
«Não.»
«Sim! Simoneeeee...»
«Oi.»
«Amor... Onde foi?»
«Entrei na sala.»
«A sala é o meu grande inimigo. Só aconteceu lá uma coisa boa lá que foi quando a conheci.»
«Vem.»
«Não. Da última vez aconteceram coisas muito desagradáveis e estive para intervir, mas desisti.»
«O que?»
«Palavrões, ofensas. Não gosto, principalmente porque é virtual e não posso agir.»
«Deixa. Esquece o povo.»
«Amanhã tem todo o tempo do mundo para ir para sala. Hoje fica comigo, amor!»
«Fico.»
«Que bom!»
«Prometo que não a desatino. Falamos de coisas sérias.»
«Não. Quero falar de coisas indecentes.»
«Então fala, que eu também falo.»
«Não. Você fala...»
«E se eu tiver vergonha? Como começo? Ia na sua boca fina, gostosa. Depois...»
«Não.»
«Acariciei as suas maminhas e você deu-me uma chapada. Bem feito. Quem me manda abusar.»
«Não. Vem.»
«Mas insisti e você disse que sim, que sim. E não perguntei se as podia beijar. Beijei-as. Que gostoso! E você disse que sim. O quê, pequenina?»
«...»
«Mais quero, quero mais. Então vamos dançar muito agarradinhos.»
«Vamos.»
«E fomos. Beijei-lhe o pescoço...»
«Gosto de sexo. Você gosta?»
«Beijei-a na boca. Desapertei os botões da blusa. Ou tirei a t-shirt? O mais fácil. E você disse:»
«Oh!»
«Que foi?»
«Caiu a t-shirt.»
«Sim...»
«Desapertei o soutien, mas demorei tempo porque sou desajeitado. Você morria de desejos e a cama esperava.»
«Vem cá... vem!»
«Chamava por nós. Você despia-me, com brusquidão e eu começava a transpirar.»
«Sim.»
«Então... tocaram à campainha da porta.»
«Quero amar você!»
«Era o ladrão.»
«Nãoooooo! Eram rosas.»
«Saltámos para cima da cama e escondemo-nos debaixo do lençol e aí começou a confusão. Eu por cima e tu por baixo. Tu por cima e eu por baixo.»
«Rebolando. Sexo.»
«Apareceu o ladrão... que era eu...»
«Picou-me o mosquito!»
«Diz...»
«Aonde, amor?»
«Olha...»
«E olhei. O mosquito fugiu do ladrão.»
«Não foi aí que picou o mosquito!»
«Sim.»
«Aqui?»
«Te chega pra mim. Vem apagar meu ardor. Vou me esfregar em você. Sussurrar no seu ouvido.»
«E que mais, meu amor?»
«Quero sentar no seu colo...»
«Não oiço o que está dizendo ao ouvido.»
«... e te dar beijos molhados. Aiiiiii...! Quero mais!, muito mais!»
«Que mais?»
«Tudo!»
«Pára! Quero me acalmar. Vou fazer xixi...»
«Vamos dormir... Colados.»
«Vamos, meu amor... Muito colados.»
«Queria dormir ouvindo você.»
«E eu adormecer depois...»
«Me liga. Vou desconectar e deitar. Vou desligar aqui.»
«Beijo.»
«Outro.»
E a seguir falámos ao telefone. Continuei a ser o ladrão e ela a gostar de ser roubada...
“Ser mosquito supremo gozo
mosca ou outro bicho a voar
pousar em teu corpo gostoso
até a madrugada chegar...”
Estou a sentir dificuldade em tentar esconder as palavras que nunca te direi (e agora paro, a pensar... que palavras?) e em trazer ao consciente as outras que tenho para te dizer. Começando pelas palavras que nunca te direi, penso que já disse tudo. Nunca te direi. Portanto, caso arquivado. Quanto às outras... é delas que estás à espera, não é?
Saiba então, menina Simone, que gosto de si e ainda hoje estou para saber como foi que aconteceu. Gosto muito de si e não sei bem porquê pois nem sequer a vi a atravessar uma rua a lançar-me um olhar que registei, analisei e deu azo a que um sentimento ligeiro aflorasse. Não me dirigi a si e perguntei:
«Desculpe, donde nos conhecemos.»
Ou então, num baile:
«A menina dança ou descansa?»
Ou então, pensando:
"Vou atrás dela e arranjo forma de cruzarmos os olhares outra vez. Posso ter-me enganado e é uma grande bronca..."
Como foi?
Tudo vem muito detrás. Do último trimestre do ano passado, precisamente do dia vinte e dois de outubro, em que tive um diálogo curto com a morte (O Anjo e a besta... um acidente de viação que podia ter sido fatal). Foi o momento da viragem e decidi-me a regressar ao mundo da net, a ressuscitar das cinzas o Mário de "Os longos dias azuis", um livro que foi publicado há muito e que deu num autêntico fracasso. Mas não fiquei por aqui. Dispus-me a sarar as feridas abertas por uma relação muito mal conseguida. Mudar, mudar, era o lema.
Virei-me para as salas de conversação. Comecei pelas da amizade e fugi delas a toda a pressa por motivo de uma relação que não me agradou muito porque, espremida, pouco sumo deitava. Depois, decidi entrar nas salas dos descasados, onde nasceram amizades interessantes, salientando uma paixão estranha que durou pouco mais de uma semana. Depois de um aligeirar de roupa inesperado, sem que lhe pedisse, como um meteoro, ela desapareceu e a sua paixão reduziu-se a nada. Não me admirei. Ela também viera do nada. O habitual da tela dos corações caídos.
Foi então que comecei a ouvir-te. Segundo a "cobra", tu lideravas a sala. Fiquei com curiosidade de te conhecer. Podia ter sido a dita "cobra" ou a "nina". Ou outra qualquer. Mas foste tu. Tentei o diálogo.
«Primeiro falamos e depois tc.»
Tc?
Teclar, claro.
Mas porquê falarmos primeiro? Muito simples: estava muita gente desconfiada que tinha entrado com um nick duplo. Se ainda estava a digerir muita coisa aprendida, como podia saber criar uma dupla personagem? Comecei a aparecer menos nas salas. As conversações em privado seduziam-me. Tentava entender a mentalidade dos que, como eu, se escondiam atrás de um nome, mentiam até dizer chega e por que faziam sempre a mesma pergunta:
«O que procuras na net?»
Acabei por aprender com a resposta que uma das muitas desconhecidas me deu, já que comecei também a fazer a mesma pergunta. A sua resposta:
«Amizade. Depois, que será, será.»
E ela tinha razão.
Deixei passar uns dias e comecei a ficar seduzido pelo tom da tua voz. Entrava cá dentro. Depois, parecias tão segura!
À segunda falámos mais um pouco. À terceira ainda mais. Só ficaste satisfeita quando ouviste a minha voz.
Depois de alguns altos e baixos... aconteceu poesia. De repente, sem dar conta, tinha-me apaixonado por ti. Tu punhas-me à margem, mas vinhas sempre falar e quando esboçava uma fuga, logo me chamavas. Estavas intrigada com comigo. Não pelas histórias que nunca tinhas lido. Era outra coisa. Aquilo a que se costuma chamar de feromonas. Uma química especial, uma espécie de aroma que aproxima dois seres de sexo oposto. As prosas poéticas talvez tenham ajudado. Não sei. Tu é que sabes como aconteceu. Já desesperava quando tu disseste que sim e o sol brilhou. Só lamento que algumas nuvens negras ensombrassem a nossa bela relação. Oxalá, Simone, consigas resolver os problemas que te preocupam e não deixam mostrar o que vales. A tua fraqueza será a minha força. A tua força será a minha fraqueza. E o deserto em que vivíamos vai virar oásis. Unidos seremos fortes. Talvez que o amor vença a barreira natural que nos separa. Mas teremos que cerrar fileiras ante as tais nuvens negras que vejo no teu futuro. Infelizmente não posso ajudar-te senão com amor e compreensão pelo momento mau que estás a atravessar. Se eu fosse um homem rico parece ter sido uma premonição. Sou pobre e talvez seja rico se tiver o teu amor. E, se por acaso, o destino te for adverso e optares por refazer a tua vida fora do teu país...
Agora queria falar desta madrugada, amor. Ou não falo? É muito íntimo este nosso aconchego. Um sonho que ainda não se tornou realidade. Uma noite que nos uniu num só e que iniciou a saída da sua solidão e do meu deserto. Agora só temos que procurar o oásis...
Como estou a escrever uma carta de amor, quero desde já dizer que gosto muito de si. Não sei como aconteceu, mas aconteceu. Por mais estranho que pareça tudo começou no virtual e continua no virtual. Não sei onde estás. Tudo é virtual. Apenas as nossas vozes já não. E o amor, esse... cresce, cresce... de malmequer a girassol. É um amor diferente. Um amor que, um dia, talvez vença a barreira natural que nos separa. Quando? Só Deus sabe. Estamos nas Suas Mãos. Ele é que há-de decidir. Por mim, seria hoje. Por ti, não sei.
Ontem à noite não vi a lua, já em fase de "quarto minguante". Vénus estava lá, a dar-nos uma força. Mau presságio, a lua...
Vagueei pelas ruas quase desertas da cidade e senti-me só. Mais uma vez só. Naquele momento não sei o que daria para te ter comigo, para passearmos de mão dada, para roubarmos um ao outro beijos molhados, para dizermos bobagens, para sussurrarmos segredos banais muito importantes para nós. Pois foi. Mas talvez a minha tristeza tivesse a ver ainda com outra componente que vou guardar para o fim da carta.
Depois da noite da véspera, passada praticamente em branco pelos motivos que conheces, quando cheguei a casa, esvaziou-se a pasta das memórias e caí no vazio do sono, sem sonhos (que me lembre) e acordei bem disposto e refeito duma noite em branco.
Que fazer? Dar ar aos pneus da bicicleta e pedalar. Sempre a pensar em ti. A parar de vez em quando e a tirar uma foto... para ti.
Não viste as fotos que te enviei. A notícia de que ias receber uma carta de amor, pouco ou nada te interessou. Primeiro estavam as salas e as bombas que te deitaram nas mesmas. Isso é que era importante. Tudo o mais, puras fantasias. Depois de falares das bombas, disseste:
«Espera.»
E eu caí em mim. Não te levo a mal, nem guardo rancor. Afinal é tudo virtual. Não passou duma nuvem que parou e deitou lágrimas amargas.
Há quarenta minutos que disseste para esperar. Não piso ninguém, mas também não deixo que me pisem! Podes vir com desculpas, mas continuas online nessa maldita sala que, quanto mais cheia de virtuais, mais vazia está de humanismo.
Respeito a tua liberdade. Mas dá-me vontade de rir. Isto é tudo virtual! Eu também sou virtual. Já me esquecia.
Foi bom, apesar de tudo, ter-te conhecido. Um dia destes escreverei sobre a paixão da nossa história virtual.
Isto que estou para aqui a dizer são justificações para um virar de costas do Leão que sabe quando perdeu a guerra. Se fosse Carneiro "suicidava-me", porque ia até ao fim, embora soubesse da impossibilidade de êxito no meu sonho.
Parece que lá atrás deixei qualquer coisa para o fim, mas já não vale a pena. Há quase uma hora que minimizei a nossa conversa instantânea e tu continuas numa boa, talvez a confraternizar com o "cara das bombas".
Só mais uma coisa. Nunca fiz esperar ninguém mais que cinco minutos. Cumpri sempre quando assumi.
Foi pena não teres aberto a pasta das mensagens... porque eu queria oferecer-te uma rosa vermelha!
Sê feliz...
António
Mostrou-se um pouco...
«Finalmente chama-me amor!»
«Adorei te ouvir...»
«Custava assim tanto?»
«Queria ficar namorando você no telefone. Falar coisas.»
«E estamos, de certa forma... embora na inevitável tela.»
«Sussurrar no seu ouvido.»
«Que segredo?»
«Quero namorar você. Falar sobre desejos...»
«Sou todo ouvidos...»
«Sinto vontade, mas são pecaminosos. O mosquito me mordeu.»
«Esses pecados são os melhores desta vida, amor. Os mais saborosos.»
:( (feliz)
«Maroto do mosquito!»
:"> (envergonhada)
:D (sorriso largo)
«Onde é que ele foi morder?»
«No bumbum…»
Sem hesitações. O malandro do mosquito.
«Se eu estivesse aí, o mosquito fugia. Não gosto de ter concorrentes diretos.»
«Quer ver?»
Oi, Simone! Você foi direta.
Que lhe aconteceu hoje?
Confesso que não estava preparado para semelhante investida. Vou entrar no jogo. Que será será. Oxalá não me arrependa.
«Foi o local da picada?»
«Sim.»
«Mostra que eu dou um beijo e logo passa.»
«Mas vou mostrar rapidinho.»
Onde queria chegar?
«Assim não...»
«Só por segundos.»
«Tem vergonha de mim?»
«É no bumbum.»
«Eu curo a picada.»
«Melhor não. Quero namorar você.»
«Porquê?»
«Porque é no bumbum.»
«Pois é. Coisa muito complicada.»
«Posso mostrar por segundos.»
Sempre queria mostrar. Afinal estava fazendo negaças. Artimanhas de uma mulher sabida a fazer-se de ingénua.
«Sim.»
«Viu? Responde.»
Demorei a responder...
«Está desfocado. Mas não vi a picada...»
«Que pena!»
«Meu soutien... Gosta?»
Simone! Sua peste!
«Está-me a pôr louco!»
«É essa a intenção. Senti tesão quando te ouvi.»
«Nem me fale nisso, amor!»
«Quer ver o quê? Sinto tesão também para mostrar.»
«Tudoooo!»
«Eu fico com tesão. Quero ouvir você. Estou há muito tempo sozinha.»
«E eu não, meu amor?»
«Melhor parar. Queria poder ouvir você sussurrando no meu ouvido.»
«Queria vê-la deitada na cama e imaginar que estava consigo…»
«Não!»
«Como na história...»
«Vamos parar! Sinto tesão!, sabia?»
«Então não pára, Simone.»
«Não. Quero parar. Seria capaz de gozar te ouvindo, mas não podemos.»
«Porquê?»
«Porque sim.»
«Porque não?»
«Porque quero você. Não...»
«Quero-a toda para mim!»
«Vamos parar...»
«Então mostra-me os teus olhos. Olha para mim. Quero vê-los e sonhar que estou a beijá-los. Depois a boca, longamente.»
«Não. Tenho vergonha!»
«Por isso é que se virou de costas e mostrou o bumbum?»
«Sim.»
«Não tenhas vergonha de mim, amor...»
«Tenho.»
«Sou assim tão respeitável? Quero ver o seu sorriso.»
«Não.»
«Sim! Simoneeeee...»
«Oi.»
«Amor... Onde foi?»
«Entrei na sala.»
«A sala é o meu grande inimigo. Só aconteceu lá uma coisa boa lá que foi quando a conheci.»
«Vem.»
«Não. Da última vez aconteceram coisas muito desagradáveis e estive para intervir, mas desisti.»
«O que?»
«Palavrões, ofensas. Não gosto, principalmente porque é virtual e não posso agir.»
«Deixa. Esquece o povo.»
«Amanhã tem todo o tempo do mundo para ir para sala. Hoje fica comigo, amor!»
«Fico.»
«Que bom!»
«Prometo que não a desatino. Falamos de coisas sérias.»
«Não. Quero falar de coisas indecentes.»
«Então fala, que eu também falo.»
«Não. Você fala...»
«E se eu tiver vergonha? Como começo? Ia na sua boca fina, gostosa. Depois...»
«Não.»
«Acariciei as suas maminhas e você deu-me uma chapada. Bem feito. Quem me manda abusar.»
«Não. Vem.»
«Mas insisti e você disse que sim, que sim. E não perguntei se as podia beijar. Beijei-as. Que gostoso! E você disse que sim. O quê, pequenina?»
«...»
«Mais quero, quero mais. Então vamos dançar muito agarradinhos.»
«Vamos.»
«E fomos. Beijei-lhe o pescoço...»
«Gosto de sexo. Você gosta?»
«Beijei-a na boca. Desapertei os botões da blusa. Ou tirei a t-shirt? O mais fácil. E você disse:»
«Oh!»
«Que foi?»
«Caiu a t-shirt.»
«Sim...»
«Desapertei o soutien, mas demorei tempo porque sou desajeitado. Você morria de desejos e a cama esperava.»
«Vem cá... vem!»
«Chamava por nós. Você despia-me, com brusquidão e eu começava a transpirar.»
«Sim.»
«Então... tocaram à campainha da porta.»
«Quero amar você!»
«Era o ladrão.»
«Nãoooooo! Eram rosas.»
«Saltámos para cima da cama e escondemo-nos debaixo do lençol e aí começou a confusão. Eu por cima e tu por baixo. Tu por cima e eu por baixo.»
«Rebolando. Sexo.»
«Apareceu o ladrão... que era eu...»
«Picou-me o mosquito!»
«Diz...»
«Aonde, amor?»
«Olha...»
«E olhei. O mosquito fugiu do ladrão.»
«Não foi aí que picou o mosquito!»
«Sim.»
«Aqui?»
«Te chega pra mim. Vem apagar meu ardor. Vou me esfregar em você. Sussurrar no seu ouvido.»
«E que mais, meu amor?»
«Quero sentar no seu colo...»
«Não oiço o que está dizendo ao ouvido.»
«... e te dar beijos molhados. Aiiiiii...! Quero mais!, muito mais!»
«Que mais?»
«Tudo!»
«Pára! Quero me acalmar. Vou fazer xixi...»
«Vamos dormir... Colados.»
«Vamos, meu amor... Muito colados.»
«Queria dormir ouvindo você.»
«E eu adormecer depois...»
«Me liga. Vou desconectar e deitar. Vou desligar aqui.»
«Beijo.»
«Outro.»
E a seguir falámos ao telefone. Continuei a ser o ladrão e ela a gostar de ser roubada...
“Ser mosquito supremo gozo
mosca ou outro bicho a voar
pousar em teu corpo gostoso
até a madrugada chegar...”
Carta
Querida Simone
Há muito tempo que não escrevia uma carta de amor. Os tempos são outros, agora que as novas tecnologias invadiram as nossas casas e modificaram os hábitos tradicionais. Pois é, estou a escrever diretamente no computador e a deixar que o pensamento se liberte da mordaça do consciente. Agora ele possui um segundo crivo. Posso emendar, intercalar, substituir uma palavra fora do contexto, emendar uma gralha. Dantes, este trabalho era feito sem rede. O que saía, ou se riscava e ficava com mau aspecto (quantas vezes rasguei uma folha para voltar ao princípio só porque me arrependi do que disse numa frase?), ou não se alterava uma linha. E, se riscava as palavras, por mais que ficassem riscadas ainda se via alguma coisa e sempre podia ser lida nas entrelinhas. Uma emoção brusca de que resultava um pensamento, quase à velocidade da luz, escapava, por vezes, à crítica do consciente. A carta partia e já era tarde para remediar. Resultado: zanga das grandes, arrufo de dias, ou separação para sempre. Agora é diferente. Com um pouco de cuidado, a verdade que se quer é reposta.Estou a sentir dificuldade em tentar esconder as palavras que nunca te direi (e agora paro, a pensar... que palavras?) e em trazer ao consciente as outras que tenho para te dizer. Começando pelas palavras que nunca te direi, penso que já disse tudo. Nunca te direi. Portanto, caso arquivado. Quanto às outras... é delas que estás à espera, não é?
Saiba então, menina Simone, que gosto de si e ainda hoje estou para saber como foi que aconteceu. Gosto muito de si e não sei bem porquê pois nem sequer a vi a atravessar uma rua a lançar-me um olhar que registei, analisei e deu azo a que um sentimento ligeiro aflorasse. Não me dirigi a si e perguntei:
«Desculpe, donde nos conhecemos.»
Ou então, num baile:
«A menina dança ou descansa?»
Ou então, pensando:
"Vou atrás dela e arranjo forma de cruzarmos os olhares outra vez. Posso ter-me enganado e é uma grande bronca..."
Como foi?
Tudo vem muito detrás. Do último trimestre do ano passado, precisamente do dia vinte e dois de outubro, em que tive um diálogo curto com a morte (O Anjo e a besta... um acidente de viação que podia ter sido fatal). Foi o momento da viragem e decidi-me a regressar ao mundo da net, a ressuscitar das cinzas o Mário de "Os longos dias azuis", um livro que foi publicado há muito e que deu num autêntico fracasso. Mas não fiquei por aqui. Dispus-me a sarar as feridas abertas por uma relação muito mal conseguida. Mudar, mudar, era o lema.
Virei-me para as salas de conversação. Comecei pelas da amizade e fugi delas a toda a pressa por motivo de uma relação que não me agradou muito porque, espremida, pouco sumo deitava. Depois, decidi entrar nas salas dos descasados, onde nasceram amizades interessantes, salientando uma paixão estranha que durou pouco mais de uma semana. Depois de um aligeirar de roupa inesperado, sem que lhe pedisse, como um meteoro, ela desapareceu e a sua paixão reduziu-se a nada. Não me admirei. Ela também viera do nada. O habitual da tela dos corações caídos.
Foi então que comecei a ouvir-te. Segundo a "cobra", tu lideravas a sala. Fiquei com curiosidade de te conhecer. Podia ter sido a dita "cobra" ou a "nina". Ou outra qualquer. Mas foste tu. Tentei o diálogo.
«Primeiro falamos e depois tc.»
Tc?
Teclar, claro.
Mas porquê falarmos primeiro? Muito simples: estava muita gente desconfiada que tinha entrado com um nick duplo. Se ainda estava a digerir muita coisa aprendida, como podia saber criar uma dupla personagem? Comecei a aparecer menos nas salas. As conversações em privado seduziam-me. Tentava entender a mentalidade dos que, como eu, se escondiam atrás de um nome, mentiam até dizer chega e por que faziam sempre a mesma pergunta:
«O que procuras na net?»
Acabei por aprender com a resposta que uma das muitas desconhecidas me deu, já que comecei também a fazer a mesma pergunta. A sua resposta:
«Amizade. Depois, que será, será.»
E ela tinha razão.
Deixei passar uns dias e comecei a ficar seduzido pelo tom da tua voz. Entrava cá dentro. Depois, parecias tão segura!
À segunda falámos mais um pouco. À terceira ainda mais. Só ficaste satisfeita quando ouviste a minha voz.
Depois de alguns altos e baixos... aconteceu poesia. De repente, sem dar conta, tinha-me apaixonado por ti. Tu punhas-me à margem, mas vinhas sempre falar e quando esboçava uma fuga, logo me chamavas. Estavas intrigada com comigo. Não pelas histórias que nunca tinhas lido. Era outra coisa. Aquilo a que se costuma chamar de feromonas. Uma química especial, uma espécie de aroma que aproxima dois seres de sexo oposto. As prosas poéticas talvez tenham ajudado. Não sei. Tu é que sabes como aconteceu. Já desesperava quando tu disseste que sim e o sol brilhou. Só lamento que algumas nuvens negras ensombrassem a nossa bela relação. Oxalá, Simone, consigas resolver os problemas que te preocupam e não deixam mostrar o que vales. A tua fraqueza será a minha força. A tua força será a minha fraqueza. E o deserto em que vivíamos vai virar oásis. Unidos seremos fortes. Talvez que o amor vença a barreira natural que nos separa. Mas teremos que cerrar fileiras ante as tais nuvens negras que vejo no teu futuro. Infelizmente não posso ajudar-te senão com amor e compreensão pelo momento mau que estás a atravessar. Se eu fosse um homem rico parece ter sido uma premonição. Sou pobre e talvez seja rico se tiver o teu amor. E, se por acaso, o destino te for adverso e optares por refazer a tua vida fora do teu país...
Agora queria falar desta madrugada, amor. Ou não falo? É muito íntimo este nosso aconchego. Um sonho que ainda não se tornou realidade. Uma noite que nos uniu num só e que iniciou a saída da sua solidão e do meu deserto. Agora só temos que procurar o oásis...
Como estou a escrever uma carta de amor, quero desde já dizer que gosto muito de si. Não sei como aconteceu, mas aconteceu. Por mais estranho que pareça tudo começou no virtual e continua no virtual. Não sei onde estás. Tudo é virtual. Apenas as nossas vozes já não. E o amor, esse... cresce, cresce... de malmequer a girassol. É um amor diferente. Um amor que, um dia, talvez vença a barreira natural que nos separa. Quando? Só Deus sabe. Estamos nas Suas Mãos. Ele é que há-de decidir. Por mim, seria hoje. Por ti, não sei.
Ontem à noite não vi a lua, já em fase de "quarto minguante". Vénus estava lá, a dar-nos uma força. Mau presságio, a lua...
Vagueei pelas ruas quase desertas da cidade e senti-me só. Mais uma vez só. Naquele momento não sei o que daria para te ter comigo, para passearmos de mão dada, para roubarmos um ao outro beijos molhados, para dizermos bobagens, para sussurrarmos segredos banais muito importantes para nós. Pois foi. Mas talvez a minha tristeza tivesse a ver ainda com outra componente que vou guardar para o fim da carta.
Depois da noite da véspera, passada praticamente em branco pelos motivos que conheces, quando cheguei a casa, esvaziou-se a pasta das memórias e caí no vazio do sono, sem sonhos (que me lembre) e acordei bem disposto e refeito duma noite em branco.
Que fazer? Dar ar aos pneus da bicicleta e pedalar. Sempre a pensar em ti. A parar de vez em quando e a tirar uma foto... para ti.
Não viste as fotos que te enviei. A notícia de que ias receber uma carta de amor, pouco ou nada te interessou. Primeiro estavam as salas e as bombas que te deitaram nas mesmas. Isso é que era importante. Tudo o mais, puras fantasias. Depois de falares das bombas, disseste:
«Espera.»
E eu caí em mim. Não te levo a mal, nem guardo rancor. Afinal é tudo virtual. Não passou duma nuvem que parou e deitou lágrimas amargas.
Há quarenta minutos que disseste para esperar. Não piso ninguém, mas também não deixo que me pisem! Podes vir com desculpas, mas continuas online nessa maldita sala que, quanto mais cheia de virtuais, mais vazia está de humanismo.
Respeito a tua liberdade. Mas dá-me vontade de rir. Isto é tudo virtual! Eu também sou virtual. Já me esquecia.
Foi bom, apesar de tudo, ter-te conhecido. Um dia destes escreverei sobre a paixão da nossa história virtual.
Isto que estou para aqui a dizer são justificações para um virar de costas do Leão que sabe quando perdeu a guerra. Se fosse Carneiro "suicidava-me", porque ia até ao fim, embora soubesse da impossibilidade de êxito no meu sonho.
Parece que lá atrás deixei qualquer coisa para o fim, mas já não vale a pena. Há quase uma hora que minimizei a nossa conversa instantânea e tu continuas numa boa, talvez a confraternizar com o "cara das bombas".
Só mais uma coisa. Nunca fiz esperar ninguém mais que cinco minutos. Cumpri sempre quando assumi.
Foi pena não teres aberto a pasta das mensagens... porque eu queria oferecer-te uma rosa vermelha!
Sê feliz...
António
«Demoro no banho.»
:( (triste)
«Muito?»
«Sim.»
:(( (chorando)
«Mas sou rápida para escolher roupa.»
«Se eu a lavasse era um desassossego e fugia a sete pés!»
«Rs...»
«Vamos no msn...»
«Gostava...?»
«Sim.»
«Estou igual a uma baiana de turbante com a toalha enrolada no cabelo. Então vamos. Tenho muito cabelo. Sexta vou fazer depilação no corpo todo.»
:(( (chorando)
«Marquei. E as unhas.»
«Dói a depilação?»
«Muito. Faço nas partes íntimas.»
:(( (chorando)
«Ainda bem que sou homem!»
:D (sorriso aberto)
«Vamos por aqui. Lá fechou. Aceite. Assim perdemos muito tempo.»
«Oi.»
«Aceite.»
«Deu erro.»
«Preciso fazer algo para comer.»
«Está a ver-me? Parece que estou com os copos.»
«Aceite a minha.»
«Estou a vê-la.»
«Rs. Meu cabelo está molhado.»
«Você é linda!»
«Rs... Estou feia, com cara de cansada, mal tratada. Estou bebendo leite.»
«Quero olhar para si.»
«Adoro leite gelado.»
«Já vi.»
«Sou comum. Uma mulher comum, sem nada de linda. Apenas comum. E gosto de ser assim. A beleza está nos olhos de quem vê. Hoje peguei um DVD na locadora. Quando você for deitar, vou assistir a um filme. Há tempo que não faço isso.»
«Deitar com quem?»
«Não me olhe. Tenho vergonha.»
«Olha para mim, amor! Não se esconda.»
«Estou toda descabelada. Não faz assim.»
«Senta na cama.»
«Fico com vergonha. Estou de calcinha e camiseta. Tenho que me vestir. Adoro andar nua. Minha mãe sempre disse que tenho que morar numa ilha como nudista.»
:D (sorriso largo)
«Ainda bem que aqui só há micos. Não tem vizinhos. Não gosto de roupa de baixo.»
Bem-me-quer
«Acordei de repente. Tive um pressentimento...»
«Como assim?»
«Que estavas online.»
«Ah sim. Assim que entrei, o chamei.»
«Cada vez goste mais de si.»
«Eu quero que tenha paciência. Ontem pensei como serei capaz de gostar de você. Acho que era isso que precisava. Essa conquista diária. Kd você?»
«Não fugi. Ainda há pouco...»
«Sim, meu querido?»
«... apareceu um conhecimento antigo no MSN. Não sei como conseguiu contactar. Falou-me de amor. Desculpei-me. Disse-lhe que estava apaixonada pelas minhas histórias. Era só isso.»
«Sério?»
«Conheci-a no Yahoo, nas salas da amizade. Disse-lhe que só podia ser seu amigo porque apaixonei-me por outra mulher. Deixou uma emoção de tristeza e foi-se.»
«Nossa! Arrasando os corações...»
«Eu não arraso corações. Não gosto de dar falsas esperanças... que se apaixonem por mim, quando não posso retribuir.»
«Comigo sempre aconteceu, mas só fico sabendo anos depois. Vivem me reencontrando e falando do amor que sentiram. Pessoas que nem lembro mais e lembram de roupas que usava. Você é sedutor... Um cavalheiro. Inteligente.»
«Diga se gosta de mim!»
«Gosto muito. Queria muito que você estivesse próximo.»
«Um dia estarei.»
«Eu sei. A paixão não espera, não tem paciência. Mas o amor espera.»
«Com certeza. Estou louca para resolver essas coisas. Comprar minha casa.»
«Eu até sou capaz de andar de avião para ir ter contigo!»
«Eu sei. E eu sou capaz de mais coisas, acredite!»
«Nunca a vi de corpo inteiro.»
«Eu não gosto!»
«Quando estivermos juntos só olho para a sua cabeça?»
«Sim.»
=)) (rolando a rir)
«Bumbum...»
[-x (não, não, não...)
«Porquê?»
«Porque tenho vergonha.»
«Não sou mosquito...»
:-O (chocada)
«Ai, Ai, Ai... Se é por seres pequenina, calça as sandálias de seis centímetros de salto!»
«Muito mais. Dez.»
=)) (rolando a rir)
«Depois cai.»
«Eu caio às vezes.»
«Já sei qual é o problema. Está nua. Ora toca a vestir-se que quero vê-la. É proibido ter vergonha de mim.»
«Agora não. Deixe as coisas acontecerem...»
«Se eu aparecesse aí, não tinhas muito tempo para deixar as coisas acontecerem. Dormia no tapete?»
«Sim.»
«E a minha coluna? Não tem pena de mim?»
«Tenho. Estou com fome.»
«Eu comi bacalhau.»
«Eu quero!»
«Quer o quê? Bacalhau?»
«Vou esquentar. Quero muito.»
Desilusão...
«Do alto ou do baixo?»
«Não sei o que é.»
«Posta grossa ou fina...?»
«Grossa. Com muito azeite!»
=P~ (babando)
«É como eu. A posta grossa é muito mais saborosa.»
=P~ (babando)
«Venha cá passar uns tempos que eu sei fazer uns bons pratos de bacalhau e não só. Cá me ajeito a cozinhar.»
«Obaaaaa!»
«Uhm?»
«Sim? Vou esquentar comida.»
«Vai. Já chegou a carta? Vou escrever-lhe outra este fim-de-semana.»
«Ainda não. Estou esquentando a comida. Eu quero tanto que as coisas se acalmem para ter tempo.»
«Já leu?»
«Estou lendo, sim. Vou anotar.»
«Está bem. Vai comer senão chamo o mosquito.»
:D (sorriso aberto)
«Mosquito!»
:-*
«Estou comendo...»
«E eu estou a comer figos secos.»
«Adoro!»
«E nozes?»
«Também. Mas aqui só comemos no Natal.»
«Eu como todos os dias. Faz bem à mioleira.»
«Então preciso.»
«Três ou quatro por dia.»
«Não sabia.»
«É muito bom.»
«Estou comendo.»
«Não posso ter bananas em casa. Despacho-as todas num ápice.»
«Como os micos?»
«Pois.»
:)) (rebolando a rir)
«Eles adoram bananas...»
«Gostava de ser um mico para correr atrás de ti...»
:-SS (roendo as unhas)
«Vamos dormir?»
«Só para dar um beijinho.»
«Eu deixo. Você precisa descansar. Quantas vezes por semana dá aulas? Nunca me contou suas coisas.»
Complicação inesperada...
«Deixa-me dormir consigo em vez de dormir no tapete? No tapete talvez durma, mas na sua cama duvido. Tem mel.»
:"> (envergonhada)
«Fale depois do seu trabalho. Sabe, estou envergonhada com esse presente. Acho que...»
«Não ache.»
«Tenho horário reduzido porque atingi o topo da carreira. Catorze horas por semana. De manhã. Folgo à quinta.»
«Hoje enquanto lavava o quintal, pensei no que poderia mandar para você.»
«Não se fala nisso. Está tudo dito.»
«O que você gostaria de ganhar? Por favor, fale de algo que quer...»
«Beijinhos...»
«Sério. Fale.»
«Muito amor. Quero-a só para mim.»
«Falo em coisas materiais. Diga alguma coisa.»
«Alguma coisa. Quero o seu coração. Não há nada material que substitua o seu carinho.»
«Por favor, Antônio...»
«Quer que lhe diga?»
«Sim, por favor...»
«Vê-la... mesmo que seja só a cabeça e o pescoço. E a sorrir.»
«Nãoooo!»
«Tem um sorriso tão bonito!»
«Não zanga!»
«Zango, sim. Fale alguma coisa.»
«Uma moldura com a sua fotografia... a corpo inteiro!»
«Eu quero te mandar mais alguma coisa.»
Ignorou a moldura, porquê?
«Vou tomar banho e deitar.»
«Vamos dormir? Vou tomar um banho quente. Amanhã acordo cedinho. Meu querido, obrigada por sua companhia. Obrigada mesmo. Fique com Deus.»
:-* (beijo meu)
«Durma bem.»
«Também você.»
«E espero um dia poder te agradecer pessoalmente. Um dia vi um filme que um casal demorou vinte anos para se encontrar. Ela não lembrava mais dele. Tinha Alzheimer. E ele a amava tanto que passou o resto da vida conquistando-a como se fosse a primeira vez e ela retribuía como se o estivesse conhecendo naquele instante.»
«É uma doença terrível!»
«Um beijo, querido. Fique bem. Estou gostando cada dia mais de você. Durma.»
«Durmo, sim, Simone.»
«Sabe, tenho medo. Às vezes esqueço muitas coisas. Não lembro nada do que me aconteceu na infância. Nada mesmo. Só lembro de alguns anos para cá. Não gosto de falar nisso. Sei que tenho que procurar ajuda médica.»
«De que anos?»
«De dez anos para cá. E poucas coisas. Muito pouco. Tenho uma mente estranha. Um dia te contarei.»
«Diga-me o que sente.»
«É uma história longa. Gravo números. Placas de veículos. Mas não lembro de palavras. Nem de momentos. E quando tento, dói. Sim. Fiz um teste uma vez em um hospital.»
«Há pessoas que são assim. Não se preocupe. Só quero é que não se esqueça de mim.»
«Sabe quantos números de telefones tenho na memória? Chute.»
«Não imagino.»
«Fale qualquer coisa.»
«Cem?»
«Não. Mais de oitocentos memorizados. Sou proibida olhar placas, memorizar documentos. Fui escrava de ansiolíticos. Não quero mais isso. Um dia te conto mais. Vou tomar banho. Um beijo, meu querido. Depois falamos mais. Adoro você, acredite.»
:-* (beijo de Simone)
«Um beijo, pequenina.»
:-* (outro beijo)
Que se passa com a doença de Simone?
«Bom dia.»
«Bom dia. Aqui está um rico dia de sol, mas sinto-me cinzento. E aí?»
«Com chuvas. Mas está bonito também.»
«Dormiu bem?»
«Sim. Mas tenho tido dias tensos. Se você tivesse passando por tudo que estou vivendo no momento, estaria pior. Mas eu não posso me abater, senão desisto. Sou valente. Sempre fui.»
«Não desista. Lute.»
«Mas você me deixa desanimada. Está sempre triste.»
«Estou triste porque prometeu dar um toque de telemóvel e nunca se lembrou de mim. Falei-lhe da carta e não comentou. Por isso é que estou triste.»
«Eu não dei o toque no telefone porque assim que cheguei liguei o computador.»
«Teve o telemóvel desligado. Não dava sinal.»
«Não. Pode ser que quando estive no cartório...»
«Nunca consegui o contacto.»
«Foi desligado. E ontem estava extremamente eufórica, excitada e cansada. Sabe, Antônio, eu quero que você entenda a correria em que ando. Não consigo pensar direito, comer direito, me cuidar. Só no domingo descansei. Essa casa tem que ser vendida o mais rápido. Essa batalha ainda não terminou. Adoraria estar relaxada, fazer minhas unhas...»
«Tudo bem. Vou esperar.»
«... massagens no cabelo. Acordo, tomo café e banho correndo, e vou para a rua. Dirijo. Vou à advogada. Cartórios. Banco. Não tenho tempo para comer. Mas vai passar. Vai terminar em breve. Tenho que tomar banho e sair já. Sinto muito. Você é livre... Não quero te deixar preso aqui por mim.»
Quantos banhos já tomou hoje?
«Gostava de a ver feliz, se acaso não viesse a ser feliz comigo.»
«Adoraria estar retribuindo todo esse carinho, mas não estou relaxada no momento. Queria te mandar as fotos dos micos. Quer ver?»
«Manda depois. Agora não perca tempo.»
«Veja só essa... Tirei para você.»
:( (triste)
«Sim. Envie, por favor.»
«Aceite. Conseguiu ver?»
«Sim. São giros, mas parecem grandes.»
«Rs...»
«Sim. São engraçados. Este último é um espanto!»
«Alguns são grandes; outros pequenininhos, os filhotes, andam na garupa.»
:)) (gargalhando)
«Olhe, eles sabem que coloco bananas. Por isso vêm aqui...»
:D (sorriso aberto)
«Chama-lhes parvos...»
«Quando os vi, peguei a máquina e sai correndo pelas escadas.»
«Deixam-se apanhar... os pequeninos?»
«Sim. Vêm comer na mão.»
«Não mordem?»
«Ainda não me morderam. Às vezes fujo. Não pense no pior, pense sempre no lado bom. Eles me divertem e nunca vão me machucar.»
«Receio sempre por si.»
«Quero você com bons pensamentos. Positivo. Alegre. Bem com a vida. A nossa boca fala do que o nosso coração está cheio. Eu penso em si, acredite, em vários momentos do meu dia. Só não posso ficar ligando. Mas atenderei você todas as vezes que me chamar. Ontem não ouvi mesmo. Me perdoe, entrei agora para encontrar você. Por mais nada. Entende? Mas acaso você não estivesse, não ficaria chateada.»
«Perdoar? Não estou zangado consigo. Só se mentir. E para lhe perdoar, tem que me dar muitos beijos.»
«Deixaria um beijo. Te dou.»
«Só um?»
:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-* . Muitos!
«Quero mais!»
:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*
«Fique com Deus...» Disse Simone.
«Só queria vê-la um minuto. Posso?»
«Estou toda amassada, com cara de travisseeiros.»
«Mas eu gosto de si com cara de “travisseeiros”, amor!»
«Rs... Espere. Vou pegar um abajour.»
«Olha para mim, amor. Olhos lindos.»
«Cama desarrumada. Está frio aqui. Estou com olheiras. Cansada. Me vê?»
«Sim. Só a cabeça.»
«Rs... e o pescoço.»
«Recua um pouco.»
«Estou com uma camiseta velha.»
«E eu ralado, amor...»
«Rs.»
«Quero vê-la.»
«Amanhã deixo. Prometo. Vamos dormir. Estamos com sono. Vamos deitar e sonhar...»
«Perdi o sono.»
«... que você pegará um avião e virá aqui. Mas tenho que dormir.»
«Oi...»
«Olá.» Disse Simone.
«Cumprimentos trocados.» Pensei.
«Estou a ouvir o café da manhã e a acabar de escrever uma carta para ti. Foi coincidência teres aparecido?»
«Não sei.»
«Acho muito estranho! Acreditas na força do destino?»
«Sim. Com certeza.»
«Nunca compreenderias o que aconteceu há pouco.»
«O que houve?»
«Não posso dizer. Foi uma coisa com muita força que te chamou. Não sei se ias para a sala, mas de repente, dei por estares online e estremeci. Coisa estranha, repito! Tinha-te chamado... e vieste!»
«Eu nem ia chegar a essa hora.»
«Porquê?»
«Tinha coisas para fazer.»
«E não fizeste, não é?»
«Sim.»
«Onde estavas?»
«Na rua.»
«E vieste, porquê? É importante saber.»
«Tive frio. Muito frio.»
«Mas estava frio, ou só tiveste frio de repente?»
Deixei de estar em contacto com ela. Que se passava? Foram bem dez minutos de suspense. Felizmente que tudo se recompôs.
«Caí! Nunca me tinha acontecido. Simone!»
«Oi... Estou aqui.»
«Não sei o que aconteceu. De repente perdi o contacto. Qual foi a última frase que recebeste?»
«Fechou aqui...»
«Perguntei se estavas com frio ou se ele surgiu de repente. Mais ou menos isto. É importante. Depois, conto-te tudo, em função da resposta.»
«Senti frio. Muito.»
«De repente?»
«Não... Estava na beira do mar. Em um iate clube, mas na beira do mar é pior.»
«Estavas num iate?»
«Não. Na beira do mar.»
«Pensaste alguma vez em mim nesses momentos?»
«Sim. Mas achei que estavas comigo!»
«Nunca fiquei chateado contigo. Apenas triste. Senti a tua falta.»
«Eu não estou com cabeça. Tenho muitos problemas no momento. Sabe bem disso.»
«Sei.»
«Não é o momento para me envolver.»
«Não quero cobrar. Só quero que não cortemos o contacto.»
«Depende de você...»
«Como assim?»
«Não me cobre nada. Não é o momento.»
«Que se passa?»
«Nada.»
«Agora fala-me de ti. Diz-me como vão as coisas.»
«Estão caminhando. Nada definido.»
«Oxalá tudo corra bem.»
«Peça então que a casa saia do leilão. Estou ficando louca de tanta tensão.»
«Desabafa sempre comigo. Sou teu amigo. Agora sei que não há distância que separe a força do pensamento. E essa, tenho-a comigo. Queres que te escreva em vez de enviar mensagens?»
«Com certeza. Sim.»
«E tu escreves-me?»
«Adoraria receber cartas. Faz anos que não recebo.»
«Há muito também que não as escrevo. Mas tens que dar-me o endereço. Doutra forma vão parar ao vazio. Queres cartas de amor ou de amigo do peito?»
«Te dou. O que tiver no seu coração.»
«Sabes o que está no meu coração.»
«Anote...»
E anotei.
«Amanhã escrevo-te.»
«Vou ler, sim.»
«Comprei um cartão da PT. Quando te apetecer telefonar para mim, primeiro marcas 08008903513; em segundo o número do cartão que te vou dar; a seguir, o número do destino, com o indicativo de Portugal. Não pagas nada. A despesa é descontada no meu cartão.»
«Eu tomei banho de banheira. Precisava disso. Gostaria de ter um portátil. Levaria para lá e ficaria por horas na banheira. Comprarei um assim que as coisas se resolverem. Linda a sua carta!»
«Depois adormecias e o portátil caía na água.»
«Mas não gosto quando fala de outras. Nunca falei dos meus ex-maridos.»
«Que foi que disse?»
«Que não gosto quando fala das mulheres que já teve. Eu não falo de outros homens.»
«Não tenho saudades delas. E não escrevi nada de especial.»
«Eu não vou dormir com o notebook. Quero um. Às vezes gostaria de estar deitada. Queria ficar namorando você nesse momento de banho tomado, cheirosinha...»
«Vou-lhe oferecer um, quer?»
«O quê?, um beijo?»
«Um portátil.»
Não prometas! Olha que podes faltar à promessa...
«Ou um abraço. E muitos beijos. Não tem como. Quero beijos...»
«Se estivesse aí, amor!»
«Sabe, eu penso em tudo que o meu irmão anda fazendo. Tanto dinheiro perdido. Me entristeço. Tudo que tenho é esse apartamento que estou vendendo. Não me arrependo. Quero ajudá-lo, mas vou tomar conta das coisas. A partir de agora. Quer ver a casa que ele está quase perdendo? Essa que estou morando...?»
«É uma pena se a perder. É muito bonita. Algumas fotos vêem-se mal.»
«Veja os micos. Minha mãe nunca foi de dar presentes. Não ligo a isso.»
Depois falámos pelo telefone. O sol voltava a brilhar no nosso mundo. Simone aconchegou-me. Deixei-a falar e fiquei a pensar se ia fazer um disparate ou não. O coração tinha-me pregado uma partida e a cabeça tentava encontrar uma situação de recuo. Como sair...?
Querida Simone!
:( (triste)
«Muito?»
«Sim.»
:(( (chorando)
«Mas sou rápida para escolher roupa.»
«Se eu a lavasse era um desassossego e fugia a sete pés!»
«Rs...»
«Vamos no msn...»
«Gostava...?»
«Sim.»
«Estou igual a uma baiana de turbante com a toalha enrolada no cabelo. Então vamos. Tenho muito cabelo. Sexta vou fazer depilação no corpo todo.»
:(( (chorando)
«Marquei. E as unhas.»
«Dói a depilação?»
«Muito. Faço nas partes íntimas.»
:(( (chorando)
«Ainda bem que sou homem!»
:D (sorriso aberto)
«Vamos por aqui. Lá fechou. Aceite. Assim perdemos muito tempo.»
«Oi.»
«Aceite.»
«Deu erro.»
«Preciso fazer algo para comer.»
«Está a ver-me? Parece que estou com os copos.»
«Aceite a minha.»
«Estou a vê-la.»
«Rs. Meu cabelo está molhado.»
«Você é linda!»
«Rs... Estou feia, com cara de cansada, mal tratada. Estou bebendo leite.»
«Quero olhar para si.»
«Adoro leite gelado.»
«Já vi.»
«Sou comum. Uma mulher comum, sem nada de linda. Apenas comum. E gosto de ser assim. A beleza está nos olhos de quem vê. Hoje peguei um DVD na locadora. Quando você for deitar, vou assistir a um filme. Há tempo que não faço isso.»
«Deitar com quem?»
«Não me olhe. Tenho vergonha.»
«Olha para mim, amor! Não se esconda.»
«Estou toda descabelada. Não faz assim.»
«Senta na cama.»
«Fico com vergonha. Estou de calcinha e camiseta. Tenho que me vestir. Adoro andar nua. Minha mãe sempre disse que tenho que morar numa ilha como nudista.»
:D (sorriso largo)
«Ainda bem que aqui só há micos. Não tem vizinhos. Não gosto de roupa de baixo.»
(nota: os micos são macacos)
«Não a estou vendo.»
«Te mostro depois da depilação.»
«Que tem a ver?»
«Muita coisa. Primeiro estou com vergonha. Não uso soutien e tenho calcinhas pequenas.»
«Tem vergonha?»
«Está me deixando corada. Não faço sexo há muito tempo. Não tenho pressa. Quero esperar o momento certo. Quero qualidade. Quero prazer.»
«Só quero vê-la, amor. Estou longe. Não vou bater à porta.»
«Vamos com calma. Sou sardenta. Branca demais. Quase não tomo sol. Meus seios são sardentos. Nem sou binita... Ops... bonita. Vou pegar um pouco de água. Já volto...»
«Gosto do seu "ops".»
«Onde está?»
:( (triste)
«Aqui.»
«Quero-a só para mim!»
«Eu sinto falta de sexo. Muita. Mas me masturbo quando sinto tesão. Não saio com ninguém por sair. Sou para poucos e não me arrependo disso. Tinha uma amiga do Yahoo que começou a sair com vários homens daqui e agora sofre. Não quero isso. Tem homens na sala que me convidam, me chamam para viajar, ir a lugares. Até mulheres. Mas nunca aceitei. Tenho um amigo da sala que já me mandou um perfume. Aceitei. Mas ele sempre foi amigo. É gay. Eu acho. Nunca falou em paquerar.»
«Olhe que estou com ciúmes.»
«Rs. Não fique. Isso faz tempo. Ele nem entra mais. Todos diziam que ele era gay. Rs.»
«Diga na sala que tem um namorado e que um dia vai aí buscá-la de vez.»
«Está frio aqui...»
Silêncio. Ignorou a frase.
«Preciso ver o blogue. Amo tudo o que escreve. Quer ver como sou sardenta?»
«Pois não quero?»
«Quer ver minhas sardas?»
Provocação...
«Viu?»
«Sim, queria mais.»
«O que?»
«As maminhas.»
«Você quer ver?»
«Estou a ver, amor...»
«Viu?»
«Sim. Gostei muito, mas fiquei triste.»
«Porquê?»
Agora estava a provocá-la.
«Porque queria estar agora consigo, meu amor.»
«Rs.»
«Acariciá-la. Morder...»
«Rs. Adorei as fotos. A carta ainda não li. Vou ler deitada, quando for para a cama, de banho tomado. Você está lindo na foto!»
Simone... :x (apaixonada)
«Humilde demais... Não consegui pensar em nada para te mandar. Posso enviar algo que me pertença? Com meu cheiro?»
«E o que é?»
«Surpresa!»
:-$ (segredo)
«Gosto de surpresas!»
«Espero que goste.»
«Vou gostar. Vindo de si...»
«E como foi o seu dia? Os lugares das fotos são lindos. Parece sonho. No Rio de Janeiro não é assim. O Brasil é bagunçada.»
«O dia não foi nada bom. Tenho andado em baixo de forma.»
«Tem estados no Brasil que são organizados, mas o Rio de Janeiro é terra de samba e favelas.»
«A minha cidade é calminha, pequena, mas em progresso. Dantes todo o mundo se conhecia.»
«E tu também sambas?»
«Como? Se eu sambo? Adoro samba... gosto do som. Do ritmo. Sou carioca. Nunca dancei. Sempre fui discreta. Até quando era nova. Tenho vergonha. Não gosto de chamar a atenção.»
«Eu só dançava boleros, tangos e slows.»
«Sou sensual entre quatro paredes. Mas fora disso, não gosto. Não quero atrair homens para me vangloriar. Sou para poucos.»
«Para mim?»
«Sim. Mas acho... quer dizer: tenho certeza que nossa história vai percorrer um longo caminho. E um dia vamos falar um para o outro.»
«Valeu a pena esperar por você.»
«Sabe... Sou boba quando falo de amor... choro de planos. Estou perdida, Antônio. Hoje pensei na minha vida enquanto dirigia. Nem casa minha tenho mais e nem sei se terei novamente. Não tive filhos. Sempre me cuidei sozinha. Errei muito. Podia ter escolhido uma profissão, mas não o fiz. Deixei o tempo passar. Gostava de pintar, fazer artes. A minha alma é de artista. Desejo pouco para o meu futuro. Não ambiciono riquezas. Nem carro novo. Só quero ter uma casa simples e comida em cima da mesa e muita paz. E um amor para viver ao meu lado. Que me olhe todos os dias como se fosse a primeira vez. Vou enviar meu cheiro para você.»
«Ah! Se eu pudesse...»
«Você pode. Basta querer. Claro que isso não se resolve da noite para o dia. Mas você pode, sim. Sua vida pertence a você. A mais ninguém.»
«É só uma questão de tempo.»
«Teremos tempo.»
«Tenho muitas coisas para organizar na minha vida.»
«Hoje estou a gostar muito de ler suas palavras. Parece que estou ao seu lado, a beber as palavras.»
«Só tenho medo de uma coisa: não conseguir comprar minha casa.»
«Não pense negativo. Mas esteja alerta com o seu irmão.»
«Eu sei. Estarei. Ele não tem regras, nem medidas. Ore por minha vida. Tenho medo de ficar só nesse lugar. Muito medo. Ando com medo daqui. Estou pensando em coisas. Quero alugar uma casa. As pessoas andam me assustando, dizendo o tempo todo que aqui é muito perigoso. Tenho medo! Sabe... nunca chorei tanto como agora. Me pergunto o que fiz da minha vida. Ando sofrendo demais. Eu já tive tudo e deixei para trás. Nunca amei um homem. Nunca me foi possível. Casei por amizade. Gratidão. Mas nunca foi amor. Meu querido... vá deitar. Vou ficar quietinha. Ler sua carta.»
«Amanhã, a que horas...?»
«Te dou um toque no celular. Um beijo. Obrigada.»
«Mil beijos, amor. Está a agradecer o quê?»
Simone... :-* (beijos)
«Vai ver que tudo lhe corre bem.»
«Sim.»
«Durma bem, amor.»
«Beijoooooo. Você também.»
Enviou a sua primeira carta de amor, juntamente com um envelope contendo no interior uma surpresa. Uma peça íntima de vestuário com um rasto do seu perfume (“Para você... com amor”).
Niterói 21 de maio
Meu querido Antônio
Você já percebeu que eu gosto muito de você e, embora nunca tivesse tido qualquer contato mais próximo, ainda assim faço questão de demonstrar o que estou sentindo. Estou escrevendo esta carta por saber que você é verdadeiro e não esconde os seus sentimentos. Também sei que, se um dia você resolver ficar comigo é porque estará mesmo decidido, e isto me deixará muito bem comigo mesma (temos um longo caminho à nossa frente).
·······································································
Apesar de parecer impetuoso e exigente, você tem sempre guardado um sorriso cordial e generoso que inspira solidariedade e muito romantismo. Não estou querendo jogar confete, ou simplesmente convencê-lo, mas você é uma pessoa muito, mesmo muito especial. Sei que você está longe... mas às vezes parece estar perto demais. Em alguns momentos pareço mesmo sentir a sua pele e o seu cheiro. Seria bom se fossem reais!
·······································································
Temos um longo caminho a percorrer. Seja paciente. A minha vida parece que deu um nó; preciso de tempo para desatá-lo. Aí, sim... serei livre. Quero paz, amor, saúde... porque do resto a gente corre atrás. Espero conseguir retribuir todo o seu carinho.
Muitos beijos doces e
molhados (RS)
Com muito carinho
Simone
«Não a estou vendo.»
«Te mostro depois da depilação.»
«Que tem a ver?»
«Muita coisa. Primeiro estou com vergonha. Não uso soutien e tenho calcinhas pequenas.»
«Tem vergonha?»
«Está me deixando corada. Não faço sexo há muito tempo. Não tenho pressa. Quero esperar o momento certo. Quero qualidade. Quero prazer.»
«Só quero vê-la, amor. Estou longe. Não vou bater à porta.»
«Vamos com calma. Sou sardenta. Branca demais. Quase não tomo sol. Meus seios são sardentos. Nem sou binita... Ops... bonita. Vou pegar um pouco de água. Já volto...»
«Gosto do seu "ops".»
«Onde está?»
:( (triste)
«Aqui.»
«Quero-a só para mim!»
«Eu sinto falta de sexo. Muita. Mas me masturbo quando sinto tesão. Não saio com ninguém por sair. Sou para poucos e não me arrependo disso. Tinha uma amiga do Yahoo que começou a sair com vários homens daqui e agora sofre. Não quero isso. Tem homens na sala que me convidam, me chamam para viajar, ir a lugares. Até mulheres. Mas nunca aceitei. Tenho um amigo da sala que já me mandou um perfume. Aceitei. Mas ele sempre foi amigo. É gay. Eu acho. Nunca falou em paquerar.»
«Olhe que estou com ciúmes.»
«Rs. Não fique. Isso faz tempo. Ele nem entra mais. Todos diziam que ele era gay. Rs.»
«Diga na sala que tem um namorado e que um dia vai aí buscá-la de vez.»
«Está frio aqui...»
Silêncio. Ignorou a frase.
«Preciso ver o blogue. Amo tudo o que escreve. Quer ver como sou sardenta?»
«Pois não quero?»
«Quer ver minhas sardas?»
Provocação...
«Viu?»
«Sim, queria mais.»
«O que?»
«As maminhas.»
«Você quer ver?»
«Estou a ver, amor...»
«Viu?»
«Sim. Gostei muito, mas fiquei triste.»
«Porquê?»
Agora estava a provocá-la.
«Porque queria estar agora consigo, meu amor.»
«Rs.»
«Acariciá-la. Morder...»
«Rs. Adorei as fotos. A carta ainda não li. Vou ler deitada, quando for para a cama, de banho tomado. Você está lindo na foto!»
Simone... :x (apaixonada)
«Humilde demais... Não consegui pensar em nada para te mandar. Posso enviar algo que me pertença? Com meu cheiro?»
«E o que é?»
«Surpresa!»
:-$ (segredo)
«Gosto de surpresas!»
«Espero que goste.»
«Vou gostar. Vindo de si...»
«E como foi o seu dia? Os lugares das fotos são lindos. Parece sonho. No Rio de Janeiro não é assim. O Brasil é bagunçada.»
«O dia não foi nada bom. Tenho andado em baixo de forma.»
«Tem estados no Brasil que são organizados, mas o Rio de Janeiro é terra de samba e favelas.»
«A minha cidade é calminha, pequena, mas em progresso. Dantes todo o mundo se conhecia.»
«E tu também sambas?»
«Como? Se eu sambo? Adoro samba... gosto do som. Do ritmo. Sou carioca. Nunca dancei. Sempre fui discreta. Até quando era nova. Tenho vergonha. Não gosto de chamar a atenção.»
«Eu só dançava boleros, tangos e slows.»
«Sou sensual entre quatro paredes. Mas fora disso, não gosto. Não quero atrair homens para me vangloriar. Sou para poucos.»
«Para mim?»
«Sim. Mas acho... quer dizer: tenho certeza que nossa história vai percorrer um longo caminho. E um dia vamos falar um para o outro.»
«Valeu a pena esperar por você.»
«Sabe... Sou boba quando falo de amor... choro de planos. Estou perdida, Antônio. Hoje pensei na minha vida enquanto dirigia. Nem casa minha tenho mais e nem sei se terei novamente. Não tive filhos. Sempre me cuidei sozinha. Errei muito. Podia ter escolhido uma profissão, mas não o fiz. Deixei o tempo passar. Gostava de pintar, fazer artes. A minha alma é de artista. Desejo pouco para o meu futuro. Não ambiciono riquezas. Nem carro novo. Só quero ter uma casa simples e comida em cima da mesa e muita paz. E um amor para viver ao meu lado. Que me olhe todos os dias como se fosse a primeira vez. Vou enviar meu cheiro para você.»
«Ah! Se eu pudesse...»
«Você pode. Basta querer. Claro que isso não se resolve da noite para o dia. Mas você pode, sim. Sua vida pertence a você. A mais ninguém.»
«É só uma questão de tempo.»
«Teremos tempo.»
«Tenho muitas coisas para organizar na minha vida.»
«Hoje estou a gostar muito de ler suas palavras. Parece que estou ao seu lado, a beber as palavras.»
«Só tenho medo de uma coisa: não conseguir comprar minha casa.»
«Não pense negativo. Mas esteja alerta com o seu irmão.»
«Eu sei. Estarei. Ele não tem regras, nem medidas. Ore por minha vida. Tenho medo de ficar só nesse lugar. Muito medo. Ando com medo daqui. Estou pensando em coisas. Quero alugar uma casa. As pessoas andam me assustando, dizendo o tempo todo que aqui é muito perigoso. Tenho medo! Sabe... nunca chorei tanto como agora. Me pergunto o que fiz da minha vida. Ando sofrendo demais. Eu já tive tudo e deixei para trás. Nunca amei um homem. Nunca me foi possível. Casei por amizade. Gratidão. Mas nunca foi amor. Meu querido... vá deitar. Vou ficar quietinha. Ler sua carta.»
«Amanhã, a que horas...?»
«Te dou um toque no celular. Um beijo. Obrigada.»
«Mil beijos, amor. Está a agradecer o quê?»
Simone... :-* (beijos)
«Vai ver que tudo lhe corre bem.»
«Sim.»
«Durma bem, amor.»
«Beijoooooo. Você também.»
Enviou a sua primeira carta de amor, juntamente com um envelope contendo no interior uma surpresa. Uma peça íntima de vestuário com um rasto do seu perfume (“Para você... com amor”).
Niterói 21 de maio
Meu querido Antônio
Você já percebeu que eu gosto muito de você e, embora nunca tivesse tido qualquer contato mais próximo, ainda assim faço questão de demonstrar o que estou sentindo. Estou escrevendo esta carta por saber que você é verdadeiro e não esconde os seus sentimentos. Também sei que, se um dia você resolver ficar comigo é porque estará mesmo decidido, e isto me deixará muito bem comigo mesma (temos um longo caminho à nossa frente).
·······································································
Apesar de parecer impetuoso e exigente, você tem sempre guardado um sorriso cordial e generoso que inspira solidariedade e muito romantismo. Não estou querendo jogar confete, ou simplesmente convencê-lo, mas você é uma pessoa muito, mesmo muito especial. Sei que você está longe... mas às vezes parece estar perto demais. Em alguns momentos pareço mesmo sentir a sua pele e o seu cheiro. Seria bom se fossem reais!
·······································································
Temos um longo caminho a percorrer. Seja paciente. A minha vida parece que deu um nó; preciso de tempo para desatá-lo. Aí, sim... serei livre. Quero paz, amor, saúde... porque do resto a gente corre atrás. Espero conseguir retribuir todo o seu carinho.
Muitos beijos doces e
molhados (RS)
Com muito carinho
Simone
Bem-me-quer
«Acordei de repente. Tive um pressentimento...»
«Como assim?»
«Que estavas online.»
«Ah sim. Assim que entrei, o chamei.»
«Cada vez goste mais de si.»
«Eu quero que tenha paciência. Ontem pensei como serei capaz de gostar de você. Acho que era isso que precisava. Essa conquista diária. Kd você?»
«Não fugi. Ainda há pouco...»
«Sim, meu querido?»
«... apareceu um conhecimento antigo no MSN. Não sei como conseguiu contactar. Falou-me de amor. Desculpei-me. Disse-lhe que estava apaixonada pelas minhas histórias. Era só isso.»
«Sério?»
«Conheci-a no Yahoo, nas salas da amizade. Disse-lhe que só podia ser seu amigo porque apaixonei-me por outra mulher. Deixou uma emoção de tristeza e foi-se.»
«Nossa! Arrasando os corações...»
«Eu não arraso corações. Não gosto de dar falsas esperanças... que se apaixonem por mim, quando não posso retribuir.»
«Comigo sempre aconteceu, mas só fico sabendo anos depois. Vivem me reencontrando e falando do amor que sentiram. Pessoas que nem lembro mais e lembram de roupas que usava. Você é sedutor... Um cavalheiro. Inteligente.»
«Diga se gosta de mim!»
«Gosto muito. Queria muito que você estivesse próximo.»
«Um dia estarei.»
«Eu sei. A paixão não espera, não tem paciência. Mas o amor espera.»
«Com certeza. Estou louca para resolver essas coisas. Comprar minha casa.»
«Eu até sou capaz de andar de avião para ir ter contigo!»
«Eu sei. E eu sou capaz de mais coisas, acredite!»
«Nunca a vi de corpo inteiro.»
«Eu não gosto!»
«Quando estivermos juntos só olho para a sua cabeça?»
«Sim.»
=)) (rolando a rir)
«Bumbum...»
[-x (não, não, não...)
«Porquê?»
«Porque tenho vergonha.»
«Não sou mosquito...»
:-O (chocada)
«Ai, Ai, Ai... Se é por seres pequenina, calça as sandálias de seis centímetros de salto!»
«Muito mais. Dez.»
=)) (rolando a rir)
«Depois cai.»
«Eu caio às vezes.»
«Já sei qual é o problema. Está nua. Ora toca a vestir-se que quero vê-la. É proibido ter vergonha de mim.»
«Agora não. Deixe as coisas acontecerem...»
«Se eu aparecesse aí, não tinhas muito tempo para deixar as coisas acontecerem. Dormia no tapete?»
«Sim.»
«E a minha coluna? Não tem pena de mim?»
«Tenho. Estou com fome.»
«Eu comi bacalhau.»
«Eu quero!»
«Quer o quê? Bacalhau?»
«Vou esquentar. Quero muito.»
Desilusão...
«Do alto ou do baixo?»
«Não sei o que é.»
«Posta grossa ou fina...?»
«Grossa. Com muito azeite!»
=P~ (babando)
«É como eu. A posta grossa é muito mais saborosa.»
=P~ (babando)
«Venha cá passar uns tempos que eu sei fazer uns bons pratos de bacalhau e não só. Cá me ajeito a cozinhar.»
«Obaaaaa!»
«Uhm?»
«Sim? Vou esquentar comida.»
«Vai. Já chegou a carta? Vou escrever-lhe outra este fim-de-semana.»
«Ainda não. Estou esquentando a comida. Eu quero tanto que as coisas se acalmem para ter tempo.»
«Já leu?»
«Estou lendo, sim. Vou anotar.»
«Está bem. Vai comer senão chamo o mosquito.»
:D (sorriso aberto)
«Mosquito!»
:-*
«Estou comendo...»
«E eu estou a comer figos secos.»
«Adoro!»
«E nozes?»
«Também. Mas aqui só comemos no Natal.»
«Eu como todos os dias. Faz bem à mioleira.»
«Então preciso.»
«Três ou quatro por dia.»
«Não sabia.»
«É muito bom.»
«Estou comendo.»
«Não posso ter bananas em casa. Despacho-as todas num ápice.»
«Como os micos?»
«Pois.»
:)) (rebolando a rir)
«Eles adoram bananas...»
«Gostava de ser um mico para correr atrás de ti...»
:-SS (roendo as unhas)
«Vamos dormir?»
«Só para dar um beijinho.»
«Eu deixo. Você precisa descansar. Quantas vezes por semana dá aulas? Nunca me contou suas coisas.»
Complicação inesperada...
«Deixa-me dormir consigo em vez de dormir no tapete? No tapete talvez durma, mas na sua cama duvido. Tem mel.»
:"> (envergonhada)
«Fale depois do seu trabalho. Sabe, estou envergonhada com esse presente. Acho que...»
«Não ache.»
«Tenho horário reduzido porque atingi o topo da carreira. Catorze horas por semana. De manhã. Folgo à quinta.»
«Hoje enquanto lavava o quintal, pensei no que poderia mandar para você.»
«Não se fala nisso. Está tudo dito.»
«O que você gostaria de ganhar? Por favor, fale de algo que quer...»
«Beijinhos...»
«Sério. Fale.»
«Muito amor. Quero-a só para mim.»
«Falo em coisas materiais. Diga alguma coisa.»
«Alguma coisa. Quero o seu coração. Não há nada material que substitua o seu carinho.»
«Por favor, Antônio...»
«Quer que lhe diga?»
«Sim, por favor...»
«Vê-la... mesmo que seja só a cabeça e o pescoço. E a sorrir.»
«Nãoooo!»
«Tem um sorriso tão bonito!»
«Não zanga!»
«Zango, sim. Fale alguma coisa.»
«Uma moldura com a sua fotografia... a corpo inteiro!»
«Eu quero te mandar mais alguma coisa.»
Ignorou a moldura, porquê?
«Vou tomar banho e deitar.»
«Vamos dormir? Vou tomar um banho quente. Amanhã acordo cedinho. Meu querido, obrigada por sua companhia. Obrigada mesmo. Fique com Deus.»
:-* (beijo meu)
«Durma bem.»
«Também você.»
«E espero um dia poder te agradecer pessoalmente. Um dia vi um filme que um casal demorou vinte anos para se encontrar. Ela não lembrava mais dele. Tinha Alzheimer. E ele a amava tanto que passou o resto da vida conquistando-a como se fosse a primeira vez e ela retribuía como se o estivesse conhecendo naquele instante.»
«É uma doença terrível!»
«Um beijo, querido. Fique bem. Estou gostando cada dia mais de você. Durma.»
«Durmo, sim, Simone.»
«Sabe, tenho medo. Às vezes esqueço muitas coisas. Não lembro nada do que me aconteceu na infância. Nada mesmo. Só lembro de alguns anos para cá. Não gosto de falar nisso. Sei que tenho que procurar ajuda médica.»
«De que anos?»
«De dez anos para cá. E poucas coisas. Muito pouco. Tenho uma mente estranha. Um dia te contarei.»
«Diga-me o que sente.»
«É uma história longa. Gravo números. Placas de veículos. Mas não lembro de palavras. Nem de momentos. E quando tento, dói. Sim. Fiz um teste uma vez em um hospital.»
«Há pessoas que são assim. Não se preocupe. Só quero é que não se esqueça de mim.»
«Sabe quantos números de telefones tenho na memória? Chute.»
«Não imagino.»
«Fale qualquer coisa.»
«Cem?»
«Não. Mais de oitocentos memorizados. Sou proibida olhar placas, memorizar documentos. Fui escrava de ansiolíticos. Não quero mais isso. Um dia te conto mais. Vou tomar banho. Um beijo, meu querido. Depois falamos mais. Adoro você, acredite.»
:-* (beijo de Simone)
«Um beijo, pequenina.»
:-* (outro beijo)
Que se passa com a doença de Simone?
«Bom dia.»
«Bom dia. Aqui está um rico dia de sol, mas sinto-me cinzento. E aí?»
«Com chuvas. Mas está bonito também.»
«Dormiu bem?»
«Sim. Mas tenho tido dias tensos. Se você tivesse passando por tudo que estou vivendo no momento, estaria pior. Mas eu não posso me abater, senão desisto. Sou valente. Sempre fui.»
«Não desista. Lute.»
«Mas você me deixa desanimada. Está sempre triste.»
«Estou triste porque prometeu dar um toque de telemóvel e nunca se lembrou de mim. Falei-lhe da carta e não comentou. Por isso é que estou triste.»
«Eu não dei o toque no telefone porque assim que cheguei liguei o computador.»
«Teve o telemóvel desligado. Não dava sinal.»
«Não. Pode ser que quando estive no cartório...»
«Nunca consegui o contacto.»
«Foi desligado. E ontem estava extremamente eufórica, excitada e cansada. Sabe, Antônio, eu quero que você entenda a correria em que ando. Não consigo pensar direito, comer direito, me cuidar. Só no domingo descansei. Essa casa tem que ser vendida o mais rápido. Essa batalha ainda não terminou. Adoraria estar relaxada, fazer minhas unhas...»
«Tudo bem. Vou esperar.»
«... massagens no cabelo. Acordo, tomo café e banho correndo, e vou para a rua. Dirijo. Vou à advogada. Cartórios. Banco. Não tenho tempo para comer. Mas vai passar. Vai terminar em breve. Tenho que tomar banho e sair já. Sinto muito. Você é livre... Não quero te deixar preso aqui por mim.»
Quantos banhos já tomou hoje?
«Gostava de a ver feliz, se acaso não viesse a ser feliz comigo.»
«Adoraria estar retribuindo todo esse carinho, mas não estou relaxada no momento. Queria te mandar as fotos dos micos. Quer ver?»
«Manda depois. Agora não perca tempo.»
«Veja só essa... Tirei para você.»
:( (triste)
«Sim. Envie, por favor.»
«Aceite. Conseguiu ver?»
«Sim. São giros, mas parecem grandes.»
«Rs...»
«Sim. São engraçados. Este último é um espanto!»
«Alguns são grandes; outros pequenininhos, os filhotes, andam na garupa.»
:)) (gargalhando)
«Olhe, eles sabem que coloco bananas. Por isso vêm aqui...»
:D (sorriso aberto)
«Chama-lhes parvos...»
«Quando os vi, peguei a máquina e sai correndo pelas escadas.»
«Deixam-se apanhar... os pequeninos?»
«Sim. Vêm comer na mão.»
«Não mordem?»
«Ainda não me morderam. Às vezes fujo. Não pense no pior, pense sempre no lado bom. Eles me divertem e nunca vão me machucar.»
«Receio sempre por si.»
«Quero você com bons pensamentos. Positivo. Alegre. Bem com a vida. A nossa boca fala do que o nosso coração está cheio. Eu penso em si, acredite, em vários momentos do meu dia. Só não posso ficar ligando. Mas atenderei você todas as vezes que me chamar. Ontem não ouvi mesmo. Me perdoe, entrei agora para encontrar você. Por mais nada. Entende? Mas acaso você não estivesse, não ficaria chateada.»
«Perdoar? Não estou zangado consigo. Só se mentir. E para lhe perdoar, tem que me dar muitos beijos.»
«Deixaria um beijo. Te dou.»
«Só um?»
:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-* . Muitos!
«Quero mais!»
:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*:-*
«Fique com Deus...» Disse Simone.
«Só queria vê-la um minuto. Posso?»
«Estou toda amassada, com cara de travisseeiros.»
«Mas eu gosto de si com cara de “travisseeiros”, amor!»
«Rs... Espere. Vou pegar um abajour.»
«Olha para mim, amor. Olhos lindos.»
«Cama desarrumada. Está frio aqui. Estou com olheiras. Cansada. Me vê?»
«Sim. Só a cabeça.»
«Rs... e o pescoço.»
«Recua um pouco.»
«Estou com uma camiseta velha.»
«E eu ralado, amor...»
«Rs.»
«Quero vê-la.»
«Amanhã deixo. Prometo. Vamos dormir. Estamos com sono. Vamos deitar e sonhar...»
«Perdi o sono.»
«... que você pegará um avião e virá aqui. Mas tenho que dormir.»
«Oi...»
«Olá.» Disse Simone.
«Cumprimentos trocados.» Pensei.
«Estou a ouvir o café da manhã e a acabar de escrever uma carta para ti. Foi coincidência teres aparecido?»
«Não sei.»
«Acho muito estranho! Acreditas na força do destino?»
«Sim. Com certeza.»
«Nunca compreenderias o que aconteceu há pouco.»
«O que houve?»
«Não posso dizer. Foi uma coisa com muita força que te chamou. Não sei se ias para a sala, mas de repente, dei por estares online e estremeci. Coisa estranha, repito! Tinha-te chamado... e vieste!»
«Eu nem ia chegar a essa hora.»
«Porquê?»
«Tinha coisas para fazer.»
«E não fizeste, não é?»
«Sim.»
«Onde estavas?»
«Na rua.»
«E vieste, porquê? É importante saber.»
«Tive frio. Muito frio.»
«Mas estava frio, ou só tiveste frio de repente?»
Deixei de estar em contacto com ela. Que se passava? Foram bem dez minutos de suspense. Felizmente que tudo se recompôs.
«Caí! Nunca me tinha acontecido. Simone!»
«Oi... Estou aqui.»
«Não sei o que aconteceu. De repente perdi o contacto. Qual foi a última frase que recebeste?»
«Fechou aqui...»
«Perguntei se estavas com frio ou se ele surgiu de repente. Mais ou menos isto. É importante. Depois, conto-te tudo, em função da resposta.»
«Senti frio. Muito.»
«De repente?»
«Não... Estava na beira do mar. Em um iate clube, mas na beira do mar é pior.»
«Estavas num iate?»
«Não. Na beira do mar.»
«Pensaste alguma vez em mim nesses momentos?»
«Sim. Mas achei que estavas comigo!»
«Nunca fiquei chateado contigo. Apenas triste. Senti a tua falta.»
«Eu não estou com cabeça. Tenho muitos problemas no momento. Sabe bem disso.»
«Sei.»
«Não é o momento para me envolver.»
«Não quero cobrar. Só quero que não cortemos o contacto.»
«Depende de você...»
«Como assim?»
«Não me cobre nada. Não é o momento.»
«Que se passa?»
«Nada.»
«Agora fala-me de ti. Diz-me como vão as coisas.»
«Estão caminhando. Nada definido.»
«Oxalá tudo corra bem.»
«Peça então que a casa saia do leilão. Estou ficando louca de tanta tensão.»
«Desabafa sempre comigo. Sou teu amigo. Agora sei que não há distância que separe a força do pensamento. E essa, tenho-a comigo. Queres que te escreva em vez de enviar mensagens?»
«Com certeza. Sim.»
«E tu escreves-me?»
«Adoraria receber cartas. Faz anos que não recebo.»
«Há muito também que não as escrevo. Mas tens que dar-me o endereço. Doutra forma vão parar ao vazio. Queres cartas de amor ou de amigo do peito?»
«Te dou. O que tiver no seu coração.»
«Sabes o que está no meu coração.»
«Anote...»
E anotei.
«Amanhã escrevo-te.»
«Vou ler, sim.»
«Comprei um cartão da PT. Quando te apetecer telefonar para mim, primeiro marcas 08008903513; em segundo o número do cartão que te vou dar; a seguir, o número do destino, com o indicativo de Portugal. Não pagas nada. A despesa é descontada no meu cartão.»
«Eu tomei banho de banheira. Precisava disso. Gostaria de ter um portátil. Levaria para lá e ficaria por horas na banheira. Comprarei um assim que as coisas se resolverem. Linda a sua carta!»
«Depois adormecias e o portátil caía na água.»
«Mas não gosto quando fala de outras. Nunca falei dos meus ex-maridos.»
«Que foi que disse?»
«Que não gosto quando fala das mulheres que já teve. Eu não falo de outros homens.»
«Não tenho saudades delas. E não escrevi nada de especial.»
«Eu não vou dormir com o notebook. Quero um. Às vezes gostaria de estar deitada. Queria ficar namorando você nesse momento de banho tomado, cheirosinha...»
«Vou-lhe oferecer um, quer?»
«O quê?, um beijo?»
«Um portátil.»
Não prometas! Olha que podes faltar à promessa...
«Ou um abraço. E muitos beijos. Não tem como. Quero beijos...»
«Se estivesse aí, amor!»
«Sabe, eu penso em tudo que o meu irmão anda fazendo. Tanto dinheiro perdido. Me entristeço. Tudo que tenho é esse apartamento que estou vendendo. Não me arrependo. Quero ajudá-lo, mas vou tomar conta das coisas. A partir de agora. Quer ver a casa que ele está quase perdendo? Essa que estou morando...?»
«É uma pena se a perder. É muito bonita. Algumas fotos vêem-se mal.»
«Veja os micos. Minha mãe nunca foi de dar presentes. Não ligo a isso.»
Depois falámos pelo telefone. O sol voltava a brilhar no nosso mundo. Simone aconchegou-me. Deixei-a falar e fiquei a pensar se ia fazer um disparate ou não. O coração tinha-me pregado uma partida e a cabeça tentava encontrar uma situação de recuo. Como sair...?
Querida Simone!
É a segunda carta que escrevo para ti. Vénus está sempre presente ao escurecer, mas a lua, essa não a vejo.
A resolução dos teus problemas está nas mãos de Deus. Por muitos motivos receio que Ele não esteja atento, porque somos, no Universo, tão insignificantes como um grão de poeira cósmica. Tenho fortes motivos para desconfiar da Sua eficácia (ou vontade). Nunca me deixou ser feliz e, por esse motivo, também não fiz ninguém feliz. Funcionou tudo ao contrário: as mulheres que me amaram nunca foram amadas por mim. Pelo contrário, quem amei nunca me amou, salvo ela, agora perdida no azul constelado do céu. Por esse motivo sou um revoltado. Perco sempre tudo o que mais amo e deito fora quem me ama, e não amo porque nunca aprendi a ser fingidor.
O sonho lindo, nascido duma relação virtual, cresceu como um malmequer até ser girassol. Cedo ganhou raízes fortes e iniciou a caminhada irreversível para o mundo real. Mas deitaram-lhe sal.
Queimaram-lhe as entranhas e agora está muito doente, quiçá moribundo. Quando, num repente, o teu coração falou mais forte e disseste-me que havia uma possibilidade de fazeres uma viagem grátis a Paris e daí vires ter comigo a Portugal, a esperança ganhou novo fôlego e então comecei a sonhar. Um amigo tinha uma casa pequena no Alentejo, e disse que podia contar com ela para o nosso aconchego. Depois, achei que devíamos ir a Fátima. Tanta sorte aparecida de mão beijada! Era para desconfiar. Eu, que subi todos os obstáculos da vida a pulso e nunca tive nada à distância de estender o braço, tinha agora tal oportunidade? Desconfiei. O pobre desconfia sempre da fartura.
Deus Todo-Poderoso ia dar-me o que nunca me deu?
Deserto. Desencantamento. Fracasso. Foi tudo o que tive. Olho para trás e só vejo destroços, sinais de sonhos imperfeitos. Obras inacabadas. O que sonho sai sempre ao contrário. Não tenho grandes problemas financeiros, mas preferia ter um ordenado mais baixo, um ninho onde acolher-te para vivermos uma vida a sós, uma cama larga para rebolarmos nela, tu a fugires de mim, soltando gargalhadas e eu a agarrar-te e a abraçar-te muito, não fosses fugir. Depois, acariciava-te os cabelos, beijava-te os olhos cor de mel, o nariz, o queixo, as faces, até que ficávamos muito sérios a olhar um para o outro. Beijava-te na boca e sentia o teu beijo molhado. O roçar do teu corpo aumentava o desejo. Finalmente, fechava as cortinas ao mundo...
Sabes?, o que mais gostava é que esta vida não passasse de um sonho e a verdadeira vida estivesse no sonho que estou a sonhar. Eu e tu, numa vida a dois. O jantar na mesa. Comida gostosa. O teu sorriso maroto. A tua voz a sussurrar:
«Quero esfregar-me em ti!»
A cama desfeita e os dois abraçados. Almofadas pelo ar. Tudo num desalinho. Eu desatinado. Tu à espera. Janela aberta para entrar o luar. A noite a passar. Manhã cheia de sol. Nos corpos e na alma. Muito amor. Sabes?, Ele nunca me ouviu!
Gaita de vida!
Deixo o pensamento mergulhado em ti, o luar a entrar na janela e a iluminar a cama vazia. Vénus a poente, à espera daquele "quarto crescente" na noite em que comecei a amar-te. Deixo-te também a saudade do tempo que não pudemos viver (“Ah! Se eu pudesse!!!”). A revolta de se ter fechado uma janela que estava aberta para a nossa vida...
Ah!, se eu fosse rico, amor... enchia a tua cama de rubis e também de rosas vermelhas. E amava-te ao luar!
De manhã, cobria o teu corpo nu com as pétalas das rosas vermelhas e atirava os rubis pela janela...
Um beijo.
António
Drama ou simulação?
A carta não foi o fim. Nem me lembro se chegou a partir.
«Bom dia. Infelizmente vou ter que ficar quietinha, sem usar o computador.»
«Porquê, amor?»
«Pois ele ocupa a linha telefónica e hoje é o primeiro leilão e estou esperando telefonemas de corretores. Advogados.»
«Deus te ajude! Mil beijos.»
«Não posso deixar a linha ocupada.»
«Eu compreendo.»
«Vou tentar ver as fotos. Tenho dez minutos...»
«Acho que vais gostar.»
«Demora muito para abrir as fotos. Você tem que tirar com a resolução mais baixa.»
«Gostas? É para ti...»
«Amei.»
«Tirei-a ontem.»
«Havias de ver a minha área de trabalho. Fazíamos um par perfeito, fosse eu mais novo. Vou enviar-te a montagem que fiz.»
«Você é novo!»
«Já fui novo.»
«Às vezes tenho vergonha de teclar com você. Não sou boa para escrever. Nunca fui de escrever. Nunca fiz uma carta de amor.»
«Escreves muito bem. Faz uma carta de amor para mim. É fácil se disseres o que te vai na alma. Gostarei da carta porque gosto de tudo o que vem de ti.»
«Você é amável. Vi a foto de boné. Está um menino.»
«Gosto dos teus olhos cor de mel que não posso beijar, da tua boca gostosa que não alcanço, do teu corpo que não conheço, o exterior e o interior. De tudo o que emana de ti!»
«A corretora acabou de ligar no meu celular. Vai ao cartório ver documentos. Torça. Peça a Deus para dar certo. Depois... tenho passagens até Paris. De lá vou a Portugal.»
«Que Deus te acompanhe. Mesmo?»
«Sou dependente das passagens até o final deste mês. Consigo tirar de graça até Paris, mas tem que ser antes do dia trinta deste mês. O resto do dinheiro arrumo.»
«Vem ter comigo, amor. Vem!»
«Só se eu resolver essas coisas aqui. Se conseguir vender meu apartamento essa semana e pagar essa divida da casa para tirar do leilão, fico livre. Gostaria de passar o dia aqui teclando com você. Seria uma maneira de extravasar. Mas não posso deixar o telefone ocupado.»
:(( (chorando)
«Eu compreendo, amor. Não te prendas mais. Mil beijos. Não chore!»
«Só mais um pouco. Coloque a foto da feira.»
«A do Santo António?»
«Sim. Tem um manequim atrás.»
«Não vou ter tempo de ver todas as fotos. Estou baixando a pensar em si.»
«É o nosso Santo dos casamentos. Faz milagres...»
«Sabe, Antônio, tenho uma formação cristã diferente da sua, mas respeito.»
«Não acredita em santos...»
«Costumo fazer minhas orações diretas com Deus. Não idolatro nada além de Deus.»
«Eu falo mais com a Virgem...»
«E eu somente com o Filho e com o Pai. Jesus e Deus. Não frequento igrejas. Apenas acredito no Filho e no Pai. Sempre fui assim. Peço a Deus. Na Bíblia diz: tudo que pedir a Deus peça em nome do Filho Dele.»
À noite mudou como o vento...
«Olá.»
«Saudades de você. Sabe... enquanto tomava banho, pensei em nós dois. Não tenho mais idade, nem você, para viver uma relação de sonhos. Sinto muito carinho por você, muito mesmo. Eu não procuro homem aqui. Entro para distrair, dar boas risadas. Tenho medo de me apegar a você e não dar em nada. Entende? E outra coisa: aqui nunca podemos expressar o que sentimos de verdade. O custo do telefonema é caro. Adoraria passar horas te contando da minha vida. Dividindo essa minha aflição. Mas não podemos.»
«Agora é que vai desanimar?»
«Não é desânimo. Além do mais estou passando pelo pior período da minha vida com muitas dificuldades e sonhos indo para o ralo...»
«Agora que começamos a ter uma relação séria, que o nosso horizonte se alargou, que tem uma hipótese de vir a Portugal...»
«Hoje no leilão descobri que o dinheiro não vai ser o suficiente. Como posso sonhar em ir a Portugal? Coloquei meu carro à venda e ainda vou precisar de mais. Preciso ajudar o meu irmão. Sei que se tudo se vai resolver. Colherei frutos...»
«O seu irmão deu cabo da vida. Sabe muito bem onde se meteu.»
«Mas não posso ficar parada sem fazer nada por ele. No momento que precisei ele me cedeu essa casa para morar aqui. A mesma que está em jogo. Não imaginávamos que isso aconteceria. Ele é irresponsável. Jogador. Cada tijolo daqui foi ele quem colocou. Tem amor também, entende? Não queria ver isso tudo ir por água abaixo. Nunca fui desamparada. Sempre teve uma mão estendida nos momentos que mais precisei e agora está na hora de ajudar. Amanhã tento vender meu carro. Ando de ónibus por um tempo. Sei que vai ser complicado. Aqui é rodovia. Quase não passa carro.»
«Espero que consiga resolver tudo. Se pudesse ajudar com dinheiro... mas não posso.»
«Mas fico sem casa. Estou aflita. Sonhei em vender meu apartamento. Comprar uma casa pequenina, com jardim, em um lugar simples e pagar contas atrasadas. Estou super cansada. Nem almocei. Há dias que não almoço. Como biscoitos.»
«Tem que cuidar de si!»
«E bebo...»
«Não beba. Faça-o por mim.»
«Amanhã começa uma longa jornada. Meu irmão hoje falou em dar um tiro na cabeça, caso perca a casa. Sinto tristeza...»
«Não sei o que dizer. Nunca me senti tão impotente. Está tudo nas mãos de Deus.
Apareceu no mesmo instante em que um meteoro cruzou a atmosfera e a sua matéria, rochosa ou metálica, passou a fazer parte integrante da Terra. É um mistério o que aconteceu.
«Cheguei. Hoje o almoço foi bom demais. Meu celular ficou aqui. Está descarregado.»
«Gostou do seu dia?»
«Muito.»
«Fico feliz.»
«Eu também.»
«Falou de mim aos seus familiares?»
«Sim.»
«Que disseram?»
«Falei das favas.»
«Favas?!...»
Há uns dias falei-lhe de favas e ela disse que não sabia o que eram favas. Enviei-lhe por mail a fotografia de um faval.
«Sim. De sua terra. Acharam legal. Perguntaram quando você vem conhecer o Rio. Eram os meus irmãos homens.»
«Tenho outra carta para enviar amanhã. Substituí a segunda folha porque ia arrepender-me.»
«Porquê? Pare de ser assim. A minha vida está muito mais tumultuada. Meu amor, me espere. Vou pegar a cam. Espere. Estou na piscina. Quer ver? Na varanda. Está frio demais aqui.»
«Porque não vai para dentro?»
«Estou esperando a caixa da água encher. Durmo naquele quarto.»
«Vê-se mal.»
«Eu sei. A luz é fraca.»
«Não a vejo, porquê?»
«Onde estou está escuro.»
«Uhm... Agora sim. Por que só vejo o seu rosto, amor?»
«Estou sentada. Amanhã tentarei te mostrar a casa. Vamos dormir.»
«Os dois?»
«Sim. Juntinhos.»
«Eu fico muito quieto e você mexe-se muito...»
«Sim.»
«Não me mexo a dormir.»
«Rs...»
«Que pensava?»
«Nisso. De você ficar quietinho.»
«E depois?»
«Aí só Deus sabe.»
:"> (envergonhada)
«Deus não conta a ninguém. Até porque fecha os olhos... para não ver.»
«Rs...»
:-* (beijo meu)
:-* (beijo da Simone)
«Em junho vem ter comigo.»
«Se Deus quiser...»
«É uma premonição.»
«Que bom! Em junho não, mas para frente. Está muito perto.»
«Em junho sim. Uma semana.»
«Não.»
«Sabe que não vou poder.»
«Uma semana. Um mês. Para sempre.»
«Só a partir de julho.»
«Vamos para o Alentejo.»
«Meu querido... só se aparecer alguém que queira comprar a casa em uma semana.»
«Já pôs à venda?»
«Sim.»
«Que bom! Se eu tivesse dinheiro, comprava... só para a ter comigo!»
«Responda!»
«Estou apavorada. Com medo daqui.»
«Sai dessa casa! Aí corre perigo de vida. O que prefere?»
«Não sei. Vou pensar. Pode deixar.»
«Eu só quero o seu bem.»
«Eu sei. Mas preciso de calma.»
«Recebi a sua encomenda hoje.»
«A carta...»
«Sim, amor. Fiquei muito emocionado.»
:-O (chocada)
«Os correios disseram que demoraria dez dias. Que isso é impossível!»
«E adorei o resto. O seu cheiro, amor...»
«Rs. Ainda estava com meu perfume?»
«Você é uma caixa de surpresas. Escreve mesmo muito bem. É modesta. Fiquei a conhecê-la melhor. Já guardei no cofre. Rs...»
«Rs.»
«Pois. Vou comprar um pequeno baú com cadeado...»
«Rs.»
«Onde esteve tanto tempo para só agora a descobrir, amor?»
«Eu?»
«Sim. Estava escondida. Tantos anos perdidos!»
«Rs.»
«Temos que os recuperar.»
«Calma.»
«Estou com pressa! Cada minuto conta.»
«Te mandei uma lingerie velhinha...»
«Desdobrei as calcinhas e depois não consegui arrumar como estava. Não faz mal. De vez em quando tenho que ver as suas calcinhas e sonhar...»
«Rs... Vou te mandar outra, quer?»
«Quero-te a ti. Vem dentro da encomenda...»
«Rs.»
«Já está mais bem disposta?»
«Um pouco. Vou comer.»
«Eu estou a escrever.»
«Ok, meu querido.»
«Acabei de chegar. Quero te mostrar a casa do lado de fora. O quarto que durmo e a varanda em que ouço pegadas à noite.»
«Mostra...»
«Durmo na janela do meio.»
«Estou a ver.»
«A parte de cima não está ocupada. Aqui está chovendo. Olhe o céu. trás é só mata. Porque é louco. Estou cansada. Fiquei triste com você. Muito triste.»
«E eu também. Acordei de súbito às quatro e fui à casa de banho. Depois tive um impulso e entrei na net.»
«Ou confio ou não confio. Sabe muito bem que se entro aqui é para ouvir as minhas amigas. Ontem aconteceu uma coisa muito chata. A Sheila teve um enfarte no momento que estava na sala. Houve uma briga.»
«E depois?»
«Foi isso...»
«Antes disso. Não era hoje que ias ao médico?»
«Não fui. Não deu tempo. Ela passou mal. Todos se desesperaram. Ontem tomei um remédio para dormir. Aquela soneca à tarde me fez mal.»
«Eu fico mal disposto quando durmo de tarde, mas às vezes é preciso.»
«Perdi o sono. E depois consegue ter sono novamente?»
«Nem sempre. Ontem, não. Fiquei bravo.»
«Não devia sentir-se assim. Ontem jogámos, brincámos. Não posso estar sempre ao seu lado. Sabe uma coisa?»
«Diz.»
«Tenho uma amiga que namorou durante dois anos pela net...»
«E?»
«... um rapaz da Alemanha. Agora estão casados há três anos.»
«Que bom!»
«Ela vendeu o carrinho igual ao meu, do mesmo ano, e comprou as passagens e foi estar com ele. Já fazem três anos. Está feliz, mas morre de frio.»
«Hoje estive a ver preços de viagens para cá, sabe?»
:)) (gargalhando)
«Sim? A partir do mês que vem não tenho mais direitos a passagens e o meu casamento acabou mal, sem diálogo. Quando for aí compro as passagens. Não quero pedir nada a ele, ficar implorando.»
«Acho bem.»
«Não é tão caro... Depois da venda da casa, eu poderei viajar. Amanhã vem uma corretora aqui avaliar a casa.»
«Tem que ter cuidado depois. Nunca se sabe quem vem ver a casa. Devia abandoná-la a partir do momento em que fica à venda.»
«Sabe, Antônio, ao contrário acham que devo estar aqui para vender.»
«Quem acha?»
Desviou a conversa.
«Eu ia pensando que você não deveria ficar bravo. Eu chego em casa e não faço mais nada. Só entrava na net à noite. Agora entro correndo por sua causa. Não tomo banho. Não faço minhas coisas. Não como. Eu não tenho empregada. Sou eu quem limpo a casa, faço comida. Lavo louças. Roupas e etc... Mas acho que isso não tem valor para você...»
«Só posso pedir desculpa.»
«Minhas coisas estão todas atrasadas. Estou no Yahoo há dois anos e sempre entrei depois das vinte e uma horas. Estou entrando quatro horas mais cedo. Minhas coisas estão todas acumuladas. Cheguei e vim logo para cá.»
«E eu agradeço, amor.»
«Vou tomar um café. Almocei muito cedo. Não sei se quer esperar...»
«Eu espero.»
«Vou lanchar. Até já.»
Pouco depois...
«Onde está?»
«Aqui meu querido.»
«Onde, amor?»
«No meu quarto, teclando com você.»
«E eu não a vejo?»
«Ahhhhh. Estou só de calcinhas.»
«Eu tapo os olhos.»
«De cabelo amarrado.»
:-O (chocada)
«Tem problema?»
«Estou super à vontade e numa posição ruim.»
«Não sou mais um desconhecido.»
«Eu sei. Estava querendo mesmo era te dar uma surra na dama.»
«Qual dama?»
«Jogo de damas.»
«Gostavas de ter ganho? Para a próxima deixo-te ganhar. Até porque sou fraco jogador. Mas também não gosto de perder. O meu pai é que jogava bem.»
«Eu não jogava damas há vinte e cinco anos.»
«E eu há mais de quinze.»
:)) (gargalhando)
«Não ri. Não goza. Você jogou muito bem.»
«Agora gostava mais de ver a minha dama. Mas ela disfarça.»
«Queria tanto jogar bilhar com você!»
«E eu vê-la! Quando estivermos juntos será com tudo às escuras. Depois ando à sua procura e tropeço numa cadeira! Onde está ela?, onde está ela? “Aqui, meu amor. Dentro do guarda-vestidos! Fechei-me à chave!” E depois aparece em fato de baile. Toda vestida de branco!»
«Mas, minha senhora... não a conheço! Viu a Simone?»
«Rs...»
«Vai ser assim. Pode crer.»
«Você é criativo. A luz aqui é ruim.»
«Vejo-a muito bem.»
«Estou em cima da cama.»
«Onde está a cama?»
«Estava com as cobertas por cima. Viu? Não me sinto à-vontade!»
«Parece uma colegial!»
«Fico envergonhada.»
«Não acredito! Voltámos ao século não sei quantos!»
«Acredite...»
«Você é linda!»
«Estou feia. A luz é ruim.»
«Não está. Mas nunca a vi de corpo inteiro...»
«Vou deixar. Calma.»
«Olhos lindos! Quero beijá-los...»
«Rs.»
«Posso desligar? Estou em uma posição ruim.»
«Vou pôr um anúncio no jornal: “namorada tem vergonha do namorado. Só mostra o rosto. Dão-se alvíssaras a quem a convencer que o namorado não é o lobo mau!»
«Cheguei. Cansadinha. Semana que vem é dia dos namorados. Rs.»
«Então o que aconteceu com o carro?»
«Quebrou homossintética.»
«Quando?»
«Dia 12.»
Falta de sincronismo nas perguntas e respostas.
«Que é isso?»
«É um eixo que tem por debaixo do carro que liga as duas rodas. Foi quatrocentos reais. Mas ficou bom. Fui eu quem comprou a peça. O lugar é de confiança.»
«Então o que fazemos no dia dos namorados, amor?»
«Rs... Não sei. Tomamos vinho.»
«Eu aqui e você aí.»
«À nossa!»
«À nossa.»
«Quero oferecer-lhe uma coisa.»
«Não, não...»
«Sim, sim.»
«Uma prenda para a namorada. Não sabe o que é. Adivinha. Você já mostrou... não digo mais. Mas falta-me um dado.»
«Como assim?»
«Adivinha.»
«Não sei.»
«Tenho uma amiga que vende.»
«O que é? Sou curiosa.»
«Preciso de um dado e só você me pode dar.»
«O quê?»
«Já mostrou...»
«Não é o que está a pensar..,»
«O que é?»
«Redondo, redondinho...»
:-O (chocada)
:-SS (roendo as unhas)
«O que é?»
«Não mande nada. Você já me deu um bonito presente. Só me deseje felicidades no dia.»
«Para mim e para si.»
«Sim.»
«Já sabe o que é?»
«Não. Uma bola de futebol.»
«Ainda o tem consigo?»
«O quê?»
«Mostrou-me e eu fiquei a pensar... Não é o que pensa!»
«Não sei o que é.»
«A propósito, hoje abri o baú onde guardei a calcinha e mantém-se o odor do seu perfume!»
«Rs. Sério?»
«Sim.»
«Esse perfume veio de Portugal. De Lisboa. Os pais de uma amiga trouxeram e me deram.»
«Mas não é o perfume. É outra coisa. Como se chama o perfume?»
«Adivinharam. Amei o perfume. Me deram junto com o vinho “3 Velhotes”. Chama-se Le Feu.»
«Mas ainda não adivinhou? É que tenho que dizer mesmo por causa do dado que me falta.»
«As mulheres brasileiras adoram ter perfumes importados. A Europa fica longe daqui.»
:)) (gargalhando)
«Tenho que dizer!»
«O quê? Enquanto teclamos...»
«Redondinho...»
«... vou tentar abrir o blogue.»
«Conhece Champagne? É bem intenso o odor!»
E provocante!
«Não. É bom?»
«Depende do gosto de cada mulher.»
«Gosto daquele cheiro. Do Le Feu... Mas se você acha bom, vou ver o cheiro em uma loja, quando passar por uma.»
«E eu gostava de saborear o odor natural do seu corpo, pequenina!»
«Rs. Aqui custam muito caro os perfumes.»
:"> (corando)
«Entrei no blogue. Dei uma olhada.»
«Que vai escrever, posso saber?»
«Vou olhar o seu mais tarde. Depois do jantar. Escrevi o trecho de uma música. Tenho alguns trechos na minha cabeça.»
Referia-se a letra. Outra vez a sua memória fora do comum a funcionar...
«Gosto muito do que escreve. Já leu todos os meus comentários?»
«Não.»
«Má!»
«Agora que consegui abrir, vou começar a ler.»
«Já leu?»
«Dois comentários, não é?»
Distração ou falta de interesse?
«São quatro.»
«Então, espere... Li. Obrigada.»
«Mais tarde vou ao seu e deixar comentários.»
Seria?
«Se pudesse transformar-me no teu sonho lindo! Sou teu fã. Parabéns. Continua. Gostei muito, mesmo muito. E insisto: se eu pudesse...»
«Eu li, meu querido e te agradeço.»
«Não fiz para receber retribuição, amor.»
«Eu sei. Mas uma das minhas maiores qualidades é a gratidão. Nunca esqueço o que fazem por mim. Achei sem querer um poeta erótico. Rs...»
«Uhm!»
«Interessantíssimo. Gosto das fotos.»
«Quais fotos?»
«Sim. Do blogue. Viu?»
Entrei no blogue e fiquei a pensar...
«São "frescas"!»
«De casais. Viu as fotos? Fotos sensuais.»
«Bom... não sei se te diga, não sei se te conte!»
«Viuuuu?»
«Estive a espreitar. Algumas posições são complicadas.»
«Rs. Não acho.»
Simone não achava...
«Acho boas.»
«Agora não cora?»
«Não. Gosto de fotos sensuais.»
«É só comigo que cora.»
«Rs.»
«E nem sequer me mostra a perninha!»
Porquê?
«Mostrarei em breve. Deixa eu me sentir melhor comigo mesma. Quero emagrecer um pouco.»
«A propósito. Ontem fiquei muito preocupado consigo.»
«Porquê?»
«Você não estava bem. Bebeu? Achei-a amnésica.»
«Não.»
«Fala comigo...»
«Estava bem. Só esqueci.»
«Depois disse que ia sair e sumiu... sem um beijinho.»
«Dormi. Hoje vou tomar um remedinho... Quero dormir cedo.»
«Pensei que ia à procura de bebida e senti remorsos por ter dito qualquer coisa que a tivesse ofendido. Quando for assim, diga logo.»
«Pode deixar.»
«As nossas frases podem ter sentidos diferentes.»
«Eu sei.»
«Convém aclarar.»
«O que é isso?, aclarar?»
«Tornar claro, isto é, de maneira a perceber-se o sentido do que se diz.»
«Ah sim.»
«Disse alguma coisa ontem...?»
«Não. Você está um anjo.»
«Não sou. Cuidado comigo!»
:-SS (roendo as unhas)
«Pois... Não digo mais.»
«Pode dizer. Eu gosto. Só faço charme.»
«Você cora comigo. Já sei. Luzes apagadas e velas...»
«Sim.»
«Porquê?»
«Porque sim.»
«E porque sim?»
«Porque gosto assim.»
«Fecha os olhos?»
«Não. Gosto desse jeito. De penumbra.»
«Meu querido, vou lanchar e tomar banho.»
Os banhos de Simone! Vai fazendo alusão a eles e cada vez com mais frequência.
«Olhe... é tudo uma questão de química.»
«Eu sei.»
«Sim. Vá.»
«Ok. Um beijo.»
«Mas antes...»
«Ah! antecipou-se...»
:-* (um beijo)
:-*
«Até amanhã.»
Momentos de angústia
São sete e meia da tarde. A Simone ainda não chegou do seu outro mundo, este bem real, onde perco sempre o seu rasto e quase de certeza se perde. Intrigado com o desaparecimento misterioso durante o dia o dia, fiz algumas perguntas ao pêndulo. Foi tudo muito estranho. Começou por aparecer alguém não identificado como morto, homem ou mulher. Não pretendia ajuda. Afastei-o e "chamei" a Manuela. Nada acrescentou em relação àquele estranho aparecimento. Fiz perguntas sobre ele, algumas das quais já feitas. A resposta foi surpreendente, o que me levou a duvidar da autenticidade do "trabalho". Não se prostituía, nem jogava. Por outro lado, tinha um problema com a justiça que parecia estar a pagar com uma espécie de serviço cívico. Devia ajudá-la.
«Só entrei para te dizer que gosto de você. Tem uma faxineira aqui. Estou arrumando com ela. Meu querido, mais tarde volto.»
Onde te perdes, misteriosa Simone?
«Um beijo.»
«Outro para você. Estou loiríssima. Fui passar uma tinta no cabelo. Fiquei loira demais.»
«Não me digas! Está a tocar no computador uma canção que tirei de uma cassete que me deu a Maria: "La vita mia".»
«Quem é a Maria?»
«Não te preocupes.»
Por vezes, também me perdia.
«Escreveste...?»
«Sim. Queres ler?»
«Se quiseres.»
«Aí vai...»
Escrevi o endereço.
«Irei ler. Mas fiquei bem loirinha» repetiu. «Tenho que ir.»
«Tem cuidado contigo! Dá-me um toque no telemóvel quando chegares, prometes?»
«Sim.»
«Chegas a que horas?»
«Tarde. Depois das vinte horas.»
«Mesmo assim dá um toque.»
A Simone tinha-me falado pelo telefone na possibilidade de ir para esse casino do irmão, mas não acreditei. Afinal sempre vai e pode envolver-se numa aventura perigosa.
«Oi, Simone...»
«Acabei as tarefas. Vou tomar banho.»
«Tens dois mails.»
«Ok. Antônio... como se faz para depositar dinheiro para você? É nos correios?»
«No banco.»
«Qual banco?»
«Vou ver como faço isso.»
«Porquê?»
«Para que você envie o perfume, se puder. Vou ver no Banco do Brasil. Te aviso amanhã.»
«O perfume é para a Adélia?»
A história da Adélia começa a cheirar a esturro. É que essa mulher, de repente surgiu do nada. Hum!, começo a pensar que a Simone tem mais imaginação do que eu, o que não é difícil.
«Vamos dividir. Não se preocupe. Vou verificar tudo primeiro. Depois te aviso. Sem pressa. Vou levar o notebook para o jogo, com nota fiscal. Caso a polícia apareça, tenho nota fiscal de compra.»
«Vê lá se te roubam...»
«Não.»
«Como é o teu trabalho no casino?»
«Fico em uma mesa trocando dinheiro e pagando quem ganha.»
«É com fichas que jogam?»
«Com dinheiro. Quando ganham dou um reset na máquina.»
«Sim. E depois pagas, não é.»
«Sim. Ontem ficou um rapaz comigo. Ele vai trabalhar depois que eu sair.»
«De que tipo são os jogos?»
«São imagens. Máquinas caça-níqueis. Não sei explicar.»
«Com alavanca ou botões?»
«Tem que aparecer o mesmo desenho em filas. Com botões.»
«Tipo máquinas de casino legal.»
«Sim. Vou tirar uma foto hoje. Te mostro amanhã.»
«Tem cuidado, Simone!»
«Terei. Só tenho medo da polícia.»
«E dos ladrões? Têm algum cofre?»
«Não. Mas tem muita gente por perto.»
Há de servir de muito se houver um assalto à mão armada. Coisa pouco usual no teu Brasil de brandos costumes, Simone! Nem sequer se avisa para matar...
«Então?»
«O dinheiro acumula-se e fica em uma gaveta com chave.»
Segurança extrema (rs). Ainda por cima no Rio.
«Quem aparece para receber?»
«Não sei ainda.»
Como se dizia há muitos anos na minha vila: “Organizações Marmota”. Umas organizações para excursionistas muito desorganizadas e que acabavam normalmente em fiasco. Autocarros velhos. Atrasos nas partidas. pessoas que se perdiam nas localidades e novos atrasos motivados pelo não aparecimento à hora das mesmas. Enfim, "Organizações Marmota", mas que mete mafiosos, a começar pelo irmão.
Será mesmo irmão?
Nunca acreditei que a Simone me excluísse. Pediu para que o fizesse, mas eu disse que ela é que devia excluir-me. Claro que não teve coragem, ou então ainda não tinha chegado o momento.
De momento aprendeu a lição. Não voltou a dar motivos para que ficasse desencantado com ela. Ontem mesmo tivemos uma longa conversa ao telefone, muito interessante e proveitosa. Fiquei a conhecê-la melhor. Parece outra Simone ao telefone. A dúvida atormenta-me.
Ela e a Adélia... serão duas a falar comigo?
Bom, a minha imaginação começou a trabalhar de uma forma doentia. Quanto à história dos perfumes acabei por cumprir o que tinha prometido há dias. Enviei ontem pelo correio, já como oferta de anos, o frasco de Dolce & Gabanna. Disse-lhe ao telefone e a reação foi quase nula, mesmo depois de referir que era uma oferta. Notei uma certa contrariedade e cheguei a pensar que queria mesmo enviar dinheiro.
Mudou muito no seu relacionamento comigo. Não é a mesma. Começo a acreditar que tem uma ternura grande por mim e que não é só de amigo. Não digo que seja amor. Sou muito mais realista que em maio. Já lá vai o tempo da magia das feromonas. Agora começo a estar mais por fora. Acredito (e tem lógica, por todos os motivos) que vê em mim um pai que não teve. Só isso. Nada mais.
Praticamente não voltou a falar da amiga, o que é estranho.
Será que tem medo que esta lhe roube a relação que disse julgar que seria para a eternidade?
Por vezes caio num sonho profundo em que a tenho na distância a acenar para ir ao seu encontro. É tão profundo este sonho que logo a abraço, a beijo e vejo-a como praça conquistada. É fogo... como já confessou. E é loucura deixar-me envolver em pensamentos obsessivos. Tem que chegar o tempo de acordar deste sonho que parece tão real!
De repente, os meus pensamentos são interrompidos.
«Oi, Antônio... Estou com medo!»
«Posso vê-la hoje? Tenho saudades do seu rosto lindo!»
Não respondeu.
«Então?»
«Tive visita hoje o dia todo. Minha mãe, uma tia velhinha, irmãos. Também a Adélia. Acabaram de ir embora.»
«E que disseram?»
«Do quê?»
«Disseste que estavas como medo...»
«Sim. Da polícia. De ser presa. Aquele tipo de jogo é muito ilegal aqui. Um irmão é contra. A minha mãe não entende nada. Ontem saí de lá às duas da manhã. Trabalhei dezasseis horas em pé. Achei que iria morrer de tão cansada.»
«O teu irmão já te pagou?»
«Sim. Duzentos reais. Vou pagar minha net e meu telefone. Mas tenho medo.»
«Isso é exploração, Simone!»
«Sim. Fico pensando em que ponto cheguei.»
E ainda estás a caminho! Vais receber muitas propostas tentadoras e acabarás, mais tarde ou mais cedo, por cair num atoleiro...
«Trabalho ilegal, cansaço. E medo de ser presa. Tem poucas máquinas. Não dá tanto dinheiro e sou eu e mais um. Meu irmão tem sócio. O homem que coloca as máquinas ganha a metade. Entende?»
«E o teu irmão e o sócio... o que fazem?»
«Pagam as contas. Se gasta com aluguel. Telefone. Luz. Água. Café. Refrigerantes. Tem lanche. Há muitos gastos.»
«Não jogam póquer?»
«Sim.»
«Mais uma fonte de lucro. Ou os profissionais, como o teu irmão, perdem ao jogo? Se perdem, não vale a pena jogarem.»
«Antônio... posso te contar um segredo? Queria ver meu irmão longe de tudo isso. Ele só perde. Meu irmão é um bom homem. Se tivesse dinheiro não me deixaria passar necessidade. Ele deve a agiotas. É viciado em jogo. Está abatido. Tenho medo que algo aconteça a ele. Estou chorando. Queria mesmo era vender essa casa e tirar ele daquela vida. Que esse dinheiro nos dê paz.»
«Ele está viciado. O jogo é uma droga tão ruim como a cocaína! Tens que pensar no teu futuro. Procura um emprego seguro.»
«Não tenho profissão. Estou assustada. Lá tem esse peso.»
«És uma mulher inteligente e cheia de força. Não podes deixar-te ir abaixo!»
«Dá medo a ilegalidade!»
«Compreendo o teu medo.»
«Tive medo de sair de madrugada mesmo com o meu irmão. Não tem segurança alguma. Ah Antônio... como as coisas são difíceis! Vejo minhas amigas que recebem pensão dos filhos. Não tenho nada. Nem profissão. Esse país aqui é ingrato. Há roubos. Muitos. A pobreza impera.»
Amigas que recebem pensão dos filhos?
Fala como se tivesse, pelo menos, sessenta anos. Portanto, mais vinte do que afirmou ter.
«Num país com tantos recursos, Simone!»
«Um país de poucos.»
«Tens razão.»
«Queria saber mais sobre esse trabalho. Saber se posso ser presa. Vou pesquisar na net...»
«Se fosse cá em Portugal era o mais certo. Mas a responsabilidade maior é do teu irmão, do sócio, do dono das máquinas, de quem alugou o espaço. Se forem descobertos, a tua pena será menor porque estás a lutar pela tua sobrevivência. És uma simples empregada. Tens sempre atenuantes.»
«Mas não tenho carteira assinada. Isso pode significar sociedade. Perguntei a uma advogada.»
«Nem podes ter carteira. O emprego não é legal. Olha, pensa bem no risco que corres.»
«Pois é...»
Não sei explicar onde a verdade e a fantasia se cruzam. Estou apreensivo. Já contactei com ela pelo telefone durante escassos minutos e bem ouvi o som da barafunda em que estava envolvida. Trocos para aqui. Pedidos para ali. Desligar de máquina. Ligar de máquina. Tudo muito real e a Simone senhora do seu papel. Muito profissional.
Véspera do dia dos seus anos…
Inevitável mais uma vez o desentendimento, agora que tem um emprego duvidoso nos fundos de uma pensão. As dúvidas são mais que muitas e ela teima constantemente em ausentar-se ou dizer simplesmente:
«Entrei só para te dar um beijo...»
Assim, é natural que me zangue e também faça as minhas ausências.
Por que será que nada dá certo comigo?
Acabaram as longas e mágicas conversas na tela e que nos fizeram sonhar muitas vezes e fugir para fora da mesma tela. Tenho pena, muita pena, do tempo não ter parado em maio.
Agora falamos mais ao telefone e a dúvida mantém-se:
É uma ou são duas Simones?
Ao telefone parece ser uma mulher mais segura, natural, quase vulgar. Mantém a fluência das palavras e parece ser uma mulher mais alegre. Há uma diferença substancial entre esta Simone e a outra, constantemente martirizada pelo percurso infeliz da sua vida.
«ANTÔNIO... PORQUE NÃO ATENDE AS MINHAS LIGAÇÕES?»
«Queria tanto ter falado com você. O que houve?»
«Te liguei muitas vezes. Não vai responder? O que está havendo???»
«Se não quer mais falar comigo, diga logo. Não vou ficar fazendo papel de idiota.»
«Adeus para sempre. Vou te excluir. Nunca mais me verá online.»
Dia dos seus anos...
Enviei-lhe uma mensagem singela.
Gostaria que um dia o sonho virtual se transformasse num sonho real. Penso que não foi em vão que te encontrei no mundo virtual. Talvez que mais tarde nos encontremos frente a frente. É preciso acreditar!, como me disse uma cigana há dias no casino. E eu acredito.
Um dia muito feliz para ti, pequenina (hoje és mesmo pequenina!!!) na companhia de todos os teus familiares e dos amigos. Eu também estarei... em pensamento.
Um beijo do teu amigo...
António
Voltando uns dias atrás, telefonei-lhe quase de seguida e optei por justificar-me ao jeito dela. Deu resultado. Aceitou sem problemas. Até porque disse-me que tinha telefonado muitas vezes e eu repliquei que foi uma só vez, e aí falei verdade... se telefonou para o fixo, não sei. Pazes feitas.
Combinámos que lhe telefonava de manhã no dia dos anos. E assim fiz. Ainda estava a dormir, pelo que concluí que fui o primeiro a dar-lhe os parabéns. Acordou com a habitual voz doce de menina mimada que apetece embalar, beijar e etc e tal, que ninguém apareça que a porta está fechada à chave. Estivemos falando algum tempo. Estava com muitas dores da menstruação e lamentei que tivesse coincidido com o dia de anos. Afinal ainda não recebeu o perfume, o que acho muito estranho. Confirma-se a hipótese do chefe de correios. A encomenda deve ter ficado retida na alfândega.
Na altura em que falávamos ao telefone, ligou a mãe. Estava impaciente para lhe dar um beijão.
Quase que se zangou com a mãe.
«Mãe! É o Antônio! Já te ligo...»
Hoje ia trabalhar dezasseis horas seguidas para compensar o dia de ontem. Pareceu-me que falou verdade. De facto já não havia ninguém em casa às treze e trinta, horas do Brasil.
Há uma dúvida que tenho acerca do perfume que me pediu para comprar para a Adélia e que acabei por enviar como prenda. Queria saber o nome do meu Banco para enviar o dinheiro.
Não é que receie que tire dinheiro da minha conta, porque é tecnicamente impossível, mas desconfiei por causa de todo aquele apego ao emprego em que ganha uma miséria. Mas há uma coisa a ter conta. É ela quem guarda o dinheiro. Sendo assim, não haverá um motivo mais obscuro... como pretender no futuro transferir dinheiro do casino para a minha conta?
Aqui está a imaginação fértil a laborar. Não vejo qualquer lógica para a Simone cometer tal acto, até porque equivale a dar um tiro no escuro. Quem sou eu em termos de idoneidade?, perguntará e com razão. De forma alguma ia acontecer, porque eu sou quem sou.
«Oi. Estás ai?»
«Sim. Pode me ligar.»
«Não tenho cartões.»
«Que pena! Estou com dor na coluna.»
«Recebeste o perfume?»
«Ainda não.»
«Foste saber o que se passava?»
«Que dor, Antônio! Não deu. Hoje irei.»
«Tomaste um analgésico?»
«Não. Dormi demais. Passei o domingo deitada. Foi isso. Sumiu dinheiro.»
«Tenho andado entretido num concurso de cultura geral no "Chat Lusa". Como foi que aconteceu? Roubaram as máquinas?»
«Não. Briga de bicheiros.»
«E agora?»
«Ficaram quatro máquinas. Eram doze.»
«Não dá para nada.»
«Sim. Nem consigo me virar de tanta dor!»
«Continuas a ir lá?»
«Sim. Só essa semana à noite.»
«E o projeto das festas?»
«Estamos tentando arrumar.»
«Vai nessa que é bom para ti e para a Adélia.»
«Que dor, meu querido! Vou pendurar minha roupa no varal.»
«Eu não sou o teu querido. Não me amas!»
«Mas gosto muito de você.»
«Não parece. Esqueces-te de mim.»
Ah... Simone como gostava de acreditar em ti! Posso estar a cometer um erro grosseiro e, se for mesmo, que Deus me perdoe. Mas é já muita areia para o meu camião; tanta areia que preciso de atrelado! Por que vêm ter comigo só os casos difíceis, quase insolúveis? Quem fui eu noutra encarnação para pagar nesta, desgraçadamente, tantas facturas?
Por um lado, o coração diz-me que devo continuar a ajudá-la, nem que seja com palavras. Por outro lado, a razão traça-me um panorama muito escuro e aconselha-me a desistir.
«Tens que ser positiva, Simone!»
«Eu sou. Se não fosse, nem sairia de casa. Estou querendo compensar a perda dos três mil e quinhentos reais. Me sinto mal. Sei que não peguei. Nunca peguei nada de ninguém... mas é estranho!»
A razão está ganhando a batalha...
«A culpa não é tua.»
«Porque tenho responsabilidade e às vezes me desligo. Mas não perderia esse dinheiro. Só pode ter sido roubo.»
«Não podes ser responsável por um sistema de controle que nem sequer tem um simples cofre. Dinheiro guardado numa vulgar gaveta... onde já se viu uma coisa assim?»
«Eu sei. Acabei de deixar dez mil reais na gaveta. Espero que o rapaz que me cobre, confira.»
Salvo seja. percebi o sentido, mas a palavra é muito traiçoeira
«Isso é uma loucura total, Simone!»
«É mesmo. Todos acham. Não posso fazer nada.»
«Podes. Sai do sistema.»
«É perigoso trazer esse dinheiro. Não posso agora, Antônio. Preciso do dinheiro.»
«Acabas por entrar numa chantagem perigosa. O teu irmão não sabe disso?»
«Sabe.»
«Cuida de ti, Simone!»
«Mas ele não liga para nada. Posso te ligar?»
«Mais logo. Agora vai descansar. Às nove vou comprar um cartão.»
«Gosto de falar com você por telefone. Você é a única pessoa que conto essas coisas. Sabe, Antônio, você tem mais valor do que pensa.»
«Obrigado. Sei das minhas limitações.»
«Um beijo. Até mais tarde.»
«Um beijo também.»
«Li seu blog. Beijos.»
«Oi... Antônio.»
«Oi, Simone.»
«Vou sair correndo.»
«Então?»
«Problemas lá no jogo, com as máquinas. Acho que vão retirar. Acabei comendo na rua.»
«As restantes?»
«Sim. Vou tomar um banho. Talvez fiquem duas. Vamos ver.»
«Ficas sem emprego.»
«Mais uma vez dá errado.»
«Faz o negócio das festas com a Adélia.»
«Quem sabe um dia as coisas dêem certo. Vamos tentar, sim. Um beijo.»
«É preciso acreditar.»
«Acreditarei.»
«Um beijo e boa sorte.»
«Beijos. Obrigada.»
Simone envia uma rosa...
«Obrigado.»
Simone vendeu a casa
«Vou mudar. A casa está vendida. Faremos a escritura essa semana. Tentei te ligar, mas você não respondeu ao telefonema.»
Aleluia! Finalmente uma boa notícia da parte da Simone. O melhor que lhe podia ter acontecido.
«Parabéns! Tens o teu problema resolvido.»
«Obrigada. Corri muito essa semana. Trabalhei todos os dias no casino até de manhã.»
«Não recebi nenhuma chamada.»
«A secretária portuguesa respondia para eu deixar recado. Preciso arrumar um local para pôr minhas coisas. O comprador quer o imóvel para o Natal. Até 15 de dezembro.»
«Caíste?»
«Não. Você é que não responde.»
«Não estás a fazer nenhuma pergunta. Estás a relatar o que te aconteceu. E fizeste uma paragem.»
«Em janeiro quero viajar. Tomarei um café com você.»
«Obrigado.»
Um café. Nem sequer falou no café da manhã...
«Nem que eu fique uma semana. Mas necessito. Estou extremamente cansada.»
Acreditas, António? Não te esqueças que estás no virtual e o que vosso relacionamento arrefeceu. Além da evolução natural descendente, surgiu uma nova variável que me tornou mais sensível às falhas insignificantes da Simone.
«E o casino?»
O problema do dinheiro já foi resolvido. Não sei muito bem como.
«Largo. Abandono. Quero a partir do ano que vem cuidar de mim. Da minha vida.»
Pressinto que não Simone...
«Que vais fazer?»
«Ainda não sei. Hoje recebi a resposta. Amanhã vamos ao cartório. Preciso deixar meus móveis em algum lugar. Ou alugo, ou compro algo barato. Tenho poucos dias.»
«Fico feliz por teres resolvido o teu problema.»
«Obrigada.»
«Nestes últimos tempos tenho pensado muito na minha vida.»
«Que bom!»
«Não sei se é bom. Logo se vê. Também estou como tu. Ano novo... talvez vida nova. Fecha-se um ciclo.»
«Sim.»
Receio que já não estás nos meus horizontes, Simone. Aliás, só em maio e junho foste uma aposta forte. Depois, a crise acentuou-se e ganhou grande incremento a partir do momento em que foste trabalhar para o casino. Se o dia de Santo António marcou um momento de inflexão no nosso relacionamento, a tua obsessão pelo trabalho no casino foi a machadada final. Os contactos tornaram-se mais espaçados e praticamente deixaste de ir à net. Seguiram-se outros casos e mais casos. Tudo muito suspeito e duvidoso. Apesar de tudo, mantenho o benefício da dúvida. Não sei até que ponto a história que contas é real. Se não há aqui uma invenção tua, do princípio ao fim. Não estou a dizer que é. Apenas se trata de mais uma hipótese que vem enriquecer este puzzle e torná-lo ainda mais difícil de completar, dado que faltam muitas peças.
É neste momento que se torna importante acrescentar mais alguns dados ao teu perfil psicológico, Simone. Entretanto, encontrei um documento importante, datado de 8 de julho. Na altura, escapou-me.
Simone diz:
«Boa tarde.»
António diz:
«Oi...»
«Oi. Descansei de net estes dias. A minha amiga achou uma luz no fim do túnel. Estamos felizes.»
«Então?»
«Arrumou uma mulher que quer ficar com as coisas e dividir o lucro das festas.»
«Vamos a ver se ela paga...»
«Ontem almoçámos em um restaurante português muito agradável. Muitos doces. Só não comi porque estava farta. Lembrei de você.»
«Bom! Mas não abuses muito dos doces.»
«Eu estou tomando uma medicação nova para o TOC e ela me fez ter essas reações.»
«TOC?»
«Sim. Te falei sobre isso.»
«Não me lembro. Diz o que é?»
«Transtorno obsessivo compulsivo. Manias excessivas. Limpeza. Sobre os números...»
«Ah sim. Mas não tinhas dito o nome.»
«Achei que havia dito.»
«Desde quando tens esses problemas? Dei conta naquele dia de chuva, muita chuva. Ainda mal te conhecia. Fiquei muito preocupado contigo. Depois apareceste como se nada tivesse acontecido...»
«Tenho estes problemas desde criança. Isso faz pessoas internarem-se em manicómios.»
«Todos temos as nossas manias. Não penses nisso, pequenina. Agora compreendo muita coisa e acho que fui um bruto! Perdoa-me.»
«Sim. Ando com ansiedades. Uma angústia. Sinto dores no corpo. Minhas amigas estão preocupadas.»
Resultado de abstinência ao álcool ou a outra droga mais poderosa?
«Confia em mim. Diz tudo.»
«Sim. Não ando bem de saúde. Tenho que procurar novos médicos.»
Outra mania...
«Onde sentes dores no corpo?»
«É isso. Vou ver minha ginecologista.»
«Aí? Sentes dores aí?»
«No corpo todo. Mal estar. Uma sensação de vontade de fazer xixi o tempo todo.»
Infeção urinária ou diabetes. Pareço um médico...
«Bebes muita água? Oi... Caíste?»
«Pouquíssima. A conexão vai e volta...»
«Tens securas na boca?»
«Sim.»
«Telefone. Só um segundo.»
«Ok.»
Telefonema rápido.
«Fizeste análise aos diabetes?»
«Vou fazer.»
«Evita os doces e faz uma alimentação com menos glúcidos. Não comas muitos biscoitos e bolachas.»
«Sim.»
«Come saladas, hortaliças, peixe, carne, feijão. Pouca batata.»
«Não gosto.»
«Sabes qual era a solução?»
«Não. Me diz.»
«Tomavas as refeições comigo e eu também fazia dieta.»
«Você é magro.»
«Mas já tenho barriguinha e não tinha. É o resultado dos petiscos com os amigos. Oi...»
«Sim. Oi.»
«Estava a pensar. Tu tens muito valor potencial e desvalorizas-te. Deves atirar-te à vida.»
«Não sei.»
«Vais ver que consegues. É só uma questão de te mentalizares. Aproveita esse curso. Tu consegues.»
«Obrigada.»
«Não agradeças. Eu sei que consegues.»
«Tentarei.»
«Não digas tentarei. Diz que vais conseguir!»
«Está bem.»
«Convence-te de que és capaz e serás capaz.»
«Vamos ver. O tempo dirá.»
«Leste a mensagem?»
Não respondeu.
«Leste?»
«Vou ler. Não está abrindo o Yahoo.»
«Porque não leste? Esqueceste-te?»
«Não abro o Yahoo. O quê?»
Simone com grandes confusões. Parece não estar concentrada na tela.
«Deixa. Também já não interessa. A nossa conversa de hoje está a explicar muita coisa que eu não compreendia. Consegues ler o que estou a escrever?»
«Sim.»
«Estava com receio que só continuasses a contactar comigo por uma questão de gratidão. E isso não queria. Mas se não há amor, há carinho, amizade...»
Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida...
A prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso.”
(Saint Exupéry)
A resolução dos teus problemas está nas mãos de Deus. Por muitos motivos receio que Ele não esteja atento, porque somos, no Universo, tão insignificantes como um grão de poeira cósmica. Tenho fortes motivos para desconfiar da Sua eficácia (ou vontade). Nunca me deixou ser feliz e, por esse motivo, também não fiz ninguém feliz. Funcionou tudo ao contrário: as mulheres que me amaram nunca foram amadas por mim. Pelo contrário, quem amei nunca me amou, salvo ela, agora perdida no azul constelado do céu. Por esse motivo sou um revoltado. Perco sempre tudo o que mais amo e deito fora quem me ama, e não amo porque nunca aprendi a ser fingidor.
O sonho lindo, nascido duma relação virtual, cresceu como um malmequer até ser girassol. Cedo ganhou raízes fortes e iniciou a caminhada irreversível para o mundo real. Mas deitaram-lhe sal.
Queimaram-lhe as entranhas e agora está muito doente, quiçá moribundo. Quando, num repente, o teu coração falou mais forte e disseste-me que havia uma possibilidade de fazeres uma viagem grátis a Paris e daí vires ter comigo a Portugal, a esperança ganhou novo fôlego e então comecei a sonhar. Um amigo tinha uma casa pequena no Alentejo, e disse que podia contar com ela para o nosso aconchego. Depois, achei que devíamos ir a Fátima. Tanta sorte aparecida de mão beijada! Era para desconfiar. Eu, que subi todos os obstáculos da vida a pulso e nunca tive nada à distância de estender o braço, tinha agora tal oportunidade? Desconfiei. O pobre desconfia sempre da fartura.
Deus Todo-Poderoso ia dar-me o que nunca me deu?
Deserto. Desencantamento. Fracasso. Foi tudo o que tive. Olho para trás e só vejo destroços, sinais de sonhos imperfeitos. Obras inacabadas. O que sonho sai sempre ao contrário. Não tenho grandes problemas financeiros, mas preferia ter um ordenado mais baixo, um ninho onde acolher-te para vivermos uma vida a sós, uma cama larga para rebolarmos nela, tu a fugires de mim, soltando gargalhadas e eu a agarrar-te e a abraçar-te muito, não fosses fugir. Depois, acariciava-te os cabelos, beijava-te os olhos cor de mel, o nariz, o queixo, as faces, até que ficávamos muito sérios a olhar um para o outro. Beijava-te na boca e sentia o teu beijo molhado. O roçar do teu corpo aumentava o desejo. Finalmente, fechava as cortinas ao mundo...
Sabes?, o que mais gostava é que esta vida não passasse de um sonho e a verdadeira vida estivesse no sonho que estou a sonhar. Eu e tu, numa vida a dois. O jantar na mesa. Comida gostosa. O teu sorriso maroto. A tua voz a sussurrar:
«Quero esfregar-me em ti!»
A cama desfeita e os dois abraçados. Almofadas pelo ar. Tudo num desalinho. Eu desatinado. Tu à espera. Janela aberta para entrar o luar. A noite a passar. Manhã cheia de sol. Nos corpos e na alma. Muito amor. Sabes?, Ele nunca me ouviu!
Gaita de vida!
Deixo o pensamento mergulhado em ti, o luar a entrar na janela e a iluminar a cama vazia. Vénus a poente, à espera daquele "quarto crescente" na noite em que comecei a amar-te. Deixo-te também a saudade do tempo que não pudemos viver (“Ah! Se eu pudesse!!!”). A revolta de se ter fechado uma janela que estava aberta para a nossa vida...
Ah!, se eu fosse rico, amor... enchia a tua cama de rubis e também de rosas vermelhas. E amava-te ao luar!
De manhã, cobria o teu corpo nu com as pétalas das rosas vermelhas e atirava os rubis pela janela...
Um beijo.
António
Drama ou simulação?
A carta não foi o fim. Nem me lembro se chegou a partir.
«Bom dia. Infelizmente vou ter que ficar quietinha, sem usar o computador.»
«Porquê, amor?»
«Pois ele ocupa a linha telefónica e hoje é o primeiro leilão e estou esperando telefonemas de corretores. Advogados.»
«Deus te ajude! Mil beijos.»
«Não posso deixar a linha ocupada.»
«Eu compreendo.»
«Vou tentar ver as fotos. Tenho dez minutos...»
«Acho que vais gostar.»
«Demora muito para abrir as fotos. Você tem que tirar com a resolução mais baixa.»
«Gostas? É para ti...»
«Amei.»
«Tirei-a ontem.»
«Havias de ver a minha área de trabalho. Fazíamos um par perfeito, fosse eu mais novo. Vou enviar-te a montagem que fiz.»
«Você é novo!»
«Já fui novo.»
«Às vezes tenho vergonha de teclar com você. Não sou boa para escrever. Nunca fui de escrever. Nunca fiz uma carta de amor.»
«Escreves muito bem. Faz uma carta de amor para mim. É fácil se disseres o que te vai na alma. Gostarei da carta porque gosto de tudo o que vem de ti.»
«Você é amável. Vi a foto de boné. Está um menino.»
«Gosto dos teus olhos cor de mel que não posso beijar, da tua boca gostosa que não alcanço, do teu corpo que não conheço, o exterior e o interior. De tudo o que emana de ti!»
«A corretora acabou de ligar no meu celular. Vai ao cartório ver documentos. Torça. Peça a Deus para dar certo. Depois... tenho passagens até Paris. De lá vou a Portugal.»
«Que Deus te acompanhe. Mesmo?»
«Sou dependente das passagens até o final deste mês. Consigo tirar de graça até Paris, mas tem que ser antes do dia trinta deste mês. O resto do dinheiro arrumo.»
«Vem ter comigo, amor. Vem!»
«Só se eu resolver essas coisas aqui. Se conseguir vender meu apartamento essa semana e pagar essa divida da casa para tirar do leilão, fico livre. Gostaria de passar o dia aqui teclando com você. Seria uma maneira de extravasar. Mas não posso deixar o telefone ocupado.»
:(( (chorando)
«Eu compreendo, amor. Não te prendas mais. Mil beijos. Não chore!»
«Só mais um pouco. Coloque a foto da feira.»
«A do Santo António?»
«Sim. Tem um manequim atrás.»
«Não vou ter tempo de ver todas as fotos. Estou baixando a pensar em si.»
«É o nosso Santo dos casamentos. Faz milagres...»
«Sabe, Antônio, tenho uma formação cristã diferente da sua, mas respeito.»
«Não acredita em santos...»
«Costumo fazer minhas orações diretas com Deus. Não idolatro nada além de Deus.»
«Eu falo mais com a Virgem...»
«E eu somente com o Filho e com o Pai. Jesus e Deus. Não frequento igrejas. Apenas acredito no Filho e no Pai. Sempre fui assim. Peço a Deus. Na Bíblia diz: tudo que pedir a Deus peça em nome do Filho Dele.»
À noite mudou como o vento...
«Olá.»
«Saudades de você. Sabe... enquanto tomava banho, pensei em nós dois. Não tenho mais idade, nem você, para viver uma relação de sonhos. Sinto muito carinho por você, muito mesmo. Eu não procuro homem aqui. Entro para distrair, dar boas risadas. Tenho medo de me apegar a você e não dar em nada. Entende? E outra coisa: aqui nunca podemos expressar o que sentimos de verdade. O custo do telefonema é caro. Adoraria passar horas te contando da minha vida. Dividindo essa minha aflição. Mas não podemos.»
«Agora é que vai desanimar?»
«Não é desânimo. Além do mais estou passando pelo pior período da minha vida com muitas dificuldades e sonhos indo para o ralo...»
«Agora que começamos a ter uma relação séria, que o nosso horizonte se alargou, que tem uma hipótese de vir a Portugal...»
«Hoje no leilão descobri que o dinheiro não vai ser o suficiente. Como posso sonhar em ir a Portugal? Coloquei meu carro à venda e ainda vou precisar de mais. Preciso ajudar o meu irmão. Sei que se tudo se vai resolver. Colherei frutos...»
«O seu irmão deu cabo da vida. Sabe muito bem onde se meteu.»
«Mas não posso ficar parada sem fazer nada por ele. No momento que precisei ele me cedeu essa casa para morar aqui. A mesma que está em jogo. Não imaginávamos que isso aconteceria. Ele é irresponsável. Jogador. Cada tijolo daqui foi ele quem colocou. Tem amor também, entende? Não queria ver isso tudo ir por água abaixo. Nunca fui desamparada. Sempre teve uma mão estendida nos momentos que mais precisei e agora está na hora de ajudar. Amanhã tento vender meu carro. Ando de ónibus por um tempo. Sei que vai ser complicado. Aqui é rodovia. Quase não passa carro.»
«Espero que consiga resolver tudo. Se pudesse ajudar com dinheiro... mas não posso.»
«Mas fico sem casa. Estou aflita. Sonhei em vender meu apartamento. Comprar uma casa pequenina, com jardim, em um lugar simples e pagar contas atrasadas. Estou super cansada. Nem almocei. Há dias que não almoço. Como biscoitos.»
«Tem que cuidar de si!»
«E bebo...»
«Não beba. Faça-o por mim.»
«Amanhã começa uma longa jornada. Meu irmão hoje falou em dar um tiro na cabeça, caso perca a casa. Sinto tristeza...»
«Não sei o que dizer. Nunca me senti tão impotente. Está tudo nas mãos de Deus.
Apareceu no mesmo instante em que um meteoro cruzou a atmosfera e a sua matéria, rochosa ou metálica, passou a fazer parte integrante da Terra. É um mistério o que aconteceu.
«Cheguei. Hoje o almoço foi bom demais. Meu celular ficou aqui. Está descarregado.»
«Gostou do seu dia?»
«Muito.»
«Fico feliz.»
«Eu também.»
«Falou de mim aos seus familiares?»
«Sim.»
«Que disseram?»
«Falei das favas.»
«Favas?!...»
Há uns dias falei-lhe de favas e ela disse que não sabia o que eram favas. Enviei-lhe por mail a fotografia de um faval.
«Sim. De sua terra. Acharam legal. Perguntaram quando você vem conhecer o Rio. Eram os meus irmãos homens.»
«Tenho outra carta para enviar amanhã. Substituí a segunda folha porque ia arrepender-me.»
«Porquê? Pare de ser assim. A minha vida está muito mais tumultuada. Meu amor, me espere. Vou pegar a cam. Espere. Estou na piscina. Quer ver? Na varanda. Está frio demais aqui.»
«Porque não vai para dentro?»
«Estou esperando a caixa da água encher. Durmo naquele quarto.»
«Vê-se mal.»
«Eu sei. A luz é fraca.»
«Não a vejo, porquê?»
«Onde estou está escuro.»
«Uhm... Agora sim. Por que só vejo o seu rosto, amor?»
«Estou sentada. Amanhã tentarei te mostrar a casa. Vamos dormir.»
«Os dois?»
«Sim. Juntinhos.»
«Eu fico muito quieto e você mexe-se muito...»
«Sim.»
«Não me mexo a dormir.»
«Rs...»
«Que pensava?»
«Nisso. De você ficar quietinho.»
«E depois?»
«Aí só Deus sabe.»
:"> (envergonhada)
«Deus não conta a ninguém. Até porque fecha os olhos... para não ver.»
«Rs...»
:-* (beijo meu)
:-* (beijo da Simone)
«Em junho vem ter comigo.»
«Se Deus quiser...»
«É uma premonição.»
«Que bom! Em junho não, mas para frente. Está muito perto.»
«Em junho sim. Uma semana.»
«Não.»
«Sabe que não vou poder.»
«Uma semana. Um mês. Para sempre.»
«Só a partir de julho.»
«Vamos para o Alentejo.»
«Meu querido... só se aparecer alguém que queira comprar a casa em uma semana.»
«Já pôs à venda?»
«Sim.»
«Que bom! Se eu tivesse dinheiro, comprava... só para a ter comigo!»
«Responda!»
«Estou apavorada. Com medo daqui.»
«Sai dessa casa! Aí corre perigo de vida. O que prefere?»
«Não sei. Vou pensar. Pode deixar.»
«Eu só quero o seu bem.»
«Eu sei. Mas preciso de calma.»
«Recebi a sua encomenda hoje.»
«A carta...»
«Sim, amor. Fiquei muito emocionado.»
:-O (chocada)
«Os correios disseram que demoraria dez dias. Que isso é impossível!»
«E adorei o resto. O seu cheiro, amor...»
«Rs. Ainda estava com meu perfume?»
«Você é uma caixa de surpresas. Escreve mesmo muito bem. É modesta. Fiquei a conhecê-la melhor. Já guardei no cofre. Rs...»
«Rs.»
«Pois. Vou comprar um pequeno baú com cadeado...»
«Rs.»
«Onde esteve tanto tempo para só agora a descobrir, amor?»
«Eu?»
«Sim. Estava escondida. Tantos anos perdidos!»
«Rs.»
«Temos que os recuperar.»
«Calma.»
«Estou com pressa! Cada minuto conta.»
«Te mandei uma lingerie velhinha...»
«Desdobrei as calcinhas e depois não consegui arrumar como estava. Não faz mal. De vez em quando tenho que ver as suas calcinhas e sonhar...»
«Rs... Vou te mandar outra, quer?»
«Quero-te a ti. Vem dentro da encomenda...»
«Rs.»
«Já está mais bem disposta?»
«Um pouco. Vou comer.»
«Eu estou a escrever.»
«Ok, meu querido.»
«Acabei de chegar. Quero te mostrar a casa do lado de fora. O quarto que durmo e a varanda em que ouço pegadas à noite.»
«Mostra...»
«Durmo na janela do meio.»
«Estou a ver.»
«A parte de cima não está ocupada. Aqui está chovendo. Olhe o céu. trás é só mata. Porque é louco. Estou cansada. Fiquei triste com você. Muito triste.»
«E eu também. Acordei de súbito às quatro e fui à casa de banho. Depois tive um impulso e entrei na net.»
«Ou confio ou não confio. Sabe muito bem que se entro aqui é para ouvir as minhas amigas. Ontem aconteceu uma coisa muito chata. A Sheila teve um enfarte no momento que estava na sala. Houve uma briga.»
«E depois?»
«Foi isso...»
«Antes disso. Não era hoje que ias ao médico?»
«Não fui. Não deu tempo. Ela passou mal. Todos se desesperaram. Ontem tomei um remédio para dormir. Aquela soneca à tarde me fez mal.»
«Eu fico mal disposto quando durmo de tarde, mas às vezes é preciso.»
«Perdi o sono. E depois consegue ter sono novamente?»
«Nem sempre. Ontem, não. Fiquei bravo.»
«Não devia sentir-se assim. Ontem jogámos, brincámos. Não posso estar sempre ao seu lado. Sabe uma coisa?»
«Diz.»
«Tenho uma amiga que namorou durante dois anos pela net...»
«E?»
«... um rapaz da Alemanha. Agora estão casados há três anos.»
«Que bom!»
«Ela vendeu o carrinho igual ao meu, do mesmo ano, e comprou as passagens e foi estar com ele. Já fazem três anos. Está feliz, mas morre de frio.»
«Hoje estive a ver preços de viagens para cá, sabe?»
:)) (gargalhando)
«Sim? A partir do mês que vem não tenho mais direitos a passagens e o meu casamento acabou mal, sem diálogo. Quando for aí compro as passagens. Não quero pedir nada a ele, ficar implorando.»
«Acho bem.»
«Não é tão caro... Depois da venda da casa, eu poderei viajar. Amanhã vem uma corretora aqui avaliar a casa.»
«Tem que ter cuidado depois. Nunca se sabe quem vem ver a casa. Devia abandoná-la a partir do momento em que fica à venda.»
«Sabe, Antônio, ao contrário acham que devo estar aqui para vender.»
«Quem acha?»
Desviou a conversa.
«Eu ia pensando que você não deveria ficar bravo. Eu chego em casa e não faço mais nada. Só entrava na net à noite. Agora entro correndo por sua causa. Não tomo banho. Não faço minhas coisas. Não como. Eu não tenho empregada. Sou eu quem limpo a casa, faço comida. Lavo louças. Roupas e etc... Mas acho que isso não tem valor para você...»
«Só posso pedir desculpa.»
«Minhas coisas estão todas atrasadas. Estou no Yahoo há dois anos e sempre entrei depois das vinte e uma horas. Estou entrando quatro horas mais cedo. Minhas coisas estão todas acumuladas. Cheguei e vim logo para cá.»
«E eu agradeço, amor.»
«Vou tomar um café. Almocei muito cedo. Não sei se quer esperar...»
«Eu espero.»
«Vou lanchar. Até já.»
Pouco depois...
«Onde está?»
«Aqui meu querido.»
«Onde, amor?»
«No meu quarto, teclando com você.»
«E eu não a vejo?»
«Ahhhhh. Estou só de calcinhas.»
«Eu tapo os olhos.»
«De cabelo amarrado.»
:-O (chocada)
«Tem problema?»
«Estou super à vontade e numa posição ruim.»
«Não sou mais um desconhecido.»
«Eu sei. Estava querendo mesmo era te dar uma surra na dama.»
«Qual dama?»
«Jogo de damas.»
«Gostavas de ter ganho? Para a próxima deixo-te ganhar. Até porque sou fraco jogador. Mas também não gosto de perder. O meu pai é que jogava bem.»
«Eu não jogava damas há vinte e cinco anos.»
«E eu há mais de quinze.»
:)) (gargalhando)
«Não ri. Não goza. Você jogou muito bem.»
«Agora gostava mais de ver a minha dama. Mas ela disfarça.»
«Queria tanto jogar bilhar com você!»
«E eu vê-la! Quando estivermos juntos será com tudo às escuras. Depois ando à sua procura e tropeço numa cadeira! Onde está ela?, onde está ela? “Aqui, meu amor. Dentro do guarda-vestidos! Fechei-me à chave!” E depois aparece em fato de baile. Toda vestida de branco!»
«Mas, minha senhora... não a conheço! Viu a Simone?»
«Rs...»
«Vai ser assim. Pode crer.»
«Você é criativo. A luz aqui é ruim.»
«Vejo-a muito bem.»
«Estou em cima da cama.»
«Onde está a cama?»
«Estava com as cobertas por cima. Viu? Não me sinto à-vontade!»
«Parece uma colegial!»
«Fico envergonhada.»
«Não acredito! Voltámos ao século não sei quantos!»
«Acredite...»
«Você é linda!»
«Estou feia. A luz é ruim.»
«Não está. Mas nunca a vi de corpo inteiro...»
«Vou deixar. Calma.»
«Olhos lindos! Quero beijá-los...»
«Rs.»
«Posso desligar? Estou em uma posição ruim.»
«Vou pôr um anúncio no jornal: “namorada tem vergonha do namorado. Só mostra o rosto. Dão-se alvíssaras a quem a convencer que o namorado não é o lobo mau!»
«Cheguei. Cansadinha. Semana que vem é dia dos namorados. Rs.»
«Então o que aconteceu com o carro?»
«Quebrou homossintética.»
«Quando?»
«Dia 12.»
Falta de sincronismo nas perguntas e respostas.
«Que é isso?»
«É um eixo que tem por debaixo do carro que liga as duas rodas. Foi quatrocentos reais. Mas ficou bom. Fui eu quem comprou a peça. O lugar é de confiança.»
«Então o que fazemos no dia dos namorados, amor?»
«Rs... Não sei. Tomamos vinho.»
«Eu aqui e você aí.»
«À nossa!»
«À nossa.»
«Quero oferecer-lhe uma coisa.»
«Não, não...»
«Sim, sim.»
«Uma prenda para a namorada. Não sabe o que é. Adivinha. Você já mostrou... não digo mais. Mas falta-me um dado.»
«Como assim?»
«Adivinha.»
«Não sei.»
«Tenho uma amiga que vende.»
«O que é? Sou curiosa.»
«Preciso de um dado e só você me pode dar.»
«O quê?»
«Já mostrou...»
«Não é o que está a pensar..,»
«O que é?»
«Redondo, redondinho...»
:-O (chocada)
:-SS (roendo as unhas)
«O que é?»
«Não mande nada. Você já me deu um bonito presente. Só me deseje felicidades no dia.»
«Para mim e para si.»
«Sim.»
«Já sabe o que é?»
«Não. Uma bola de futebol.»
«Ainda o tem consigo?»
«O quê?»
«Mostrou-me e eu fiquei a pensar... Não é o que pensa!»
«Não sei o que é.»
«A propósito, hoje abri o baú onde guardei a calcinha e mantém-se o odor do seu perfume!»
«Rs. Sério?»
«Sim.»
«Esse perfume veio de Portugal. De Lisboa. Os pais de uma amiga trouxeram e me deram.»
«Mas não é o perfume. É outra coisa. Como se chama o perfume?»
«Adivinharam. Amei o perfume. Me deram junto com o vinho “3 Velhotes”. Chama-se Le Feu.»
«Mas ainda não adivinhou? É que tenho que dizer mesmo por causa do dado que me falta.»
«As mulheres brasileiras adoram ter perfumes importados. A Europa fica longe daqui.»
:)) (gargalhando)
«Tenho que dizer!»
«O quê? Enquanto teclamos...»
«Redondinho...»
«... vou tentar abrir o blogue.»
«Conhece Champagne? É bem intenso o odor!»
E provocante!
«Não. É bom?»
«Depende do gosto de cada mulher.»
«Gosto daquele cheiro. Do Le Feu... Mas se você acha bom, vou ver o cheiro em uma loja, quando passar por uma.»
«E eu gostava de saborear o odor natural do seu corpo, pequenina!»
«Rs. Aqui custam muito caro os perfumes.»
:"> (corando)
«Entrei no blogue. Dei uma olhada.»
«Que vai escrever, posso saber?»
«Vou olhar o seu mais tarde. Depois do jantar. Escrevi o trecho de uma música. Tenho alguns trechos na minha cabeça.»
Referia-se a letra. Outra vez a sua memória fora do comum a funcionar...
«Gosto muito do que escreve. Já leu todos os meus comentários?»
«Não.»
«Má!»
«Agora que consegui abrir, vou começar a ler.»
«Já leu?»
«Dois comentários, não é?»
Distração ou falta de interesse?
«São quatro.»
«Então, espere... Li. Obrigada.»
«Mais tarde vou ao seu e deixar comentários.»
Seria?
«Se pudesse transformar-me no teu sonho lindo! Sou teu fã. Parabéns. Continua. Gostei muito, mesmo muito. E insisto: se eu pudesse...»
«Eu li, meu querido e te agradeço.»
«Não fiz para receber retribuição, amor.»
«Eu sei. Mas uma das minhas maiores qualidades é a gratidão. Nunca esqueço o que fazem por mim. Achei sem querer um poeta erótico. Rs...»
«Uhm!»
«Interessantíssimo. Gosto das fotos.»
«Quais fotos?»
«Sim. Do blogue. Viu?»
Entrei no blogue e fiquei a pensar...
«São "frescas"!»
«De casais. Viu as fotos? Fotos sensuais.»
«Bom... não sei se te diga, não sei se te conte!»
«Viuuuu?»
«Estive a espreitar. Algumas posições são complicadas.»
«Rs. Não acho.»
Simone não achava...
«Acho boas.»
«Agora não cora?»
«Não. Gosto de fotos sensuais.»
«É só comigo que cora.»
«Rs.»
«E nem sequer me mostra a perninha!»
Porquê?
«Mostrarei em breve. Deixa eu me sentir melhor comigo mesma. Quero emagrecer um pouco.»
«A propósito. Ontem fiquei muito preocupado consigo.»
«Porquê?»
«Você não estava bem. Bebeu? Achei-a amnésica.»
«Não.»
«Fala comigo...»
«Estava bem. Só esqueci.»
«Depois disse que ia sair e sumiu... sem um beijinho.»
«Dormi. Hoje vou tomar um remedinho... Quero dormir cedo.»
«Pensei que ia à procura de bebida e senti remorsos por ter dito qualquer coisa que a tivesse ofendido. Quando for assim, diga logo.»
«Pode deixar.»
«As nossas frases podem ter sentidos diferentes.»
«Eu sei.»
«Convém aclarar.»
«O que é isso?, aclarar?»
«Tornar claro, isto é, de maneira a perceber-se o sentido do que se diz.»
«Ah sim.»
«Disse alguma coisa ontem...?»
«Não. Você está um anjo.»
«Não sou. Cuidado comigo!»
:-SS (roendo as unhas)
«Pois... Não digo mais.»
«Pode dizer. Eu gosto. Só faço charme.»
«Você cora comigo. Já sei. Luzes apagadas e velas...»
«Sim.»
«Porquê?»
«Porque sim.»
«E porque sim?»
«Porque gosto assim.»
«Fecha os olhos?»
«Não. Gosto desse jeito. De penumbra.»
«Meu querido, vou lanchar e tomar banho.»
Os banhos de Simone! Vai fazendo alusão a eles e cada vez com mais frequência.
«Olhe... é tudo uma questão de química.»
«Eu sei.»
«Sim. Vá.»
«Ok. Um beijo.»
«Mas antes...»
«Ah! antecipou-se...»
:-* (um beijo)
:-*
«Até amanhã.»
Momentos de angústia
São sete e meia da tarde. A Simone ainda não chegou do seu outro mundo, este bem real, onde perco sempre o seu rasto e quase de certeza se perde. Intrigado com o desaparecimento misterioso durante o dia o dia, fiz algumas perguntas ao pêndulo. Foi tudo muito estranho. Começou por aparecer alguém não identificado como morto, homem ou mulher. Não pretendia ajuda. Afastei-o e "chamei" a Manuela. Nada acrescentou em relação àquele estranho aparecimento. Fiz perguntas sobre ele, algumas das quais já feitas. A resposta foi surpreendente, o que me levou a duvidar da autenticidade do "trabalho". Não se prostituía, nem jogava. Por outro lado, tinha um problema com a justiça que parecia estar a pagar com uma espécie de serviço cívico. Devia ajudá-la.
«Só entrei para te dizer que gosto de você. Tem uma faxineira aqui. Estou arrumando com ela. Meu querido, mais tarde volto.»
Onde te perdes, misteriosa Simone?
«Um beijo.»
«Outro para você. Estou loiríssima. Fui passar uma tinta no cabelo. Fiquei loira demais.»
«Não me digas! Está a tocar no computador uma canção que tirei de uma cassete que me deu a Maria: "La vita mia".»
«Quem é a Maria?»
«Não te preocupes.»
Por vezes, também me perdia.
«Escreveste...?»
«Sim. Queres ler?»
«Se quiseres.»
«Aí vai...»
Escrevi o endereço.
«Irei ler. Mas fiquei bem loirinha» repetiu. «Tenho que ir.»
O começo da tempestade
«Antônio... Hoje não vou ficar com você, pelo jeito que andam as coisas. Estou irritada demais. Chamei uma pessoa para me ajudar aqui...»
«Que se passa?»
«... e só me aborreci. Ela demora três horas em cada quarto e nem janelas limpou ainda. Ainda trouxe o filho pequeno junto. Só me aborreci hoje. Preciso de um chá calmante. Não posso ficar só.»
Que terá acontecido durante o dia?
«Eu sou o teu calmante...»
«Tenho que olhar o menino. Estou chateada e nervosa. Outra coisa... Acabei de abrir o e-mail. Porque suas fotos são tão pesadas? As minhas têm 39 kb cada uma. As suas 1373.»
«Não deve ser como dizes.»
«É sim. Olhe o tamanho. Você deve fotografar na resolução máxima. São pesadas.»
«Que queres que faça?»
Agora descarregava em cima de mim...
«Não sei. Só estou avisando. Vai abrindo aos poucos...»
«Não é obrigatório abrir tudo de uma vez...»
«Eu sei, querido. Só avisei...»
«Sim.»
«... que o tamanho delas é grande. Só isso.»
«Não posso fazer de outra maneira. Procuro a foto e envio-o. Você, com esses óculos escuros, parece ser a mulher de vermelho. Só que está vestida de preto.»
«Coitadinho do seu amigo. Ele não tem barriga de grávido como você dizia.»
«Claro que tem. Ficou favorecido.»
«Rs.»
«Tadinho.»
:)) (gargalhando)
«É da cerveja e do vinho.»
«Rs.»
«Vou abrir a segunda.»
«Hoje pegou-se comigo por causa da política. É de esquerda e eu sou do centro. Não podemos falar de política.»
«Sério? Então não fale.»
«Fica fora de si. O Raul assiste e acompanha à festa.»
«Hoje está congelando aqui. Acho que nunca senti tanto frio. Estou esperando ela ir embora. A faxineira... Para eu tomar banho.»
«Posso tomar banho consigo?»
«Pode.»
«Quando vai acontecer? Olhe, não consegui sonhar consigo. Estava tão cansado que adormeci logo.»
«Rs. Estou congelada. Eu não sonho faz tempos. Já volto...»
«Chegue-se a mim que já aquece...»
Mais tarde...
«Antônio. Vou te contar a última antes que eu me mate. Estou sem água até para tomar banho...»
Uma tragédia... a falta da água. Como podia passar sem os seus banhos frequentes? Mais trovoada nas proximidades. Preparei-me para o pior.
«Hoje estive a gravar no Pc música do Elvis que tinha em cassetes áudio.»
«Acho melhor desistir de net.»
«Acalma-te, amor!»
«Não.»
«Que se passa contigo?»
«Vou na rua ver o que faço. Não me espere. Quero resolver o problema da água. Amanhã nos falamos.»
Que se estava a passar naquela cabecinha?
«Amanhã saio.»
«Um beijo. Ore por mim. Estou precisando. Quero ir embora daqui. Ter PAZ...»
Que demónio a atormentava?
«Antônio... Hoje não vou ficar com você, pelo jeito que andam as coisas. Estou irritada demais. Chamei uma pessoa para me ajudar aqui...»
«Que se passa?»
«... e só me aborreci. Ela demora três horas em cada quarto e nem janelas limpou ainda. Ainda trouxe o filho pequeno junto. Só me aborreci hoje. Preciso de um chá calmante. Não posso ficar só.»
Que terá acontecido durante o dia?
«Eu sou o teu calmante...»
«Tenho que olhar o menino. Estou chateada e nervosa. Outra coisa... Acabei de abrir o e-mail. Porque suas fotos são tão pesadas? As minhas têm 39 kb cada uma. As suas 1373.»
«Não deve ser como dizes.»
«É sim. Olhe o tamanho. Você deve fotografar na resolução máxima. São pesadas.»
«Que queres que faça?»
Agora descarregava em cima de mim...
«Não sei. Só estou avisando. Vai abrindo aos poucos...»
«Não é obrigatório abrir tudo de uma vez...»
«Eu sei, querido. Só avisei...»
«Sim.»
«... que o tamanho delas é grande. Só isso.»
«Não posso fazer de outra maneira. Procuro a foto e envio-o. Você, com esses óculos escuros, parece ser a mulher de vermelho. Só que está vestida de preto.»
«Coitadinho do seu amigo. Ele não tem barriga de grávido como você dizia.»
«Claro que tem. Ficou favorecido.»
«Rs.»
«Tadinho.»
:)) (gargalhando)
«É da cerveja e do vinho.»
«Rs.»
«Vou abrir a segunda.»
«Hoje pegou-se comigo por causa da política. É de esquerda e eu sou do centro. Não podemos falar de política.»
«Sério? Então não fale.»
«Fica fora de si. O Raul assiste e acompanha à festa.»
«Hoje está congelando aqui. Acho que nunca senti tanto frio. Estou esperando ela ir embora. A faxineira... Para eu tomar banho.»
«Posso tomar banho consigo?»
«Pode.»
«Quando vai acontecer? Olhe, não consegui sonhar consigo. Estava tão cansado que adormeci logo.»
«Rs. Estou congelada. Eu não sonho faz tempos. Já volto...»
«Chegue-se a mim que já aquece...»
Mais tarde...
«Antônio. Vou te contar a última antes que eu me mate. Estou sem água até para tomar banho...»
Uma tragédia... a falta da água. Como podia passar sem os seus banhos frequentes? Mais trovoada nas proximidades. Preparei-me para o pior.
«Hoje estive a gravar no Pc música do Elvis que tinha em cassetes áudio.»
«Acho melhor desistir de net.»
«Acalma-te, amor!»
«Não.»
«Que se passa contigo?»
«Vou na rua ver o que faço. Não me espere. Quero resolver o problema da água. Amanhã nos falamos.»
Que se estava a passar naquela cabecinha?
«Amanhã saio.»
«Um beijo. Ore por mim. Estou precisando. Quero ir embora daqui. Ter PAZ...»
Que demónio a atormentava?
Momento de concentração...
Espero que medite bem e que acredite que tem em mim um amigo em quem pode confiar. Que se aproxime mais de mim. Que me demonstre ter amor nas coisas mais insignificantes. Que me peça ajuda. Que não volte a fugir. Que acredite de vez no meu amor por ela. Que me conte toda a verdade para a poder amparar.
Por volta de meia-noite liguei o computador e encontrei-a online. A conversa foi inconsequente. "Caiu" nos momentos cruciais.
Telefonei pelo fixo e pelo móvel. Nada. Insisti no fixo. Finalmente atendeu. Estava muito nervosa. Deixei-a desabafar. Decidi omitir a conversa que tivemos.
Sugeriu que voltássemos para o computador.
«Que se passa contigo?»
«Nada.»
«Estou farta de problemas.»
«Não confias em mim?»
Não respondeu a direito.
«Você está possessivo! Não gosto disso.»
«Vais-te embora, despedes-te e depois voltas?»
«Eu fui ver a água.»
«Mas disseste que já não falavas. Tens que ser coerente. Eu não posso andar sempre no fio da navalha, Simone!»
«Estão pare... Sabelemas que tenho problemas...»
Escrita descontrolada. Não era próprio dela. Mesmo nos momentos de alta tensão.
«Eu quero ajudar-te, mas não sei como... se tu foges?»
«Não tem como.»
Continua triste…
«Oi. Boa tarde.»
«Estou de regresso. Boa tarde, Simone.»
«Que bom!»
«Como te sentes?»
«Bem. Aqui está fazendo calor. Começando o verão.»
«Telefone...»
«Ok.»
«Publicidade. Já despachei...»
«Rs.»
«Disse que estava de saída. Aqui também há calor.»
«Caíste? Oi!»
«Caí.»
«Podia agarrar-te...»
«Rs. O que almoçou de bom?»
«Língua de porco estufada.»
«Hummm! Acho que não gosto.»
«É muito bom. Não provaste. Nem sabes o que perdeste.»
«Não como língua. Ontem comi toucinho do céu.»
«Língua estufada é um ótimo petisco. Comi acompanhada com arroz de tomate e ervilhas. Também se pode comer com batatas fritas.»
«Que delícia!»
Gentil, a Simone. Uma delícia para mim. Mas longe. Muito longe!
«Eu já lhe mostrei o restaurante que vou com Adélia?»
«O “Seu António”...»
«O toucinho do céu é muito doce, mas tu és ainda mais, doçura. Não, não mostraste. Nem também me mostraste a tua amiga Adélia. Será igualmente outra doçura? Tem olhos melados como os teus?»
«Antônio! Tem olhos melados, sim... mas não vais meter as mãos nela. Adélia é perigosa. Muito escaldante.»
«Serpente que hipnotiza?»
«Rs. Isso. Dê uma olhada.»
«À Adélia dos olhos melados?»
«Safadinho! Abra esse site.»
«Já vi. Bons pratos.»
«Como o básico lá. Arroz, batata, carne, feijão, farofa. Custa oito reais.»
«Muito barato. Quanto custa o bacalhau?»
«Oitenta reais... para quatro pessoas. Mas nunca comi.»
Pobre Simone! Ela que gosta tanto de comer muito e do melhor...
«Tens que vir a Portugal comer o bacalhau. Há mil e um pratos... mas prefiro o bacalhau com todos.»
«Um dia irei.»
«Te espero, querida.»
«Esse final de semana vou tirar foto com a Adélia. Te mostro na segunda. Já te disse que é portuguesa?»
«Acho que não. Fico esperando com ansiedade.»
«Bom bom...»
«Tens ciúmes?»
«Rs.»
«Sabes o que estava a fazer antes de entrares na tela?»
«Não.»
«Claro que não.»
«Oi, Simone! Tu a caíres e eu sem poder agarrar-te!»
«Sim.»
«Agora quero falar contigo.»
«Fale.»
«Foi uma surpresa... Hoje estás uma doçura.»
«Obrigada. Você é um cavalheiro.»
«Fico a pensar que esta nossa amizade tem que ganhar asas e voar para a frente, para o futuro. Caiu... está mau hoje.»
«Antônio, consegue ver quando caio?»
«Às vezes...»
«Hoje está ruim.»
«Mas nós não estamos ruins.»
«Sim. Só que tenho afazeres domésticos. Quando tiveres que sair, diz.»
«Dormi cedo e bem...»
«Não te esqueças de mim.»
«Sabe que não.»
«Vai e, quando puderes, dá um toque no celular.»
«Não posso. Meu celular não está fazendo ligações. Cortaram.»
«E o telefone fixo?»
«Também. Só recebo. Na segunda vou pagar o fixo.»
«Tenho sono.»
«Já almoçaste?»
«Não. Muito sono.»
«Então vai almoçar. Depois, descansas. Por que não estou aí contigo?»
«Como assim?»
«Cuidava de ti.»
«Ah sim. Aqui está tão violento!»
«Tens medo?»
«Sim. Todos os dias as pessoas morrem vítimas de balas perdidas. A noite toda ouço barulhos.»
«Nunca mais acaba o pesadelo!»
«Queria vender essa casa logo. Viajar.»
«Um dia vais conseguir...»
«Vou sim.»
«Não serei eu, mas vais encontrar alguém a quem ames e que te ame.»
«Não penso nisso. Nem fale disso. Minhas preocupações são outras. Vou tomar um banho e almoçar...»
«Antônio, vim em casa tomar banho e almoçar.»
Os banhos sucedem-se. Cada vez fala mais de banhos…
«Vou para a "barra da Tijuca". Só chegarei muito tarde. Hoje não nos falamos mais.»
«Oi.»
«Estou com medo de ir sozinha, mas a minha amiga que poderia ir está com rubéola.»
«Olha, quando chegares lá, dá um toque que eu falo só para te dar um beijo...»
«Espere...»
Dia para esquecer. Sempre foi à "barra da Tijuca" com a amiga (?). Estou a preocupar-me mais do que devia. Voltou muito tarde. Eram quase três horas da manhã (horas de cá) e eu já dormia. Por volta das três e meia telefonei-lhe. Duas ou três palavras. Estava a entrar no portão. Despedimo-nos com um beijo seco.
Porque foi que não perguntei que fortes razões a tinham levado à "barra da Tijuca"?
Acabei de chegar a casa. Pensava que ela estava online, mas não. Liguei-lhe. Estava no advogado. Só volta entre as cinco e as seis (dez da noite aqui). Tudo muito rápido.
O tempo passa e continua enigmática.
«Aleluia!»
«Rs.»
«Estou sem água para tomar banho.»
:(( (triste)
Os banhos frequentes!
«Medi meu dedinho.»
«Já vai a caminho a outra alternativa.»
«O que será?»
:D (sorriso largo)
:-$ (segredo)
«Ah nãoooooooooooo!»
«Sou curiosa.»
«Começa com qual letra?»
«Vai pensar muito...»
«Oi...»
«Que é isto? A descarregar os corações?»
«Espera. Meu outro computador não quer ligar. Queria te mandar a foto que tirei ontem de corpo todo.»
«Está estranha.»
«Espere. Vai desistir de mim. Estou gordinha.»
:(( (a chorar)
«Não chora mais, amor. Está gordinha, mas saborosa!»
«Ahhhhhhh...»
«Eu quero ficar magrinha.»
«Comigo ficava magrinha!»
«Mas estou muitoooo!»
«Agora não há motivo para a não ver.»
«Quero emagrecer. Ah tem sim. Só quando eu ficar magrinha.»
«Nãooo! Eu gosto de si assim!»
«Mas eu não. Estou me odiando.»
«Não fica zangada. Não é motivo. E o número do dedinho? Já não gosta de mim? Um anel no seu dedo será uma coisa séria. Por que ficou assim? Ou está a falar com mais alguém?»
«Tá caindo... A conexão não fica...»
«Oi.»
«Oi.»
«E a medida do anel?»
«É 18.»
«Anelar?»
«Mas vou conferir. Acho que esqueci.»
«A seguir ao mindinho.»
«Sim.»
«Um anel é uma coisa séria... pensou?»
«Rs... Não.»
«Não pensou?»
«O anel é uma lembrança significativa.»
«Muito significativa. Pode significar muitas coisas.»
«E o nosso caso?»
«Não quero que pense em anel...»
«Pronto. Não penso.»
«Estou lanchando.»
«Não coma muito.»
«Obrigada. Não vou comer.»
«Você continua a não encontrar o amor, não é?»
Tudo mudou neste nosso mundo em mudança. Penso que cometeste um erro de cálculo quando te aproveitaste da aparente fraqueza que manifestei ao passar a mão do jogo para ti. Continuas a ser a minha namorada da noite e a esconder-te nos meandros do dia. As noites partilhadas tornaram-se mais curtas.
Foste à "barra da Tijuca" enfrentar o perigo. Deixaste espelhado o medo e eu preocupei-me muito contigo. Disse para contactares quando chegasses lá e não o fizeste. Tive que ser eu a contactar.
No dia doze é o dia dos namorados no Brasil. O anel está definitivamente posto de parte. Tudo bem.
Já vai a caminho o CD. Mais uma esperança condenada a morrer?
Os corpos que se enlaçaram numa dança apaixonada, que nos comprometeu para o futuro, soltaram-se e ficaram quedos, em frente um do outro. Nem o café da manhã fez milagres.
Passaram-se quase duas semanas inconsequentes depois da primeira vez em que tomaste consciência que podias perder-me. Pensei que era a viragem, mas enganei-me redondamente. Um vazio sem precedentes abateu-se sobre o mundo que começávamos a construir. Começo a desconfiar que o teu mundo é outro bem diferente daquele que imagino. «Fiz tudo. Só falta eu me vestir. Estou me enxugando. Lavei louça. Tomei banho. Só vou pôr uma roupa.»
«Vamos a ver se nos entendemos.»
«Três minutos... Eu não faço isto por mal. Só quero harmonia.»
«Não parece.»
«Vou ligar o abajour para me ver um pouco. Quer?»
«Sim...»
«Não tem luz aqui. É fraca.»
«Estou a vê-la.»
«Mas está escuro?»
«Está bem.»
«Rs. Acho escuro.»
«Gosto de a ver sorrir. Vou acender. Melhorou?»
«Sim.»
«Eu não gosto de brigas. Odeio. Kd você?»
«Estou a vê-la. A imagem foge sempre que escrevo. É bom vê-la, meu amor!»
«Obrigada.»
«Não agradeça. Me dá um beijo.»
«Viste o beijo?»
«Estou bem vendo novela.»
:-P (cara de sapeca)
«Como se chama a novela?»
«Pé na jaca.»
«O que é jaca?»
«Uma fruta imensa. Veja no Google. É deliciosa.»
«Sim. Já vai a caminho uma surpresa.»
«Novela doidinha. Começa com qual letra? Só diga isso.»
«Perdi um dia para lhe dar uma hora. "Ela disse que sim".»
:D (sorriso largo)
«Hoje fiz um poema. O poema é a continuação de "Ela disse que sim".»
«A surpresa é um poema? Fale...»
«Mas é trágico...»
«Não gosto.»
«Não lhe mostro esse.»
«Não quero ler. Gosto de coisas alegres.»
«Tenho receio que aconteça.»
«Fale da surpresa.»
«Não seria surpresa.»
«Colocou no blogue?»
«Quer que coloque?»
«Sim.»
«Talvez vá abrir um blogue para poesia. Quero ver-te de corpo inteiro.»
«Hoje não. Espera eu emagrecer um pouco.»
«É sempre não.»
«A cam não me deixa confortável.»
«Faz por mim!»
«Ah não. Ainda não. Estou com frio. Muito...»
«Deita na cama.»
«Pára... por favor.»
«Não disse nada de mal. Podes desligar a cam. Eu ligo para ti no fixo.»
«Ok.»
À noite aparece. Vem ter comigo. Estou quase em condições de esboçar parâmetros explicativos do seu comportamento tão irregular. Apenas esboçar. Direi que estou entre o céu e o inferno. A luta travada é feroz. Nela podem ser usadas as armas mais imprevisíveis que abrem vários cenários.
Durante o correr da noite é Simone, narcisista, a mulher que gosta de ser apreciada, que lhe digam que é bonita, mas que mantém uma segurança de distanciação, quebrada apenas por alguns "querido" e "rs" de apreciação, de quem se delicia com coisa gostosa. Se o seu comportamento fosse igual de dia, certamente que estava no céu. Assim, poderíamos navegar para águas mais profundas, quiçá ela entregar-se de vez.
Quase todos os dias, talvez entre as nove e as dez, vai para o centro de Niterói, ou para o Rio. Por vezes fala-me em advogados. Mas creio que essa fase está ultrapassada. Advogados todos os dias, ou problemas relacionados com a casa é coisa muito improvável. Então, que resta?
Vai prostituir-se?
Trabalha num emprego menos digno para a sua cultura média: restaurante, café, centro comercial?
Joga o póquer apoiando o irmão, uma hipótese mais viável que as outras. Quando lhe perguntei o que fazia na vida, disse que era jogadora de póquer. A propósito, uma vez confessou-me que foi ter com o irmão "ao sítio onde este jogava com homenzinhos reformados" e um deles perguntou como é que uma pessoa tão feia podia ter uma irmã tão bonita. Mais uma vez o narcisismo que vem dos primeiros tempos dos diálogos a que assisti nas salas dos descasados e em que se considerou, mais que uma vez, uma mulher bonita.
Não pode movimentar uma conta bancária e já explicou porquê. Será que me mentiu e a coisa é mais grave, andando fugida da polícia?
Está perturbada mentalmente?
A esse respeito também já me contou que não se lembra do passado e esquece-se (também de mim, de dia?) dos nomes das pessoas, apesar da sua memória privilegiada para os números de telefone e matrículas de automóveis (podia trabalhar neste ramo: descobrir carros roubados) em que consegue fixar mais de oitocentos. Tem comportamentos oscilantes entre o baixo e o alto (doença bipolar?).
O que foi fazer à barra da Tijuca, mesmo cheia de medo?
A atração obsessiva pela água é notória. Tem necessidade de tomar muitos banhos diários e entra em paranóia quando lhe falta a água. Sente-se suja porque anda a fazer coisas que a traumatizam ou traumatizaram no passado, a ponto de esquecer do próprio passado.
Só lhe vejo o rosto ("tu és bela!"). Está gordinha, foi a justificação sacada quase à força. Entretanto enviou-me finalmente uma foto de corpo inteiro tirada num sítio escuro que ainda mais a desvaloriza.
Com que objectivo escolheu aquele local e quem lhe tirou a foto que me enviou?
Cada vez aparece mais tarde.
O caso do álcool («Tenho medo de me transformar numa alcoólatra!») é também de ter em conta, embora me diga que, ultimamente, não anda a beber.
Está a fazer tratamento psiquiátrico?
Espero que medite bem e que acredite que tem em mim um amigo em quem pode confiar. Que se aproxime mais de mim. Que me demonstre ter amor nas coisas mais insignificantes. Que me peça ajuda. Que não volte a fugir. Que acredite de vez no meu amor por ela. Que me conte toda a verdade para a poder amparar.
Por volta de meia-noite liguei o computador e encontrei-a online. A conversa foi inconsequente. "Caiu" nos momentos cruciais.
Telefonei pelo fixo e pelo móvel. Nada. Insisti no fixo. Finalmente atendeu. Estava muito nervosa. Deixei-a desabafar. Decidi omitir a conversa que tivemos.
Sugeriu que voltássemos para o computador.
«Que se passa contigo?»
«Nada.»
«Estou farta de problemas.»
«Não confias em mim?»
Não respondeu a direito.
«Você está possessivo! Não gosto disso.»
«Vais-te embora, despedes-te e depois voltas?»
«Eu fui ver a água.»
«Mas disseste que já não falavas. Tens que ser coerente. Eu não posso andar sempre no fio da navalha, Simone!»
«Estão pare... Sabelemas que tenho problemas...»
Escrita descontrolada. Não era próprio dela. Mesmo nos momentos de alta tensão.
«Eu quero ajudar-te, mas não sei como... se tu foges?»
«Não tem como.»
Continua triste…
«Oi. Boa tarde.»
«Estou de regresso. Boa tarde, Simone.»
«Que bom!»
«Como te sentes?»
«Bem. Aqui está fazendo calor. Começando o verão.»
«Telefone...»
«Ok.»
«Publicidade. Já despachei...»
«Rs.»
«Disse que estava de saída. Aqui também há calor.»
«Caíste? Oi!»
«Caí.»
«Podia agarrar-te...»
«Rs. O que almoçou de bom?»
«Língua de porco estufada.»
«Hummm! Acho que não gosto.»
«É muito bom. Não provaste. Nem sabes o que perdeste.»
«Não como língua. Ontem comi toucinho do céu.»
«Língua estufada é um ótimo petisco. Comi acompanhada com arroz de tomate e ervilhas. Também se pode comer com batatas fritas.»
«Que delícia!»
Gentil, a Simone. Uma delícia para mim. Mas longe. Muito longe!
«Eu já lhe mostrei o restaurante que vou com Adélia?»
«O “Seu António”...»
«O toucinho do céu é muito doce, mas tu és ainda mais, doçura. Não, não mostraste. Nem também me mostraste a tua amiga Adélia. Será igualmente outra doçura? Tem olhos melados como os teus?»
«Antônio! Tem olhos melados, sim... mas não vais meter as mãos nela. Adélia é perigosa. Muito escaldante.»
«Serpente que hipnotiza?»
«Rs. Isso. Dê uma olhada.»
«À Adélia dos olhos melados?»
«Safadinho! Abra esse site.»
«Já vi. Bons pratos.»
«Como o básico lá. Arroz, batata, carne, feijão, farofa. Custa oito reais.»
«Muito barato. Quanto custa o bacalhau?»
«Oitenta reais... para quatro pessoas. Mas nunca comi.»
Pobre Simone! Ela que gosta tanto de comer muito e do melhor...
«Tens que vir a Portugal comer o bacalhau. Há mil e um pratos... mas prefiro o bacalhau com todos.»
«Um dia irei.»
«Te espero, querida.»
«Esse final de semana vou tirar foto com a Adélia. Te mostro na segunda. Já te disse que é portuguesa?»
«Acho que não. Fico esperando com ansiedade.»
«Bom bom...»
«Tens ciúmes?»
«Rs.»
«Sabes o que estava a fazer antes de entrares na tela?»
«Não.»
«Claro que não.»
«Oi, Simone! Tu a caíres e eu sem poder agarrar-te!»
«Sim.»
«Agora quero falar contigo.»
«Fale.»
«Foi uma surpresa... Hoje estás uma doçura.»
«Obrigada. Você é um cavalheiro.»
«Fico a pensar que esta nossa amizade tem que ganhar asas e voar para a frente, para o futuro. Caiu... está mau hoje.»
«Antônio, consegue ver quando caio?»
«Às vezes...»
«Hoje está ruim.»
«Mas nós não estamos ruins.»
«Sim. Só que tenho afazeres domésticos. Quando tiveres que sair, diz.»
«Dormi cedo e bem...»
«Não te esqueças de mim.»
«Sabe que não.»
«Vai e, quando puderes, dá um toque no celular.»
«Não posso. Meu celular não está fazendo ligações. Cortaram.»
«E o telefone fixo?»
«Também. Só recebo. Na segunda vou pagar o fixo.»
«Tenho sono.»
«Já almoçaste?»
«Não. Muito sono.»
«Então vai almoçar. Depois, descansas. Por que não estou aí contigo?»
«Como assim?»
«Cuidava de ti.»
«Ah sim. Aqui está tão violento!»
«Tens medo?»
«Sim. Todos os dias as pessoas morrem vítimas de balas perdidas. A noite toda ouço barulhos.»
«Nunca mais acaba o pesadelo!»
«Queria vender essa casa logo. Viajar.»
«Um dia vais conseguir...»
«Vou sim.»
«Não serei eu, mas vais encontrar alguém a quem ames e que te ame.»
«Não penso nisso. Nem fale disso. Minhas preocupações são outras. Vou tomar um banho e almoçar...»
«Antônio, vim em casa tomar banho e almoçar.»
Os banhos sucedem-se. Cada vez fala mais de banhos…
«Vou para a "barra da Tijuca". Só chegarei muito tarde. Hoje não nos falamos mais.»
«Oi.»
«Estou com medo de ir sozinha, mas a minha amiga que poderia ir está com rubéola.»
«Olha, quando chegares lá, dá um toque que eu falo só para te dar um beijo...»
«Espere...»
Dia para esquecer. Sempre foi à "barra da Tijuca" com a amiga (?). Estou a preocupar-me mais do que devia. Voltou muito tarde. Eram quase três horas da manhã (horas de cá) e eu já dormia. Por volta das três e meia telefonei-lhe. Duas ou três palavras. Estava a entrar no portão. Despedimo-nos com um beijo seco.
Porque foi que não perguntei que fortes razões a tinham levado à "barra da Tijuca"?
Acabei de chegar a casa. Pensava que ela estava online, mas não. Liguei-lhe. Estava no advogado. Só volta entre as cinco e as seis (dez da noite aqui). Tudo muito rápido.
O tempo passa e continua enigmática.
«Aleluia!»
«Rs.»
«Estou sem água para tomar banho.»
:(( (triste)
Os banhos frequentes!
«Medi meu dedinho.»
«Já vai a caminho a outra alternativa.»
«O que será?»
:D (sorriso largo)
:-$ (segredo)
«Ah nãoooooooooooo!»
«Sou curiosa.»
«Começa com qual letra?»
«Vai pensar muito...»
«Oi...»
«Que é isto? A descarregar os corações?»
«Espera. Meu outro computador não quer ligar. Queria te mandar a foto que tirei ontem de corpo todo.»
«Está estranha.»
«Espere. Vai desistir de mim. Estou gordinha.»
:(( (a chorar)
«Não chora mais, amor. Está gordinha, mas saborosa!»
«Ahhhhhhh...»
«Eu quero ficar magrinha.»
«Comigo ficava magrinha!»
«Mas estou muitoooo!»
«Agora não há motivo para a não ver.»
«Quero emagrecer. Ah tem sim. Só quando eu ficar magrinha.»
«Nãooo! Eu gosto de si assim!»
«Mas eu não. Estou me odiando.»
«Não fica zangada. Não é motivo. E o número do dedinho? Já não gosta de mim? Um anel no seu dedo será uma coisa séria. Por que ficou assim? Ou está a falar com mais alguém?»
«Tá caindo... A conexão não fica...»
«Oi.»
«Oi.»
«E a medida do anel?»
«É 18.»
«Anelar?»
«Mas vou conferir. Acho que esqueci.»
«A seguir ao mindinho.»
«Sim.»
«Um anel é uma coisa séria... pensou?»
«Rs... Não.»
«Não pensou?»
«O anel é uma lembrança significativa.»
«Muito significativa. Pode significar muitas coisas.»
«E o nosso caso?»
«Não quero que pense em anel...»
«Pronto. Não penso.»
«Estou lanchando.»
«Não coma muito.»
«Obrigada. Não vou comer.»
«Você continua a não encontrar o amor, não é?»
Tudo mudou neste nosso mundo em mudança. Penso que cometeste um erro de cálculo quando te aproveitaste da aparente fraqueza que manifestei ao passar a mão do jogo para ti. Continuas a ser a minha namorada da noite e a esconder-te nos meandros do dia. As noites partilhadas tornaram-se mais curtas.
Foste à "barra da Tijuca" enfrentar o perigo. Deixaste espelhado o medo e eu preocupei-me muito contigo. Disse para contactares quando chegasses lá e não o fizeste. Tive que ser eu a contactar.
No dia doze é o dia dos namorados no Brasil. O anel está definitivamente posto de parte. Tudo bem.
Já vai a caminho o CD. Mais uma esperança condenada a morrer?
Os corpos que se enlaçaram numa dança apaixonada, que nos comprometeu para o futuro, soltaram-se e ficaram quedos, em frente um do outro. Nem o café da manhã fez milagres.
Passaram-se quase duas semanas inconsequentes depois da primeira vez em que tomaste consciência que podias perder-me. Pensei que era a viragem, mas enganei-me redondamente. Um vazio sem precedentes abateu-se sobre o mundo que começávamos a construir. Começo a desconfiar que o teu mundo é outro bem diferente daquele que imagino. «Fiz tudo. Só falta eu me vestir. Estou me enxugando. Lavei louça. Tomei banho. Só vou pôr uma roupa.»
«Vamos a ver se nos entendemos.»
«Três minutos... Eu não faço isto por mal. Só quero harmonia.»
«Não parece.»
«Vou ligar o abajour para me ver um pouco. Quer?»
«Sim...»
«Não tem luz aqui. É fraca.»
«Estou a vê-la.»
«Mas está escuro?»
«Está bem.»
«Rs. Acho escuro.»
«Gosto de a ver sorrir. Vou acender. Melhorou?»
«Sim.»
«Eu não gosto de brigas. Odeio. Kd você?»
«Estou a vê-la. A imagem foge sempre que escrevo. É bom vê-la, meu amor!»
«Obrigada.»
«Não agradeça. Me dá um beijo.»
«Viste o beijo?»
«Estou bem vendo novela.»
:-P (cara de sapeca)
«Como se chama a novela?»
«Pé na jaca.»
«O que é jaca?»
«Uma fruta imensa. Veja no Google. É deliciosa.»
«Sim. Já vai a caminho uma surpresa.»
«Novela doidinha. Começa com qual letra? Só diga isso.»
«Perdi um dia para lhe dar uma hora. "Ela disse que sim".»
:D (sorriso largo)
«Hoje fiz um poema. O poema é a continuação de "Ela disse que sim".»
«A surpresa é um poema? Fale...»
«Mas é trágico...»
«Não gosto.»
«Não lhe mostro esse.»
«Não quero ler. Gosto de coisas alegres.»
«Tenho receio que aconteça.»
«Fale da surpresa.»
«Não seria surpresa.»
«Colocou no blogue?»
«Quer que coloque?»
«Sim.»
«Talvez vá abrir um blogue para poesia. Quero ver-te de corpo inteiro.»
«Hoje não. Espera eu emagrecer um pouco.»
«É sempre não.»
«A cam não me deixa confortável.»
«Faz por mim!»
«Ah não. Ainda não. Estou com frio. Muito...»
«Deita na cama.»
«Pára... por favor.»
«Não disse nada de mal. Podes desligar a cam. Eu ligo para ti no fixo.»
«Ok.»
Ela disse que não…
Apetecia-me encher a cama de ouro, brilhantes e rubis. Mas não era um homem rico. Só tinha pétalas para te oferecer. Infinitas pétalas da cor da paixão.
Os primeiros raios de sol atravessaram os cortinados transparentes e tu pestanejaste. Então, com cuidado, soltei-me do teu abraço suave, saí da cama em direção à janela e corri lentamente a persiana, não fosses acordar. Voltei a olhar para o teu rosto sereno e senti-me o ladrão enamorado que acabava de roubar uma joia preciosa, continuando à espera de acordares. E estava a acontecer. Mexias-te na cama, esticavas os braços, soltavas um suspiro de agrado e procuravas com as mãos o lugar que agora estava vazio.
Os primeiros raios de sol atravessaram os cortinados transparentes e tu pestanejaste. Então, com cuidado, soltei-me do teu abraço suave, saí da cama em direção à janela e corri lentamente a persiana, não fosses acordar. Voltei a olhar para o teu rosto sereno e senti-me o ladrão enamorado que acabava de roubar uma joia preciosa, continuando à espera de acordares. E estava a acontecer. Mexias-te na cama, esticavas os braços, soltavas um suspiro de agrado e procuravas com as mãos o lugar que agora estava vazio.
Ergueste-te na cama, sobressaltada.
Adivinhei a tua angústia e num salto fiquei junto a ti.
Adivinhei a tua angústia e num salto fiquei junto a ti.
Esfregaste os olhos, espreguiçaste-te e voltaste a pestanejar.
Debrucei-me sobre ti e beijei-te levemente os olhos, o nariz, os lábios. Depois, olhei para os teus seios firmes, desnudos, e tu sorriste, com malícia.
«E o café da manhã?»
Encolheste os ombros.
«Deixa para lá. Vem fazer amor comigo... vem!»
E eu deixei. O café, fumegante, que esfriasse sobre a mesa.
«Sim, meu amor, já não é preciso contarmos a passagem do tempo. Antes que ele passe por nós e nos triture, vamos enganá-lo e fugir no nosso cavalo alado que nos vai transportar para fora da galáxia, até uma distância razoável de muitos anos-luz onde ele já não pode chegar. Depois, vimos tomar o café. Já frio, que nós não damos conta.»
«Sim. E um vodka gostoso…»
Debrucei-me sobre ti e beijei-te levemente os olhos, o nariz, os lábios. Depois, olhei para os teus seios firmes, desnudos, e tu sorriste, com malícia.
«E o café da manhã?»
Encolheste os ombros.
«Deixa para lá. Vem fazer amor comigo... vem!»
E eu deixei. O café, fumegante, que esfriasse sobre a mesa.
«Sim, meu amor, já não é preciso contarmos a passagem do tempo. Antes que ele passe por nós e nos triture, vamos enganá-lo e fugir no nosso cavalo alado que nos vai transportar para fora da galáxia, até uma distância razoável de muitos anos-luz onde ele já não pode chegar. Depois, vimos tomar o café. Já frio, que nós não damos conta.»
«Sim. E um vodka gostoso…»
«Não!, porque vês voar colibri. Não te quero perder!, meu amor»
«Seu moço bonito! Não me olhe assim! Mais um vodka não faz mal...»
«Seu moço bonito! Não me olhe assim! Mais um vodka não faz mal...»
Durante o correr da noite é Simone, narcisista, a mulher que gosta de ser apreciada, que lhe digam que é bonita, mas que mantém uma segurança de distanciação, quebrada apenas por alguns "querido" e "rs" de apreciação, de quem se delicia com coisa gostosa. Se o seu comportamento fosse igual de dia, certamente que estava no céu. Assim, poderíamos navegar para águas mais profundas, quiçá ela entregar-se de vez.
Quase todos os dias, talvez entre as nove e as dez, vai para o centro de Niterói, ou para o Rio. Por vezes fala-me em advogados. Mas creio que essa fase está ultrapassada. Advogados todos os dias, ou problemas relacionados com a casa é coisa muito improvável. Então, que resta?
Vai prostituir-se?
Trabalha num emprego menos digno para a sua cultura média: restaurante, café, centro comercial?
Joga o póquer apoiando o irmão, uma hipótese mais viável que as outras. Quando lhe perguntei o que fazia na vida, disse que era jogadora de póquer. A propósito, uma vez confessou-me que foi ter com o irmão "ao sítio onde este jogava com homenzinhos reformados" e um deles perguntou como é que uma pessoa tão feia podia ter uma irmã tão bonita. Mais uma vez o narcisismo que vem dos primeiros tempos dos diálogos a que assisti nas salas dos descasados e em que se considerou, mais que uma vez, uma mulher bonita.
Não pode movimentar uma conta bancária e já explicou porquê. Será que me mentiu e a coisa é mais grave, andando fugida da polícia?
Está perturbada mentalmente?
A esse respeito também já me contou que não se lembra do passado e esquece-se (também de mim, de dia?) dos nomes das pessoas, apesar da sua memória privilegiada para os números de telefone e matrículas de automóveis (podia trabalhar neste ramo: descobrir carros roubados) em que consegue fixar mais de oitocentos. Tem comportamentos oscilantes entre o baixo e o alto (doença bipolar?).
O que foi fazer à barra da Tijuca, mesmo cheia de medo?
A atração obsessiva pela água é notória. Tem necessidade de tomar muitos banhos diários e entra em paranóia quando lhe falta a água. Sente-se suja porque anda a fazer coisas que a traumatizam ou traumatizaram no passado, a ponto de esquecer do próprio passado.
Só lhe vejo o rosto ("tu és bela!"). Está gordinha, foi a justificação sacada quase à força. Entretanto enviou-me finalmente uma foto de corpo inteiro tirada num sítio escuro que ainda mais a desvaloriza.
Com que objectivo escolheu aquele local e quem lhe tirou a foto que me enviou?
Cada vez aparece mais tarde.
O caso do álcool («Tenho medo de me transformar numa alcoólatra!») é também de ter em conta, embora me diga que, ultimamente, não anda a beber.
Está a fazer tratamento psiquiátrico?
«Oi.»
António diz:
«Oi...»
«O Yahoo cai.»
«Que é feito de si?»
«Fui almoçar na casa de amigas.»
«Fez bem.»
«Sim. Precisava.»
«Ontem estava tristinha.»
«É. Mas vai passar.»
«Posso saber porquê?»
«Não sei. Estive pensando em tudo.»
«E então?»
«Fiquei triste.»
«Não sentiu a falta dos meus telefonemas ontem e hoje?»
«Sim. Kd vc?»
«Não telefonei porque esperei sempre um sinal seu, conforme combinámos. Não queria ser possessivo. Hoje só liguei porque estava preocupado consigo.»
«Eu sei.»
«Estou com soninho. Vontade de tomar banho. Antôniooooo... posso ir?»
Os banhos!
«Não mando em si, querida.»
«Ok. Eu vou. Beijo.»
«Volta?»
«Não. Vou deitar. Estou cansada. Tomei vinho. Bjooooooooooooo...»
O arrastar dos “ooooo”. Então era isso. Continuava a embriagar-se...
«Beijo. Durma bem.»
«Você também.»
«Obrigado.»
«Oi... Antônio, você está aí?»
«Vou fazer umas coisas. Daqui a pouco falamos.»
«Oiiiiiiiiiiii... kd você? Antônio. Estou aqui lhe esperando. Mas tenho que tomar banho. Preciso sair.»
«Estava a almoçar...»
«Oi. Vou na advogada.»
«Estou a vê-la. É fotografia nova?
«Vou deixar de ir ao Yahoo. Lá me disperso muito.»
«Porquê?»
«Não faço mais nada.»
«Me dê um sinal. Não custa nada.»
«Minha conta de telefone veio cara. Não vou falar. Vou dar um toque e desligar.»
«Estou a falar de sinal, Simone. Não atendo e depois ligo. Já falámos disso mais que uma vez... Não quero que gaste dinheiro comigo.»
«Está bem. Farei assim.»
«Espere. Vou pegar água.»
Não demorou.
«Já voltei...»
«Viu as fotos?»
«Sim. Ficaram ótimas.»
«De certeza que viu?»
«Claro. Aquela sua foto tem quanto tempo?»
«Qual?»
«Em frente ao café.»
«Não é café. É uma livraria na Figueira da Foz. A foto tem mais de dez anos.»
Não me perguntou quem me tirou a fotografia.
«Ah sim... Estava elegante.»
«Agora não visto assim. Só em funerais e casamentos (rs).»
«Rs.»
«Mudaram os tempos...»
«Rs. Você é engraçado. Hoje vou comprar uma impressora.»
«Compre uma HP da série 3100 (3180). É o modelo da minha. Muito boa e barata.»
«Vou ver. Hoje o meu dia vai ser tumultuado. Vou a bancos...»
«Conte-me...»
«Pagar o condomínio. Tenho muitas coisas a fazer.»
«Só lhe peço uma... duas coisas: pense em mim e não beba, amor.»
Não respondeu.
«Estou esperando o rapaz que cuida da casa por fora. Traz a escada.»
«Uma pergunta: pode sair do Brasil, à parte os problemas, de um momento para o outro?»
«Quando vender a casa, sim.»
«Ótimo! Essa casa tem que ser vendida!»
«Sim. Ore a Deus.»
«Santo António faz milagres. Une os namorados. Amanhã é dia de Santo António, meu padroeiro e de todos os Antónios. É feriado em Lisboa e há uma procissão. Vou nela... Deus precisa dos Santos. Tem coisas mais importantes para fazer. Nós somos infinitas partículas Dele. Tendemos para Ele mas precisamos de outras ajudas menores, percebe? Anjos-da-guarda, Santos... Não podemos pedir tudo a Ele!»
«Podemos sim. Ele diz na Bíblia que só vamos ao pai através do filho, Jesus Cristo. Jesus disse: tudo que pedires em meu nome Ele vos concederá. Já venho...»
«Santo António aparece com Jesus ao colo.»
«Todos somos santos, assim diz a Bíblia. Acredito nela.»
«Engana-se. Ninguém nasce santo. Nem as crianças, que são inocentes. Maria Madalena, uma prostituta, pecadora, tornou-se uma das santas do céu...»
«Não acreditamos na mesma coisa. Só isso. Antônio... eu e o baixinho estamos trocando lâmpadas. Tem muitas queimadas. Mas sempre volto aqui. Vamos deixar de discutir religião. Amamos a DEUS. Amanhã vou dormir na minha mãe.»
«Então já não vai hoje?»
«Vou ficar aqui.»
«Acho bem.»
«Rs...»
«Posso ir namorar consigo?»
«Pode.»
«Fico num cantinho da cama e não dá por mim.»
«Tá bom.»
«Mas vou-me chegando porque você diz que tem frio.»
«Rs...»
«Você é um príncipe.»
«Vá... chama lá por mim!»
«Não tem motivos para se encostar em uma beirada da cama. Pode dormir perto.»
«Agarradinho a si?»
«Sim.»
«Não diz... agarra que é ladrão? Vou roubar-lhe beijos. Muitos.»
«Rs.»
«E depois... o príncipe e a princesa escondem-se debaixo do lençol.»
«Rs.»
«À procura do amor... Mas não devem acender a luz. Ele trouxe velas.»
«É...»
«Perfumadas.»
«Gosto de penumbra.»
«Agora deu-me vontade de rir... mas não posso dizer...»
«Porquê?
«Andamos à procura... Então?»
«De quê?»
«Ora... um do outro! Que julgava que era?»
«Rs.»
«Você foge para debaixo...»
«Disso mesmo.»
«... da cama.»
«Mas eu agarro-a e ficamos muito sérios a olhar um para o outro. Não pode ser! Não há luz. Como é que nos vemos?»
«Não sei. Rs.»
«Como dizem no Brasil… fazer amor?»
«Sim. E aí?»
«Há muitas expressões.»
«Diga.»
«Diga uma que eu digo outra.»
«Fazer amor. Transar.»
«Nhanhar.»
«Rs…»
«Pinocar.»
«Nossaaaa!»
«Queca. Diga mais.»
«Trepar.»
«Feliz dia dos namorados!!!!!!!! Bom diaaaaaaa...»
Simone acaba de lhe enviar um toque.
«Meu amor, também para ti... feliz dia dos namorados. Já foi à caixa dos e-mails?»
«Simmm!»
«Lindo! Acabei de ler.»
«Ainda bem que gostou!»
«Muito lindo! Adoro você.»
«E eu amo-a!»
«Obrigada.»
«Dormiu bem?»
«Dormi pouco.»
«Então?»
«Tenho uma grande amiga que está com problemas. Me liga à meia-noite e fica por três horas no telefone.»
«Você precisa de descansar. Tente dormir mais um pouco.»
«Estou lendo o outro e-mail.»
«Leia.»
«Como gostaria de saber escrever! Me envergonho em não saber. Linda a carta. Você é realmente um grande escritor. Sabe, uma das coisas que mais fui cobrada...»
«Não diga tal. Nem tem que ter vergonha. Você escreve bem...»
«É que nunca fiz um bilhete de amor. Nem quando eu era menina. Nunca. As minhas amigas riam de mim. Nem coração eu fazia no caderno. Nunca amei um homem. Nunca me foi possível.»
«Às vezes acho que não sou capaz de amar ninguém.»
«Nunca é tarde. Você tem o amor muito escondido. Traga-o cá para fora.»
«Não sei se sou capaz de amar. Estes dois meses que estão por vir serão cruciais para minha vida. Serão eles que vão definir a minha história.»
«Pense positivo.»
«Você leu o cartão que te enviei?»
«Qual?»
«No Yahoo...»
«Não. Não fui ao Yahoo. Mas vou...»
«Vou buscar um café.»
«Eu vou ler.»
«Antônio... escureci novamente os cabelos. Eu quis economizar dinheiro e só fiz besteiras!»
«Não gostou de se ver loura?»
«Não.»
«Olha só. Eu mandei ontem à noite...»
«Gosto de você loura, ruiva, cabelos vermelhos, castanhos, pretos... desde que seja você.»
«Obrigada.»
«Vou tentar entrar outra vez. Está lento, muito lento...»
«Poxa! Qual nome aparece?»
«Mónica. Já não é a primeira vez. Fala de cursos.»
«Vou tentar te enviar aqui...»
«Envia para o sapo.»
«Mandei para o que acabou de dizer.»
«Vou ver...»
«Muito bonito. É mesmo assim. Lauro Trevisan é um pensador muito apreciado em Portugal. Está ligado ao poder da mente. Faz conferências. Nunca assisti a nenhuma, mas já li livros dele. Obrigado por ter escolhido para mim estes pensamentos tão bonitos! Amoooooor! Leu o que escrevi?»
«Por nada. Li, sim.»
«É mesmo assim como ele diz. Leia os seus livros e sente-se melhor. É pena o mundo não ser como ele deseja.»
«É, sim.»
«Fala muito do amor universal. De amor pelo próximo. Também o amor a dois. Quando tem a consulta da vista?»
«Estou tentando ligar. Esqueci a hora. Já volto.»
De novo problemas de memória. Estranho para quem tem a capacidade de fixar oitocentos números telefónicos!
«Estou ligando, mas ninguém atende.»
«Não se lembra se era de manhã?»
«Não. Me deu uma branca.»
«Tem que escrever num pequeno bloco de notas. Assim, fica sempre mais descansada.»
«Vou fazer isso.»
«Não faça como eu que nunca tomo conta de nada e ando sempre a fazer revisões para não me esquecer. E às vezes passa...»
«Eu sei.»
«Depois do exame de vista vou fazer uma pequena cirurgia em um dente. Minha mãe está preocupada. Quer que eu arrume alguém para dirigir na volta.»
«Quero vir para a casa e ficar deitada. Já separei uma sopinha. Não devo estar bem para teclar, mas se quiser...»
«O mais importante é que tudo corra bem. E peça a alguém sua amiga para conduzir. A operação é a um dente de siso?»
«Oi... Se eu pudesse, saía desta casa e ia viver consigo!»
«Eu sei, querido...»
«Há sempre um dia... O nosso dia vai chegar mais depressa do que julgamos. Tenho que ter uma conversa com o Santo António...»
«Leia Exodus, capítulo vinte. Na Bíblia, os quatro primeiros mandamentos. Por favor.»
«Eu leio.»
«Os quatro primeiros são a respeito do nosso amor por Deus.»
«Mas eu não deixo de respeitar Deus. Santo António é um dos doutores da Igreja.»
«Te adoro. Peça a Deus. Estou ligando. Vai ser às onze horas.»
«Não fiques nervosa que tudo correrá bem. Então já não tens muito tempo. Que Deus te acompanhe e te guie.»
«Vou tomar banho e sair. À tarde estou de volta.»
«Beijos. À tarde nos falamos.»
«Beijos.»
António diz:
«Oi...»
«O Yahoo cai.»
«Que é feito de si?»
«Fui almoçar na casa de amigas.»
«Fez bem.»
«Sim. Precisava.»
«Ontem estava tristinha.»
«É. Mas vai passar.»
«Posso saber porquê?»
«Não sei. Estive pensando em tudo.»
«E então?»
«Fiquei triste.»
«Não sentiu a falta dos meus telefonemas ontem e hoje?»
«Sim. Kd vc?»
«Não telefonei porque esperei sempre um sinal seu, conforme combinámos. Não queria ser possessivo. Hoje só liguei porque estava preocupado consigo.»
«Eu sei.»
«Estou com soninho. Vontade de tomar banho. Antôniooooo... posso ir?»
Os banhos!
«Não mando em si, querida.»
«Ok. Eu vou. Beijo.»
«Volta?»
«Não. Vou deitar. Estou cansada. Tomei vinho. Bjooooooooooooo...»
O arrastar dos “ooooo”. Então era isso. Continuava a embriagar-se...
«Beijo. Durma bem.»
«Você também.»
«Obrigado.»
«Oi... Antônio, você está aí?»
«Vou fazer umas coisas. Daqui a pouco falamos.»
«Oiiiiiiiiiiii... kd você? Antônio. Estou aqui lhe esperando. Mas tenho que tomar banho. Preciso sair.»
«Estava a almoçar...»
«Oi. Vou na advogada.»
«Estou a vê-la. É fotografia nova?
«Vou deixar de ir ao Yahoo. Lá me disperso muito.»
«Porquê?»
«Não faço mais nada.»
«Me dê um sinal. Não custa nada.»
«Minha conta de telefone veio cara. Não vou falar. Vou dar um toque e desligar.»
«Estou a falar de sinal, Simone. Não atendo e depois ligo. Já falámos disso mais que uma vez... Não quero que gaste dinheiro comigo.»
«Está bem. Farei assim.»
«Espere. Vou pegar água.»
Não demorou.
«Já voltei...»
«Viu as fotos?»
«Sim. Ficaram ótimas.»
«De certeza que viu?»
«Claro. Aquela sua foto tem quanto tempo?»
«Qual?»
«Em frente ao café.»
«Não é café. É uma livraria na Figueira da Foz. A foto tem mais de dez anos.»
Não me perguntou quem me tirou a fotografia.
«Ah sim... Estava elegante.»
«Agora não visto assim. Só em funerais e casamentos (rs).»
«Rs.»
«Mudaram os tempos...»
«Rs. Você é engraçado. Hoje vou comprar uma impressora.»
«Compre uma HP da série 3100 (3180). É o modelo da minha. Muito boa e barata.»
«Vou ver. Hoje o meu dia vai ser tumultuado. Vou a bancos...»
«Conte-me...»
«Pagar o condomínio. Tenho muitas coisas a fazer.»
«Só lhe peço uma... duas coisas: pense em mim e não beba, amor.»
Não respondeu.
«Estou esperando o rapaz que cuida da casa por fora. Traz a escada.»
«Uma pergunta: pode sair do Brasil, à parte os problemas, de um momento para o outro?»
«Quando vender a casa, sim.»
«Ótimo! Essa casa tem que ser vendida!»
«Sim. Ore a Deus.»
«Santo António faz milagres. Une os namorados. Amanhã é dia de Santo António, meu padroeiro e de todos os Antónios. É feriado em Lisboa e há uma procissão. Vou nela... Deus precisa dos Santos. Tem coisas mais importantes para fazer. Nós somos infinitas partículas Dele. Tendemos para Ele mas precisamos de outras ajudas menores, percebe? Anjos-da-guarda, Santos... Não podemos pedir tudo a Ele!»
«Podemos sim. Ele diz na Bíblia que só vamos ao pai através do filho, Jesus Cristo. Jesus disse: tudo que pedires em meu nome Ele vos concederá. Já venho...»
«Santo António aparece com Jesus ao colo.»
«Todos somos santos, assim diz a Bíblia. Acredito nela.»
«Engana-se. Ninguém nasce santo. Nem as crianças, que são inocentes. Maria Madalena, uma prostituta, pecadora, tornou-se uma das santas do céu...»
«Não acreditamos na mesma coisa. Só isso. Antônio... eu e o baixinho estamos trocando lâmpadas. Tem muitas queimadas. Mas sempre volto aqui. Vamos deixar de discutir religião. Amamos a DEUS. Amanhã vou dormir na minha mãe.»
«Então já não vai hoje?»
«Vou ficar aqui.»
«Acho bem.»
«Rs...»
«Posso ir namorar consigo?»
«Pode.»
«Fico num cantinho da cama e não dá por mim.»
«Tá bom.»
«Mas vou-me chegando porque você diz que tem frio.»
«Rs...»
«Você é um príncipe.»
«Vá... chama lá por mim!»
«Não tem motivos para se encostar em uma beirada da cama. Pode dormir perto.»
«Agarradinho a si?»
«Sim.»
«Não diz... agarra que é ladrão? Vou roubar-lhe beijos. Muitos.»
«Rs.»
«E depois... o príncipe e a princesa escondem-se debaixo do lençol.»
«Rs.»
«À procura do amor... Mas não devem acender a luz. Ele trouxe velas.»
«É...»
«Perfumadas.»
«Gosto de penumbra.»
«Agora deu-me vontade de rir... mas não posso dizer...»
«Porquê?
«Andamos à procura... Então?»
«De quê?»
«Ora... um do outro! Que julgava que era?»
«Rs.»
«Você foge para debaixo...»
«Disso mesmo.»
«... da cama.»
«Mas eu agarro-a e ficamos muito sérios a olhar um para o outro. Não pode ser! Não há luz. Como é que nos vemos?»
«Não sei. Rs.»
«Como dizem no Brasil… fazer amor?»
«Sim. E aí?»
«Há muitas expressões.»
«Diga.»
«Diga uma que eu digo outra.»
«Fazer amor. Transar.»
«Nhanhar.»
«Rs…»
«Pinocar.»
«Nossaaaa!»
«Queca. Diga mais.»
«Trepar.»
«Feliz dia dos namorados!!!!!!!! Bom diaaaaaaa...»
Simone acaba de lhe enviar um toque.
«Meu amor, também para ti... feliz dia dos namorados. Já foi à caixa dos e-mails?»
«Simmm!»
«Lindo! Acabei de ler.»
«Ainda bem que gostou!»
«Muito lindo! Adoro você.»
«E eu amo-a!»
«Obrigada.»
«Dormiu bem?»
«Dormi pouco.»
«Então?»
«Tenho uma grande amiga que está com problemas. Me liga à meia-noite e fica por três horas no telefone.»
«Você precisa de descansar. Tente dormir mais um pouco.»
«Estou lendo o outro e-mail.»
«Leia.»
«Como gostaria de saber escrever! Me envergonho em não saber. Linda a carta. Você é realmente um grande escritor. Sabe, uma das coisas que mais fui cobrada...»
«Não diga tal. Nem tem que ter vergonha. Você escreve bem...»
«É que nunca fiz um bilhete de amor. Nem quando eu era menina. Nunca. As minhas amigas riam de mim. Nem coração eu fazia no caderno. Nunca amei um homem. Nunca me foi possível.»
«Às vezes acho que não sou capaz de amar ninguém.»
«Nunca é tarde. Você tem o amor muito escondido. Traga-o cá para fora.»
«Não sei se sou capaz de amar. Estes dois meses que estão por vir serão cruciais para minha vida. Serão eles que vão definir a minha história.»
«Pense positivo.»
«Você leu o cartão que te enviei?»
«Qual?»
«No Yahoo...»
«Não. Não fui ao Yahoo. Mas vou...»
«Vou buscar um café.»
«Eu vou ler.»
«Antônio... escureci novamente os cabelos. Eu quis economizar dinheiro e só fiz besteiras!»
«Não gostou de se ver loura?»
«Não.»
«Olha só. Eu mandei ontem à noite...»
«Gosto de você loura, ruiva, cabelos vermelhos, castanhos, pretos... desde que seja você.»
«Obrigada.»
«Vou tentar entrar outra vez. Está lento, muito lento...»
«Poxa! Qual nome aparece?»
«Mónica. Já não é a primeira vez. Fala de cursos.»
«Vou tentar te enviar aqui...»
«Envia para o sapo.»
«Mandei para o que acabou de dizer.»
«Vou ver...»
«Muito bonito. É mesmo assim. Lauro Trevisan é um pensador muito apreciado em Portugal. Está ligado ao poder da mente. Faz conferências. Nunca assisti a nenhuma, mas já li livros dele. Obrigado por ter escolhido para mim estes pensamentos tão bonitos! Amoooooor! Leu o que escrevi?»
«Por nada. Li, sim.»
«É mesmo assim como ele diz. Leia os seus livros e sente-se melhor. É pena o mundo não ser como ele deseja.»
«É, sim.»
«Fala muito do amor universal. De amor pelo próximo. Também o amor a dois. Quando tem a consulta da vista?»
«Estou tentando ligar. Esqueci a hora. Já volto.»
De novo problemas de memória. Estranho para quem tem a capacidade de fixar oitocentos números telefónicos!
«Estou ligando, mas ninguém atende.»
«Não se lembra se era de manhã?»
«Não. Me deu uma branca.»
«Tem que escrever num pequeno bloco de notas. Assim, fica sempre mais descansada.»
«Vou fazer isso.»
«Não faça como eu que nunca tomo conta de nada e ando sempre a fazer revisões para não me esquecer. E às vezes passa...»
«Eu sei.»
«Depois do exame de vista vou fazer uma pequena cirurgia em um dente. Minha mãe está preocupada. Quer que eu arrume alguém para dirigir na volta.»
«Quero vir para a casa e ficar deitada. Já separei uma sopinha. Não devo estar bem para teclar, mas se quiser...»
«O mais importante é que tudo corra bem. E peça a alguém sua amiga para conduzir. A operação é a um dente de siso?»
«Oi... Se eu pudesse, saía desta casa e ia viver consigo!»
«Eu sei, querido...»
«Há sempre um dia... O nosso dia vai chegar mais depressa do que julgamos. Tenho que ter uma conversa com o Santo António...»
«Leia Exodus, capítulo vinte. Na Bíblia, os quatro primeiros mandamentos. Por favor.»
«Eu leio.»
«Os quatro primeiros são a respeito do nosso amor por Deus.»
«Mas eu não deixo de respeitar Deus. Santo António é um dos doutores da Igreja.»
«Te adoro. Peça a Deus. Estou ligando. Vai ser às onze horas.»
«Não fiques nervosa que tudo correrá bem. Então já não tens muito tempo. Que Deus te acompanhe e te guie.»
«Vou tomar banho e sair. À tarde estou de volta.»
«Beijos. À tarde nos falamos.»
«Beijos.»
O dia de ontem…
Foi preciso esperar muitos anos para acompanhar uma procissão. Tinha dito à Simone, sem convicção, que "ia na procissão do Santo António". Tal hipótese deu logo origem a uma discussão de índole religiosa.
É que ela só acreditava em Deus e no Filho e não vai à igreja. Eu acreditava em Deus, no Filho e na Virgem, e não ia à igreja por sistema. Santo António era o meu Santo de eleição. Por vezes, quando me revoltava, quase que era ateu.
Como aconteceu?
Estava na zona da Sé, à espera de ver passar a procissão. Fui tirando fotografias atrás de fotografias, aproveitando a era do digital. De repente, sem saber como, dei comigo a ir atrás da procissão. Foram duas horas extenuantes, a acrescentar mais uma ouvindo a longa oração de sapiência dum padre franciscano. Já não sentia os pés e as pernas, mas fiquei até ao fim.
Pedi por nós e para que "te libertasses da casa".
«Chegueiiiiii. Tou suja. O dia todo na rua.»
Simone acaba de me enviar um toque.
«Oi...»
«Oi. Achei que estivesse dormindo. Chegaste agora?»
«Há pouco. Aí liguei daqui...»
«Não deste o toque. Estava a ver um filme.»
«... e resolvi falar com você logo. Achei que estava na frente do Pc. Eu nem tomei banho. Estou suja.»
«E eu pressenti que tinhas chegado.»
«Que bom! Adorei o CD.»
«Gostaste mesmo?»
«Amei a música sete. É uma mulher cantando.»
«Um fado. Barco Negro. Mariza. Uma grande fadista! E os poemas? Não me falaste neles!»
«Kd você?»
«Aqui. Estava a pensar...»
«Em quê?, diga.»
«Não tem importância.»
«Fale, por favor.»
Compreendeu o meu desalento.
«Amei as poesias. Não citei porque são especiais.»
«Não é isso.»
«O que foi então?»
«Não sei.»
Mas era isso.
«Estranho. Quero entender. Fale, Antônio!»
«Já passou.»
«Antônio, acho que você não quer falar. Então vou tomar banho. Não vou ficar aqui com você sem responder. Só eu teclando. Estou lhe achando estranho. Tanto gosto que tecle. Não entendi. Só que veja uma coisa: entrei em casa e liguei o Pc. Não fiz mais nada. Não tomei água. Nem banho. Nada.»
«E eu adivinhei. Estava na casa de jantar e levantei-me de repente.»
«Porque não deixa no MSN que está ausente? Está errado.»
«Não me sinto aborrecido. Quero compreender o que se passa comigo. Já não é a primeira vez que adivinho a sua presença... à distância.»
«Ah sim... os seus pressentimentos. Eu saí às pressas da casa da minha amiga e ela se chateou. Disse que estou trocando o mundo real pelo virtual. Não quero briga. As pessoas cobram minha presença. Amanhã vou ao aniversário...»
«É o que me dizem os amigos.»
«Mas as pessoas não entendem. Chamam loucura.»
«Não é.»
«Não sei. Antônio...»
«Nós só estamos longe. Um do outro na distância. Preciso de água.»
«Essa sua amiga onde esteve é a que tem problemas?»
«Não.»
«A que faz aniversário amanhã. Ela está com solidão.»
«Faz bem em ir. A sua amiga precisa de ajuda. Está cansada?»
«Tenho falta de uma coisa.»
«O quê? Fale.»
«Esperava que adivinhasse.»
«Me ver...»
«Também.»
«Que mais?»
«Às vezes me chama esse nome, mas é raro. Tem vergonha. E eu gosto muito.»
«Diga.»
«Vou dizer. Chama-me querido.»
«Rs. Meu querido.»
«Agora vá tomar o seu banho e descansar. E lembre-se que estamos no virtual mas somos reais!»
«Sim. Vou tomar banho. Beijos, querido.»
«Tou aqui» diz Simone. «Vem cá. Pára de gastar.»
«Oi, amor... poupadinha!»
«Oi. Estou a 1000 por hora, fazendo limpeza, almoço. Só entrei para lhe dar um beijo. Vou sair daqui a pouco.»
«É a minha sina.»
«São duas horas para chegar lá. Não fale isso. E se eu trabalhasse fora, como iria ser?»
«Sempre vais?»
«Como?»
«Aos anos da tua amiga?»
«Sim.»
«Sozinha?»
«Não. Vou com a minha amiga Adélia.»
«Ah sim... Olha, vai devagar. Não bebas muito.»
«Não tem bebidas. Só vão estar eu, minha amiga e a aniversariante. Não vai mais ninguém e é por isso eu vou, entendeu? Se tivesse festa, não iria.»
«Quando voltares a casa, dá um toque.»
«Está bem. Vou tomar um banho. Um beijo, querido.»
«Conduz com cuidado.»
«Pode deixar.»
Ando mais desorientado que o tempo. Daqui a pouco está aí o verão e as nuvens e a chuva teimam em ficar. Já nem sei se é quarto crescente ou lua cheia. Hoje, além das nuvens, qualquer coisa que não atinjo parece nublar o futuro que me espera. Afinal, parece que o Santo António não quis conceder-me a graça que lhe pedi. De nada valeu o sacrifício de quase três horas. Paciência, a vida é assim.
As coisas não vão bem com a Simone. Anteontem recebeu o CD e o efeito foi quase nulo. Os momentos de diálogo foram curtos e as desculpas muitas. Começo a cansar-me de tanta incerteza. O dia dos namorados começou bem e acabou mal.
Entrámos outra vez numa fase que considero perigosa. As ditas amigas tiveram neste fim-de-semana uma meia vitória quando conseguiram desviá-la da chamada vida virtual.
Depois do que escrevi ontem, posso dizer que a realidade não se desviou muito dos prognósticos que então fiz.
«Acabei. Lavei a louça toda.»
«Menina bonita!»
«Rs.»
«E é.»
«São seus olhos.»
«O eletricista não veio ainda.»
«Meus olhos não são cegos. Meu coração também não, mas vê de outra maneira. O seu interior também é lindo.»
«Obrigada.»
«Já disse para não agradecer.»
«Sou assim.»
«Pergunte a Deus se deve agradecer por termo-nos encontrado nesta Terra de passagem. Só Ele sabe. Caiu?»
«Que leu?»
«Nada.»
«Eu disse que estou com vontade de fazer oh oh.»
«Comigo?»
«É. Vamos.»
«Vamos, amor.»
«Fico quietinha.»
«Eu fico do lado direito.»
«Tá. E eu no esquerdo.»
«E depois?»
«Depois, não sei.»
«Passamos uma noite em claro...»
«Rs. Safadinho!»
«Não gostava?»
«Sim.»
«Safadinha!»
«Rs.»
«Nunca mais a vi...»
«Não deu naquele dia.»
«Hoje dá?»
«Sabe, Antônio, eu me arrependi de ir na casa da minha amiga no aniversário. Ela nem preparou nada para nos receber. Achei desagradável. Nem um café fez. Demorei três horas e meia para chegar lá.»
«Que problemas ela tem?»
«Sei lá! Às vezes acho que ela inventa. Diz ter depressão. Ela devia ter feito algo um café, suco.»
«As pessoas com depressão isolam-se de todos. Até dos amigos.»
«Eu sei. Mas era aniversário e ela sabia que eu iria com uma amiga. Achei falta de consideração não ter feito nem um café para nos receber. Nesse aspecto de receber, sempre faço um café na hora que chega uma visita. Compro pães, essas coisas... Me preocupo.»
«Mas não jantaram lá?»
«Não. Fomos a uma pizzaria. Quero saber a história do Picasso.»
Porquê?
«Você está com o problema das idades... confesse.»
«Não é isso, mas existem diferenças. Não podemos negar. Até culturalmente. Somos de países diferentes. Por isso temos gostos diferentes.»
«Sou um poço de energia.»
«Não falo fisicamente. Isso não importa.»
«Se fôssemos iguais em gostos não tinha graça.»
«Rs. Isso é verdade.»
«Às dezasseis horas tenho dentista. Não sei a que horas chego em casa.»
De novo em fuga...
«O que é preciso é cada um respeitar os gostos do outro e haver cedências parte a parte. Uma espécie de contrato.»
«Sim. Olha só... queria que fizesse um favor. Veja o preço daquele perfume que te falei. Por favor.»
«Quanto custa aí? Só o preço.»
«O que tu usas?»
«Sim. Vou te dizer. Mais um dolce gabanna feminina.»
«Espere.»
«Volume?»
Caiu a conexão.
Simone diz:
«Oi! Cheguei agora. Sujinha.»
«Já sei os preços dos perfumes.»
«Sério? Me diga.»
«D & G: 100 ml, 47,07 euros; 50 ml, 36,91.»
«Barato. Muito bom preço.»
«Le feu (light) 30 ml, 38 euros; 50 ml, 55 euros.»
«Barato também. Quanto custaria para enviar, tem ideia? Quero saber o preço do envio e como faço para depositar para você.»
«Já enviei D & G.»
«Sério?»
«Esta manhã.»
«Então deixa o "Le feu" para eu comprar aí pessoalmente. Rs...»
«Sim.»
«Como faço para depositar o dinheiro?»
«Não faz nada.»
«Faço simmmmm! Senão vou ficar chateada.»
«Fica.»
«Por favor, não quero. Me diz, ou então... envio por carta amanhã mesmo cedinho.»
«Beijos...»
«Hoje uma prima que teve câncer passou o dia aqui. Almoçámos e depois saímos. Ela é fisioterapeuta. Há muito tempo que não a via. Depois fui a um cartório levar documentos da venda do meu apartamento. Estou preocupada com uma amiga. A Adélia. Já lhe falei.»
«Sim.»
«Ela tem uma casa de festas infantis e tinha uma sócia. Agora está recebendo ameaças. Muitas. Ela é sozinha. Separada. Você está aí?»
«Sim. Estou lendo.»
«Ah sim. Ela há pouco me ligou para aqui.»
«Quem a ameaça?»
«A ex-sócia. Está apavorada.»
«Pelo telefone?»
«Sim. Acha até que o telefone está bloqueado.»
«Que grave a conversa e apresente queixa à polícia.»
«Ela deve dinheiro a essa mulher. Esse é o problema, e não tem para pagar.»
«Bom, já é diferente.»
«Com certeza. Ela tem que se desfazer do negócio. Só traz problemas.»
«Mudemos de assunto. Almocei com os meus colegas. Cherne grelhado.»
«Nossa! Que delicia! Foi em restaurante?»
«Sim. Depois vim para casa e pus uma televisão a funcionar na sala onde tenho o computador. Fiz um furo a ligar o quarto com a sala, depois uma ligação dupla no cabo e sintonizei. Está com uma imagem ótima.»
«Que bom!»
«Hoje tive um dia de muita sorte. Correu tudo bem.»
«Que bom! Você merece.»
«Fui ao Colombo e fiz compras no hipermercado.»
«Bonito lá?»
«É enorme e tem todas as lojas de marca. Fui guardar as compras ao carro e voltei para ir à perfumaria.»
«Obrigada, querido. Irei retribuir.»
«Não tinham "Le Feu" e disseram-me os outros preços. Comprei.»
«Cheirou o "Dolce & Gabanna"?»
«Sim. Gostei. Depois voltei ao carro e vi o vidro do meu lado todo aberto. Pensei: lá me roubaram tudo.»
«Como assim?»
«Quando tirei o ticket para entrar no Centro Comercial esqueci-me de subir o vidro. Felizmente que não roubaram nada.»
«Ah, sim...»
«Tive uma grande sorte! Mas você nem deu um toque!»
«Poxa! Mas assim que cheguei, corri para cá. Nem banho tomei.»
Os banhos... sim!
«Só vim para te dar um beijo. Não fique assim. Não gosto, por favor. Amanha à tarde vou te enviar uma surpresa.»
«Não precisa, amor.»
«Mas eu quero. A luz está oscilando. Não consertaram ainda. O eletricista não pode vir ainda.»
«É quarto crescente. Há quase dois meses escrevi aquela prosa...»
«Rs... Você demora a teclar. Acho engraçadinho.»
«As frases são mais longas.»
«Você gosta de escrever grandeeeeeeeeeeeeeee. Sim. Fico rindo aqui enquanto espero.»
«Porquê?»
«Porque acho fofo, né?»
«Não encontro as palavras para exprimir o que sinto por si.»
«Não fale assim. Me encabula.»
«Que quer dizer?»
«Envergonhada. Querido...»
Banho...
«Tenho que tomar banho, comer...»
E eu não sei?
«Oi. Estou triste. Muito.»
«Porquê?»
«A cachorrinha está quase morrendo...»
«Chegou a ir à veterinária?»
Foi preciso esperar muitos anos para acompanhar uma procissão. Tinha dito à Simone, sem convicção, que "ia na procissão do Santo António". Tal hipótese deu logo origem a uma discussão de índole religiosa.
É que ela só acreditava em Deus e no Filho e não vai à igreja. Eu acreditava em Deus, no Filho e na Virgem, e não ia à igreja por sistema. Santo António era o meu Santo de eleição. Por vezes, quando me revoltava, quase que era ateu.
Como aconteceu?
Estava na zona da Sé, à espera de ver passar a procissão. Fui tirando fotografias atrás de fotografias, aproveitando a era do digital. De repente, sem saber como, dei comigo a ir atrás da procissão. Foram duas horas extenuantes, a acrescentar mais uma ouvindo a longa oração de sapiência dum padre franciscano. Já não sentia os pés e as pernas, mas fiquei até ao fim.
Pedi por nós e para que "te libertasses da casa".
«Chegueiiiiii. Tou suja. O dia todo na rua.»
Simone acaba de me enviar um toque.
«Oi...»
«Oi. Achei que estivesse dormindo. Chegaste agora?»
«Há pouco. Aí liguei daqui...»
«Não deste o toque. Estava a ver um filme.»
«... e resolvi falar com você logo. Achei que estava na frente do Pc. Eu nem tomei banho. Estou suja.»
«E eu pressenti que tinhas chegado.»
«Que bom! Adorei o CD.»
«Gostaste mesmo?»
«Amei a música sete. É uma mulher cantando.»
«Um fado. Barco Negro. Mariza. Uma grande fadista! E os poemas? Não me falaste neles!»
«Kd você?»
«Aqui. Estava a pensar...»
«Em quê?, diga.»
«Não tem importância.»
«Fale, por favor.»
Compreendeu o meu desalento.
«Amei as poesias. Não citei porque são especiais.»
«Não é isso.»
«O que foi então?»
«Não sei.»
Mas era isso.
«Estranho. Quero entender. Fale, Antônio!»
«Já passou.»
«Antônio, acho que você não quer falar. Então vou tomar banho. Não vou ficar aqui com você sem responder. Só eu teclando. Estou lhe achando estranho. Tanto gosto que tecle. Não entendi. Só que veja uma coisa: entrei em casa e liguei o Pc. Não fiz mais nada. Não tomei água. Nem banho. Nada.»
«E eu adivinhei. Estava na casa de jantar e levantei-me de repente.»
«Porque não deixa no MSN que está ausente? Está errado.»
«Não me sinto aborrecido. Quero compreender o que se passa comigo. Já não é a primeira vez que adivinho a sua presença... à distância.»
«Ah sim... os seus pressentimentos. Eu saí às pressas da casa da minha amiga e ela se chateou. Disse que estou trocando o mundo real pelo virtual. Não quero briga. As pessoas cobram minha presença. Amanhã vou ao aniversário...»
«É o que me dizem os amigos.»
«Mas as pessoas não entendem. Chamam loucura.»
«Não é.»
«Não sei. Antônio...»
«Nós só estamos longe. Um do outro na distância. Preciso de água.»
«Essa sua amiga onde esteve é a que tem problemas?»
«Não.»
«A que faz aniversário amanhã. Ela está com solidão.»
«Faz bem em ir. A sua amiga precisa de ajuda. Está cansada?»
«Tenho falta de uma coisa.»
«O quê? Fale.»
«Esperava que adivinhasse.»
«Me ver...»
«Também.»
«Que mais?»
«Às vezes me chama esse nome, mas é raro. Tem vergonha. E eu gosto muito.»
«Diga.»
«Vou dizer. Chama-me querido.»
«Rs. Meu querido.»
«Agora vá tomar o seu banho e descansar. E lembre-se que estamos no virtual mas somos reais!»
«Sim. Vou tomar banho. Beijos, querido.»
«Tou aqui» diz Simone. «Vem cá. Pára de gastar.»
«Oi, amor... poupadinha!»
«Oi. Estou a 1000 por hora, fazendo limpeza, almoço. Só entrei para lhe dar um beijo. Vou sair daqui a pouco.»
«É a minha sina.»
«São duas horas para chegar lá. Não fale isso. E se eu trabalhasse fora, como iria ser?»
«Sempre vais?»
«Como?»
«Aos anos da tua amiga?»
«Sim.»
«Sozinha?»
«Não. Vou com a minha amiga Adélia.»
«Ah sim... Olha, vai devagar. Não bebas muito.»
«Não tem bebidas. Só vão estar eu, minha amiga e a aniversariante. Não vai mais ninguém e é por isso eu vou, entendeu? Se tivesse festa, não iria.»
«Quando voltares a casa, dá um toque.»
«Está bem. Vou tomar um banho. Um beijo, querido.»
«Conduz com cuidado.»
«Pode deixar.»
Ando mais desorientado que o tempo. Daqui a pouco está aí o verão e as nuvens e a chuva teimam em ficar. Já nem sei se é quarto crescente ou lua cheia. Hoje, além das nuvens, qualquer coisa que não atinjo parece nublar o futuro que me espera. Afinal, parece que o Santo António não quis conceder-me a graça que lhe pedi. De nada valeu o sacrifício de quase três horas. Paciência, a vida é assim.
As coisas não vão bem com a Simone. Anteontem recebeu o CD e o efeito foi quase nulo. Os momentos de diálogo foram curtos e as desculpas muitas. Começo a cansar-me de tanta incerteza. O dia dos namorados começou bem e acabou mal.
Entrámos outra vez numa fase que considero perigosa. As ditas amigas tiveram neste fim-de-semana uma meia vitória quando conseguiram desviá-la da chamada vida virtual.
Depois do que escrevi ontem, posso dizer que a realidade não se desviou muito dos prognósticos que então fiz.
«Acabei. Lavei a louça toda.»
«Menina bonita!»
«Rs.»
«E é.»
«São seus olhos.»
«O eletricista não veio ainda.»
«Meus olhos não são cegos. Meu coração também não, mas vê de outra maneira. O seu interior também é lindo.»
«Obrigada.»
«Já disse para não agradecer.»
«Sou assim.»
«Pergunte a Deus se deve agradecer por termo-nos encontrado nesta Terra de passagem. Só Ele sabe. Caiu?»
«Que leu?»
«Nada.»
«Eu disse que estou com vontade de fazer oh oh.»
«Comigo?»
«É. Vamos.»
«Vamos, amor.»
«Fico quietinha.»
«Eu fico do lado direito.»
«Tá. E eu no esquerdo.»
«E depois?»
«Depois, não sei.»
«Passamos uma noite em claro...»
«Rs. Safadinho!»
«Não gostava?»
«Sim.»
«Safadinha!»
«Rs.»
«Nunca mais a vi...»
«Não deu naquele dia.»
«Hoje dá?»
«Sabe, Antônio, eu me arrependi de ir na casa da minha amiga no aniversário. Ela nem preparou nada para nos receber. Achei desagradável. Nem um café fez. Demorei três horas e meia para chegar lá.»
«Que problemas ela tem?»
«Sei lá! Às vezes acho que ela inventa. Diz ter depressão. Ela devia ter feito algo um café, suco.»
«As pessoas com depressão isolam-se de todos. Até dos amigos.»
«Eu sei. Mas era aniversário e ela sabia que eu iria com uma amiga. Achei falta de consideração não ter feito nem um café para nos receber. Nesse aspecto de receber, sempre faço um café na hora que chega uma visita. Compro pães, essas coisas... Me preocupo.»
«Mas não jantaram lá?»
«Não. Fomos a uma pizzaria. Quero saber a história do Picasso.»
Porquê?
«Você está com o problema das idades... confesse.»
«Não é isso, mas existem diferenças. Não podemos negar. Até culturalmente. Somos de países diferentes. Por isso temos gostos diferentes.»
«Sou um poço de energia.»
«Não falo fisicamente. Isso não importa.»
«Se fôssemos iguais em gostos não tinha graça.»
«Rs. Isso é verdade.»
«Às dezasseis horas tenho dentista. Não sei a que horas chego em casa.»
De novo em fuga...
«O que é preciso é cada um respeitar os gostos do outro e haver cedências parte a parte. Uma espécie de contrato.»
«Sim. Olha só... queria que fizesse um favor. Veja o preço daquele perfume que te falei. Por favor.»
«Quanto custa aí? Só o preço.»
«O que tu usas?»
«Sim. Vou te dizer. Mais um dolce gabanna feminina.»
«Espere.»
«Volume?»
Caiu a conexão.
Simone diz:
«Oi! Cheguei agora. Sujinha.»
«Já sei os preços dos perfumes.»
«Sério? Me diga.»
«D & G: 100 ml, 47,07 euros; 50 ml, 36,91.»
«Barato. Muito bom preço.»
«Le feu (light) 30 ml, 38 euros; 50 ml, 55 euros.»
«Barato também. Quanto custaria para enviar, tem ideia? Quero saber o preço do envio e como faço para depositar para você.»
«Já enviei D & G.»
«Sério?»
«Esta manhã.»
«Então deixa o "Le feu" para eu comprar aí pessoalmente. Rs...»
«Sim.»
«Como faço para depositar o dinheiro?»
«Não faz nada.»
«Faço simmmmm! Senão vou ficar chateada.»
«Fica.»
«Por favor, não quero. Me diz, ou então... envio por carta amanhã mesmo cedinho.»
«Beijos...»
«Hoje uma prima que teve câncer passou o dia aqui. Almoçámos e depois saímos. Ela é fisioterapeuta. Há muito tempo que não a via. Depois fui a um cartório levar documentos da venda do meu apartamento. Estou preocupada com uma amiga. A Adélia. Já lhe falei.»
«Sim.»
«Ela tem uma casa de festas infantis e tinha uma sócia. Agora está recebendo ameaças. Muitas. Ela é sozinha. Separada. Você está aí?»
«Sim. Estou lendo.»
«Ah sim. Ela há pouco me ligou para aqui.»
«Quem a ameaça?»
«A ex-sócia. Está apavorada.»
«Pelo telefone?»
«Sim. Acha até que o telefone está bloqueado.»
«Que grave a conversa e apresente queixa à polícia.»
«Ela deve dinheiro a essa mulher. Esse é o problema, e não tem para pagar.»
«Bom, já é diferente.»
«Com certeza. Ela tem que se desfazer do negócio. Só traz problemas.»
«Mudemos de assunto. Almocei com os meus colegas. Cherne grelhado.»
«Nossa! Que delicia! Foi em restaurante?»
«Sim. Depois vim para casa e pus uma televisão a funcionar na sala onde tenho o computador. Fiz um furo a ligar o quarto com a sala, depois uma ligação dupla no cabo e sintonizei. Está com uma imagem ótima.»
«Que bom!»
«Hoje tive um dia de muita sorte. Correu tudo bem.»
«Que bom! Você merece.»
«Fui ao Colombo e fiz compras no hipermercado.»
«Bonito lá?»
«É enorme e tem todas as lojas de marca. Fui guardar as compras ao carro e voltei para ir à perfumaria.»
«Obrigada, querido. Irei retribuir.»
«Não tinham "Le Feu" e disseram-me os outros preços. Comprei.»
«Cheirou o "Dolce & Gabanna"?»
«Sim. Gostei. Depois voltei ao carro e vi o vidro do meu lado todo aberto. Pensei: lá me roubaram tudo.»
«Como assim?»
«Quando tirei o ticket para entrar no Centro Comercial esqueci-me de subir o vidro. Felizmente que não roubaram nada.»
«Ah, sim...»
«Tive uma grande sorte! Mas você nem deu um toque!»
«Poxa! Mas assim que cheguei, corri para cá. Nem banho tomei.»
Os banhos... sim!
«Só vim para te dar um beijo. Não fique assim. Não gosto, por favor. Amanha à tarde vou te enviar uma surpresa.»
«Não precisa, amor.»
«Mas eu quero. A luz está oscilando. Não consertaram ainda. O eletricista não pode vir ainda.»
«É quarto crescente. Há quase dois meses escrevi aquela prosa...»
«Rs... Você demora a teclar. Acho engraçadinho.»
«As frases são mais longas.»
«Você gosta de escrever grandeeeeeeeeeeeeeee. Sim. Fico rindo aqui enquanto espero.»
«Porquê?»
«Porque acho fofo, né?»
«Não encontro as palavras para exprimir o que sinto por si.»
«Não fale assim. Me encabula.»
«Que quer dizer?»
«Envergonhada. Querido...»
Banho...
«Tenho que tomar banho, comer...»
E eu não sei?
«Oi. Estou triste. Muito.»
«Porquê?»
«A cachorrinha está quase morrendo...»
«Chegou a ir à veterinária?»
«Só amanhã que ela vai dar consulta. Nunca trabalhei tanto. Falei com o psicólogo sobre isso. De eu cuidar. Ele acha importante. Disse que eu tinha que me dar. Só assim vou redescobrir o amor. Cuidando de alguma coisa.»
Que me lembre nunca falou de psicólogo.
«Ela vomitou e está com diarreia. Não come nada. Só dorme. Sujou tudo.»
Pudera! Depois do brutamontes do irmão dar de comer à cachorrinha macarrão com linguiça, que se esperava?
«Não sei o que diga. Lamento.»
«Estou abatida também, sem vontade de nada.»
«Desabafe.»
«Não quero ser uma fracassada.»
«Você não é fracassada!»
«Sou sim. Nem de um filhote de cachorro sei cuidar. Fico querendo me desfazer...»
«Culpe outra pessoa, Simone. Sabe a quem estou a referir-me.»
«Estou muito desanimada.»
«Vontade de ficar deitada.»
«Sem fazer nada.»
«Estou dormindo mal. Não faço mais nada.»
«Não desanime.»
«Só olho a cachorrinha. A minha vida parou.»
«Nunca me preocupei com nada. Com ninguém. Se tinham fome. Ou sede. Ou doença. E agora estou aqui uma tristeza...»
«É importante a sua preocupação agora. Sinal de que está a despertar.»
Não leu.
«Nem como. Só choro.»
«Você preocupa-se...»
«Estou me sentindo mal.»
«Acho que não sou capaz de cuidar de nada e de ninguém. Por isso cheguei aos 40 anos sem uma profissão. Nunca me preocupei nem comigo. Sempre tive alguém para cuidar de mim. Sou derrotada. Não me amo, por isso não sei nem de longe o que é o amor.»
Consigo, sim, preocupou-se.
«Não diga isso. Você vai ultrapassar esta crise.»
«Nunca fui capaz de amar um homem, nem ter filhos. Sério. Essa cachorrinha está mexendo com o meu íntimo. Me sinto derrotada. Incapaz. Não quero que ela morra.»
«Quer parar de se torturar?»
Não ouviu.
«Ontem passei o dia chorando, cuidando. Há dois dias não durmo.»
«Pense positivo. Não está nas suas mãos. Deram-lhe um presente envenenado.»
«Mas não estou sabendo cuidar e com vontade de desistir.»
«Antônio...»
«Não se culpe.»
«Quero parar de teclar. Vou deitar um pouco. Mais tarde volto. Ok?»
«Vai...»
«Nem comi nada hoje...»
«Deus te acompanhe.»
«Vou comer uma fruta. Beijo.»
«Beijo, amor...»
Fui apanhado de surpresa. Agora tenho a certeza. Ela está mesmo doente. Há uns dias atrás admiti essa hipótese, mas nunca pensei que fosse tão grave. Desvaloriza-se. Diz que é incapaz de tratar da cachorrinha, mas parece que tem amor por ela. Aconteça o que acontecer ao animal, é bom que se preocupe, que sofra. Só assim deixará de olhar para o seu umbigo.
Mas há muitos mistérios para desvendar. Um puzzle muito complicado para construir e levar até ao fim.
Quem és tu, Simone?
«Oi. Já ia desligar.»
«Então?»
«Estou atarefada. Estão lixando a casa toda.»
«Já veio a veterinária?»
«Tenho vontade de sumir. Desmarquei. Meu irmão trouxe um amigo e levou a cachorrinha embora. Estou triste com essa derrota.»
«Foi melhor assim.»
«Vou cuidar do almoço.»
Se ela não me tivesse mostrado a cachorrinha pela cam, diria que era tudo pura invenção. Uma cachorrinha branca, com muito pêlo, de olhos meigos e tristes.
Ou então, a cachorrinha é de uma sua amiga e tudo não passou de encenação. Muita coisa a acontecer em pouco tempo!
«Mais tarde falamos. Beijos.»
«Beijos.»
Simone diz:
«Oi...»
«Como está você?»
«Angustiada. Tomei um calmante muito forte. Agora me sinto mais calma.»
«Ainda bem.»
«Antônio... que conhece de escritores brasileiros?»
«Jorge Amado, Eurico Veríssimo, Mauro de Vasconcelos... Li muitos romances do Jorge Amado.»
«E poesias?»
«Pouco.»
«Ok. Ainda não abri o presente.»
«Abra.»
«A embalagem é tão linda que fico com pena! Estou com o telefone do homem que levou o cachorrinho.»
«Mas o perfume é para usar!»
«Ainda não tive coragem de ligar.»
«Não precisa de ligar.»
«Estou com medo de saber o pior. Mas, ao mesmo tempo, meu coração ainda dói muito.»
«Você fez tudo o que podia fazer, amor.»
«Um sentimento que não conhecia.»
«Leu a mensagem?»
«Adorei tudo que escreveu. Acabei de ler. Sim. Obrigada por tudo o que tem feito. Tenho sentimento de fracasso em relação a você também. Hoje passei todo o dia angustiada. Minha história é longa. Às vezes penso por que nunca consegui gostar de mim? Passo isso para os outros...»
«É importante gostar de si.»
«Não consigo. Vou procurar uma psicóloga.»
«Você não precisa de psicóloga. Ainda não se encontrou. Não se desvalorize.»
«Obrigada, querido. Acabei de abrir o presente. Minha mãe estava doida para ver o perfume e não deixei. Rs.»
«Você tem o coração amordaçado por um trauma que não quer dizer. Precisa de abrir...»
«Guardarei a embalagem para sempre. É linda como uma rosa.»
«Era esse o perfume que queria?»
«Esse mesmo.»
«Ainda bem que gostou. Pense em mim quando o usar.»
«Pensarei. Acabei de pôr um pouquinho.»
«Sempre que se sinta mal, pense em mim. Eu estou longe, mas é só na distância...»
«Hoje li uma frase de Mário Quintana? O conhece?»
«Não.»
«Ele é poeta. Enquanto esperava a médica, em uma revista dizia assim: "amar é mudar a alma de casa." Achei lindo isso. Me lembrei de você. Prometo amanhã mandar seu presente. Espero que goste. Não tive como ir aos correios. Mas amanhã sem falta irei. Adorei demaisssssss o perfume! Sabe...»
«Não se preocupe. O melhor presente que me pode dar é sentir que está outra vez bem.»
«Me preocupo, sim. Você merecia muito mais. Mas um dia, se Deus quiser, poderei lhe oferecer. Sábado terá festa junina aqui. Vou trabalhar muito, mas vai-me fazer bem. Sabe o que é festa junina?»
«Não.»
«É uma festa que normalmente se comemora em junho. Mas a nossa vai ser em julho. Nem sei que dia é sábado. Acredita. Quase julina. A festa tem quadrilha, dança típica. Comidas....»
«Sábado ainda é junho.»
«Canjica. Sim. Então será junina. A casa é enfeitada com bandeirinhas coloridas. Fazemos fogueira.»
«Gostava de estar aí consigo.»
«Você é muito especial. Acho que deveria ter nascido em outra época. Dos reis e das rainhas. Tem um coração precioso.»
«Esses eram brutos. Comiam com as mãos. Mandavam matar por dá cá aquela palha...»
«Rs... de Romeu e Julieta.»
«E você não é romântica?»
«Não.»
«É, sim. Só que esconde...»
«Não paro de cheirar meu braço. Fiquei cheirosa demaissss!»
Simone diz:
«Oi!»
António diz:
«Oi, amor...»
«Entrei para te dar um beijo. Estou sem net. A discada funciona, mas sai muito caro. A outra está em manutenção. Vou aproveitar e descansar um pouco. Seu presente já está nos correios. Espero que chegue amanhã.»
«Que será?»
«Surpresa. Nos falamos se voltar a conexão hoje.»
«Olha, a que horas queres que te telefone?»
«Eu te dou um toque no celular.»
«Daqui a uma hora?»
«Você é quem sabe. Estou aqui. Vou ficar deitadinha. Beijossssssss...»
«Daqui a uma hora para descansares.»
«Ok.»
«Beijos...»
«Beijo.»
«Conta-me como foi a festa.»
«Foi muito boa, mas cansativa. Ninguém veio me ajudar. Foram embora às quatro da manhã e no dia seguinte voltaram. Nunca trabalhei tanto na vida.»
«Não caias noutra...»
«Mas é só uma vez ao ano. Vale a pena.»
«Por que foi que não te ajudaram?»
«Chegaram tarde. Aí fiz tudo só. Mas deu tudo certo. E o almoço como foi? O que comeu?»
«Foi bom. Arroz de tomate com croquetes. Vinho branco do Douro. Gelado. Café. Em casa do amigo a quem morreu a mulher.»
«Que comida boa! Hummmm... E o final de semana, como foi?»
«O habitual. Esqueceu-se de mim no fim-de-semana.»
«Querido, a minha vida ficou tumultuada. Minhas amigas dormiram aqui.»
«Já passou. Agora tenho-a a teclar comigo.»
«Ah sim...»
«Pensava que já não me queria.»
«Bobinho! Adoro você.»
«Diga outra vez...»
«Adoro você, seu bobinho.»
«De certeza?»
«Sim. Sabe que sim.»
«Fiquei a pensar...»
«O quê?»
«Conhecemo-nos há pouco tempo, mas penso que existe uma química forte à nossa volta.»
«Sim. Espere...»
«Lembra-se da história do mosquito?»
«Fale, meu querido. Do mosquito?»
«Lembra-se?»
«Do bumbum?»
«De repente pareceu-me que estava consigo. Sabe em que dia foi?»
«Não. Me recorde...»
«No dia cinco de maio.»
«Nossa!»
«Nunca mais esqueci!»
«Como se lembra? Quer ver meu bumbum de novo?»
«Claro que quero...»
«Minha memória está falhando muito cada dia mais.»
«Nunca se esqueça de mim.»
«Não esquecerei. Deixa eu pegar a cam...»
«Agora o mosquito sou eu!»
«Rs... Safadinho, heim?»
«Gostosinha. O mosquito está zumbindo à volta. Zuuuuum! Zuuuuum! Caiu. Bateu no vidro! Oi! Acho que o mosquito ficou tonto.»
«Oi. Deitei e cobri... Quer me ver?»
«Sim, amor. Estou morto de desejo.»
«Só o bumbum! Tá?»
Porquê sempre o bumbum?
Desta vez vestia uma calcinha vermelha, maior que a da outra vez... mas bem sexy!
«Viu?»
«Sim. A fugir. Quero ver mais.»
«O quê?»
«Mais.»
«Não pode.»
«Porquê?»
«O que mais...?»
«Maminhas...»
«Ah não! Depois...»
«Agora, amor...»
«Não... Por favor. Não quero. Kd você?»
«Estou aqui.»
«Fazendo o quê?»
«Mosquito quer dar um beijinho...»
«Vem...»
«Sim, amor. Estou ao teu lado. Deitado. Não me vês?»
«Rs...»
«Fazes-me doido!»
«É mesmo? Gostas?»
«Sim... muito! Quero-te... Toda!»
«Estou com sono.»
«Vira-te para mim. Estou ao teu lado! Não adormeças agora. Quero ter-te minha! Estou a beijar-te o pescoço. Não sentes?»
«Sim.»
«As orelhas. A boca. Mas tu foges. Tapas-te. Diz que me sentes!»
«O que está pensando?»
«Que estou cheio de desejos malévolos.»
«É mesmo? De que tipo?»
«Quero possuir-te!, mas tu foges. Há uma parede. A manta. Estou mesmo aí. Vem, amor! Que estás a fazer?»
«Esperando você... Fale tudo.»
«Não posso falar tudo sem ver-te!»
«Então vou dormir...»
«Não!»
«Vou, sim.»
«Estou a tentar virar-te para cima para cobrir os teus seios de beijos, mas tu não queres!»
«Vou dormir um pouco...»
«Comigo ao lado consegues dormir?»
«Não sei.»
«Nem dás conta onde estão as minhas mãos?»
«Não.»
«Será que não tens soutien? Não vejo nada. Estou cego, amor. Tenho que ir apalpando. Aqui debaixo da manta está muito escuro. Ah! Que montes são estes? Estão quentes. Vou descendo a mão. Estou quase a chegar. Sentes a mão?»
«Sim! Continue...»
«Sim... sinto que estás ondulando... Que queres que faça agora, amor? Assim? É bom?»
«Sim! Sim!»
«A calcinha não sai.»
«Diz...»
«Vou tirar a manta para trás...»
«SIM!»
«Diz o que sentes?»
«Tesão!»
«Onde?»
«Na...»
Ela já estava sem as calcinhas!
«Eu vou...»
«Diz mais...»
«Onde estou agora?»
«Não sei...»
«Que bom! Tu sentes?»
«Sim!»
«Onde?»
«...»
Censurei a resposta.
«Diz... o que queres que faça?»
«Tudo! Sim! Vem, por favor...»
«AH! Não fujas, amor...»
«Gozei!»
«Mas ainda não acabou. Não pares! Assim, assim...»
«Sim...»
«Deixa-me apertar as mamas. Muitoooooo!»
«Espera...»
Interrompeu a visualização das imagens da câmara Web consigo.
«Amor... Onde estás?»
«Me molhei...»
Chegou o livro. Um poeta brasileiro. A dedicatória era uma ternura. A letra muito certinha, de artista. Pena não ter seguido esse rumo. O coração encheu-se de ternura... mas sabia o que estava para acontecer em breve...
Pus-me a ler o livro. Achei-o muito hermético.
Depois do almoço telefonei-lhe. Dois pontos a reter: perguntou-me quando ia para casa e reforçou que não saía sequer para ir ao mercado. Com o frio tinha apanhado um resfriado.
Disse-lhe que contactava quando chegasse a casa. E assim fiz. Não obtive resposta, quer pelo fixo, quer pelo móvel e fiquei a pensar. Nada como dantes. Agora, a mentira estava sempre em primeira linha. Seria muito mais linear a Simone confessar que o "jogo tinha chegado ao fim", como profissional do jogo que era quando se apresentou. Voltei a telefonar-lhe pelo fixo, zangado, provocando uma autêntica tempestade. Desculpou-se, agastada que tinha que fazer. Estava lá a faxineira. A sua vida não era como a minha. Começou a andar à volta das desculpas do costume e eu a perder a paciência. A conversa esteve vai não vai para ir abaixo. Insisti que ela combinava comigo uma coisa e fazia outra. Nova desculpa. Afinal frequentava o curso e tinha pedido para só ir três vezes por semana. Que eu estava na net entretido com as minhas coisas e ela não tinha tempo.
«Mas não deste cabo das costas no computador por minha causa. Raras são as vezes que contactamos e, quando acontece, durante pouco tempo.»
«Pois não.» Concordou.
A discussão continuou. Finalmente cedeu quando lhe disse que era muito amigo dela.
«Nestes casos em que não podias cumprir o prometido, logo agarravas no telefone e avisavas. Assim, não passava horas à espera.»
«Desculpa...» Baixou o tom de voz, humilhando-se.
«Gosto muito de ti e não quero deixar-te...»
Aparentemente comoveu-se. Podia sempre telefonar a qualquer hora que ela atendia. Nem que fosse a meio da noite.
«E achas que eu era capaz de fazer uma coisa dessas? Perturbar o teu sono a qualquer hora da noite?»
«Eu adormecia outra vez sem problema...»
Apeteceu-me abraçar aquele estranho amor.
Quase no fim da conversa, depois de estarmos ao telefone mais de vinte minutos, falou na comida portuguesa com entusiasmo. No bacalhau, principalmente.
«No fim do ano vou aí comer todos esses pratos portugueses...»
Claro que não acreditei, mas ficou a pergunta:
«Vens sozinha?»
«Claro que vou sozinha.»
Que me lembre nunca falou de psicólogo.
«Ela vomitou e está com diarreia. Não come nada. Só dorme. Sujou tudo.»
Pudera! Depois do brutamontes do irmão dar de comer à cachorrinha macarrão com linguiça, que se esperava?
«Não sei o que diga. Lamento.»
«Estou abatida também, sem vontade de nada.»
«Desabafe.»
«Não quero ser uma fracassada.»
«Você não é fracassada!»
«Sou sim. Nem de um filhote de cachorro sei cuidar. Fico querendo me desfazer...»
«Culpe outra pessoa, Simone. Sabe a quem estou a referir-me.»
«Estou muito desanimada.»
«Vontade de ficar deitada.»
«Sem fazer nada.»
«Estou dormindo mal. Não faço mais nada.»
«Não desanime.»
«Só olho a cachorrinha. A minha vida parou.»
«Nunca me preocupei com nada. Com ninguém. Se tinham fome. Ou sede. Ou doença. E agora estou aqui uma tristeza...»
«É importante a sua preocupação agora. Sinal de que está a despertar.»
Não leu.
«Nem como. Só choro.»
«Você preocupa-se...»
«Estou me sentindo mal.»
«Acho que não sou capaz de cuidar de nada e de ninguém. Por isso cheguei aos 40 anos sem uma profissão. Nunca me preocupei nem comigo. Sempre tive alguém para cuidar de mim. Sou derrotada. Não me amo, por isso não sei nem de longe o que é o amor.»
Consigo, sim, preocupou-se.
«Não diga isso. Você vai ultrapassar esta crise.»
«Nunca fui capaz de amar um homem, nem ter filhos. Sério. Essa cachorrinha está mexendo com o meu íntimo. Me sinto derrotada. Incapaz. Não quero que ela morra.»
«Quer parar de se torturar?»
Não ouviu.
«Ontem passei o dia chorando, cuidando. Há dois dias não durmo.»
«Pense positivo. Não está nas suas mãos. Deram-lhe um presente envenenado.»
«Mas não estou sabendo cuidar e com vontade de desistir.»
«Antônio...»
«Não se culpe.»
«Quero parar de teclar. Vou deitar um pouco. Mais tarde volto. Ok?»
«Vai...»
«Nem comi nada hoje...»
«Deus te acompanhe.»
«Vou comer uma fruta. Beijo.»
«Beijo, amor...»
Fui apanhado de surpresa. Agora tenho a certeza. Ela está mesmo doente. Há uns dias atrás admiti essa hipótese, mas nunca pensei que fosse tão grave. Desvaloriza-se. Diz que é incapaz de tratar da cachorrinha, mas parece que tem amor por ela. Aconteça o que acontecer ao animal, é bom que se preocupe, que sofra. Só assim deixará de olhar para o seu umbigo.
Mas há muitos mistérios para desvendar. Um puzzle muito complicado para construir e levar até ao fim.
Quem és tu, Simone?
«Oi. Já ia desligar.»
«Então?»
«Estou atarefada. Estão lixando a casa toda.»
«Já veio a veterinária?»
«Tenho vontade de sumir. Desmarquei. Meu irmão trouxe um amigo e levou a cachorrinha embora. Estou triste com essa derrota.»
«Foi melhor assim.»
«Vou cuidar do almoço.»
Se ela não me tivesse mostrado a cachorrinha pela cam, diria que era tudo pura invenção. Uma cachorrinha branca, com muito pêlo, de olhos meigos e tristes.
Ou então, a cachorrinha é de uma sua amiga e tudo não passou de encenação. Muita coisa a acontecer em pouco tempo!
«Mais tarde falamos. Beijos.»
«Beijos.»
Simone diz:
«Oi...»
«Como está você?»
«Angustiada. Tomei um calmante muito forte. Agora me sinto mais calma.»
«Ainda bem.»
«Antônio... que conhece de escritores brasileiros?»
«Jorge Amado, Eurico Veríssimo, Mauro de Vasconcelos... Li muitos romances do Jorge Amado.»
«E poesias?»
«Pouco.»
«Ok. Ainda não abri o presente.»
«Abra.»
«A embalagem é tão linda que fico com pena! Estou com o telefone do homem que levou o cachorrinho.»
«Mas o perfume é para usar!»
«Ainda não tive coragem de ligar.»
«Não precisa de ligar.»
«Estou com medo de saber o pior. Mas, ao mesmo tempo, meu coração ainda dói muito.»
«Você fez tudo o que podia fazer, amor.»
«Um sentimento que não conhecia.»
«Leu a mensagem?»
«Adorei tudo que escreveu. Acabei de ler. Sim. Obrigada por tudo o que tem feito. Tenho sentimento de fracasso em relação a você também. Hoje passei todo o dia angustiada. Minha história é longa. Às vezes penso por que nunca consegui gostar de mim? Passo isso para os outros...»
«É importante gostar de si.»
«Não consigo. Vou procurar uma psicóloga.»
«Você não precisa de psicóloga. Ainda não se encontrou. Não se desvalorize.»
«Obrigada, querido. Acabei de abrir o presente. Minha mãe estava doida para ver o perfume e não deixei. Rs.»
«Você tem o coração amordaçado por um trauma que não quer dizer. Precisa de abrir...»
«Guardarei a embalagem para sempre. É linda como uma rosa.»
«Era esse o perfume que queria?»
«Esse mesmo.»
«Ainda bem que gostou. Pense em mim quando o usar.»
«Pensarei. Acabei de pôr um pouquinho.»
«Sempre que se sinta mal, pense em mim. Eu estou longe, mas é só na distância...»
«Hoje li uma frase de Mário Quintana? O conhece?»
«Não.»
«Ele é poeta. Enquanto esperava a médica, em uma revista dizia assim: "amar é mudar a alma de casa." Achei lindo isso. Me lembrei de você. Prometo amanhã mandar seu presente. Espero que goste. Não tive como ir aos correios. Mas amanhã sem falta irei. Adorei demaisssssss o perfume! Sabe...»
«Não se preocupe. O melhor presente que me pode dar é sentir que está outra vez bem.»
«Me preocupo, sim. Você merecia muito mais. Mas um dia, se Deus quiser, poderei lhe oferecer. Sábado terá festa junina aqui. Vou trabalhar muito, mas vai-me fazer bem. Sabe o que é festa junina?»
«Não.»
«É uma festa que normalmente se comemora em junho. Mas a nossa vai ser em julho. Nem sei que dia é sábado. Acredita. Quase julina. A festa tem quadrilha, dança típica. Comidas....»
«Sábado ainda é junho.»
«Canjica. Sim. Então será junina. A casa é enfeitada com bandeirinhas coloridas. Fazemos fogueira.»
«Gostava de estar aí consigo.»
«Você é muito especial. Acho que deveria ter nascido em outra época. Dos reis e das rainhas. Tem um coração precioso.»
«Esses eram brutos. Comiam com as mãos. Mandavam matar por dá cá aquela palha...»
«Rs... de Romeu e Julieta.»
«E você não é romântica?»
«Não.»
«É, sim. Só que esconde...»
«Não paro de cheirar meu braço. Fiquei cheirosa demaissss!»
Simone diz:
«Oi!»
António diz:
«Oi, amor...»
«Entrei para te dar um beijo. Estou sem net. A discada funciona, mas sai muito caro. A outra está em manutenção. Vou aproveitar e descansar um pouco. Seu presente já está nos correios. Espero que chegue amanhã.»
«Que será?»
«Surpresa. Nos falamos se voltar a conexão hoje.»
«Olha, a que horas queres que te telefone?»
«Eu te dou um toque no celular.»
«Daqui a uma hora?»
«Você é quem sabe. Estou aqui. Vou ficar deitadinha. Beijossssssss...»
«Daqui a uma hora para descansares.»
«Ok.»
«Beijos...»
«Beijo.»
«Conta-me como foi a festa.»
«Foi muito boa, mas cansativa. Ninguém veio me ajudar. Foram embora às quatro da manhã e no dia seguinte voltaram. Nunca trabalhei tanto na vida.»
«Não caias noutra...»
«Mas é só uma vez ao ano. Vale a pena.»
«Por que foi que não te ajudaram?»
«Chegaram tarde. Aí fiz tudo só. Mas deu tudo certo. E o almoço como foi? O que comeu?»
«Foi bom. Arroz de tomate com croquetes. Vinho branco do Douro. Gelado. Café. Em casa do amigo a quem morreu a mulher.»
«Que comida boa! Hummmm... E o final de semana, como foi?»
«O habitual. Esqueceu-se de mim no fim-de-semana.»
«Querido, a minha vida ficou tumultuada. Minhas amigas dormiram aqui.»
«Já passou. Agora tenho-a a teclar comigo.»
«Ah sim...»
«Pensava que já não me queria.»
«Bobinho! Adoro você.»
«Diga outra vez...»
«Adoro você, seu bobinho.»
«De certeza?»
«Sim. Sabe que sim.»
«Fiquei a pensar...»
«O quê?»
«Conhecemo-nos há pouco tempo, mas penso que existe uma química forte à nossa volta.»
«Sim. Espere...»
«Lembra-se da história do mosquito?»
«Fale, meu querido. Do mosquito?»
«Lembra-se?»
«Do bumbum?»
«De repente pareceu-me que estava consigo. Sabe em que dia foi?»
«Não. Me recorde...»
«No dia cinco de maio.»
«Nossa!»
«Nunca mais esqueci!»
«Como se lembra? Quer ver meu bumbum de novo?»
«Claro que quero...»
«Minha memória está falhando muito cada dia mais.»
«Nunca se esqueça de mim.»
«Não esquecerei. Deixa eu pegar a cam...»
«Agora o mosquito sou eu!»
«Rs... Safadinho, heim?»
«Gostosinha. O mosquito está zumbindo à volta. Zuuuuum! Zuuuuum! Caiu. Bateu no vidro! Oi! Acho que o mosquito ficou tonto.»
«Oi. Deitei e cobri... Quer me ver?»
«Sim, amor. Estou morto de desejo.»
«Só o bumbum! Tá?»
Porquê sempre o bumbum?
Desta vez vestia uma calcinha vermelha, maior que a da outra vez... mas bem sexy!
«Viu?»
«Sim. A fugir. Quero ver mais.»
«O quê?»
«Mais.»
«Não pode.»
«Porquê?»
«O que mais...?»
«Maminhas...»
«Ah não! Depois...»
«Agora, amor...»
«Não... Por favor. Não quero. Kd você?»
«Estou aqui.»
«Fazendo o quê?»
«Mosquito quer dar um beijinho...»
«Vem...»
«Sim, amor. Estou ao teu lado. Deitado. Não me vês?»
«Rs...»
«Fazes-me doido!»
«É mesmo? Gostas?»
«Sim... muito! Quero-te... Toda!»
«Estou com sono.»
«Vira-te para mim. Estou ao teu lado! Não adormeças agora. Quero ter-te minha! Estou a beijar-te o pescoço. Não sentes?»
«Sim.»
«As orelhas. A boca. Mas tu foges. Tapas-te. Diz que me sentes!»
«O que está pensando?»
«Que estou cheio de desejos malévolos.»
«É mesmo? De que tipo?»
«Quero possuir-te!, mas tu foges. Há uma parede. A manta. Estou mesmo aí. Vem, amor! Que estás a fazer?»
«Esperando você... Fale tudo.»
«Não posso falar tudo sem ver-te!»
«Então vou dormir...»
«Não!»
«Vou, sim.»
«Estou a tentar virar-te para cima para cobrir os teus seios de beijos, mas tu não queres!»
«Vou dormir um pouco...»
«Comigo ao lado consegues dormir?»
«Não sei.»
«Nem dás conta onde estão as minhas mãos?»
«Não.»
«Será que não tens soutien? Não vejo nada. Estou cego, amor. Tenho que ir apalpando. Aqui debaixo da manta está muito escuro. Ah! Que montes são estes? Estão quentes. Vou descendo a mão. Estou quase a chegar. Sentes a mão?»
«Sim! Continue...»
«Sim... sinto que estás ondulando... Que queres que faça agora, amor? Assim? É bom?»
«Sim! Sim!»
«A calcinha não sai.»
«Diz...»
«Vou tirar a manta para trás...»
«SIM!»
«Diz o que sentes?»
«Tesão!»
«Onde?»
«Na...»
Ela já estava sem as calcinhas!
«Eu vou...»
«Diz mais...»
«Onde estou agora?»
«Não sei...»
«Que bom! Tu sentes?»
«Sim!»
«Onde?»
«...»
Censurei a resposta.
«Diz... o que queres que faça?»
«Tudo! Sim! Vem, por favor...»
«AH! Não fujas, amor...»
«Gozei!»
«Mas ainda não acabou. Não pares! Assim, assim...»
«Sim...»
«Deixa-me apertar as mamas. Muitoooooo!»
«Espera...»
Interrompeu a visualização das imagens da câmara Web consigo.
«Amor... Onde estás?»
«Me molhei...»
Chegou o livro. Um poeta brasileiro. A dedicatória era uma ternura. A letra muito certinha, de artista. Pena não ter seguido esse rumo. O coração encheu-se de ternura... mas sabia o que estava para acontecer em breve...
Pus-me a ler o livro. Achei-o muito hermético.
Depois do almoço telefonei-lhe. Dois pontos a reter: perguntou-me quando ia para casa e reforçou que não saía sequer para ir ao mercado. Com o frio tinha apanhado um resfriado.
Disse-lhe que contactava quando chegasse a casa. E assim fiz. Não obtive resposta, quer pelo fixo, quer pelo móvel e fiquei a pensar. Nada como dantes. Agora, a mentira estava sempre em primeira linha. Seria muito mais linear a Simone confessar que o "jogo tinha chegado ao fim", como profissional do jogo que era quando se apresentou. Voltei a telefonar-lhe pelo fixo, zangado, provocando uma autêntica tempestade. Desculpou-se, agastada que tinha que fazer. Estava lá a faxineira. A sua vida não era como a minha. Começou a andar à volta das desculpas do costume e eu a perder a paciência. A conversa esteve vai não vai para ir abaixo. Insisti que ela combinava comigo uma coisa e fazia outra. Nova desculpa. Afinal frequentava o curso e tinha pedido para só ir três vezes por semana. Que eu estava na net entretido com as minhas coisas e ela não tinha tempo.
«Mas não deste cabo das costas no computador por minha causa. Raras são as vezes que contactamos e, quando acontece, durante pouco tempo.»
«Pois não.» Concordou.
A discussão continuou. Finalmente cedeu quando lhe disse que era muito amigo dela.
«Nestes casos em que não podias cumprir o prometido, logo agarravas no telefone e avisavas. Assim, não passava horas à espera.»
«Desculpa...» Baixou o tom de voz, humilhando-se.
«Gosto muito de ti e não quero deixar-te...»
Aparentemente comoveu-se. Podia sempre telefonar a qualquer hora que ela atendia. Nem que fosse a meio da noite.
«E achas que eu era capaz de fazer uma coisa dessas? Perturbar o teu sono a qualquer hora da noite?»
«Eu adormecia outra vez sem problema...»
Apeteceu-me abraçar aquele estranho amor.
Quase no fim da conversa, depois de estarmos ao telefone mais de vinte minutos, falou na comida portuguesa com entusiasmo. No bacalhau, principalmente.
«No fim do ano vou aí comer todos esses pratos portugueses...»
Claro que não acreditei, mas ficou a pergunta:
«Vens sozinha?»
«Claro que vou sozinha.»
«E andamos os dois...?»
«Sim.»
«Arranjo um cantinho...»
Tanta nostalgia naquela voz quando falou de vir a Portugal! Era mesmo ela ou a Adélia?
Por vezes, parece que são duas…
Que jogo estranho este em que alguém parece estar dando cartas para determinar um destino virtual!
Será que alguma vez vou conhecer a verdadeira Simone?
«Sim.»
«Arranjo um cantinho...»
Tanta nostalgia naquela voz quando falou de vir a Portugal! Era mesmo ela ou a Adélia?
Por vezes, parece que são duas…
Que jogo estranho este em que alguém parece estar dando cartas para determinar um destino virtual!
Será que alguma vez vou conhecer a verdadeira Simone?
O casino escondido…
O irmão tem um casino clandestino. Foi a revelação do dia. Bombástica!
Fiquei para morrer. Nunca me falara desse casino.
Disse-me anteontem que morreram três velhinhos que jogavam lá: um com um enfarte, outro com derrame cerebral e o terceiro com uma pneumonia. Este último queria casar com ela.
«E depois vou estar dez anos à espera que morra?» comentou.
«Olha, fizeste mal...» Disse-lhe.
«E quem adivinhava quando ele ia morrer?» perguntou, sorrindo.
Só quero um fim real para esta história.
«Olá. Achei que fosse telefonar para saber de mim. Você está aí?»
«Estou. Como sei se está doente?»
«Aquele dia...»
«Quando?»
«No último dia que falei com você disse que estava com uma hemorragia. Fui na médica ontem de novo de manhã e à noite fui em outro médico.»
«Que tem?»
«Apareceram quistos no meu ovário e algumas inflamações nas mamas. Estou verificando. Eu acho que pode estar relacionado com o sistema nervoso.»
«Deixou de tomar os medicamentos?»
«Não. Mas ando com stress.»
«E a sua mãe, como está?»
«Melhorando.»
«Ainda bem.»
«Meu irmão também ficou ruim.»
«Ruim?»
Ruim era ele!
«O tempo aqui não está bom. Frio e seco. As pessoas estão adoecendo.»
«Que fez o seu irmão?»
«Ele adoeceu também. Ficou resfriado demais. Sabe, Antônio, se eu tivesse a certeza que morava só, passaria um mês aí com você só para descansar minha cabeça. Eu não estou com a vida que tinha antes. Muitas coisas mudaram, sabe disso. Eu não estou com vontade de ir mais ao curso. Enjoei.»
«Mas não é razão para desaparecer e aparecer quando entende.»
«Você sabe meu telefone e pode ligar quando sentir vontade, a hora que quiser. Sinto muito se você pensa isso. Eu cansei de Internet, de ter compromisso com todos, menos comigo, de ter hora para fazer isso ou aquilo. Já não sou livre para fazer as minhas horas há muito tempo.»
Saturada de tudo.
«Afinal não sou a pessoa especial que disse ser...»
«Eu vou te contar uma coisa. Sair com minha amiga me alegra e muito. Ela é divertida. Não vejo a hora passar ao seu lado. Sempre tem uma novidade e saiba que ela acha o mesmo de mim. Andei muito tempo só dando atenção aos meus amigos virtuais e esqueci os reais, que cresceram ao meu lado. Eu sou assim Antônio. Quando estou desanimada com a vida, sem ver luz no fim do túnel, me apego a eles.»
«Você está a fazer uma grande confusão.»
«Não tenho mais nada. Nem casa, nem marido, nem dinheiro algum. Acabou tudo. Meu telefone foi cortado. Só recebo ligações. Não tenho mais vontade de ir ao curso.»
«Você foi desistindo aos poucos. E as pessoas reais, o que é que lhe oferecem?»
«Palavras de carinho. Ontem minha amiga passou o dia indo a médico comigo e ficou comigo até a noite.»
«Eu ofereci-lhe tudo e você ignorou. Não sei por que me procura agora...»
«Antônio, quer mesmo que eu nunca mais fale com você? Que te exclua?»
Talvez a primeira ameaça velada.
«Tens feito tudo para isso.»
«Eu não falo com todas as pessoas que gosto todos os dias. Até com a minha mãe não falo todos os dias.»
«Éramos namorados, lembras-te?»
«Namorados virtuais? Não, não éramos. Éramos amigos.»
«Não negues! Então estiveste a fazer um jogo enganador. Não se brinca com os sentimentos das pessoas...»
«Antônio...»
«"Feliz dia dos namorados!", Lembras-te?»
«Melhor parar. Eu mandei isso para um monte de pessoas para amigas e amigos do Yahoo. Aqui se cumprimente assim quando é dia dos pais, dos namorados, das mães.»
«Ah sim? Muito me contas!»
«Eu gostaria muito de um dia o conhecer pessoalmente...»
«"Ela disse que sim". Disseste que sim, a quê?»
«Além do mais, você é um homem que tem um compromisso com outra pessoa. Acha que sou criança? Que não percebo as coisas?»
«Está errada. Mas tudo bem.»
«Podia nunca mais me preocupar com dinheiro. Preferi abrir mão, passar por tudo isso que estou passando, subir escadarias com lixo, fazer faxina... em troco de uma liberdade que nunca tive. Espiritual. Emocional. Me casei aos vinte anos...»
«Já sei...»
«Pronto. Eu anseio em ser livre. Em morar sozinha. Em ter minha vida. Talvez você tenha me conhecido no momento mais turbulento da minha vida. Com certeza que sim.»
«Sim. Apesar de tudo, maio foi diferente...»
«Mas se você não tem condições de esperar as coisas acontecerem, só lamento. Maio foi, junho foi, agosto está sendo e setembro será. Cada dia é um dia. Não tenho agenda com compromissos marcados.»
«Eu tinha um sonho que agora deu em pesadelo. Só quero saber uma coisa: que é para si o amanhã? Deve ter um sonho...»
«Até semana passada não havia hemorragias, não, nem carocinhos nas mamas. Eram outras as preocupações. Agora tenho essas...»
«Que é para si o amanhã?»
«Não compreendo essa frase.»
«Que espera de mim?»
«Espero seu carinho, sua amizade. Sabe, se um dia você me avisasse que estaria vindo ao Brasil seria recebido com muito carinho, da melhor maneira possível. Faria o possível e o impossível para te receber muito bem.»
«Obrigado.»
«Isso é ser especial. Falo de você com a minha família. Mostrei as fotos, mas não digo que é namorado. Falo sim que é um grande amigo. Eu não vou imaginar uma coisa que na verdade não sei se seria. O namoro precisa conhecer o cheiro, o toque, o hálito. Eu não sou como você. Preciso dessas coisas para me sentir íntima. Compreenda isso. Somos seres humanos diferentes uns dos outros. Outra coisa: a sua frase daqui está muito agressiva. Não gosto desse seu jeito. Isso me incomoda. Se quer saber...»
«Sim?»
Como tudo mudou de repente!
«Sabe, Antônio, se um dia sentir carinho especial por você, não vai ser sua ausência da net por um dia, uma semana, ou um mês que vai mudar isso. Tenho amigas que amo e não falo com elas todo o mês.»
«Isso é o que diz...»
«Então, tá bom... acho que você não está para conversa.»
«Você vai esquecer-se rapidamente...»
«Vou fazer meu almoço. Sinto fome. Não, não vou. Você não me conhece mesmo. Todos os dias me lembro de você.»
«Vamos combinar uma coisa?»
«Por vários motivos, pode acreditar nisso. Vou comer alguma coisa. Não quero combinações. Quero que as coisas aconteçam.»
«Ainda não sabe o que vou propor...»
«Como sempre fiz... Quando estava no Yahoo...»
«Quer ler?»
«...e você entrava e me cumprimentava, aí começávamos a teclar sem hora marcada.»
«Quer ler?»
«Eram mais certos os nossos encontros.»
«Diga.»
«Vamos estar um mês sem conversar. Logo vê se gosta de verdade de mim ou não. Aceita?»
«Não. Não quero assim.»
«Mas eu quero. Quero liberdade para falar com você. Eu vou comer. Já volto.»
«Um mês.»
«Está combinado?»
«Está bem, Antônio. Seja feita a sua vontade. Se mudar de ideia, estarei aqui. Sabe como me encontrar. Sabe meu endereço, meus telefones.»
«Só lhe telefono para saber da sua saúde.»
«Nunca vou esquecer de você. Para sempre. Mas se prefere assim...»
«Leu?»
«Faremos. Sim.»
«Só lhe telefono para saber da sua saúde.»
«Está bem. É você quem sabe. Acho isso estranho, mas respeito. Um beijo então.»
«Um beijo. Desejo muito do coração que melhore da sua saúde.»
«Obrigada.»
«Adeus.»
Simone envia uma flor murcha...
«Que flor é essa?»
«Como me sinto.»
Simone diz:
«Oi... como vai? Sei que não deve estar aí. Vou trabalhar nos finais de semana na casa de festas da minha amiga. Cinquenta reais por festa. Meu irmão está na pior no jogo. Não tem dinheiro para nada.»
«Vou te contar um segredo. Seus presentes foram as únicas coisas que ganhei desde que me separei, Antônio.»
Simone diz:
«Queria vender perfumes. Se morasse aí, compraria e venderia aqui no Brasil...»
«Vou tomar um banho. Fico ausente quando acabar. Se você estiver aí nos falamos.»
«Beijos. Estou indo. Na volta nos falamos.
E nasce a história dos perfumes...
«Oi. Senti sua falta.»
«Oi.»
«Querido... Você pode me ligar daqui a vinte minutos?»
«Sim, claro. Um beijo.»
«Beijo.»
Voltou aos negócios de perfume. Agora o objetivo era Miami. Com quinhentos euros comprava perfumes em Miami, porque aí eram mais baratos. Acrescente-se que tinha a viagem de graça (quem a pagava?). Depois, vendia-os no Brasil. Já tinha posto de parte a versão de Portugal. Voltei a maio e insisti que se ela tivesse querido, talvez a situação agora fosse diferente.
Quase logo de imediato disse que tinha sono e sentia-se muito cansada.
«A cabeça dói...»
Por que razão já não queria dialogar nas conversas instantâneas e só deixava o essencial para afirmar que gostava de mim?
«Senti sua falta... Oi querido... Você me pode ligar?»
Porque era agora muito menos expressiva ao telefone e limitava-se a falar dos seus sonhos ligados ao negócios, saindo em fuga quando adivinhava que eu ia entrar por outras portas?
Porque me procura desesperadamente quando desapareço e logo que me descobre acena sinais de esperança, seguidos de impossíveis?
Este caso está a tomar um rumo direitinho aos negócios, mas não me pede dinheiro. Quer que lhe telefone e não me cativa com palavras doces.
Que se passa naquela cabecinha que "dói muito e parece esquecer o momento presente"?
No fundo nem sequer parece haver uma estratégia. Mas com esta confusão toda há-de haver uma ponta para desenrolar a meada!
Quando lhe telefono?
Vou pensar nisso.
Simone diz:
«Saudade de você.»
«Oi, Simone.»
«Oi, Antônio. Que é feito de si? Andou sumido. Vim da rua agora. Estou em busca de emprego.»
«Tenho estado fora de Lisboa.»
«Ah sim. As coisas estão mais difíceis que nunca. Não tenho dinheiro nem para pagar mais nada. Estou em busca de trabalho para não passar fome.»
«Esta fotografia é nova?»
«Sim. Tirei no sábado.»
Com a máquina digital, claro.
«Está muito bonita!»
«Estou não.»
«Está sim.»
«Ando muito triste. Tomando remédios para dormir.»
«Não abuse dos remédios, Simone. Tem que ultrapassar a crise.»
«Não está dando.»
«Tem que dar. Você é forte.»
«Já fui, querido.»
«É. Convença-se.»
«Não.»
«Sim.»
«Estive pensando em você esses dias. Nas alegrias que me proporcionou.»
«Sabe porque não voltei a telefonar?»
«Não.»
«No outro dia tratou-me de querido e queria falar comigo...»
«Mas você é querido para mim.»
«Telefonei e pouco depois disse que tinha sono.»
«Entenda. Estou tomando remédios para dormir.»
«Mas eram seis da tarde!»
«Antônio, não entrei aqui para ter discussões. Isso é o que menos preciso no momento. Preciso de alegria.»
«Não estou a discutir. Estou só a justificar-me.»
«Hoje chorei o suficiente. Sabe, falei com meu ex-marido sobre a possibilidade dele arrumar uma passagem para os Estados Unidos para eu comprar perfumes e revender... maquilhagens, essas coisas que sei que se venderiam. Ele cedeu. Aí pedi a várias pessoas para que me emprestassem o dinheiro mas ninguém tinha, ou não querem. Aí desisti da ideia. Tenho ido à rua a comércios, levando currículos. Espero conseguir alguma coisa. Acabei de chegar em casa. Estou em jejum. Não comi nada hoje. Só um café. Emagreci quatro quilos. Mas creio em Deus que isso vai passar.»
«Eu vou pedir a Deus por si.»
«Eu gosto de si. Mas não é o amor que você espera. Antônio, estive conversando com uma psicóloga. Ela me disse: “Se não gosta de você... como vai gostar de alguém?” Sou uma pessoa cheia de defeitos. Muitos, muitos mesmo.»
«Não se desvalorize.»
«Estou com muita fome. Vou fazer um macarrão instantâneo.»
«Vá.»
«Pode me esperar por mim dez minutos?»
«Sim.»
«Então está bem. Já volto.»
«Estou jantando.»
«Sentes-te melhor?»
«Antônio, agora que vou comer, estou esperando esfriar.»
«Está aqui do meu lado, Antônio?»
«Diz.»
«Aquela perfumaria que você comprou o perfume tem site?»
«Já acabou o perfume?»
«Queria tanto revender perfumes!»
«Claro que não. Está inteiro.»
«Quando acabar, diga. Inteiro? Não gostou?»
«Não é para eu usar. Adorei. Amo perfumes. Esses dias quando fui no hospital pegar remédios para dormir...»
«Mas eu queria que usasse! Quando pusesse, pensava em mim.»
«...senti um cheiro maravilhoso em uma médica rica. Aí perguntei a ela o nome.»
«Tenho visto vários programas sobre Portugal na TV. Vi um castelo que se tornou hotel. Lindo demais!»
«Vem para cá.»
«Não posso. Não teria dinheiro nem para tomar uma coca-cola. Não gosto de sair assim. Quando vender essa casa, vou mesmo, acredite.»
«Passavas um tempo comigo.»
Não respondeu.
«Vi uma loja de doces com o nome de Periquita.»
«É em Sintra.»
«Acho que fica em Cascais. Isso, Sintra.»
«Fiquei louca com tantos doces.»
«Travesseiros.»
«Vi o bonde elétrico.»
«Mas doces engordam, minha menina!»
«Vi o lugar que se bebe ginjinha. Eu sei. Já sou gordinha.»
«Vou lá beber com os meus amigos.»
«Vi tantas coisas! Vi uma loja de vinho do Porto.»
«Gostavas de viver em Portugal?»
«Um restaurante que se olha Lisboa do alto...»
«Não saberia viver longe da minha mãe. Sinto muito.»
«Não sejas piegas!»
«Só de pensar nisso, choro. Antônio, sei que ninguém me ajuda no momento que estou passando.»
«Olha, gosto muito de te ver na foto.»
«Mas a minha mãe jamais me abandona. Não tenho levado esses problemas a ela, pois ela fez exames e deu alguns probleminhas de saúde. Não quero que ela fique nervosa. Enquanto teclo isso, choro tanto! Por isso me afasto do computador.»
«Mudamos de assunto?»
«Sim. Eu não sei nada da minha vida.»
«Envias-me a foto pela net?»
«Essa foto está muito feia de perto muito mesmo.»
«Não está.»
«Quando você abrir grande, verá.»
«Fazes isso por mim?»
Enviou-me três fotos.
«Depois não diga que não avisei.»
«Porque não gostas de ti?»
Não respondeu.
«Vai se assustar.»
«Já vi!»
«Sou feia. Cansada. Pele mal tratada.»
«És linda! Estás a comer?»
«Acabei.»
«Sentes-te melhor?»
«Sim. Vou tentar achar na net a perfumaria onde você comprou meu perfume.»
«Está em vários centros comerciais.»
«Achei.»
«Como se chama o perfume da médica rica?»
«Narciso Rodriguez.»
«Gosto muito de ti...»
«Bom sono. Vou tomar banho. Eu também de você. Beijos.»
«Obrigado. Bom banho e bom sono. Beijo.»
«Acordei chorando tanto!»
«Que aconteceu, Simone?»
«Tive um pesadelo.»
«Conta.»
«Entrei pela contramão em uma rua e a policia me parou. Prendeu o carro. Voltei para a casa e nunca mais saí da cama.»
«Mas não é caso para isso. Foi só um sonho.»
«Eu sei, mas acordei aos prantos. Ainda choro.»
«Não ligues.»
«Antônio, não vem ninguém ver essa casa.»
«Espera que seja legalizada. Tudo será diferente.»
«Nem com o cara da prefeitura consigo falar. Estou até com medo. Ele desapareceu. Não atende o telefone. E com a situação ruim do meu irmão, como ele vai pagar o resto da legalização?»
«Tens que pensar em ti.»
«Nem ligo para mais nada.»
«Vai ter com a tua amiga Adélia. Sai com ela.»
«Antônio... Descobre o site daquela “perfumaria Douglas”, por favor. Adélia quer saber o preço de uma coisa.»
Quem me manda falar na amiga dela?
Palavra puxa palavra, sem que eu acrescentasse qualquer dado, começou a enviar fotos de frascos de perfume.
«Gostaria que visse o preço dos dois primeiros.»
«Ok. Olha, Simone, tenho que ir almoçar com os meus amigos. Mais logo estás em casa?»
«Os dois são de cinquenta mililitros. Bom almoço. Como eu gostaria de um dia almoçar em Portugal!»
«Bom dia. Acordei há uma hora.»
«Bom dia. Não dormes, Simone?»
«Durmo pouco.»
«Ontem não consegui contactar.»
«Saí com a Adélia. Fui ajudar a levar os doces. Ontem comi um prato português. Feijão transmontano. Custa baratinho.»
«Gostava de falar com a tua amiga. Era uma forma de conhecer melhor. Ela tem net?»
«Queria comer bacalhau, mas é muito caro lá. Ela nem mexe em computador. Quando estiver aqui, te apresento ela.»
«Ok.»
«Conhece esse feijão transmontano?»
«Cá chama-se feijoada à transmontana. Leva entrecosto de porco, chouriços, nalguns casos couves... e feijão, claro. É um prato de que gosto muito.»
«Comi chouriço pela primeira vez. Tinha um com o nome de salpicão. Nome estranho!»
«É uma espécie de chouriço, mais grosso. É também bom para comer com pão.»
«Adélia falou que um dia vamos a Portugal juntas. Comer muito. Adoro a comida portuguesa. Quando vender essa casa...»
Promessas leva-as o vento, Simone.
«Vou lá almoçar e pedir a maior posta de bacalhau para eu e a Adélia. Nós só olhamos aqueles homens ricos comendo. Para você ter ideia, essa feijoada custa dezoito e o bacalhau oitenta. Para duas pessoas.»
«Tenho preços, Simone.»
Li-lhe a lista que tinha feito.
«Está a metade do preço daqui. Vou falar com Adélia. Obrigada, António. Vou fazer um café. Está ótimo o preço.»
«Qual?»
«Dos dois.»
«Antônio, como Adélia depositaria o dinheiro para você, se acaso ela arrume o dinheiro? Você poderia comprar depois que ela depositasse.»
«Mas qual é o perfume que ela quer comprar?»
«O "Dolce & Gabanna".»
«O de cem mililitros ou o outro?»
«A diferença é pequena, não acha?»
«Espera. Vou pegar uma foto dela. Não diga a ela que te enviei.»
Como dizer-lhe se não tenho o seu contacto?
«No dia que a conhecer essa foto tem um ano. Ela é minha amiga há trinta e cinco anos.»
«Claro que não digo. É gira e parece ser muito alegre.»
«É sim.»
«Adélia: Simone, só você mesmo para fazer piada de uma tragédia, e por isso quando estou mal só você mesmo... trinta e cinco anos de amizade não são à toa. Te adoro! TE ADORO. BEIJOOS MILLLL!»
«Olha o que ela mandou ontem.»
O quê?!...
«Pediu ao filho para enviar para mim. Nos falamos todos os dias e nos vemos e nunca brigamos...»
Ah! Estava quase a apanhar-te, Simone. Quem sabe... lembraste-te a tempo.»
«Continuem a ser muito amigas e amparem-se uma à outra nos momentos difíceis.»
«Ontem passei o dia ajudando ela.»
«Vamos combinar uma coisa...»
«Vou te contar um segredo. Ontem, quando almoçamos essa feijoada, eu nem gostei tanto. A Adélia ficava assim comendo e dizia: “Hummmmmm... que coisa mais gostosa essa comida!” Aí eu ria e falava assim: “Você tem azeite português no sangue. Por isso fica o tempo todo fazendo hummmm”. Rimos muito. Ela foi traída pelo marido. Sou uma irmã para ela. Quando não falo um dia com ela, me procura e diz: "Por que me abandonou?". Aí começo a rir. Ela sabe que estou sem dinheiro. Me leva para almoçar todos os dias.»
«Um dia em que ela esteja aí contigo, falamos os três, tá?»
«Sim.»
«Ela dita e tu escreves.»
«Eu abro a cam...»
Não, Simone! A cam dará confusões... como já aconteceu! Mais tarde ou mais cedo temos embrulhada.
«Olha, há pouco comecei a dizer uma coisa e não acabei. O preço do perfume é sessenta euros e os portes, oito. Recebes o dinheiro da tua amiga e guardas para ti. Já podes comer um desses bacalhaus com que sonhas. O resto gastas no que quiseres.»
«Não precisa, Antônio. Comerei o bacalhau em Portugal, antes que perca a passagem até dezembro. Acredite nisso. Não desperdiçarei essa oportunidade da passagem até Paris. Vai até ao último dia de dezembro. Nem que eu fique três dias e volte.»
«É pouco dinheiro para ti, mas pode ser um talismã. Um princípio de sorte. Dizes à Adélia que depois me vais enviar o dinheiro, percebes? Ela tem algum e tu não tens nada, pequenina!»
«Sobre a passagem free de avião, ela é válida até o último dia de dezembro e depois tenho um mês para usá-la. Preciso de vaga no avião. Quero ir na loja de doces. Só quero passear...»
E eu, Simone? Tem pena de mim...
«Tudo o que quiseres, dentro do possível... Aproveita, Simone.»
«... e comer coisas gostosas.»
Também eu, Simone!
«Adoro doces portugueses.»
«Cuidado!»
«Todos. Muuuuuuiiiooooo!»
«Depois rebentas!»
«Rs. Eu sei. Nem fale isso. Adélia toma muitos remédios para emagrecer. Toma há vinte anos. Eu tenho medo. Passo mal. Ela ficou dependente. Não consegue passar um dia sem tomar...»
«Resultado dos abusos.»
«Quer café?»
«Obrigado. Só bebo a seguir ao almoço. Vocês aí estão sempre a beber café. O café também faz subir a tensão, sabias?»
«Antônio... será que um dia você conhecerá o Brasil?»
Quem sabe, Simone. Nunca direi nunca!
«Nunca se sabe...»
«Aqui se bebe café várias vezes ao dia.»
«Eu andava aos saltos... trepava pelas paredes. Bem... trepar é uma palavra traiçoeira aí (rs). Gosto muito de beber café expresso, mas evito beber mais do que um por dia, pois excita-me e começo a ralhar com todo o mundo...»
«Não gosto de expresso.»
«Tem outro sabor mais gostoso.»
«Acho forte.»
«É o mesmo que o de saco ou de balão. A cafeína está lá. Nunca mais escreveste nos blogues, porquê?»
Pergunta repentina mas incisiva.
«Sim. Mas gosto do fraco. Não tive tempo, Antônio.»
«Gosto muito dos teus poemas, da forma como escreves, do sentimento que pões neles. Sabes, Simone, tu desvalorizas-te. Vales muito mais do que julgas.»
«Não. Não sou nada.»
«Vamos andar à bulha?»
«O que é brulha?»
«Convence-te que sim. Não é brulha. É bulha. Discussão.»
«Ah sim. Vou lavar uma louça. Já volto. Em meia hora.»
«Olha, eu vou tratar do almoço. Pode ser uma hora ou vais sair?»
«Não sei. Se sair te deixo recado.»
Porque será que ultimamente tenho andado de pé atrás em relação aos sentimentos da Simone?
Sinto remorsos por tanta desconfiança. Talvez esteja a ser injusto. Estamos longe um do outro e numa relação virtual que não dá para aprofundar a verdade sobre o verdadeiro mundo da Simone. Mas é tão terna! Adivinho o desfecho desta relação, mas vou ficar sempre pensando que a realidade pode ser bem diferente da imagem que já formei.
Quem és na verdade, Simone?
Tenho receio de apresentar hipóteses.
«Ah sim. Pastéis de nata.»
«Os de Belém são os melhores.»
«São aqueles que parecem uma empada?»
«Sim.»
«É o mesmo que pastéis de Belém?»
«Sim, Simone.»
«Também adoro.»
«Os de Belém têm muita saída e comem-se quentes com canela por cima.»
«Que delícia! Você anda de elétrico?»
«Raramente. Só quando faço passeios de romaria, recordando tempos antigos. Se um dia vieres cá levo-te a comer os pastéis de Belém. Mas digo-te que te enjoas ao terceiro.»
«Com certeza. Posso te perguntar uma coisa?»
«Sim.»
«O nome da feijoada é transmontano ou transmontana? É o nome de algum lugar? Às vezes eu ouço “trás dos montes”.»
«Há uma província ao norte do país que se chama Trás-os-Montes.»
«Ah sim.»
«Significa “para lá dos montes”. E transmontana... é de Trás-os-Montes. Percebes?»
«Sim. Que nome engraçado!»
«Conheço pouco o norte. Estive no Porto por várias vezes, mas pouco mais.»
«Vou pegar uma água. Espere cinco minutos.»
Simone diz:
«Oi.»
«Olha, Simone... a Adélia sempre quer o perfume?»
«Sim. Porquê? Mas não é rápido para gastar.»
«Vou enviar?
«Sim. Quando você puder.»
«Depois faz como combinámos. Lembras-te? Cobras o dinheiro e fica para ti. Tu precisas.»
«Obrigada. Você já fez muito por mim.»
«Fiz só alguma coisa. Hoje comprei um bacalhau e também azeite. Então, e lembrei-me logo de ti. Comíamos o bacalhau de várias maneiras: cozido, assado no forno com muito azeite e cebola e alho, à Gomes de Sá, etc...»
«Que delícia!»
«Gostava que lesses um livro que vou enviar-te ao mesmo tempo que o perfume. Chama-se “O Segredo”. Está como novo. Quando li as primeiras páginas, li logo tudo, sabes? É tal qual como faço. Não foi segredo para mim. Vai fazer-te muito bem. Ensina uma pessoa a conseguir tudo ou quase tudo o que deseja...»
«Obrigada. Vou adorar.»
«Não é romance. Depois vês...»
«Sim. É auto-ajuda. Antônio, vou buscar o almoço na minha mãe. Estou ficando com fome. Volto mais tarde.»
«Vai, Simone.»
«Um beijo. Até mais tarde.»
«Um bom almoço. E um beijo também para ti. Até sempre.»
Simone envia uma rosa...
«Obrigado. Todas as rosas do mundo para ti e que a felicidade um dia te bata à porta. Bem mereces.»
Fiquei para morrer. Nunca me falara desse casino.
Disse-me anteontem que morreram três velhinhos que jogavam lá: um com um enfarte, outro com derrame cerebral e o terceiro com uma pneumonia. Este último queria casar com ela.
«E depois vou estar dez anos à espera que morra?» comentou.
«Olha, fizeste mal...» Disse-lhe.
«E quem adivinhava quando ele ia morrer?» perguntou, sorrindo.
Só quero um fim real para esta história.
«Olá. Achei que fosse telefonar para saber de mim. Você está aí?»
«Estou. Como sei se está doente?»
«Aquele dia...»
«Quando?»
«No último dia que falei com você disse que estava com uma hemorragia. Fui na médica ontem de novo de manhã e à noite fui em outro médico.»
«Que tem?»
«Apareceram quistos no meu ovário e algumas inflamações nas mamas. Estou verificando. Eu acho que pode estar relacionado com o sistema nervoso.»
«Deixou de tomar os medicamentos?»
«Não. Mas ando com stress.»
«E a sua mãe, como está?»
«Melhorando.»
«Ainda bem.»
«Meu irmão também ficou ruim.»
«Ruim?»
Ruim era ele!
«O tempo aqui não está bom. Frio e seco. As pessoas estão adoecendo.»
«Que fez o seu irmão?»
«Ele adoeceu também. Ficou resfriado demais. Sabe, Antônio, se eu tivesse a certeza que morava só, passaria um mês aí com você só para descansar minha cabeça. Eu não estou com a vida que tinha antes. Muitas coisas mudaram, sabe disso. Eu não estou com vontade de ir mais ao curso. Enjoei.»
«Mas não é razão para desaparecer e aparecer quando entende.»
«Você sabe meu telefone e pode ligar quando sentir vontade, a hora que quiser. Sinto muito se você pensa isso. Eu cansei de Internet, de ter compromisso com todos, menos comigo, de ter hora para fazer isso ou aquilo. Já não sou livre para fazer as minhas horas há muito tempo.»
Saturada de tudo.
«Afinal não sou a pessoa especial que disse ser...»
«Eu vou te contar uma coisa. Sair com minha amiga me alegra e muito. Ela é divertida. Não vejo a hora passar ao seu lado. Sempre tem uma novidade e saiba que ela acha o mesmo de mim. Andei muito tempo só dando atenção aos meus amigos virtuais e esqueci os reais, que cresceram ao meu lado. Eu sou assim Antônio. Quando estou desanimada com a vida, sem ver luz no fim do túnel, me apego a eles.»
«Você está a fazer uma grande confusão.»
«Não tenho mais nada. Nem casa, nem marido, nem dinheiro algum. Acabou tudo. Meu telefone foi cortado. Só recebo ligações. Não tenho mais vontade de ir ao curso.»
«Você foi desistindo aos poucos. E as pessoas reais, o que é que lhe oferecem?»
«Palavras de carinho. Ontem minha amiga passou o dia indo a médico comigo e ficou comigo até a noite.»
«Eu ofereci-lhe tudo e você ignorou. Não sei por que me procura agora...»
«Antônio, quer mesmo que eu nunca mais fale com você? Que te exclua?»
Talvez a primeira ameaça velada.
«Tens feito tudo para isso.»
«Eu não falo com todas as pessoas que gosto todos os dias. Até com a minha mãe não falo todos os dias.»
«Éramos namorados, lembras-te?»
«Namorados virtuais? Não, não éramos. Éramos amigos.»
«Não negues! Então estiveste a fazer um jogo enganador. Não se brinca com os sentimentos das pessoas...»
«Antônio...»
«"Feliz dia dos namorados!", Lembras-te?»
«Melhor parar. Eu mandei isso para um monte de pessoas para amigas e amigos do Yahoo. Aqui se cumprimente assim quando é dia dos pais, dos namorados, das mães.»
«Ah sim? Muito me contas!»
«Eu gostaria muito de um dia o conhecer pessoalmente...»
«"Ela disse que sim". Disseste que sim, a quê?»
«Além do mais, você é um homem que tem um compromisso com outra pessoa. Acha que sou criança? Que não percebo as coisas?»
«Está errada. Mas tudo bem.»
«Podia nunca mais me preocupar com dinheiro. Preferi abrir mão, passar por tudo isso que estou passando, subir escadarias com lixo, fazer faxina... em troco de uma liberdade que nunca tive. Espiritual. Emocional. Me casei aos vinte anos...»
«Já sei...»
«Pronto. Eu anseio em ser livre. Em morar sozinha. Em ter minha vida. Talvez você tenha me conhecido no momento mais turbulento da minha vida. Com certeza que sim.»
«Sim. Apesar de tudo, maio foi diferente...»
«Mas se você não tem condições de esperar as coisas acontecerem, só lamento. Maio foi, junho foi, agosto está sendo e setembro será. Cada dia é um dia. Não tenho agenda com compromissos marcados.»
«Eu tinha um sonho que agora deu em pesadelo. Só quero saber uma coisa: que é para si o amanhã? Deve ter um sonho...»
«Até semana passada não havia hemorragias, não, nem carocinhos nas mamas. Eram outras as preocupações. Agora tenho essas...»
«Que é para si o amanhã?»
«Não compreendo essa frase.»
«Que espera de mim?»
«Espero seu carinho, sua amizade. Sabe, se um dia você me avisasse que estaria vindo ao Brasil seria recebido com muito carinho, da melhor maneira possível. Faria o possível e o impossível para te receber muito bem.»
«Obrigado.»
«Isso é ser especial. Falo de você com a minha família. Mostrei as fotos, mas não digo que é namorado. Falo sim que é um grande amigo. Eu não vou imaginar uma coisa que na verdade não sei se seria. O namoro precisa conhecer o cheiro, o toque, o hálito. Eu não sou como você. Preciso dessas coisas para me sentir íntima. Compreenda isso. Somos seres humanos diferentes uns dos outros. Outra coisa: a sua frase daqui está muito agressiva. Não gosto desse seu jeito. Isso me incomoda. Se quer saber...»
«Sim?»
Como tudo mudou de repente!
«Sabe, Antônio, se um dia sentir carinho especial por você, não vai ser sua ausência da net por um dia, uma semana, ou um mês que vai mudar isso. Tenho amigas que amo e não falo com elas todo o mês.»
«Isso é o que diz...»
«Então, tá bom... acho que você não está para conversa.»
«Você vai esquecer-se rapidamente...»
«Vou fazer meu almoço. Sinto fome. Não, não vou. Você não me conhece mesmo. Todos os dias me lembro de você.»
«Vamos combinar uma coisa?»
«Por vários motivos, pode acreditar nisso. Vou comer alguma coisa. Não quero combinações. Quero que as coisas aconteçam.»
«Ainda não sabe o que vou propor...»
«Como sempre fiz... Quando estava no Yahoo...»
«Quer ler?»
«...e você entrava e me cumprimentava, aí começávamos a teclar sem hora marcada.»
«Quer ler?»
«Eram mais certos os nossos encontros.»
«Diga.»
«Vamos estar um mês sem conversar. Logo vê se gosta de verdade de mim ou não. Aceita?»
«Não. Não quero assim.»
«Mas eu quero. Quero liberdade para falar com você. Eu vou comer. Já volto.»
«Um mês.»
«Está combinado?»
«Está bem, Antônio. Seja feita a sua vontade. Se mudar de ideia, estarei aqui. Sabe como me encontrar. Sabe meu endereço, meus telefones.»
«Só lhe telefono para saber da sua saúde.»
«Nunca vou esquecer de você. Para sempre. Mas se prefere assim...»
«Leu?»
«Faremos. Sim.»
«Só lhe telefono para saber da sua saúde.»
«Está bem. É você quem sabe. Acho isso estranho, mas respeito. Um beijo então.»
«Um beijo. Desejo muito do coração que melhore da sua saúde.»
«Obrigada.»
«Adeus.»
Simone envia uma flor murcha...
«Que flor é essa?»
«Como me sinto.»
Simone diz:
«Oi... como vai? Sei que não deve estar aí. Vou trabalhar nos finais de semana na casa de festas da minha amiga. Cinquenta reais por festa. Meu irmão está na pior no jogo. Não tem dinheiro para nada.»
«Vou te contar um segredo. Seus presentes foram as únicas coisas que ganhei desde que me separei, Antônio.»
Simone diz:
«Queria vender perfumes. Se morasse aí, compraria e venderia aqui no Brasil...»
«Vou tomar um banho. Fico ausente quando acabar. Se você estiver aí nos falamos.»
«Beijos. Estou indo. Na volta nos falamos.
E nasce a história dos perfumes...
«Oi. Senti sua falta.»
«Oi.»
«Querido... Você pode me ligar daqui a vinte minutos?»
«Sim, claro. Um beijo.»
«Beijo.»
Voltou aos negócios de perfume. Agora o objetivo era Miami. Com quinhentos euros comprava perfumes em Miami, porque aí eram mais baratos. Acrescente-se que tinha a viagem de graça (quem a pagava?). Depois, vendia-os no Brasil. Já tinha posto de parte a versão de Portugal. Voltei a maio e insisti que se ela tivesse querido, talvez a situação agora fosse diferente.
Quase logo de imediato disse que tinha sono e sentia-se muito cansada.
«A cabeça dói...»
Por que razão já não queria dialogar nas conversas instantâneas e só deixava o essencial para afirmar que gostava de mim?
«Senti sua falta... Oi querido... Você me pode ligar?»
Porque era agora muito menos expressiva ao telefone e limitava-se a falar dos seus sonhos ligados ao negócios, saindo em fuga quando adivinhava que eu ia entrar por outras portas?
Porque me procura desesperadamente quando desapareço e logo que me descobre acena sinais de esperança, seguidos de impossíveis?
Este caso está a tomar um rumo direitinho aos negócios, mas não me pede dinheiro. Quer que lhe telefone e não me cativa com palavras doces.
Que se passa naquela cabecinha que "dói muito e parece esquecer o momento presente"?
No fundo nem sequer parece haver uma estratégia. Mas com esta confusão toda há-de haver uma ponta para desenrolar a meada!
Quando lhe telefono?
Vou pensar nisso.
Simone diz:
«Saudade de você.»
«Oi, Simone.»
«Oi, Antônio. Que é feito de si? Andou sumido. Vim da rua agora. Estou em busca de emprego.»
«Tenho estado fora de Lisboa.»
«Ah sim. As coisas estão mais difíceis que nunca. Não tenho dinheiro nem para pagar mais nada. Estou em busca de trabalho para não passar fome.»
«Esta fotografia é nova?»
«Sim. Tirei no sábado.»
Com a máquina digital, claro.
«Está muito bonita!»
«Estou não.»
«Está sim.»
«Ando muito triste. Tomando remédios para dormir.»
«Não abuse dos remédios, Simone. Tem que ultrapassar a crise.»
«Não está dando.»
«Tem que dar. Você é forte.»
«Já fui, querido.»
«É. Convença-se.»
«Não.»
«Sim.»
«Estive pensando em você esses dias. Nas alegrias que me proporcionou.»
«Sabe porque não voltei a telefonar?»
«Não.»
«No outro dia tratou-me de querido e queria falar comigo...»
«Mas você é querido para mim.»
«Telefonei e pouco depois disse que tinha sono.»
«Entenda. Estou tomando remédios para dormir.»
«Mas eram seis da tarde!»
«Antônio, não entrei aqui para ter discussões. Isso é o que menos preciso no momento. Preciso de alegria.»
«Não estou a discutir. Estou só a justificar-me.»
«Hoje chorei o suficiente. Sabe, falei com meu ex-marido sobre a possibilidade dele arrumar uma passagem para os Estados Unidos para eu comprar perfumes e revender... maquilhagens, essas coisas que sei que se venderiam. Ele cedeu. Aí pedi a várias pessoas para que me emprestassem o dinheiro mas ninguém tinha, ou não querem. Aí desisti da ideia. Tenho ido à rua a comércios, levando currículos. Espero conseguir alguma coisa. Acabei de chegar em casa. Estou em jejum. Não comi nada hoje. Só um café. Emagreci quatro quilos. Mas creio em Deus que isso vai passar.»
«Eu vou pedir a Deus por si.»
«Eu gosto de si. Mas não é o amor que você espera. Antônio, estive conversando com uma psicóloga. Ela me disse: “Se não gosta de você... como vai gostar de alguém?” Sou uma pessoa cheia de defeitos. Muitos, muitos mesmo.»
«Não se desvalorize.»
«Estou com muita fome. Vou fazer um macarrão instantâneo.»
«Vá.»
«Pode me esperar por mim dez minutos?»
«Sim.»
«Então está bem. Já volto.»
«Estou jantando.»
«Sentes-te melhor?»
«Antônio, agora que vou comer, estou esperando esfriar.»
«Está aqui do meu lado, Antônio?»
«Diz.»
«Aquela perfumaria que você comprou o perfume tem site?»
«Já acabou o perfume?»
«Queria tanto revender perfumes!»
«Claro que não. Está inteiro.»
«Quando acabar, diga. Inteiro? Não gostou?»
«Não é para eu usar. Adorei. Amo perfumes. Esses dias quando fui no hospital pegar remédios para dormir...»
«Mas eu queria que usasse! Quando pusesse, pensava em mim.»
«...senti um cheiro maravilhoso em uma médica rica. Aí perguntei a ela o nome.»
«Tenho visto vários programas sobre Portugal na TV. Vi um castelo que se tornou hotel. Lindo demais!»
«Vem para cá.»
«Não posso. Não teria dinheiro nem para tomar uma coca-cola. Não gosto de sair assim. Quando vender essa casa, vou mesmo, acredite.»
«Passavas um tempo comigo.»
Não respondeu.
«Vi uma loja de doces com o nome de Periquita.»
«É em Sintra.»
«Acho que fica em Cascais. Isso, Sintra.»
«Fiquei louca com tantos doces.»
«Travesseiros.»
«Vi o bonde elétrico.»
«Mas doces engordam, minha menina!»
«Vi o lugar que se bebe ginjinha. Eu sei. Já sou gordinha.»
«Vou lá beber com os meus amigos.»
«Vi tantas coisas! Vi uma loja de vinho do Porto.»
«Gostavas de viver em Portugal?»
«Um restaurante que se olha Lisboa do alto...»
«Não saberia viver longe da minha mãe. Sinto muito.»
«Não sejas piegas!»
«Só de pensar nisso, choro. Antônio, sei que ninguém me ajuda no momento que estou passando.»
«Olha, gosto muito de te ver na foto.»
«Mas a minha mãe jamais me abandona. Não tenho levado esses problemas a ela, pois ela fez exames e deu alguns probleminhas de saúde. Não quero que ela fique nervosa. Enquanto teclo isso, choro tanto! Por isso me afasto do computador.»
«Mudamos de assunto?»
«Sim. Eu não sei nada da minha vida.»
«Envias-me a foto pela net?»
«Essa foto está muito feia de perto muito mesmo.»
«Não está.»
«Quando você abrir grande, verá.»
«Fazes isso por mim?»
Enviou-me três fotos.
«Depois não diga que não avisei.»
«Porque não gostas de ti?»
Não respondeu.
«Vai se assustar.»
«Já vi!»
«Sou feia. Cansada. Pele mal tratada.»
«És linda! Estás a comer?»
«Acabei.»
«Sentes-te melhor?»
«Sim. Vou tentar achar na net a perfumaria onde você comprou meu perfume.»
«Está em vários centros comerciais.»
«Achei.»
«Como se chama o perfume da médica rica?»
«Narciso Rodriguez.»
«Gosto muito de ti...»
«Bom sono. Vou tomar banho. Eu também de você. Beijos.»
«Obrigado. Bom banho e bom sono. Beijo.»
«Acordei chorando tanto!»
«Que aconteceu, Simone?»
«Tive um pesadelo.»
«Conta.»
«Entrei pela contramão em uma rua e a policia me parou. Prendeu o carro. Voltei para a casa e nunca mais saí da cama.»
«Mas não é caso para isso. Foi só um sonho.»
«Eu sei, mas acordei aos prantos. Ainda choro.»
«Não ligues.»
«Antônio, não vem ninguém ver essa casa.»
«Espera que seja legalizada. Tudo será diferente.»
«Nem com o cara da prefeitura consigo falar. Estou até com medo. Ele desapareceu. Não atende o telefone. E com a situação ruim do meu irmão, como ele vai pagar o resto da legalização?»
«Tens que pensar em ti.»
«Nem ligo para mais nada.»
«Vai ter com a tua amiga Adélia. Sai com ela.»
«Antônio... Descobre o site daquela “perfumaria Douglas”, por favor. Adélia quer saber o preço de uma coisa.»
Quem me manda falar na amiga dela?
Palavra puxa palavra, sem que eu acrescentasse qualquer dado, começou a enviar fotos de frascos de perfume.
«Gostaria que visse o preço dos dois primeiros.»
«Ok. Olha, Simone, tenho que ir almoçar com os meus amigos. Mais logo estás em casa?»
«Os dois são de cinquenta mililitros. Bom almoço. Como eu gostaria de um dia almoçar em Portugal!»
«Bom dia. Acordei há uma hora.»
«Bom dia. Não dormes, Simone?»
«Durmo pouco.»
«Ontem não consegui contactar.»
«Saí com a Adélia. Fui ajudar a levar os doces. Ontem comi um prato português. Feijão transmontano. Custa baratinho.»
«Gostava de falar com a tua amiga. Era uma forma de conhecer melhor. Ela tem net?»
«Queria comer bacalhau, mas é muito caro lá. Ela nem mexe em computador. Quando estiver aqui, te apresento ela.»
«Ok.»
«Conhece esse feijão transmontano?»
«Cá chama-se feijoada à transmontana. Leva entrecosto de porco, chouriços, nalguns casos couves... e feijão, claro. É um prato de que gosto muito.»
«Comi chouriço pela primeira vez. Tinha um com o nome de salpicão. Nome estranho!»
«É uma espécie de chouriço, mais grosso. É também bom para comer com pão.»
«Adélia falou que um dia vamos a Portugal juntas. Comer muito. Adoro a comida portuguesa. Quando vender essa casa...»
Promessas leva-as o vento, Simone.
«Vou lá almoçar e pedir a maior posta de bacalhau para eu e a Adélia. Nós só olhamos aqueles homens ricos comendo. Para você ter ideia, essa feijoada custa dezoito e o bacalhau oitenta. Para duas pessoas.»
«Tenho preços, Simone.»
Li-lhe a lista que tinha feito.
«Está a metade do preço daqui. Vou falar com Adélia. Obrigada, António. Vou fazer um café. Está ótimo o preço.»
«Qual?»
«Dos dois.»
«Antônio, como Adélia depositaria o dinheiro para você, se acaso ela arrume o dinheiro? Você poderia comprar depois que ela depositasse.»
«Mas qual é o perfume que ela quer comprar?»
«O "Dolce & Gabanna".»
«O de cem mililitros ou o outro?»
«A diferença é pequena, não acha?»
«Espera. Vou pegar uma foto dela. Não diga a ela que te enviei.»
Como dizer-lhe se não tenho o seu contacto?
«No dia que a conhecer essa foto tem um ano. Ela é minha amiga há trinta e cinco anos.»
«Claro que não digo. É gira e parece ser muito alegre.»
«É sim.»
«Adélia: Simone, só você mesmo para fazer piada de uma tragédia, e por isso quando estou mal só você mesmo... trinta e cinco anos de amizade não são à toa. Te adoro! TE ADORO. BEIJOOS MILLLL!»
«Olha o que ela mandou ontem.»
O quê?!...
«Pediu ao filho para enviar para mim. Nos falamos todos os dias e nos vemos e nunca brigamos...»
Ah! Estava quase a apanhar-te, Simone. Quem sabe... lembraste-te a tempo.»
«Continuem a ser muito amigas e amparem-se uma à outra nos momentos difíceis.»
«Ontem passei o dia ajudando ela.»
«Vamos combinar uma coisa...»
«Vou te contar um segredo. Ontem, quando almoçamos essa feijoada, eu nem gostei tanto. A Adélia ficava assim comendo e dizia: “Hummmmmm... que coisa mais gostosa essa comida!” Aí eu ria e falava assim: “Você tem azeite português no sangue. Por isso fica o tempo todo fazendo hummmm”. Rimos muito. Ela foi traída pelo marido. Sou uma irmã para ela. Quando não falo um dia com ela, me procura e diz: "Por que me abandonou?". Aí começo a rir. Ela sabe que estou sem dinheiro. Me leva para almoçar todos os dias.»
«Um dia em que ela esteja aí contigo, falamos os três, tá?»
«Sim.»
«Ela dita e tu escreves.»
«Eu abro a cam...»
Não, Simone! A cam dará confusões... como já aconteceu! Mais tarde ou mais cedo temos embrulhada.
«Olha, há pouco comecei a dizer uma coisa e não acabei. O preço do perfume é sessenta euros e os portes, oito. Recebes o dinheiro da tua amiga e guardas para ti. Já podes comer um desses bacalhaus com que sonhas. O resto gastas no que quiseres.»
«Não precisa, Antônio. Comerei o bacalhau em Portugal, antes que perca a passagem até dezembro. Acredite nisso. Não desperdiçarei essa oportunidade da passagem até Paris. Vai até ao último dia de dezembro. Nem que eu fique três dias e volte.»
«É pouco dinheiro para ti, mas pode ser um talismã. Um princípio de sorte. Dizes à Adélia que depois me vais enviar o dinheiro, percebes? Ela tem algum e tu não tens nada, pequenina!»
«Sobre a passagem free de avião, ela é válida até o último dia de dezembro e depois tenho um mês para usá-la. Preciso de vaga no avião. Quero ir na loja de doces. Só quero passear...»
E eu, Simone? Tem pena de mim...
«Tudo o que quiseres, dentro do possível... Aproveita, Simone.»
«... e comer coisas gostosas.»
Também eu, Simone!
«Adoro doces portugueses.»
«Cuidado!»
«Todos. Muuuuuuiiiooooo!»
«Depois rebentas!»
«Rs. Eu sei. Nem fale isso. Adélia toma muitos remédios para emagrecer. Toma há vinte anos. Eu tenho medo. Passo mal. Ela ficou dependente. Não consegue passar um dia sem tomar...»
«Resultado dos abusos.»
«Quer café?»
«Obrigado. Só bebo a seguir ao almoço. Vocês aí estão sempre a beber café. O café também faz subir a tensão, sabias?»
«Antônio... será que um dia você conhecerá o Brasil?»
Quem sabe, Simone. Nunca direi nunca!
«Nunca se sabe...»
«Aqui se bebe café várias vezes ao dia.»
«Eu andava aos saltos... trepava pelas paredes. Bem... trepar é uma palavra traiçoeira aí (rs). Gosto muito de beber café expresso, mas evito beber mais do que um por dia, pois excita-me e começo a ralhar com todo o mundo...»
«Não gosto de expresso.»
«Tem outro sabor mais gostoso.»
«Acho forte.»
«É o mesmo que o de saco ou de balão. A cafeína está lá. Nunca mais escreveste nos blogues, porquê?»
Pergunta repentina mas incisiva.
«Sim. Mas gosto do fraco. Não tive tempo, Antônio.»
«Gosto muito dos teus poemas, da forma como escreves, do sentimento que pões neles. Sabes, Simone, tu desvalorizas-te. Vales muito mais do que julgas.»
«Não. Não sou nada.»
«Vamos andar à bulha?»
«O que é brulha?»
«Convence-te que sim. Não é brulha. É bulha. Discussão.»
«Ah sim. Vou lavar uma louça. Já volto. Em meia hora.»
«Olha, eu vou tratar do almoço. Pode ser uma hora ou vais sair?»
«Não sei. Se sair te deixo recado.»
Porque será que ultimamente tenho andado de pé atrás em relação aos sentimentos da Simone?
Sinto remorsos por tanta desconfiança. Talvez esteja a ser injusto. Estamos longe um do outro e numa relação virtual que não dá para aprofundar a verdade sobre o verdadeiro mundo da Simone. Mas é tão terna! Adivinho o desfecho desta relação, mas vou ficar sempre pensando que a realidade pode ser bem diferente da imagem que já formei.
Quem és na verdade, Simone?
Tenho receio de apresentar hipóteses.
«Ah sim. Pastéis de nata.»
«Os de Belém são os melhores.»
«São aqueles que parecem uma empada?»
«Sim.»
«É o mesmo que pastéis de Belém?»
«Sim, Simone.»
«Também adoro.»
«Os de Belém têm muita saída e comem-se quentes com canela por cima.»
«Que delícia! Você anda de elétrico?»
«Raramente. Só quando faço passeios de romaria, recordando tempos antigos. Se um dia vieres cá levo-te a comer os pastéis de Belém. Mas digo-te que te enjoas ao terceiro.»
«Com certeza. Posso te perguntar uma coisa?»
«Sim.»
«O nome da feijoada é transmontano ou transmontana? É o nome de algum lugar? Às vezes eu ouço “trás dos montes”.»
«Há uma província ao norte do país que se chama Trás-os-Montes.»
«Ah sim.»
«Significa “para lá dos montes”. E transmontana... é de Trás-os-Montes. Percebes?»
«Sim. Que nome engraçado!»
«Conheço pouco o norte. Estive no Porto por várias vezes, mas pouco mais.»
«Vou pegar uma água. Espere cinco minutos.»
Simone diz:
«Oi.»
«Olha, Simone... a Adélia sempre quer o perfume?»
«Sim. Porquê? Mas não é rápido para gastar.»
«Vou enviar?
«Sim. Quando você puder.»
«Depois faz como combinámos. Lembras-te? Cobras o dinheiro e fica para ti. Tu precisas.»
«Obrigada. Você já fez muito por mim.»
«Fiz só alguma coisa. Hoje comprei um bacalhau e também azeite. Então, e lembrei-me logo de ti. Comíamos o bacalhau de várias maneiras: cozido, assado no forno com muito azeite e cebola e alho, à Gomes de Sá, etc...»
«Que delícia!»
«Gostava que lesses um livro que vou enviar-te ao mesmo tempo que o perfume. Chama-se “O Segredo”. Está como novo. Quando li as primeiras páginas, li logo tudo, sabes? É tal qual como faço. Não foi segredo para mim. Vai fazer-te muito bem. Ensina uma pessoa a conseguir tudo ou quase tudo o que deseja...»
«Obrigada. Vou adorar.»
«Não é romance. Depois vês...»
«Sim. É auto-ajuda. Antônio, vou buscar o almoço na minha mãe. Estou ficando com fome. Volto mais tarde.»
«Vai, Simone.»
«Um beijo. Até mais tarde.»
«Um bom almoço. E um beijo também para ti. Até sempre.»
Simone envia uma rosa...
«Obrigado. Todas as rosas do mundo para ti e que a felicidade um dia te bata à porta. Bem mereces.»
O emprego de Simone
«Acordei passando mal. Muita dor no útero…»
«Olá, Simone...»
«Ganhei remédios do ginecologista para interromper a menstruação gradativamente. É um remédio caro. Ao olhar a embalagem, vi que estava fora da validade. Quando estamos com azar...»
«Mas podes trocar?»
«Não. É amostra grátis. Vou deixar. Um dia opero.»
«É o melhor que fazes. Hoje estou aborrecido e o pior é que não sei porquê. O que me vale é que vem cá o Raul almoçar e depois vamos ao casino.»
«Eu nem lembro mais o dia que estive feliz. Agora passo dias e dias à espera de uma pessoa para ver essa casa e não tem ninguém com interesse.»
«Nunca devias ter embarcado nessa história de ajudares o teu irmão. Ficaste completamente desprotegida. Eu disse-te logo. Agora, nem tu nem ele.»
«Me sentiria pior se ele tivesse perdido a casa, pode acreditar nisso.»
«Vê o resultado.»
«Estou com muita dor. Daqui a pouco tenho que sair. Vou tomar uma injeção na rua. Fique com Deus.»
«Acho que um dia. Quem sabe. Tenho medo dos seus rompantes. Você pode ficar chateado com alguma coisa e me deixar sozinha aí. Por isso só irei no dia que puder arcar com todas as minhas despesas.»
«Sempre vais ao teu irmão?»
«Hoje irei. Começarei hoje.»
«Desejo-te boa sorte. Tem muito cuidado com os sedutores. Rs...»
«Terei.»
«Fico com ciúmes. Rs...»
«Rs.»
«Lá só tem golpistas.»
«Cuida de ti. Mas como é a sala de jogo?»
«Fechada. Com todos fumando. É um sobrado nos fundos de uma casa. Um lugar feio. Todos me olham da cabeça aos pés quando vou lá. Me destaco. O nível é baixo.»
«Há máquinas?»
«Sim.»
«Roleta?»
«Não.»
«Ah sim.»
«A polícia está atrás dessas máquinas.»
«As máquinas são de póquer?»
«Não.»
«São tipo caça-níqueis. Não sei bem. Ainda não vi. Estavam escondidas por causa da polícia.»
«Ganhei remédios do ginecologista para interromper a menstruação gradativamente. É um remédio caro. Ao olhar a embalagem, vi que estava fora da validade. Quando estamos com azar...»
«Mas podes trocar?»
«Não. É amostra grátis. Vou deixar. Um dia opero.»
«É o melhor que fazes. Hoje estou aborrecido e o pior é que não sei porquê. O que me vale é que vem cá o Raul almoçar e depois vamos ao casino.»
«Eu nem lembro mais o dia que estive feliz. Agora passo dias e dias à espera de uma pessoa para ver essa casa e não tem ninguém com interesse.»
«Nunca devias ter embarcado nessa história de ajudares o teu irmão. Ficaste completamente desprotegida. Eu disse-te logo. Agora, nem tu nem ele.»
«Me sentiria pior se ele tivesse perdido a casa, pode acreditar nisso.»
«Vê o resultado.»
«Estou com muita dor. Daqui a pouco tenho que sair. Vou tomar uma injeção na rua. Fique com Deus.»
«Acho que um dia. Quem sabe. Tenho medo dos seus rompantes. Você pode ficar chateado com alguma coisa e me deixar sozinha aí. Por isso só irei no dia que puder arcar com todas as minhas despesas.»
«Sempre vais ao teu irmão?»
«Hoje irei. Começarei hoje.»
«Desejo-te boa sorte. Tem muito cuidado com os sedutores. Rs...»
«Terei.»
«Fico com ciúmes. Rs...»
«Rs.»
«Lá só tem golpistas.»
«Cuida de ti. Mas como é a sala de jogo?»
«Fechada. Com todos fumando. É um sobrado nos fundos de uma casa. Um lugar feio. Todos me olham da cabeça aos pés quando vou lá. Me destaco. O nível é baixo.»
«Há máquinas?»
«Sim.»
«Roleta?»
«Não.»
«Ah sim.»
«A polícia está atrás dessas máquinas.»
«As máquinas são de póquer?»
«Não.»
«São tipo caça-níqueis. Não sei bem. Ainda não vi. Estavam escondidas por causa da polícia.»
«Tem cuidado contigo! Dá-me um toque no telemóvel quando chegares, prometes?»
«Sim.»
«Chegas a que horas?»
«Tarde. Depois das vinte horas.»
«Mesmo assim dá um toque.»
A Simone tinha-me falado pelo telefone na possibilidade de ir para esse casino do irmão, mas não acreditei. Afinal sempre vai e pode envolver-se numa aventura perigosa.
«Oi, Simone...»
«Acabei as tarefas. Vou tomar banho.»
«Tens dois mails.»
«Ok. Antônio... como se faz para depositar dinheiro para você? É nos correios?»
«No banco.»
«Qual banco?»
«Vou ver como faço isso.»
«Porquê?»
«Para que você envie o perfume, se puder. Vou ver no Banco do Brasil. Te aviso amanhã.»
«O perfume é para a Adélia?»
A história da Adélia começa a cheirar a esturro. É que essa mulher, de repente surgiu do nada. Hum!, começo a pensar que a Simone tem mais imaginação do que eu, o que não é difícil.
«Vamos dividir. Não se preocupe. Vou verificar tudo primeiro. Depois te aviso. Sem pressa. Vou levar o notebook para o jogo, com nota fiscal. Caso a polícia apareça, tenho nota fiscal de compra.»
«Vê lá se te roubam...»
«Não.»
«Como é o teu trabalho no casino?»
«Fico em uma mesa trocando dinheiro e pagando quem ganha.»
«É com fichas que jogam?»
«Com dinheiro. Quando ganham dou um reset na máquina.»
«Sim. E depois pagas, não é.»
«Sim. Ontem ficou um rapaz comigo. Ele vai trabalhar depois que eu sair.»
«De que tipo são os jogos?»
«São imagens. Máquinas caça-níqueis. Não sei explicar.»
«Com alavanca ou botões?»
«Tem que aparecer o mesmo desenho em filas. Com botões.»
«Tipo máquinas de casino legal.»
«Sim. Vou tirar uma foto hoje. Te mostro amanhã.»
«Tem cuidado, Simone!»
«Terei. Só tenho medo da polícia.»
«E dos ladrões? Têm algum cofre?»
«Não. Mas tem muita gente por perto.»
Há de servir de muito se houver um assalto à mão armada. Coisa pouco usual no teu Brasil de brandos costumes, Simone! Nem sequer se avisa para matar...
«Então?»
«O dinheiro acumula-se e fica em uma gaveta com chave.»
Segurança extrema (rs). Ainda por cima no Rio.
«Quem aparece para receber?»
«Não sei ainda.»
Como se dizia há muitos anos na minha vila: “Organizações Marmota”. Umas organizações para excursionistas muito desorganizadas e que acabavam normalmente em fiasco. Autocarros velhos. Atrasos nas partidas. pessoas que se perdiam nas localidades e novos atrasos motivados pelo não aparecimento à hora das mesmas. Enfim, "Organizações Marmota", mas que mete mafiosos, a começar pelo irmão.
Será mesmo irmão?
Nunca acreditei que a Simone me excluísse. Pediu para que o fizesse, mas eu disse que ela é que devia excluir-me. Claro que não teve coragem, ou então ainda não tinha chegado o momento.
De momento aprendeu a lição. Não voltou a dar motivos para que ficasse desencantado com ela. Ontem mesmo tivemos uma longa conversa ao telefone, muito interessante e proveitosa. Fiquei a conhecê-la melhor. Parece outra Simone ao telefone. A dúvida atormenta-me.
Ela e a Adélia... serão duas a falar comigo?
Bom, a minha imaginação começou a trabalhar de uma forma doentia. Quanto à história dos perfumes acabei por cumprir o que tinha prometido há dias. Enviei ontem pelo correio, já como oferta de anos, o frasco de Dolce & Gabanna. Disse-lhe ao telefone e a reação foi quase nula, mesmo depois de referir que era uma oferta. Notei uma certa contrariedade e cheguei a pensar que queria mesmo enviar dinheiro.
Mudou muito no seu relacionamento comigo. Não é a mesma. Começo a acreditar que tem uma ternura grande por mim e que não é só de amigo. Não digo que seja amor. Sou muito mais realista que em maio. Já lá vai o tempo da magia das feromonas. Agora começo a estar mais por fora. Acredito (e tem lógica, por todos os motivos) que vê em mim um pai que não teve. Só isso. Nada mais.
Praticamente não voltou a falar da amiga, o que é estranho.
Será que tem medo que esta lhe roube a relação que disse julgar que seria para a eternidade?
Por vezes caio num sonho profundo em que a tenho na distância a acenar para ir ao seu encontro. É tão profundo este sonho que logo a abraço, a beijo e vejo-a como praça conquistada. É fogo... como já confessou. E é loucura deixar-me envolver em pensamentos obsessivos. Tem que chegar o tempo de acordar deste sonho que parece tão real!
De repente, os meus pensamentos são interrompidos.
«Oi, Antônio... Estou com medo!»
«Posso vê-la hoje? Tenho saudades do seu rosto lindo!»
Não respondeu.
«Então?»
«Tive visita hoje o dia todo. Minha mãe, uma tia velhinha, irmãos. Também a Adélia. Acabaram de ir embora.»
«E que disseram?»
«Do quê?»
«Disseste que estavas como medo...»
«Sim. Da polícia. De ser presa. Aquele tipo de jogo é muito ilegal aqui. Um irmão é contra. A minha mãe não entende nada. Ontem saí de lá às duas da manhã. Trabalhei dezasseis horas em pé. Achei que iria morrer de tão cansada.»
«O teu irmão já te pagou?»
«Sim. Duzentos reais. Vou pagar minha net e meu telefone. Mas tenho medo.»
«Isso é exploração, Simone!»
«Sim. Fico pensando em que ponto cheguei.»
E ainda estás a caminho! Vais receber muitas propostas tentadoras e acabarás, mais tarde ou mais cedo, por cair num atoleiro...
«Trabalho ilegal, cansaço. E medo de ser presa. Tem poucas máquinas. Não dá tanto dinheiro e sou eu e mais um. Meu irmão tem sócio. O homem que coloca as máquinas ganha a metade. Entende?»
«E o teu irmão e o sócio... o que fazem?»
«Pagam as contas. Se gasta com aluguel. Telefone. Luz. Água. Café. Refrigerantes. Tem lanche. Há muitos gastos.»
«Não jogam póquer?»
«Sim.»
«Mais uma fonte de lucro. Ou os profissionais, como o teu irmão, perdem ao jogo? Se perdem, não vale a pena jogarem.»
«Antônio... posso te contar um segredo? Queria ver meu irmão longe de tudo isso. Ele só perde. Meu irmão é um bom homem. Se tivesse dinheiro não me deixaria passar necessidade. Ele deve a agiotas. É viciado em jogo. Está abatido. Tenho medo que algo aconteça a ele. Estou chorando. Queria mesmo era vender essa casa e tirar ele daquela vida. Que esse dinheiro nos dê paz.»
«Ele está viciado. O jogo é uma droga tão ruim como a cocaína! Tens que pensar no teu futuro. Procura um emprego seguro.»
«Não tenho profissão. Estou assustada. Lá tem esse peso.»
«És uma mulher inteligente e cheia de força. Não podes deixar-te ir abaixo!»
«Dá medo a ilegalidade!»
«Compreendo o teu medo.»
«Tive medo de sair de madrugada mesmo com o meu irmão. Não tem segurança alguma. Ah Antônio... como as coisas são difíceis! Vejo minhas amigas que recebem pensão dos filhos. Não tenho nada. Nem profissão. Esse país aqui é ingrato. Há roubos. Muitos. A pobreza impera.»
Amigas que recebem pensão dos filhos?
Fala como se tivesse, pelo menos, sessenta anos. Portanto, mais vinte do que afirmou ter.
«Num país com tantos recursos, Simone!»
«Um país de poucos.»
«Tens razão.»
«Queria saber mais sobre esse trabalho. Saber se posso ser presa. Vou pesquisar na net...»
«Se fosse cá em Portugal era o mais certo. Mas a responsabilidade maior é do teu irmão, do sócio, do dono das máquinas, de quem alugou o espaço. Se forem descobertos, a tua pena será menor porque estás a lutar pela tua sobrevivência. És uma simples empregada. Tens sempre atenuantes.»
«Mas não tenho carteira assinada. Isso pode significar sociedade. Perguntei a uma advogada.»
«Nem podes ter carteira. O emprego não é legal. Olha, pensa bem no risco que corres.»
«Pois é...»
Não sei explicar onde a verdade e a fantasia se cruzam. Estou apreensivo. Já contactei com ela pelo telefone durante escassos minutos e bem ouvi o som da barafunda em que estava envolvida. Trocos para aqui. Pedidos para ali. Desligar de máquina. Ligar de máquina. Tudo muito real e a Simone senhora do seu papel. Muito profissional.
Véspera do dia dos seus anos…
Inevitável mais uma vez o desentendimento, agora que tem um emprego duvidoso nos fundos de uma pensão. As dúvidas são mais que muitas e ela teima constantemente em ausentar-se ou dizer simplesmente:
«Entrei só para te dar um beijo...»
Assim, é natural que me zangue e também faça as minhas ausências.
Por que será que nada dá certo comigo?
Acabaram as longas e mágicas conversas na tela e que nos fizeram sonhar muitas vezes e fugir para fora da mesma tela. Tenho pena, muita pena, do tempo não ter parado em maio.
Agora falamos mais ao telefone e a dúvida mantém-se:
É uma ou são duas Simones?
Ao telefone parece ser uma mulher mais segura, natural, quase vulgar. Mantém a fluência das palavras e parece ser uma mulher mais alegre. Há uma diferença substancial entre esta Simone e a outra, constantemente martirizada pelo percurso infeliz da sua vida.
«ANTÔNIO... PORQUE NÃO ATENDE AS MINHAS LIGAÇÕES?»
«Queria tanto ter falado com você. O que houve?»
«Te liguei muitas vezes. Não vai responder? O que está havendo???»
«Se não quer mais falar comigo, diga logo. Não vou ficar fazendo papel de idiota.»
«Adeus para sempre. Vou te excluir. Nunca mais me verá online.»
Dia dos seus anos...
Enviei-lhe uma mensagem singela.
Gostaria que um dia o sonho virtual se transformasse num sonho real. Penso que não foi em vão que te encontrei no mundo virtual. Talvez que mais tarde nos encontremos frente a frente. É preciso acreditar!, como me disse uma cigana há dias no casino. E eu acredito.
Um dia muito feliz para ti, pequenina (hoje és mesmo pequenina!!!) na companhia de todos os teus familiares e dos amigos. Eu também estarei... em pensamento.
Um beijo do teu amigo...
António
Voltando uns dias atrás, telefonei-lhe quase de seguida e optei por justificar-me ao jeito dela. Deu resultado. Aceitou sem problemas. Até porque disse-me que tinha telefonado muitas vezes e eu repliquei que foi uma só vez, e aí falei verdade... se telefonou para o fixo, não sei. Pazes feitas.
Combinámos que lhe telefonava de manhã no dia dos anos. E assim fiz. Ainda estava a dormir, pelo que concluí que fui o primeiro a dar-lhe os parabéns. Acordou com a habitual voz doce de menina mimada que apetece embalar, beijar e etc e tal, que ninguém apareça que a porta está fechada à chave. Estivemos falando algum tempo. Estava com muitas dores da menstruação e lamentei que tivesse coincidido com o dia de anos. Afinal ainda não recebeu o perfume, o que acho muito estranho. Confirma-se a hipótese do chefe de correios. A encomenda deve ter ficado retida na alfândega.
Na altura em que falávamos ao telefone, ligou a mãe. Estava impaciente para lhe dar um beijão.
Quase que se zangou com a mãe.
«Mãe! É o Antônio! Já te ligo...»
Hoje ia trabalhar dezasseis horas seguidas para compensar o dia de ontem. Pareceu-me que falou verdade. De facto já não havia ninguém em casa às treze e trinta, horas do Brasil.
Há uma dúvida que tenho acerca do perfume que me pediu para comprar para a Adélia e que acabei por enviar como prenda. Queria saber o nome do meu Banco para enviar o dinheiro.
Não é que receie que tire dinheiro da minha conta, porque é tecnicamente impossível, mas desconfiei por causa de todo aquele apego ao emprego em que ganha uma miséria. Mas há uma coisa a ter conta. É ela quem guarda o dinheiro. Sendo assim, não haverá um motivo mais obscuro... como pretender no futuro transferir dinheiro do casino para a minha conta?
Aqui está a imaginação fértil a laborar. Não vejo qualquer lógica para a Simone cometer tal acto, até porque equivale a dar um tiro no escuro. Quem sou eu em termos de idoneidade?, perguntará e com razão. De forma alguma ia acontecer, porque eu sou quem sou.
«Oi. Estás ai?»
«Sim. Pode me ligar.»
«Não tenho cartões.»
«Que pena! Estou com dor na coluna.»
«Recebeste o perfume?»
«Ainda não.»
«Foste saber o que se passava?»
«Que dor, Antônio! Não deu. Hoje irei.»
«Tomaste um analgésico?»
«Não. Dormi demais. Passei o domingo deitada. Foi isso. Sumiu dinheiro.»
«Tenho andado entretido num concurso de cultura geral no "Chat Lusa". Como foi que aconteceu? Roubaram as máquinas?»
«Não. Briga de bicheiros.»
«E agora?»
«Ficaram quatro máquinas. Eram doze.»
«Não dá para nada.»
«Sim. Nem consigo me virar de tanta dor!»
«Continuas a ir lá?»
«Sim. Só essa semana à noite.»
«E o projeto das festas?»
«Estamos tentando arrumar.»
«Vai nessa que é bom para ti e para a Adélia.»
«Que dor, meu querido! Vou pendurar minha roupa no varal.»
«Eu não sou o teu querido. Não me amas!»
«Mas gosto muito de você.»
«Não parece. Esqueces-te de mim.»
Ah... Simone como gostava de acreditar em ti! Posso estar a cometer um erro grosseiro e, se for mesmo, que Deus me perdoe. Mas é já muita areia para o meu camião; tanta areia que preciso de atrelado! Por que vêm ter comigo só os casos difíceis, quase insolúveis? Quem fui eu noutra encarnação para pagar nesta, desgraçadamente, tantas facturas?
Por um lado, o coração diz-me que devo continuar a ajudá-la, nem que seja com palavras. Por outro lado, a razão traça-me um panorama muito escuro e aconselha-me a desistir.
«Tens que ser positiva, Simone!»
«Eu sou. Se não fosse, nem sairia de casa. Estou querendo compensar a perda dos três mil e quinhentos reais. Me sinto mal. Sei que não peguei. Nunca peguei nada de ninguém... mas é estranho!»
A razão está ganhando a batalha...
«A culpa não é tua.»
«Porque tenho responsabilidade e às vezes me desligo. Mas não perderia esse dinheiro. Só pode ter sido roubo.»
«Não podes ser responsável por um sistema de controle que nem sequer tem um simples cofre. Dinheiro guardado numa vulgar gaveta... onde já se viu uma coisa assim?»
«Eu sei. Acabei de deixar dez mil reais na gaveta. Espero que o rapaz que me cobre, confira.»
Salvo seja. percebi o sentido, mas a palavra é muito traiçoeira
«Isso é uma loucura total, Simone!»
«É mesmo. Todos acham. Não posso fazer nada.»
«Podes. Sai do sistema.»
«É perigoso trazer esse dinheiro. Não posso agora, Antônio. Preciso do dinheiro.»
«Acabas por entrar numa chantagem perigosa. O teu irmão não sabe disso?»
«Sabe.»
«Cuida de ti, Simone!»
«Mas ele não liga para nada. Posso te ligar?»
«Mais logo. Agora vai descansar. Às nove vou comprar um cartão.»
«Gosto de falar com você por telefone. Você é a única pessoa que conto essas coisas. Sabe, Antônio, você tem mais valor do que pensa.»
«Obrigado. Sei das minhas limitações.»
«Um beijo. Até mais tarde.»
«Um beijo também.»
«Li seu blog. Beijos.»
«Oi... Antônio.»
«Oi, Simone.»
«Vou sair correndo.»
«Então?»
«Problemas lá no jogo, com as máquinas. Acho que vão retirar. Acabei comendo na rua.»
«As restantes?»
«Sim. Vou tomar um banho. Talvez fiquem duas. Vamos ver.»
«Ficas sem emprego.»
«Mais uma vez dá errado.»
«Faz o negócio das festas com a Adélia.»
«Quem sabe um dia as coisas dêem certo. Vamos tentar, sim. Um beijo.»
«É preciso acreditar.»
«Acreditarei.»
«Um beijo e boa sorte.»
«Beijos. Obrigada.»
Simone envia uma rosa...
«Obrigado.»
Simone vendeu a casa
«Vou mudar. A casa está vendida. Faremos a escritura essa semana. Tentei te ligar, mas você não respondeu ao telefonema.»
Aleluia! Finalmente uma boa notícia da parte da Simone. O melhor que lhe podia ter acontecido.
«Parabéns! Tens o teu problema resolvido.»
«Obrigada. Corri muito essa semana. Trabalhei todos os dias no casino até de manhã.»
«Não recebi nenhuma chamada.»
«A secretária portuguesa respondia para eu deixar recado. Preciso arrumar um local para pôr minhas coisas. O comprador quer o imóvel para o Natal. Até 15 de dezembro.»
«Caíste?»
«Não. Você é que não responde.»
«Não estás a fazer nenhuma pergunta. Estás a relatar o que te aconteceu. E fizeste uma paragem.»
«Em janeiro quero viajar. Tomarei um café com você.»
«Obrigado.»
Um café. Nem sequer falou no café da manhã...
«Nem que eu fique uma semana. Mas necessito. Estou extremamente cansada.»
Acreditas, António? Não te esqueças que estás no virtual e o que vosso relacionamento arrefeceu. Além da evolução natural descendente, surgiu uma nova variável que me tornou mais sensível às falhas insignificantes da Simone.
«E o casino?»
O problema do dinheiro já foi resolvido. Não sei muito bem como.
«Largo. Abandono. Quero a partir do ano que vem cuidar de mim. Da minha vida.»
Pressinto que não Simone...
«Que vais fazer?»
«Ainda não sei. Hoje recebi a resposta. Amanhã vamos ao cartório. Preciso deixar meus móveis em algum lugar. Ou alugo, ou compro algo barato. Tenho poucos dias.»
«Fico feliz por teres resolvido o teu problema.»
«Obrigada.»
«Nestes últimos tempos tenho pensado muito na minha vida.»
«Que bom!»
«Não sei se é bom. Logo se vê. Também estou como tu. Ano novo... talvez vida nova. Fecha-se um ciclo.»
«Sim.»
Receio que já não estás nos meus horizontes, Simone. Aliás, só em maio e junho foste uma aposta forte. Depois, a crise acentuou-se e ganhou grande incremento a partir do momento em que foste trabalhar para o casino. Se o dia de Santo António marcou um momento de inflexão no nosso relacionamento, a tua obsessão pelo trabalho no casino foi a machadada final. Os contactos tornaram-se mais espaçados e praticamente deixaste de ir à net. Seguiram-se outros casos e mais casos. Tudo muito suspeito e duvidoso. Apesar de tudo, mantenho o benefício da dúvida. Não sei até que ponto a história que contas é real. Se não há aqui uma invenção tua, do princípio ao fim. Não estou a dizer que é. Apenas se trata de mais uma hipótese que vem enriquecer este puzzle e torná-lo ainda mais difícil de completar, dado que faltam muitas peças.
É neste momento que se torna importante acrescentar mais alguns dados ao teu perfil psicológico, Simone. Entretanto, encontrei um documento importante, datado de 8 de julho. Na altura, escapou-me.
Simone diz:
«Boa tarde.»
António diz:
«Oi...»
«Oi. Descansei de net estes dias. A minha amiga achou uma luz no fim do túnel. Estamos felizes.»
«Então?»
«Arrumou uma mulher que quer ficar com as coisas e dividir o lucro das festas.»
«Vamos a ver se ela paga...»
«Ontem almoçámos em um restaurante português muito agradável. Muitos doces. Só não comi porque estava farta. Lembrei de você.»
«Bom! Mas não abuses muito dos doces.»
«Eu estou tomando uma medicação nova para o TOC e ela me fez ter essas reações.»
«TOC?»
«Sim. Te falei sobre isso.»
«Não me lembro. Diz o que é?»
«Transtorno obsessivo compulsivo. Manias excessivas. Limpeza. Sobre os números...»
«Ah sim. Mas não tinhas dito o nome.»
«Achei que havia dito.»
«Desde quando tens esses problemas? Dei conta naquele dia de chuva, muita chuva. Ainda mal te conhecia. Fiquei muito preocupado contigo. Depois apareceste como se nada tivesse acontecido...»
«Tenho estes problemas desde criança. Isso faz pessoas internarem-se em manicómios.»
«Todos temos as nossas manias. Não penses nisso, pequenina. Agora compreendo muita coisa e acho que fui um bruto! Perdoa-me.»
«Sim. Ando com ansiedades. Uma angústia. Sinto dores no corpo. Minhas amigas estão preocupadas.»
Resultado de abstinência ao álcool ou a outra droga mais poderosa?
«Confia em mim. Diz tudo.»
«Sim. Não ando bem de saúde. Tenho que procurar novos médicos.»
Outra mania...
«Onde sentes dores no corpo?»
«É isso. Vou ver minha ginecologista.»
«Aí? Sentes dores aí?»
«No corpo todo. Mal estar. Uma sensação de vontade de fazer xixi o tempo todo.»
Infeção urinária ou diabetes. Pareço um médico...
«Bebes muita água? Oi... Caíste?»
«Pouquíssima. A conexão vai e volta...»
«Tens securas na boca?»
«Sim.»
«Telefone. Só um segundo.»
«Ok.»
Telefonema rápido.
«Fizeste análise aos diabetes?»
«Vou fazer.»
«Evita os doces e faz uma alimentação com menos glúcidos. Não comas muitos biscoitos e bolachas.»
«Sim.»
«Come saladas, hortaliças, peixe, carne, feijão. Pouca batata.»
«Não gosto.»
«Sabes qual era a solução?»
«Não. Me diz.»
«Tomavas as refeições comigo e eu também fazia dieta.»
«Você é magro.»
«Mas já tenho barriguinha e não tinha. É o resultado dos petiscos com os amigos. Oi...»
«Sim. Oi.»
«Estava a pensar. Tu tens muito valor potencial e desvalorizas-te. Deves atirar-te à vida.»
«Não sei.»
«Vais ver que consegues. É só uma questão de te mentalizares. Aproveita esse curso. Tu consegues.»
«Obrigada.»
«Não agradeças. Eu sei que consegues.»
«Tentarei.»
«Não digas tentarei. Diz que vais conseguir!»
«Está bem.»
«Convence-te de que és capaz e serás capaz.»
«Vamos ver. O tempo dirá.»
«Leste a mensagem?»
Não respondeu.
«Leste?»
«Vou ler. Não está abrindo o Yahoo.»
«Porque não leste? Esqueceste-te?»
«Não abro o Yahoo. O quê?»
Simone com grandes confusões. Parece não estar concentrada na tela.
«Deixa. Também já não interessa. A nossa conversa de hoje está a explicar muita coisa que eu não compreendia. Consegues ler o que estou a escrever?»
«Sim.»
«Estava com receio que só continuasses a contactar comigo por uma questão de gratidão. E isso não queria. Mas se não há amor, há carinho, amizade...»
Nada de novo desde que a Simone abandonou o palco das conversas virtuais. Entretanto os contactos telefónicos tornaram-se mais espaçados. A culpa talvez seja minha, porque comecei a interiorizar que estou perante uma causa perdida. A coincidência do irmão ter aparecido ao telefone no momento em que eu e a Simone falávamos do mistério à volta do perfume fantasma foi mais um motivo para duvidar dela. Despedi-me de imediato.
Ontem enviou-me uma mensagem pelo celular:
«O perfume vai voltar para você. Minha mãe fez confusão com os correios. De qualquer forma, obrigada.»
Então comuniquei com ela pelo telemóvel. Estava na prefeitura e depois ia para o casino. Disse que me telefonava de lá e cumpriu. Para meu espanto, deu-me o número do fixo e liguei-lhe. Funcionou. De facto estava mesmo no casino. Dei conta do barulho de vozes, da confusão que a rodeava. Tal como dizia: dinheiro para trocar, máquinas com prémio para descarregar. Achei conveniente terminar a ligação. Prometeu telefonar-me hoje, mal acordasse. Tinha coisas importantes para dizer-me.
São duas e meia da tarde aqui e meio-dia e meia hora lá. A Simone mantém-se incomunicável. Quanto a mim, a razão mais forte para todo este desprendimento está relacionada com o emprego onde deve ter encontrado a "árvore das patacas", se é como diz, que não há o mínimo controlo naquele sistema. Acho que tudo pode acabar mal para ela.
2 de dezembro de 2007...
Encontrei outra mulher no virtual. Fizemo-nos amigos em pouco tempo.
Conheci a Maria há menos de um mês. Uma mulher que abominava a mentira e que procurava ser transparente nas afirmações que fazia. Respeitei-a pelo carácter, pela disponibilidade que tinha para deixar sempre uma palavra amiga e por muito mais que guardo cá dentro. A amizade que me dispensou esteve sempre acima de qualquer suspeita. Só falo aqui dela (e com ela) porque é importante para o caso Simone. O aparecimento desta mulher (a amizade... nunca é demasiado lembrar) na minha vida foi muito importante para me ajudar, de certa maneira, a esquecer uma relação complicada onde não me envolvi mais ainda não sei porquê. Neste dia "subiu o pano" para entrar em cena a Maria e "desceu" também para ela sair. E muito obrigado à Maria pelo papel importante que desempenhou para nos meses de novembro e dezembro estar cada vez mais a ver de fora a relação com a Simone.
António diz:
«Olá, Maria!»
Maria diz:
«Olá, João. Tudo bem? Correu bem a viagem?»
«Tudo bem, mas estava a ver que não chegava. Havia muito movimento na estrada e depois tive dificuldade em estacionar o carro. Há jogo do Sporting. O estádio fica perto.»
Maria é uma portista ferrenha. Como eu.
«Ahhhhhhhhhh!»
«Pois é. Depois, o computador bloqueou.»
«Rsrsrs. Mas isso é que é um fim de tarde!»
«Também estive a arrumar as coisas que trouxe.»
«Claro. Aproveitaste para andar às compras? Rsrsrs!»
«As promoções eram boas, mas só comprei o que queria.»
«Claro, fazes muito bem. Eu também.»
«Não foi em vão que estudei e dei aos alunos a Defesa do Consumidor. Aprendi muito.»
«Mas às vezes é "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço."»
«Mudando de assunto. Fala-me de ti. Como foi o teu dia?»
«O costume. Bacalhau foi o meu jantar ontem. Amanhã é que vou comer o que sobrou do bacalhau de ontem. Faço roupa velha...»
«Estás mais gordinha?»
«Rsrsrsrs. Pelo menos não estou mais magrinha...»
«Pergunta indiscreta a uma mulher...»
«Já é uma vitória. De maneira nenhuma.»
«É bom.»
«É muito bom. Agora anda a apetecer-me dar um bom corte no cabelo. Uma mudança de visual. Se calhar ainda faço isso este mês...»
«Vai fazer-te bem.»
«Vamos ver... Pois vai. E o meu cabelo precisa de um bom trato.»
«E mudas a cor ao cabelo?»
«Ainda não sei. E digo-te porquê. Não tenho vergonha. O cabeleireiro onde gosto de cortar o cabelo, não é barato. E como também queria fazer uma ondulação, vamos ver como corre a coisa. Uma coisa de cada vez. Para já, o corte. O resto logo se vê. Vai ser mudança radical. Rsrsrsrs...»
«Mas com as duas coisas ficavas mais bonita.»
«Pois.»
«Tu já és bonita!»
«Obrigada.»
«Fiquei a pensar...»
«Não penses. Quando fizer a mudança, tiro uma foto e logo vês. Rsrsrsrs.»
«Cá fico à espera, ansioso.»
«Rsrsrs. Juro que mando.»
«Verdade?»
«Mas ainda não sei quando.»
«Vais ver que te sentes melhor. É sinal de mudança.»
«É mesmo, sinto que preciso disso, apesar de não gostar muito de cabeleireiros.»
«Faz-te bem à alma. Um momento. Vou espreitar o tacho.»
«Ok.»
«Estou bem, Maria.»
«Que bom!»
«Noto em casa. No supermercado, a conversar com os empregados. Também na rua, onde já não evito as pessoas conhecidas. Enfim, mudei.»
«Isso é óptimo. Fico muito contente. Acho que estás no bom caminho.»
«E devo essa mudança a uma só pessoa.»
«Não deves nada. Só deves a ti.»
«Sou realista, Maria. Sozinho continuava a ser o mesmo sorumbático de sempre.»
«Se dentro de ti não existisse a vontade da mudança, jamais mudarias, por muito que os outros tentassem. Estavas aberto à mudança. Isso é o mais importante. E quem disse que temos de fazer tudo sozinhos?»
«Por outro lado, deixei de ir ao casino.»
«Também não é mau. Não investes para o chinês.»
«É bom para a saúde e para o bolso. Até porque acabaram as histórias.»
«Se puseres de lado o dinheiro que costumas lá gastar, vais ver que no fim tens lucro.»
«Aquilo está feito para dar lucro, não prejuízo. Compete às pessoas terem juízo. Mas eles contam com a fraqueza dos viciados face às máquinas. Eu já vi coisas do arco-da-velha no casino. Até a fisionomia das pessoas muda. Perdem, perdem, perdem e continuam a jogar.»
«É isso que vejo quando vou sozinho. Com o Raul tenho que concentrar-me no jogo, senão temos dança!»
«Depois iam para as caixas multibanco e até davam pontapés à máquina, porque ela não lhes dava dinheiro para continuarem a jogar.»
«É triste quando se chega a esse ponto.»
«É arrepiante! Eu ficava doente e não era nada comigo.»
«Já assisti a discussões entre homens e mulheres. Um (ou uma) deixa uns tantos créditos na máquina e um sinal, um maço de cigarro, ou outra coisa a marcar. Vem outro (ou outra) e começa a jogar na máquina. Depois sai discussão da grossa. Então aparecem os empregados e tentam acabar com a discussão. É complicado quando o vício se instala. Vi também pessoas a jogarem em cinco máquinas ao mesmo tempo. É de loucos! As pessoas ficam transtornadas nesses espaços onde mora o vício.»
«Parece que ficam drogadas...»
«Ficam com o olhar vidrado.»
«Para mim é muito triste ver essas coisas. Eu não sou santa. Também tenho os meus vícios, mas peço a Deus para nunca ficar assim...»
«Bom... queres jantar comigo?»
«Obrigada pelo convite. Fica para outro dia.»
«Há de haver um dia.»
«Claro que sim...»
«Obrigado.»
«De nada.»
«Vai também jantar.»
«Também vou preparar o meu jantar. Rsrsrs. Ok. Até mais logo então....»
«A que horas começamos a segunda parte?»
«Lá pelas nove. Está bom para ti?»
«Se está bom para ti, para mim também está. Bom jantar.»
«Bom jantar também para ti.»
«Obrigado.»
«Até já... Xau.»
«Até já. Beijo.»
«Jinhos.»
António envia rosas...
Maria também envia rosas...
«São bonitas!» Comento.
«Obrigada. São para ti. Pessoas bonitas merecem flores bonitas.»
«E eu recebo-as com gratidão e carinho.»
«São dadas de coração. Agora vai jantar...»
«Obrigado. Até já.»
«Até já. Xau.»
«Xau.»
«Sexta-feira a Simone enviou-me uma mensagem com três palavras: "Tanto para falar". Uma mensagem enigmática.»
«É porque tem muito para te dizer. Só tu é que podes saber o que queres.»
«Agora tenho a minha cabeça arrumada e é terrível porque só vejo a realidade.»
«Se vês que não é esse o teu caminho, fazes bem em te afastares. A realidade nunca é terrível! E tu também sonhas, como todos. Não te esqueças que somos mortais, e como tal sonhamos. É comum a todos e ainda bem que assim é.»
«Sonhei, joguei, perdi... acabou.»
«Acabou com ela. E será que perdeste? Não terá sido antes um ganho?»
«Perdi na altura. Agora sei que não perdi.»
«Então isso é bom. É porque não era esse o teu caminho. Tens que pensar que foi uma bênção.»
«Não havia caminho.»
«Assim evitaste um maior envolvimento e como tal também um maior sofrimento. Essa figura não estava escrita nas páginas da tua vida.»
«Só não gosto do silêncio dela. Lembra-te que admiti a hipótese da Simone ser bipolar.»
«Como te disse tem calma e a pessoa adequada vai aparecer. E depois, que temes tu?»
«Vingança!»
«Não interessa se ela é bipolar ou simplesmente uma grande mentirosa. O que interessa é que já não está no teu caminho...»
«E que pode ela fazer?»
«Mas pode estar no meu caminho de outra maneira!»
Caminhos do mal!
«Tens na tua mão todas as formas de te defenderes. Ela está no Brasil. Tu estás cá. Aqui estás seguro. Entretanto ela acaba por se cansar e desaparece. Se não lhe deres corda, claro.»
«Ela fazia alguns dias de silêncio e voltava sempre, ou pelo fixo, ou por mail, ou pelo celular.»
«Mas agora não volta. E se voltar só tens que não atender. Simples. Também não te esqueças que ela deve ser muito esperta e como tal já descobriu que já não vais na cantiga dela. Por isso não te preocupes.»
«Só gostava de saber o que há de especial na barra da Tijuca.»
«Deitou a rede. Se respondesses tinha apanhado o peixe que queria. Acho que estás a dar demasiada importância à coisa que não tem importância alguma. A barra da Tijuca tem tanto de importante como qualquer outro lugar no Brasil.»
«Não sou pessoa de medos, mas tenho que estar atento.»
«Se te referes a bruxaria, não te esqueças que no Brasil isso é porta sim, porta sim. O importante é não estares recetivo a essas coisas.»
«Queres agora ler a carta dela?»
«Nem sequer deves pensar nisso. Sim, leio.»
«Vou enviar pelo sapo.»
«Ok.»
«Aí vão as duas páginas.»
«Momento... estou a ler...»
«Ok.»
«De uma coisa ela estava certa. Era dos teus sentimentos. Agora, em toda a leitura, em nenhum momento disse as palavras mágicas. Rodeou sempre, falou em carinho, em suprir as tuas necessidades. Mas em nenhum momento falou em amor da parte dela. O que é muito estranho! Para mim é muito esquisito. Mais parecia que estava... Raio! O que vou dizer é duro. Estás preparado?»
«Sim.»
«Então aí vai. Em todo o momento parece que está disposta a te ajudar a passar pelos problemas, com carinho é verdade, mas não disse que estava disposta a viver esses problemas com o amor que sentia por ti. No entanto sempre afirmou o que ela pensava que sentias por ela. O que a mim me dá a entender é... o que sentias por ela é muito mais do que sentia ela por ti. Fiz-me entender?»
«Claro.»
«Isso não é uma carta de uma mulher apaixonada. É uma carta de uma amiga que não se importa de compartilhar a vida contigo. Melhor: que quase te faz o favor com carinho partilhar essa vida...»
«Gostava de mim, enviava-me beijos molhados e na mesma carta... ofereceu-me as "calcinhas" perfumadas...»
«Não era essa a minha forma de escrever uma carta a alguém que amasse...»
«Mais tarde disse-me que nunca amou ninguém. Não conseguiu.»
«Nisso acredito, embora não acredite que não tenha escrito nada em vinte anos.»
«"Para você, com amor". É o que diz no envelope.»
«Acredito. Mas na carta em momento algum fala em amor. Sempre carinho, "gosto muito de você". Desculpa, João, é só o que penso.»
«E depois escreveu: "surpresa!", em relação às calcinhas pretas, minúsculas, usadas, perfumadas.»
«Achas que isso é atitude de alguém que nunca escreveu uma carta em vinte anos? A carta até estava bem escrita. João, mulher nenhuma com um pouco de bom senso manda umas cuecas a um homem que nem sequer conhece. Muito bem escrita. Daí a minha dúvida.»
«É brasileira, lembra-te!»
«Eu não acredito que ela não tivesse escrito nada a alguém em vinte anos. Eu sei, mas mesmo brasileiras quero crer que ainda existem mulheres decentes.»
«Não posso dizer que não existe amor à primeira vista. Não posso nem digo porque sei que existe. Mas pela carta não foi isso que me pareceu. Pareceu mais um tentar de arrumar a vida. De preparar terreno. Esta carta não bate certo.»
«Ela mudou. Notei a meio de junho. Por isso pensei que eram duas. A voz era sempre a mesma. Mas julgo que mudou a teclar. Começou a fugir.»
«Se a voz é sempre a mesma, então é a mesma pessoa. Diz-me uma coisa: quanto tempo durou esta relação? Ou melhor: quando começou?»
«De meados de abril, passando por maio, junho, sempre a declinar... até que começou a trabalhar no casino. Penso que foi em princípio de novembro. Aí desliguei-me, embora ela me procurasse sempre. Nos telefonemas tudo bem: mas faltava quase sempre ao que se combinava. Acabou quando escrevi Ela disse que não.»
«Entendi. Ainda durou bastante tempo. »
«Sempre a declinar.»
«Sei, mas demorou tempo a declinar.»
«Nunca se mostrou na cam de corpo inteiro.»
«O que sei é que ela estava muito segura do que sentias por ela. E logo em maio...»
«O rosto. O bumbum. Mas não fui eu que pedi. Lembra-te da picada do mosquito. Rs...»
«Mostrou o rosto e o bumbum?!... Estou a ver. Foi mostrando.»
«Escondia-se sempre debaixo do edredão e ia-se mostrando.»
«Tenho que lhe tirar o chapéu. Mulher esperta. Aguçava a curiosidade.»
«Uma vez aconteceu qualquer coisa estranha e tirou as cuecas. Depois explicou-me o que aconteceu, que não te vou contar por respeito.»
«E...?»
«Nunca mais se mostrou.»
«Ok, obrigada. Provavelmente esperou que lhe pedisses.»
«A partir daí a mudança foi radical. Não, nunca lhe pedi.»
«Talvez por isso a mudança...»
«Um dia mais tarde, perguntou uma vez se a queria ver. Disse que sim.»
«Entendeu que, se calhar, não estavas assim tão seguro. E mostrou...?»
«Tinha lá em casa a faxineira, mas não demorava. Passada uma hora disse que ia ajudar a faxineira. Entretanto eu escrevia umas postagens Duas horas depois voltou e esclareceu que ia sair. Pensei que era uma vingança daquela célebre noite em que perdeu o controlo e quis vingar-se duma coisa de que eu não tinha tido culpa. Nunca mais me perguntou se a queria ver.»
«Desculpa-me dizer, mas essa não joga com as cartas todas.»
«Claro que não.»
«Acima de tudo é uma mulher muito esperta. Isso sem dúvida nenhuma.»
«Não digo esperta ou inteligente... mas sim doente.»
«Ela deu-te sempre corda. Acredita que é esperta e estava a fazer um bom jogo, mas chegou a uma certa altura em que exagerou. Ela sabe que perdeu, mas vai insistindo, de mansinho. Uma mensagem hoje, outra daqui a uns dias.»
«Mas que jogo? Estaria também a criar um argumento? Também pensei nisso. A partir de certa altura já me parecia tudo forjado.»
«Agora o jogo vai mudar. Claro que tudo me parece um jogo. Começa com a carta e acaba na carta. Tens lá os ingredientes todos. Basta que leias com atenção.»
«Acabou tudo e ela sabe.»
«Mas acha que pode reverter o jogo. Se não pensasse isso, não te enviava mensagens.»
«Esticou a corda demasiado e esta partiu-se.»
«Até já estarias bloqueado. Presumo que seja o que tenha feito durante todo o tempo em que não esteve online.»
«Teve tudo e perdeu tudo. Que queria de verdade?»
«Ela vai atacar de novo. Um amparo. Queria alguém que a trouxesse para cá. Juro que lamento dizer isto.»
«Eu quis trazê-la para cá em maio, mas não consegui porque ela não quis. Penso que estás enganada.»
«Acho que foste bem usado!»
«Que ganhou? Uma história?»
«Ah sim...? E o amor pela mãe passou passados uns meses? Pelo que disseste, ela afirmou aqui há tempos que vinha para Portugal.»
«Sim, deixou de falar nela e até a culpou de não ter recebido o perfume!»
«Pois.»
«Do irmão já não queria saber. Safei-me de boa, não é?»
«Nunca ouviste falar de mulheres que se fazem passar por difíceis? De vitimas? De santas? Acho que ela se fez de isso tudo.»
Muito me contava a Maria. No fundo, no fundo era premonição.
«Só cometeu um erro: demorou demasiado tempo com o envolvimento e foi declinando aos poucos.»
A grande contradição!
«Como te disse, exagerou no jogo. Foi a única altura em que não foi esperta. E, de verdade, acho mesmo que te livraste de algo que não ia ser muito bom. E até te digo mais... A maior parte das vezes, mulheres como ela só querem um trampolim para voos mais altos.»
«Tenho que estar atento a partir de agora.»
«Não entres no medo das bruxarias!»
«Já vendeu a casa e disse que em janeiro vem à Europa.»
«O que acho melhor é simplesmente não permitires que ela tenha acesso a nada teu. Se fosse eu, simplesmente deitava fora o endereço dela de MSN. Não a bloqueava só. Deitava mesmo ao lixo.»
«É preferível eu ficar offline o maior tempo que puder. Qualquer pessoa tem acesso às minhas páginas. Se ela quiser...»
«Mas olha... para acabar o assunto da Simone, ou lá como se chama ela... não ligues... ignora e, acima de tudo, não tenhas medo. E nunca te esqueças: tanto quanto sei, as bruxarias só dão resultado nas pessoas que têm medo delas.»
Anotei.
«Mas vou ficar atento.»
«Quem tem espírito forte, coisa ruim não entra. Eu prefiro pensar assim. João, tenho que ser sincera. Não sei porquê, mas estás muito ligado a essa mulher e não acho que seja por medo.»
«Claro que estive, mas sei que já não estou.»
«Ela mexeu mesmo contigo e isso ainda anda por aí. Por favor não te chateies comigo, mas acho que ainda mexe e tu só estás a tentar negar a ti mesmo. Reparo que ficas sempre um pouquinho atarantado cada vez que ela entra no MSN...»
«Acredita que não, Maria. É caso encerrado. Mesmo que ainda gostasse dela seria caso encerrado. E sei muito bem o que sinto.»
«Fico feliz por teres posto essa mulher fora da tua vida. Não me parece que essa mulher fosse alguém que te conviesse. Desculpa, mas não me parece boa pessoa.»
«E sinto-me feliz por teres aparecido.»
«Obrigada. Então ainda melhor.»
«Mas prefiro vê-la como uma mulher doente.»
«Quando disse para a deitares fora é que assim também não sabias quando ela estava online ou não. Ok. É uma alternativa, embora eu não dissesse isso. Presumo que saiba tudo de ti. Que tenha todos os teus contactos. Pode ser que te esqueça. Rsrsrsrs. Vamos fazer força para que sim. Também se ela não esquecer não há o menor problema. É só continuares com a mesma postura. Não lhe ligues que ela vai acabar por se cansar. Neste momento está só a apalpar terreno e se tem a intenção de vir para cá em janeiro, isso é normal.»
«Mas eu nunca mais lhe liguei, a não ser quando me disse que o perfume ia para trás. Quis saber o que se passava.»
«Fizeste bem.»
«Se ele aparecer, nem sequer o devolvo.»
«Amigo. Se tivesse vindo para trás, o perfume já cá tinha chegado. Presumo que não vinha a nado.»
«Também quero acreditar que não veio para trás.»
Puro engano?
«Quando foi isso?»
«Não sei bem. Há uns oito ou dez dias. Ainda é cedo.»
«Então o envio do perfume foi recente?»
«Foi em doze de outubro.»
«A esta altura já está gasto!»
«Segundo ela, havia greves, etc, etc...»
«No máximo demorava oito dias a lá chegar. Eu não acredito que venha para trás. Se vier vai ser uma surpresa e tanto!»
«Enviei-lhe uma cópia do registo e disse que ia reclamar nos correios. Pediu-me para esperar mais uns tempos.»
«Faz jeito. João, meu querido amigo, isso é tanga! Mesmo com greves, já deu tempo de ir e voltar pelo menos umas quatro vezes.»
«Seria uma das poucas vezes que ela ia falar verdade.»
«Também acho. Esquece... esquece a mulher do perfume. Esquece tudo. Abre o coração e deixa que o verdadeiro ar puro entre.»
«Esquecer, não esqueço porque serve de lição!»
«Arruma-a a um canto, mas nunca no teu coração. Ocupa esse canto com quem valha a pena. Lembras-te que um dia te disse para te envolveres com alguém que pudesses ver e sentir? Acho que as relações têm que ser assim. Só existe uma forma de saberes quão verdadeiras são as pessoas, é poderes olhar nos olhos delas.»
«Mas quem é esse alguém?»
«Não sei. Se soubesse eu dizia. Só sei que vai aparecer!»
Estranho! Tanta convicção!
«Fico à espera. Aprendi a ser paciente.»
«Mas não me disseste como vai ser o teu dia amanhã!»
«Vai ser fantástico, como são todos os meus dias. Rsrsrs.»
«Gosto de saber de ti.»
«Levanto-me, faço a minha higiene, tomo o pequeno-almoço, vou fazer umas compras ao supermercado, pois já anda a faltar alguma coisita nesta casa, vou tomar o meu cafezinho, e amanhã é dia de o tomar com uma amiga. Depois, venho almoçar. Arrumar as compras... Pronto, aí tens parte do meu glorioso dia.»
«Insisto... como sabes que vai aparecer alguém na minha vida?»
«Porque sim. Quando aparecer alguém na tua vida, faz com essa pessoa esteja sempre em primeiro lugar.»
«Estará.»
«Ainda bem. Nunca faças com que ela sinta que não é a tua primeira prioridade.»
«Mas será sempre!»
«Que bonito!»
«Estou a falar sério.»
«Mas que raio faz uma pessoa como tu sem ninguém? Tens mesmo que meter uma cunha ao Menino Jesus.»
Tempo de balanço.
«O perfume vai voltar para você. Minha mãe fez confusão com os correios. De qualquer forma, obrigada.»
Então comuniquei com ela pelo telemóvel. Estava na prefeitura e depois ia para o casino. Disse que me telefonava de lá e cumpriu. Para meu espanto, deu-me o número do fixo e liguei-lhe. Funcionou. De facto estava mesmo no casino. Dei conta do barulho de vozes, da confusão que a rodeava. Tal como dizia: dinheiro para trocar, máquinas com prémio para descarregar. Achei conveniente terminar a ligação. Prometeu telefonar-me hoje, mal acordasse. Tinha coisas importantes para dizer-me.
São duas e meia da tarde aqui e meio-dia e meia hora lá. A Simone mantém-se incomunicável. Quanto a mim, a razão mais forte para todo este desprendimento está relacionada com o emprego onde deve ter encontrado a "árvore das patacas", se é como diz, que não há o mínimo controlo naquele sistema. Acho que tudo pode acabar mal para ela.
2 de dezembro de 2007...
Encontrei outra mulher no virtual. Fizemo-nos amigos em pouco tempo.
Conheci a Maria há menos de um mês. Uma mulher que abominava a mentira e que procurava ser transparente nas afirmações que fazia. Respeitei-a pelo carácter, pela disponibilidade que tinha para deixar sempre uma palavra amiga e por muito mais que guardo cá dentro. A amizade que me dispensou esteve sempre acima de qualquer suspeita. Só falo aqui dela (e com ela) porque é importante para o caso Simone. O aparecimento desta mulher (a amizade... nunca é demasiado lembrar) na minha vida foi muito importante para me ajudar, de certa maneira, a esquecer uma relação complicada onde não me envolvi mais ainda não sei porquê. Neste dia "subiu o pano" para entrar em cena a Maria e "desceu" também para ela sair. E muito obrigado à Maria pelo papel importante que desempenhou para nos meses de novembro e dezembro estar cada vez mais a ver de fora a relação com a Simone.
António diz:
«Olá, Maria!»
Maria diz:
«Olá, João. Tudo bem? Correu bem a viagem?»
«Tudo bem, mas estava a ver que não chegava. Havia muito movimento na estrada e depois tive dificuldade em estacionar o carro. Há jogo do Sporting. O estádio fica perto.»
Maria é uma portista ferrenha. Como eu.
«Ahhhhhhhhhh!»
«Pois é. Depois, o computador bloqueou.»
«Rsrsrs. Mas isso é que é um fim de tarde!»
«Também estive a arrumar as coisas que trouxe.»
«Claro. Aproveitaste para andar às compras? Rsrsrs!»
«As promoções eram boas, mas só comprei o que queria.»
«Claro, fazes muito bem. Eu também.»
«Não foi em vão que estudei e dei aos alunos a Defesa do Consumidor. Aprendi muito.»
«Mas às vezes é "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço."»
«Mudando de assunto. Fala-me de ti. Como foi o teu dia?»
«O costume. Bacalhau foi o meu jantar ontem. Amanhã é que vou comer o que sobrou do bacalhau de ontem. Faço roupa velha...»
«Estás mais gordinha?»
«Rsrsrsrs. Pelo menos não estou mais magrinha...»
«Pergunta indiscreta a uma mulher...»
«Já é uma vitória. De maneira nenhuma.»
«É bom.»
«É muito bom. Agora anda a apetecer-me dar um bom corte no cabelo. Uma mudança de visual. Se calhar ainda faço isso este mês...»
«Vai fazer-te bem.»
«Vamos ver... Pois vai. E o meu cabelo precisa de um bom trato.»
«E mudas a cor ao cabelo?»
«Ainda não sei. E digo-te porquê. Não tenho vergonha. O cabeleireiro onde gosto de cortar o cabelo, não é barato. E como também queria fazer uma ondulação, vamos ver como corre a coisa. Uma coisa de cada vez. Para já, o corte. O resto logo se vê. Vai ser mudança radical. Rsrsrsrs...»
«Mas com as duas coisas ficavas mais bonita.»
«Pois.»
«Tu já és bonita!»
«Obrigada.»
«Fiquei a pensar...»
«Não penses. Quando fizer a mudança, tiro uma foto e logo vês. Rsrsrsrs.»
«Cá fico à espera, ansioso.»
«Rsrsrs. Juro que mando.»
«Verdade?»
«Mas ainda não sei quando.»
«Vais ver que te sentes melhor. É sinal de mudança.»
«É mesmo, sinto que preciso disso, apesar de não gostar muito de cabeleireiros.»
«Faz-te bem à alma. Um momento. Vou espreitar o tacho.»
«Ok.»
«Estou bem, Maria.»
«Que bom!»
«Noto em casa. No supermercado, a conversar com os empregados. Também na rua, onde já não evito as pessoas conhecidas. Enfim, mudei.»
«Isso é óptimo. Fico muito contente. Acho que estás no bom caminho.»
«E devo essa mudança a uma só pessoa.»
«Não deves nada. Só deves a ti.»
«Sou realista, Maria. Sozinho continuava a ser o mesmo sorumbático de sempre.»
«Se dentro de ti não existisse a vontade da mudança, jamais mudarias, por muito que os outros tentassem. Estavas aberto à mudança. Isso é o mais importante. E quem disse que temos de fazer tudo sozinhos?»
«Por outro lado, deixei de ir ao casino.»
«Também não é mau. Não investes para o chinês.»
«É bom para a saúde e para o bolso. Até porque acabaram as histórias.»
«Se puseres de lado o dinheiro que costumas lá gastar, vais ver que no fim tens lucro.»
«Aquilo está feito para dar lucro, não prejuízo. Compete às pessoas terem juízo. Mas eles contam com a fraqueza dos viciados face às máquinas. Eu já vi coisas do arco-da-velha no casino. Até a fisionomia das pessoas muda. Perdem, perdem, perdem e continuam a jogar.»
«É isso que vejo quando vou sozinho. Com o Raul tenho que concentrar-me no jogo, senão temos dança!»
«Depois iam para as caixas multibanco e até davam pontapés à máquina, porque ela não lhes dava dinheiro para continuarem a jogar.»
«É triste quando se chega a esse ponto.»
«É arrepiante! Eu ficava doente e não era nada comigo.»
«Já assisti a discussões entre homens e mulheres. Um (ou uma) deixa uns tantos créditos na máquina e um sinal, um maço de cigarro, ou outra coisa a marcar. Vem outro (ou outra) e começa a jogar na máquina. Depois sai discussão da grossa. Então aparecem os empregados e tentam acabar com a discussão. É complicado quando o vício se instala. Vi também pessoas a jogarem em cinco máquinas ao mesmo tempo. É de loucos! As pessoas ficam transtornadas nesses espaços onde mora o vício.»
«Parece que ficam drogadas...»
«Ficam com o olhar vidrado.»
«Para mim é muito triste ver essas coisas. Eu não sou santa. Também tenho os meus vícios, mas peço a Deus para nunca ficar assim...»
«Bom... queres jantar comigo?»
«Obrigada pelo convite. Fica para outro dia.»
«Há de haver um dia.»
«Claro que sim...»
«Obrigado.»
«De nada.»
«Vai também jantar.»
«Também vou preparar o meu jantar. Rsrsrs. Ok. Até mais logo então....»
«A que horas começamos a segunda parte?»
«Lá pelas nove. Está bom para ti?»
«Se está bom para ti, para mim também está. Bom jantar.»
«Bom jantar também para ti.»
«Obrigado.»
«Até já... Xau.»
«Até já. Beijo.»
«Jinhos.»
António envia rosas...
Maria também envia rosas...
«São bonitas!» Comento.
«Obrigada. São para ti. Pessoas bonitas merecem flores bonitas.»
«E eu recebo-as com gratidão e carinho.»
«São dadas de coração. Agora vai jantar...»
«Obrigado. Até já.»
«Até já. Xau.»
«Xau.»
«Sexta-feira a Simone enviou-me uma mensagem com três palavras: "Tanto para falar". Uma mensagem enigmática.»
«É porque tem muito para te dizer. Só tu é que podes saber o que queres.»
«Agora tenho a minha cabeça arrumada e é terrível porque só vejo a realidade.»
«Se vês que não é esse o teu caminho, fazes bem em te afastares. A realidade nunca é terrível! E tu também sonhas, como todos. Não te esqueças que somos mortais, e como tal sonhamos. É comum a todos e ainda bem que assim é.»
«Sonhei, joguei, perdi... acabou.»
«Acabou com ela. E será que perdeste? Não terá sido antes um ganho?»
«Perdi na altura. Agora sei que não perdi.»
«Então isso é bom. É porque não era esse o teu caminho. Tens que pensar que foi uma bênção.»
«Não havia caminho.»
«Assim evitaste um maior envolvimento e como tal também um maior sofrimento. Essa figura não estava escrita nas páginas da tua vida.»
«Só não gosto do silêncio dela. Lembra-te que admiti a hipótese da Simone ser bipolar.»
«Como te disse tem calma e a pessoa adequada vai aparecer. E depois, que temes tu?»
«Vingança!»
«Não interessa se ela é bipolar ou simplesmente uma grande mentirosa. O que interessa é que já não está no teu caminho...»
«E que pode ela fazer?»
«Mas pode estar no meu caminho de outra maneira!»
Caminhos do mal!
«Tens na tua mão todas as formas de te defenderes. Ela está no Brasil. Tu estás cá. Aqui estás seguro. Entretanto ela acaba por se cansar e desaparece. Se não lhe deres corda, claro.»
«Ela fazia alguns dias de silêncio e voltava sempre, ou pelo fixo, ou por mail, ou pelo celular.»
«Mas agora não volta. E se voltar só tens que não atender. Simples. Também não te esqueças que ela deve ser muito esperta e como tal já descobriu que já não vais na cantiga dela. Por isso não te preocupes.»
«Só gostava de saber o que há de especial na barra da Tijuca.»
«Deitou a rede. Se respondesses tinha apanhado o peixe que queria. Acho que estás a dar demasiada importância à coisa que não tem importância alguma. A barra da Tijuca tem tanto de importante como qualquer outro lugar no Brasil.»
«Não sou pessoa de medos, mas tenho que estar atento.»
«Se te referes a bruxaria, não te esqueças que no Brasil isso é porta sim, porta sim. O importante é não estares recetivo a essas coisas.»
«Queres agora ler a carta dela?»
«Nem sequer deves pensar nisso. Sim, leio.»
«Vou enviar pelo sapo.»
«Ok.»
«Aí vão as duas páginas.»
«Momento... estou a ler...»
«Ok.»
«De uma coisa ela estava certa. Era dos teus sentimentos. Agora, em toda a leitura, em nenhum momento disse as palavras mágicas. Rodeou sempre, falou em carinho, em suprir as tuas necessidades. Mas em nenhum momento falou em amor da parte dela. O que é muito estranho! Para mim é muito esquisito. Mais parecia que estava... Raio! O que vou dizer é duro. Estás preparado?»
«Sim.»
«Então aí vai. Em todo o momento parece que está disposta a te ajudar a passar pelos problemas, com carinho é verdade, mas não disse que estava disposta a viver esses problemas com o amor que sentia por ti. No entanto sempre afirmou o que ela pensava que sentias por ela. O que a mim me dá a entender é... o que sentias por ela é muito mais do que sentia ela por ti. Fiz-me entender?»
«Claro.»
«Isso não é uma carta de uma mulher apaixonada. É uma carta de uma amiga que não se importa de compartilhar a vida contigo. Melhor: que quase te faz o favor com carinho partilhar essa vida...»
«Gostava de mim, enviava-me beijos molhados e na mesma carta... ofereceu-me as "calcinhas" perfumadas...»
«Não era essa a minha forma de escrever uma carta a alguém que amasse...»
«Mais tarde disse-me que nunca amou ninguém. Não conseguiu.»
«Nisso acredito, embora não acredite que não tenha escrito nada em vinte anos.»
«"Para você, com amor". É o que diz no envelope.»
«Acredito. Mas na carta em momento algum fala em amor. Sempre carinho, "gosto muito de você". Desculpa, João, é só o que penso.»
«E depois escreveu: "surpresa!", em relação às calcinhas pretas, minúsculas, usadas, perfumadas.»
«Achas que isso é atitude de alguém que nunca escreveu uma carta em vinte anos? A carta até estava bem escrita. João, mulher nenhuma com um pouco de bom senso manda umas cuecas a um homem que nem sequer conhece. Muito bem escrita. Daí a minha dúvida.»
«É brasileira, lembra-te!»
«Eu não acredito que ela não tivesse escrito nada a alguém em vinte anos. Eu sei, mas mesmo brasileiras quero crer que ainda existem mulheres decentes.»
«Não posso dizer que não existe amor à primeira vista. Não posso nem digo porque sei que existe. Mas pela carta não foi isso que me pareceu. Pareceu mais um tentar de arrumar a vida. De preparar terreno. Esta carta não bate certo.»
«Ela mudou. Notei a meio de junho. Por isso pensei que eram duas. A voz era sempre a mesma. Mas julgo que mudou a teclar. Começou a fugir.»
«Se a voz é sempre a mesma, então é a mesma pessoa. Diz-me uma coisa: quanto tempo durou esta relação? Ou melhor: quando começou?»
«De meados de abril, passando por maio, junho, sempre a declinar... até que começou a trabalhar no casino. Penso que foi em princípio de novembro. Aí desliguei-me, embora ela me procurasse sempre. Nos telefonemas tudo bem: mas faltava quase sempre ao que se combinava. Acabou quando escrevi Ela disse que não.»
«Entendi. Ainda durou bastante tempo. »
«Sempre a declinar.»
«Sei, mas demorou tempo a declinar.»
«Nunca se mostrou na cam de corpo inteiro.»
«O que sei é que ela estava muito segura do que sentias por ela. E logo em maio...»
«O rosto. O bumbum. Mas não fui eu que pedi. Lembra-te da picada do mosquito. Rs...»
«Mostrou o rosto e o bumbum?!... Estou a ver. Foi mostrando.»
«Escondia-se sempre debaixo do edredão e ia-se mostrando.»
«Tenho que lhe tirar o chapéu. Mulher esperta. Aguçava a curiosidade.»
«Uma vez aconteceu qualquer coisa estranha e tirou as cuecas. Depois explicou-me o que aconteceu, que não te vou contar por respeito.»
«E...?»
«Nunca mais se mostrou.»
«Ok, obrigada. Provavelmente esperou que lhe pedisses.»
«A partir daí a mudança foi radical. Não, nunca lhe pedi.»
«Talvez por isso a mudança...»
«Um dia mais tarde, perguntou uma vez se a queria ver. Disse que sim.»
«Entendeu que, se calhar, não estavas assim tão seguro. E mostrou...?»
«Tinha lá em casa a faxineira, mas não demorava. Passada uma hora disse que ia ajudar a faxineira. Entretanto eu escrevia umas postagens Duas horas depois voltou e esclareceu que ia sair. Pensei que era uma vingança daquela célebre noite em que perdeu o controlo e quis vingar-se duma coisa de que eu não tinha tido culpa. Nunca mais me perguntou se a queria ver.»
«Desculpa-me dizer, mas essa não joga com as cartas todas.»
«Claro que não.»
«Acima de tudo é uma mulher muito esperta. Isso sem dúvida nenhuma.»
«Não digo esperta ou inteligente... mas sim doente.»
«Ela deu-te sempre corda. Acredita que é esperta e estava a fazer um bom jogo, mas chegou a uma certa altura em que exagerou. Ela sabe que perdeu, mas vai insistindo, de mansinho. Uma mensagem hoje, outra daqui a uns dias.»
«Mas que jogo? Estaria também a criar um argumento? Também pensei nisso. A partir de certa altura já me parecia tudo forjado.»
«Agora o jogo vai mudar. Claro que tudo me parece um jogo. Começa com a carta e acaba na carta. Tens lá os ingredientes todos. Basta que leias com atenção.»
«Acabou tudo e ela sabe.»
«Mas acha que pode reverter o jogo. Se não pensasse isso, não te enviava mensagens.»
«Esticou a corda demasiado e esta partiu-se.»
«Até já estarias bloqueado. Presumo que seja o que tenha feito durante todo o tempo em que não esteve online.»
«Teve tudo e perdeu tudo. Que queria de verdade?»
«Ela vai atacar de novo. Um amparo. Queria alguém que a trouxesse para cá. Juro que lamento dizer isto.»
«Eu quis trazê-la para cá em maio, mas não consegui porque ela não quis. Penso que estás enganada.»
«Acho que foste bem usado!»
«Que ganhou? Uma história?»
«Ah sim...? E o amor pela mãe passou passados uns meses? Pelo que disseste, ela afirmou aqui há tempos que vinha para Portugal.»
«Sim, deixou de falar nela e até a culpou de não ter recebido o perfume!»
«Pois.»
«Do irmão já não queria saber. Safei-me de boa, não é?»
«Nunca ouviste falar de mulheres que se fazem passar por difíceis? De vitimas? De santas? Acho que ela se fez de isso tudo.»
Muito me contava a Maria. No fundo, no fundo era premonição.
«Só cometeu um erro: demorou demasiado tempo com o envolvimento e foi declinando aos poucos.»
A grande contradição!
«Como te disse, exagerou no jogo. Foi a única altura em que não foi esperta. E, de verdade, acho mesmo que te livraste de algo que não ia ser muito bom. E até te digo mais... A maior parte das vezes, mulheres como ela só querem um trampolim para voos mais altos.»
«Tenho que estar atento a partir de agora.»
«Não entres no medo das bruxarias!»
«Já vendeu a casa e disse que em janeiro vem à Europa.»
«O que acho melhor é simplesmente não permitires que ela tenha acesso a nada teu. Se fosse eu, simplesmente deitava fora o endereço dela de MSN. Não a bloqueava só. Deitava mesmo ao lixo.»
«É preferível eu ficar offline o maior tempo que puder. Qualquer pessoa tem acesso às minhas páginas. Se ela quiser...»
«Mas olha... para acabar o assunto da Simone, ou lá como se chama ela... não ligues... ignora e, acima de tudo, não tenhas medo. E nunca te esqueças: tanto quanto sei, as bruxarias só dão resultado nas pessoas que têm medo delas.»
Anotei.
«Mas vou ficar atento.»
«Quem tem espírito forte, coisa ruim não entra. Eu prefiro pensar assim. João, tenho que ser sincera. Não sei porquê, mas estás muito ligado a essa mulher e não acho que seja por medo.»
«Claro que estive, mas sei que já não estou.»
«Ela mexeu mesmo contigo e isso ainda anda por aí. Por favor não te chateies comigo, mas acho que ainda mexe e tu só estás a tentar negar a ti mesmo. Reparo que ficas sempre um pouquinho atarantado cada vez que ela entra no MSN...»
«Acredita que não, Maria. É caso encerrado. Mesmo que ainda gostasse dela seria caso encerrado. E sei muito bem o que sinto.»
«Fico feliz por teres posto essa mulher fora da tua vida. Não me parece que essa mulher fosse alguém que te conviesse. Desculpa, mas não me parece boa pessoa.»
«E sinto-me feliz por teres aparecido.»
«Obrigada. Então ainda melhor.»
«Mas prefiro vê-la como uma mulher doente.»
«Quando disse para a deitares fora é que assim também não sabias quando ela estava online ou não. Ok. É uma alternativa, embora eu não dissesse isso. Presumo que saiba tudo de ti. Que tenha todos os teus contactos. Pode ser que te esqueça. Rsrsrsrs. Vamos fazer força para que sim. Também se ela não esquecer não há o menor problema. É só continuares com a mesma postura. Não lhe ligues que ela vai acabar por se cansar. Neste momento está só a apalpar terreno e se tem a intenção de vir para cá em janeiro, isso é normal.»
«Mas eu nunca mais lhe liguei, a não ser quando me disse que o perfume ia para trás. Quis saber o que se passava.»
«Fizeste bem.»
«Se ele aparecer, nem sequer o devolvo.»
«Amigo. Se tivesse vindo para trás, o perfume já cá tinha chegado. Presumo que não vinha a nado.»
«Também quero acreditar que não veio para trás.»
Puro engano?
«Quando foi isso?»
«Não sei bem. Há uns oito ou dez dias. Ainda é cedo.»
«Então o envio do perfume foi recente?»
«Foi em doze de outubro.»
«A esta altura já está gasto!»
«Segundo ela, havia greves, etc, etc...»
«No máximo demorava oito dias a lá chegar. Eu não acredito que venha para trás. Se vier vai ser uma surpresa e tanto!»
«Enviei-lhe uma cópia do registo e disse que ia reclamar nos correios. Pediu-me para esperar mais uns tempos.»
«Faz jeito. João, meu querido amigo, isso é tanga! Mesmo com greves, já deu tempo de ir e voltar pelo menos umas quatro vezes.»
«Seria uma das poucas vezes que ela ia falar verdade.»
«Também acho. Esquece... esquece a mulher do perfume. Esquece tudo. Abre o coração e deixa que o verdadeiro ar puro entre.»
«Esquecer, não esqueço porque serve de lição!»
«Arruma-a a um canto, mas nunca no teu coração. Ocupa esse canto com quem valha a pena. Lembras-te que um dia te disse para te envolveres com alguém que pudesses ver e sentir? Acho que as relações têm que ser assim. Só existe uma forma de saberes quão verdadeiras são as pessoas, é poderes olhar nos olhos delas.»
«Mas quem é esse alguém?»
«Não sei. Se soubesse eu dizia. Só sei que vai aparecer!»
Estranho! Tanta convicção!
«Fico à espera. Aprendi a ser paciente.»
«Mas não me disseste como vai ser o teu dia amanhã!»
«Vai ser fantástico, como são todos os meus dias. Rsrsrs.»
«Gosto de saber de ti.»
«Levanto-me, faço a minha higiene, tomo o pequeno-almoço, vou fazer umas compras ao supermercado, pois já anda a faltar alguma coisita nesta casa, vou tomar o meu cafezinho, e amanhã é dia de o tomar com uma amiga. Depois, venho almoçar. Arrumar as compras... Pronto, aí tens parte do meu glorioso dia.»
«Insisto... como sabes que vai aparecer alguém na minha vida?»
«Porque sim. Quando aparecer alguém na tua vida, faz com essa pessoa esteja sempre em primeiro lugar.»
«Estará.»
«Ainda bem. Nunca faças com que ela sinta que não é a tua primeira prioridade.»
«Mas será sempre!»
«Que bonito!»
«Estou a falar sério.»
«Mas que raio faz uma pessoa como tu sem ninguém? Tens mesmo que meter uma cunha ao Menino Jesus.»
Tempo de balanço.
A Simone varreu-se dos meus sonhos e projetos. É uma estrela longínqua, em agonia, que já não emite luz. Explicando melhor, a luz que nos chega das estrelas, quanto mais distante mais tempo demora a chegar a nós. Em muitos casos, quando estamos a ver essa luz, há muito que a estrela deixou de existir como estrela. Brilhou na distância e esteve sempre muito perto. Por vezes julguei que tocava nela, que a envolvia num amplo e terno abraço. Enganei-me. As engrenagens do tempo funcionaram ao contrário. Quanto mais pensava que a ia ter à distância de estender o braço, mais ela se afastava de mim. Já não é estrela, mas continua a brilhar. Depois, tenho um feitio terrível, um orgulho sem limites. Não sei vergar. Não dou graus de liberdade a ninguém. Nem a mim. Tem que ser como penso que deve ser, por mais pancada que a vida me tenha dado. Embora esteja sempre a adquirir novos conhecimentos, não há nada que me faça reconsiderar e ficar à espera para ver, como fazem os jogadores de póquer. Ultrapassados os limites e criada a imagem final, saio de cena e fico de fora a observar. Um mau sinal, porque, ficando de fora, muito dificilmente voltarei a entrar, sobretudo neste caso em que estou cansado de estratégias e mais estratégias tentadas que deram em derrotas sucessivas, das quais não sei quem foi o verdadeiro derrotado.
Foi boa esta relação virtual enquanto durou. Chegou a ter boas condições para podermos dar o salto para o mundo real, uma mudança qualitativa que poderia ter dado lugar a novos voos. Mas não quis, ou não conseguiu. Quem sou eu para adivinhar quem se escondia atrás desta mulher que só conheci no virtual?
Chegou o tempo de partir para outro amanhecer que também promete ter um cenário, não da lua em "quarto crescente", mas do sol já com muito vermelho à volta. Oxalá não esteja a ver o sol no ocaso. O coração diz-me que não e faz censura total aos conselhos sábios da cabeça. Devia haver uma espécie de consenso. Mas, sempre em frente e fora com estes pensamentos que não fazem parte desta história que já não tem muito para andar em frente. As conversas instantâneas agonizam. Os contactos telefónicos quase que pararam. Os mails nunca tiveram pernas para andar. É verdade. Não posso negar. Como não posso deixar de recordar com saudade um passado recente de que não me arrependo nem censuro. Aqui não estou a ser um Leão puro... porque me desinteresso da presa e olho, ao mesmo tempo, para trás!
“Se eu fosse um homem rico, mesmo muito rico, comprava o sonho, que tu já conheces, da ponte fantástica que nos havia de trazer ao encontro um do outro, acabando de vez com o fantasma da distância que nos separava e com a solidão que nos aproximava. Depois, olhava para ti, tu olhavas para mim, num sinal da primeira descoberta depois dum longo período de frases (e “emoções”) trocadas, tendo como fundo a ausência das imagens. Fazia-se silêncio e tudo parava à nossa volta, preso do soltar dos sentimentos. Então, sorrias e eu também. Estendias-me a mão e eu sentia pela primeira vez o seu calor, o apertar intenso a que correspondia. De súbito, soltavas a mão, olhavas muito séria para mim e eu ficava suspenso na dúvida do que podia acontecer nos instantes seguintes. Era só mais um sorriso, este de aconchego que já não me deixava dúvidas. Um sorriso vindo do sonho projetado na tela...”
Embaraço do momento que não importa descrever e é melhor dar um salto brusco de algumas horas que foram passadas entre beijos e mais dúvidas, em que ainda não conseguia ler os teus pensamentos nem tu os meus. Nem as palavras trocadas falavam de compromissos. Por isso, era melhor subirmos alguns degraus dos muitos que nos esperavam. Fatal como o destino, se é que acreditas nele. Sonhando, claro.
Como era um homem rico, comprei uma cama enorme, muito rica, claro, e logo ambos ficávamos a pensar:
Porquê... tanto espaço a separar-nos e nós tão longe do aconchego?
Abrias a boca a protestar e eu não deixava. Um dedo nos teus lábios e a mímica do rosto a fazer o resto.
«Ah!, compreendo...»
Aquela cama era muito pequena para nós. Os teus olhos doces faziam um sinal cúmplice, eu piscava-te o olho e ficava muito junto a ti. E os teus olhos a dizerem:
«Então?, ainda estás longe!»
Finalmente o desejo vencia as fracas barreiras que nos separavam, a cama ficava ainda mais pequena e fazíamos amor até de madrugada, com um lençol macio a cobrir a nudez dos corpos e a fechar as portas ao mundo invisível que podia estar a espreitar-nos. Depois, adormecias nos meus braços e eu ficava muito quieto a olhar o teu rosto sereno, a acariciar os teus cabelos sedosos, a beber avidamente aquele momento único de princesa adormecida num sono profundo e dourado, muito agarrada a mim, os dedos acariciando levemente as minhas costas nuas, porque eu queria assim, não porque era rico (e daí o sono dourado) mas porque toda a riqueza que suplantava a outra era o momento único de estar acordado, a contemplar-te, a proteger-te.”
Pois é. Podia ser muito bom, mas não foi. E como é estranha a vida! Por vezes, parece que foi ontem e nunca aconteceu. Também, por vezes, nunca foi ontem e aconteceu. Paradoxos do virtual. Muito ricos, sumarentos, mas invisíveis. Agora que vejo de fora a história da Simone e do António, dou com a crueza da situação, ao sentir quase nada o que senti então com uma força criativa de ligação difícil de destruir. Hoje descubro intuição invulgar no eu que não eu mas eu que deambulou pelas ruas da minha cidade cem por cento crente num milagre que estava para chegar.
E nada aconteceu senão o drama da eterna procura da verdade que nunca vou ter!
“Boas-Festas para você. Bjos. Simone.” (agradeci e retribuí)
“Saudades de você. Mudei de casa. Estou na maior luta. Bjos.”
Deixou um rastilho de perfume e simpatia, marca registada da eternamente simpática Simone. Rastilho, sim. Passo a explicar. Mal li a última mensagem, o instinto de defesa avisou-me que ela tinha como objetivo deixar-me uma "marcação fatal" para seguir para onde ela queria e isso eu não vou fazer, pois o tempo é outro e já estou a virar-me para horizontes menos longínquos, mas também com escolhos, a adivinhar que as faturas continuam a chegar ao meu endereço.
Não as desejo, mas que posso fazer?
Os primeiros tempos são sempre auspiciosos, mas já estou como o pobre que desconfia que a esmola grande traz moeda falsa. Novos tempos de rosas e rosas que o poder do vento transforma em pétalas soltas, esvoaçantes. O que vejo é bonito. Pétalas vermelhas. Que bom! Cor da paixão. Mas paixões, leva-as o vento que as trouxe e o que vai cair, mais tarde, é o habitual granizo com fragmentos grandes que magoam e deixam marcas. Já estou habituado. O Leão é assim. Não vira as costas à luta enquanto acha que vale a pena lutar, porque a presa ainda está ao seu alcance. Se continuar já sem a presença do objetivo, então é certo que vai sair magoado.
Por momentos divaguei no futuro. Mas é outra história. Ainda estou a falar da Simone. Analiso mais uma vez a última mensagem e decido-me a responder:
“Deus te acompanhe sempre. Estás nas Suas Mãos. Bjos. António.”
Estocada fatal. A besta acusa o golpe e as patas tremem. Mais uma metáfora, claro. Que me perdoem Neruda e o seu carteiro porque também sou filho de Deus. Não tenho o engenho e a arte das metáforas que Neruda tinha. Paciência. Não posso ter tudo porque nada tenho e isso já é muito.
Penso que ainda não fechei de vez a porta, embora não esteja a deixar à solta o que aconteceu naquele anoitecer de fins de abril e que se traduz no "se...", em tempos de "quarto crescente": "Se eu fosse um homem rico..."
Que faria? É fácil completar. "... então cobria o teu corpo nu, abandonado na cama, de rubis e mais rubis e ainda mais rubis, ficando à espera da tua reação.
Assim, se não te movesses e pudesse beber nos teus olhos melosos o sonho que sempre sonhei, não perdia mais tempo: tirava, um a um, os rubis que cobriam o teu corpo e deitava-os, também um a um, pela janela; a seguir, aligeirava-me da roupa e aconchegava-me contigo na cama, depois de ver entrar o luar pela janela.
Rubis... quem não se mexia para os colher?
Entretanto chegou 2008 que, logicamente, não festejei. O hábito faz o monge. É uma sequência que vem de há cinco anos. Tudo bem por aqui... sem "oi". Ou não? Tudo bem, mas surge um novo ataque da briosa “cavalaria ligeira”...
Ela ainda mexe comigo, mas não quero que o danado do luar entre outra vez pela janela e me tire o sono. Continua a ser uma mulher especial. Pena não termos passado do virtual para a conhecer como era na realidade.
É uma jogadora. E eu também. Somos os dois jogadores. Tenho um póquer de ases, mas não arrisco porque ela pode ter uma sequência à cor. Esta indecisão mata-me. O melhor é deitar abaixo o jogo.
Dois pares de ases e damas. Tinhas dois pares…?
Ah!, Simone... porque foi que nunca mostraste o jogo todo?
É inevitável o tempo continuar a passar. O amanhã que me espera está a desviar as nossas órbitas e voltou-se para os lados do norte. Já não posso salvar-te das tempestades interiores. Até porque chegou entretanto a tal pergunta que julgava já estar escondida pelo pó acumulado na prateleira dos perdidos e achados.
«O perfume retornou? Gostaria de saber se o perfume retornou, pois causou a maior briga que tive com a minha mãe. Até hoje ela sente-se culpada por eu não ter recebido.»
Respondi com a verdade. O perfume não tinha retornado.
Então, a Simone entrou em blackout.
Mas três dias depois, o carteiro tocou à campainha. A encomenda prismática estava de volta. Tinha atravessado duas vezes o oceano.
Observei com atenção. Estava marcado por imensos carimbos da alfândega. Portanto, havia o problema dos impostos aduaneiros. E então vi o filme. A mãe não quis pagar os direitos e a encomenda com o perfume voltou à estação dos correios. Depois deve ter recebido um aviso e não ligou.
27 de Abril de 2008...
Simone diz:
«Não consegui completar a ligação para o seu celular.»
António diz:
«Oi, Simone!»
«Oi. Cheguei há pouco da rua.»
«Telefonei-lhe e não estava. Disse que ia ficar quietinha à minha espera...»
O eterno problema.
«Não pude. Tive que comprar material de obra. Amanhã não terei tempo. Trabalho segunda e terça de dia.»
Dentro de um mês tem o apartamento pronto a habitar. Só dela, disse-me. E continua a trabalhar no casino, claro.
«Como se sente?»
«Muito cansada. Mas hoje dormirei cedinho. Se Deus quiser.»
A mesma Simone.
Será só uma?
«Acho-a mais calma. Menos ansiosa.»
«Estou, sim, mas muito cansada. Sou sozinha. E tomar conta de obra não é fácil.»
«Mas depois fica com a sua casa, Simone.»
«Com certeza. E do jeitinho que eu quero.»
«Um dia apareço aí.»
«Estarei lhe esperando.»
«Sério?»
«Será muito bem recebido. Sim.»
«Pensei que se tinha esquecido de mim.»
«Nunca esqueci. Adoraria que viesse ao Brasil.»
«E irei.»
Irás mesmo, António?
«Esperarei. Bem, entrei por sua causa...»
Ó diabo! Já não diz que vai tomar banho, mas está de certeza a despedir-se.
«... mas não vou ficar na net.»
«Agradeço o seu convite, Simone.»
«Vou descansar. Amanhã acordo cedinho. Quando puder me ligue.»
«Descanse e tenha uma noite repousante.»
A tela dos desencantados ilumina-se pela última vez. É inevitável. A Simone desapareceu. Não sei que vento a levou. Que mar a tragou. Talvez o mesmo mar que nos separou. Talvez. Mas para mim não há obstáculos. Montado no meu cavalo alado, alvo só para disfarçar os supostos pecados que cometi noutras encarnações, ou melhor... voando, de braços abertos, seguindo o rumo certo do sonho que comanda a minha vida e também a tua, Simone, aí vou pelos céus, escuros como breu, à tua procura. Não sei onde te encontrar. Se no casino vazio de máquinas e vendedor doutros sonhos que só tu sabes vender, se talvez na tua casa imaginária que existe e não existe. Por vezes, julgo que sei tudo de ti. Tenho o dom de acreditar e de mentir que acreditei. E porque acredito, espera por mim que vou a caminho. Não sei se chego a tempo de tomar contigo o café da manhã. Também não sei se chego à noitinha, o momento ideal para a saudade se instalar, quando o luar entrar pela janela que está sempre aberta e que não serve só para ele entrar.
É bom apanhar o ar fresco da noite. Estou quase a chegar e torna-se urgente arrefecer o desejo. Afinal sempre chego à noite, já depois do sol desistir de viver. Por hoje, claro. Amanhã irá despertar-nos. Dar-nos os bons dias. Acender o novo dia. O sol é assim. Dá-nos a energia de que necessitamos para viver. A todos nós, seres vivos que habitamos o terceiro planeta. Mas já estou a falar do futuro. Voltando atrás, o sol escondeu-se, ou morreu. Não interessa ter receio, porque volta sempre. Tu, não sei. Nunca mais te vi naquele mundo que construímos em maio, há um ano. Não sei se voltas. Nem sei a quem perguntar. Talvez a Deus. Mas Ele não fala comigo. Zangou-se como tu também te zangaste. Também não sei se te zangaste. Se no silêncio bebes as palavras que te escrevo e não só da minha autoria, porque muitas são tuas. Em boa verdade este blogue devia ser dos dois, Sempre Simone.
"Ah se eu pudesse..."
Lembras-te? Mas não posso. Sou menos que um grão de poeira do universo. Como tu. Mas juntos, faremos dois grãos. E com a nossa força, verdade, mentira, ironia, desalento, esperança, tragédia, tudo o que nos faz planar acima das ondas alterosas que nos vergastam no dia a dia, conseguiremos sobreviver mais um dia em cada dia e outro dia sem ser necessário pedir ao Criador, mas cada um no seu mundo.
Basta de palavras, Simone. Não sei onde moras, mas sinto que estive muito perto do teu coração. Quem quer que sejas ou tenhas fingido ser, gostei muito, mesmo muito de viver contigo todos os momentos que tivemos só nossos na tela do virtual.
Onde estás?
Foi boa esta relação virtual enquanto durou. Chegou a ter boas condições para podermos dar o salto para o mundo real, uma mudança qualitativa que poderia ter dado lugar a novos voos. Mas não quis, ou não conseguiu. Quem sou eu para adivinhar quem se escondia atrás desta mulher que só conheci no virtual?
Chegou o tempo de partir para outro amanhecer que também promete ter um cenário, não da lua em "quarto crescente", mas do sol já com muito vermelho à volta. Oxalá não esteja a ver o sol no ocaso. O coração diz-me que não e faz censura total aos conselhos sábios da cabeça. Devia haver uma espécie de consenso. Mas, sempre em frente e fora com estes pensamentos que não fazem parte desta história que já não tem muito para andar em frente. As conversas instantâneas agonizam. Os contactos telefónicos quase que pararam. Os mails nunca tiveram pernas para andar. É verdade. Não posso negar. Como não posso deixar de recordar com saudade um passado recente de que não me arrependo nem censuro. Aqui não estou a ser um Leão puro... porque me desinteresso da presa e olho, ao mesmo tempo, para trás!
“Se eu fosse um homem rico, mesmo muito rico, comprava o sonho, que tu já conheces, da ponte fantástica que nos havia de trazer ao encontro um do outro, acabando de vez com o fantasma da distância que nos separava e com a solidão que nos aproximava. Depois, olhava para ti, tu olhavas para mim, num sinal da primeira descoberta depois dum longo período de frases (e “emoções”) trocadas, tendo como fundo a ausência das imagens. Fazia-se silêncio e tudo parava à nossa volta, preso do soltar dos sentimentos. Então, sorrias e eu também. Estendias-me a mão e eu sentia pela primeira vez o seu calor, o apertar intenso a que correspondia. De súbito, soltavas a mão, olhavas muito séria para mim e eu ficava suspenso na dúvida do que podia acontecer nos instantes seguintes. Era só mais um sorriso, este de aconchego que já não me deixava dúvidas. Um sorriso vindo do sonho projetado na tela...”
Embaraço do momento que não importa descrever e é melhor dar um salto brusco de algumas horas que foram passadas entre beijos e mais dúvidas, em que ainda não conseguia ler os teus pensamentos nem tu os meus. Nem as palavras trocadas falavam de compromissos. Por isso, era melhor subirmos alguns degraus dos muitos que nos esperavam. Fatal como o destino, se é que acreditas nele. Sonhando, claro.
Como era um homem rico, comprei uma cama enorme, muito rica, claro, e logo ambos ficávamos a pensar:
Porquê... tanto espaço a separar-nos e nós tão longe do aconchego?
Abrias a boca a protestar e eu não deixava. Um dedo nos teus lábios e a mímica do rosto a fazer o resto.
«Ah!, compreendo...»
Aquela cama era muito pequena para nós. Os teus olhos doces faziam um sinal cúmplice, eu piscava-te o olho e ficava muito junto a ti. E os teus olhos a dizerem:
«Então?, ainda estás longe!»
Finalmente o desejo vencia as fracas barreiras que nos separavam, a cama ficava ainda mais pequena e fazíamos amor até de madrugada, com um lençol macio a cobrir a nudez dos corpos e a fechar as portas ao mundo invisível que podia estar a espreitar-nos. Depois, adormecias nos meus braços e eu ficava muito quieto a olhar o teu rosto sereno, a acariciar os teus cabelos sedosos, a beber avidamente aquele momento único de princesa adormecida num sono profundo e dourado, muito agarrada a mim, os dedos acariciando levemente as minhas costas nuas, porque eu queria assim, não porque era rico (e daí o sono dourado) mas porque toda a riqueza que suplantava a outra era o momento único de estar acordado, a contemplar-te, a proteger-te.”
Pois é. Podia ser muito bom, mas não foi. E como é estranha a vida! Por vezes, parece que foi ontem e nunca aconteceu. Também, por vezes, nunca foi ontem e aconteceu. Paradoxos do virtual. Muito ricos, sumarentos, mas invisíveis. Agora que vejo de fora a história da Simone e do António, dou com a crueza da situação, ao sentir quase nada o que senti então com uma força criativa de ligação difícil de destruir. Hoje descubro intuição invulgar no eu que não eu mas eu que deambulou pelas ruas da minha cidade cem por cento crente num milagre que estava para chegar.
E nada aconteceu senão o drama da eterna procura da verdade que nunca vou ter!
“Boas-Festas para você. Bjos. Simone.” (agradeci e retribuí)
“Saudades de você. Mudei de casa. Estou na maior luta. Bjos.”
Deixou um rastilho de perfume e simpatia, marca registada da eternamente simpática Simone. Rastilho, sim. Passo a explicar. Mal li a última mensagem, o instinto de defesa avisou-me que ela tinha como objetivo deixar-me uma "marcação fatal" para seguir para onde ela queria e isso eu não vou fazer, pois o tempo é outro e já estou a virar-me para horizontes menos longínquos, mas também com escolhos, a adivinhar que as faturas continuam a chegar ao meu endereço.
Não as desejo, mas que posso fazer?
Os primeiros tempos são sempre auspiciosos, mas já estou como o pobre que desconfia que a esmola grande traz moeda falsa. Novos tempos de rosas e rosas que o poder do vento transforma em pétalas soltas, esvoaçantes. O que vejo é bonito. Pétalas vermelhas. Que bom! Cor da paixão. Mas paixões, leva-as o vento que as trouxe e o que vai cair, mais tarde, é o habitual granizo com fragmentos grandes que magoam e deixam marcas. Já estou habituado. O Leão é assim. Não vira as costas à luta enquanto acha que vale a pena lutar, porque a presa ainda está ao seu alcance. Se continuar já sem a presença do objetivo, então é certo que vai sair magoado.
Por momentos divaguei no futuro. Mas é outra história. Ainda estou a falar da Simone. Analiso mais uma vez a última mensagem e decido-me a responder:
“Deus te acompanhe sempre. Estás nas Suas Mãos. Bjos. António.”
Estocada fatal. A besta acusa o golpe e as patas tremem. Mais uma metáfora, claro. Que me perdoem Neruda e o seu carteiro porque também sou filho de Deus. Não tenho o engenho e a arte das metáforas que Neruda tinha. Paciência. Não posso ter tudo porque nada tenho e isso já é muito.
Penso que ainda não fechei de vez a porta, embora não esteja a deixar à solta o que aconteceu naquele anoitecer de fins de abril e que se traduz no "se...", em tempos de "quarto crescente": "Se eu fosse um homem rico..."
Que faria? É fácil completar. "... então cobria o teu corpo nu, abandonado na cama, de rubis e mais rubis e ainda mais rubis, ficando à espera da tua reação.
Assim, se não te movesses e pudesse beber nos teus olhos melosos o sonho que sempre sonhei, não perdia mais tempo: tirava, um a um, os rubis que cobriam o teu corpo e deitava-os, também um a um, pela janela; a seguir, aligeirava-me da roupa e aconchegava-me contigo na cama, depois de ver entrar o luar pela janela.
Rubis... quem não se mexia para os colher?
Entretanto chegou 2008 que, logicamente, não festejei. O hábito faz o monge. É uma sequência que vem de há cinco anos. Tudo bem por aqui... sem "oi". Ou não? Tudo bem, mas surge um novo ataque da briosa “cavalaria ligeira”...
Ela ainda mexe comigo, mas não quero que o danado do luar entre outra vez pela janela e me tire o sono. Continua a ser uma mulher especial. Pena não termos passado do virtual para a conhecer como era na realidade.
É uma jogadora. E eu também. Somos os dois jogadores. Tenho um póquer de ases, mas não arrisco porque ela pode ter uma sequência à cor. Esta indecisão mata-me. O melhor é deitar abaixo o jogo.
Dois pares de ases e damas. Tinhas dois pares…?
Ah!, Simone... porque foi que nunca mostraste o jogo todo?
É inevitável o tempo continuar a passar. O amanhã que me espera está a desviar as nossas órbitas e voltou-se para os lados do norte. Já não posso salvar-te das tempestades interiores. Até porque chegou entretanto a tal pergunta que julgava já estar escondida pelo pó acumulado na prateleira dos perdidos e achados.
«O perfume retornou? Gostaria de saber se o perfume retornou, pois causou a maior briga que tive com a minha mãe. Até hoje ela sente-se culpada por eu não ter recebido.»
Respondi com a verdade. O perfume não tinha retornado.
Então, a Simone entrou em blackout.
Mas três dias depois, o carteiro tocou à campainha. A encomenda prismática estava de volta. Tinha atravessado duas vezes o oceano.
Observei com atenção. Estava marcado por imensos carimbos da alfândega. Portanto, havia o problema dos impostos aduaneiros. E então vi o filme. A mãe não quis pagar os direitos e a encomenda com o perfume voltou à estação dos correios. Depois deve ter recebido um aviso e não ligou.
27 de Abril de 2008...
Simone diz:
«Não consegui completar a ligação para o seu celular.»
António diz:
«Oi, Simone!»
«Oi. Cheguei há pouco da rua.»
«Telefonei-lhe e não estava. Disse que ia ficar quietinha à minha espera...»
O eterno problema.
«Não pude. Tive que comprar material de obra. Amanhã não terei tempo. Trabalho segunda e terça de dia.»
Dentro de um mês tem o apartamento pronto a habitar. Só dela, disse-me. E continua a trabalhar no casino, claro.
«Como se sente?»
«Muito cansada. Mas hoje dormirei cedinho. Se Deus quiser.»
A mesma Simone.
Será só uma?
«Acho-a mais calma. Menos ansiosa.»
«Estou, sim, mas muito cansada. Sou sozinha. E tomar conta de obra não é fácil.»
«Mas depois fica com a sua casa, Simone.»
«Com certeza. E do jeitinho que eu quero.»
«Um dia apareço aí.»
«Estarei lhe esperando.»
«Sério?»
«Será muito bem recebido. Sim.»
«Pensei que se tinha esquecido de mim.»
«Nunca esqueci. Adoraria que viesse ao Brasil.»
«E irei.»
Irás mesmo, António?
«Esperarei. Bem, entrei por sua causa...»
Ó diabo! Já não diz que vai tomar banho, mas está de certeza a despedir-se.
«... mas não vou ficar na net.»
«Agradeço o seu convite, Simone.»
«Vou descansar. Amanhã acordo cedinho. Quando puder me ligue.»
«Descanse e tenha uma noite repousante.»
A tela dos desencantados ilumina-se pela última vez. É inevitável. A Simone desapareceu. Não sei que vento a levou. Que mar a tragou. Talvez o mesmo mar que nos separou. Talvez. Mas para mim não há obstáculos. Montado no meu cavalo alado, alvo só para disfarçar os supostos pecados que cometi noutras encarnações, ou melhor... voando, de braços abertos, seguindo o rumo certo do sonho que comanda a minha vida e também a tua, Simone, aí vou pelos céus, escuros como breu, à tua procura. Não sei onde te encontrar. Se no casino vazio de máquinas e vendedor doutros sonhos que só tu sabes vender, se talvez na tua casa imaginária que existe e não existe. Por vezes, julgo que sei tudo de ti. Tenho o dom de acreditar e de mentir que acreditei. E porque acredito, espera por mim que vou a caminho. Não sei se chego a tempo de tomar contigo o café da manhã. Também não sei se chego à noitinha, o momento ideal para a saudade se instalar, quando o luar entrar pela janela que está sempre aberta e que não serve só para ele entrar.
É bom apanhar o ar fresco da noite. Estou quase a chegar e torna-se urgente arrefecer o desejo. Afinal sempre chego à noite, já depois do sol desistir de viver. Por hoje, claro. Amanhã irá despertar-nos. Dar-nos os bons dias. Acender o novo dia. O sol é assim. Dá-nos a energia de que necessitamos para viver. A todos nós, seres vivos que habitamos o terceiro planeta. Mas já estou a falar do futuro. Voltando atrás, o sol escondeu-se, ou morreu. Não interessa ter receio, porque volta sempre. Tu, não sei. Nunca mais te vi naquele mundo que construímos em maio, há um ano. Não sei se voltas. Nem sei a quem perguntar. Talvez a Deus. Mas Ele não fala comigo. Zangou-se como tu também te zangaste. Também não sei se te zangaste. Se no silêncio bebes as palavras que te escrevo e não só da minha autoria, porque muitas são tuas. Em boa verdade este blogue devia ser dos dois, Sempre Simone.
"Ah se eu pudesse..."
Lembras-te? Mas não posso. Sou menos que um grão de poeira do universo. Como tu. Mas juntos, faremos dois grãos. E com a nossa força, verdade, mentira, ironia, desalento, esperança, tragédia, tudo o que nos faz planar acima das ondas alterosas que nos vergastam no dia a dia, conseguiremos sobreviver mais um dia em cada dia e outro dia sem ser necessário pedir ao Criador, mas cada um no seu mundo.
Basta de palavras, Simone. Não sei onde moras, mas sinto que estive muito perto do teu coração. Quem quer que sejas ou tenhas fingido ser, gostei muito, mesmo muito de viver contigo todos os momentos que tivemos só nossos na tela do virtual.
Onde estás?
A tomar banho (rs)?
Não. Desta vez não.
Vejo-te no quarto. Sozinha. Deitada na cama (desculpa-me, "Maria das utopias", porque te roubei esta frase; aliás, não faz mal, porque nunca me explicaste o significado do punhal...).
Estás surpreendida. Mas eu sou assim. Não disse que um dia ia ver-te?
«Oi!, amor... chegaste sem aviso.»
Tu és linda, Simone! Que pena não me ouvires neste momento...
«Finalmente me chama de amor!»
«Adorei te ouvir...»
Ah! Sempre me ouviste. Deixa que te acaricie o rosto. Assim. Tragédia! Não reages. Decerto estou invisível para ti.
«Custava assim tanto?»
«Queria ficar namorando você no telefone. Falar coisas.»
«E estamos, de certa forma estamos. Embora na inevitável tela.»
«Sussurrar no seu ouvido.»
«Que segredo?»
«Quero namorar você. Falar sobre desejos...»
«Fala, Simone. Diz tudo o que sentes. Estou aqui na tua frente. À espera dos teus beijos molhados. De ver as tuas sardas que a camiseta esconde. Não me vês. É natural. Como podes ver-me se estamos na tela dos corações caídos?»
«Rs. O jogo está devagar.»
Onde te perdes, Simone?
«As pessoas não têm dinheiro. Que vontade sinto de viajar!»
«O mesmo se passa aqui. Mas conta...»
«Se soubesse... Mas acho que isso vai demorar muito a acontecer. Preciso de um tempo para reorganizar minha vida.»
Sempre em busca do nada.
«Diz mais coisas.»
«Essa compra do apartamento me deixou sem dinheiro algum. Que bom! Acabei de acordar e a minha vontade é ficar deitadinha o dia inteiro. Só à tarde terei compromisso.»
«Tens namorado?»
«Não. Vou levar minha mãe para visitar a irmãzinha dela.»
«Devias casar!»
«Aqui não tem homem que preste. São todos cafajestes. Prefiro estar só.»
«Esse final de semana que passou chorei de solidão. Fiquei sábado e domingo inteiro em casa. Sem olhar a rua. Me deu uma tristeza profunda. Fiquei triste de estar sozinha, mas depois passou.»
«Estou a pensar...»
«O quê?»
«Em maio do ano passado.»
«Sim.»
«Lembra-se?»
«Sim.»
Desviou o fio da conversa.
«Você tem ido ao yahoo? Aquelas salas existem ainda?»
«Foi pena não ter dado. Mas claro que agora são outros tempos. Não. Nunca mais fui a essas salas.»
«Ah sim. Nem eu. Cansei daquelas salas de bate-papo.»
«Não levam a nada. Mas quando você entrava lá e dominava a sala, eu bebia as suas palavras.»
«Com certeza. Amabilidade a sua. É um cavalheiro.»
«Lembras-te quando atropelei a música do outro... já não me lembro como se chamava...?»
«Ah sim.»
Mudou de assunto.
«E você usou aquele perfume? Ou deu para outra mulher de presente?»
«É verdade, o perfume sempre voltou. Dei a uma amiga.»
À Maria...
«Achei que um dia poderia buscá-lo pessoalmente... Deu-o a uma amiga virtual ou real?»
«Virtual, que se tornou real, mas que não passa de amiga.»
«Nunca daria um presente comprado para você. Mas cada um é cada um. Tudo bem.»
Doeu, não foi, Simone?
«Você deixou-o voltar para trás, lembra-se?»
«Não. A minha mãezinha se enganou. Apenas isso.»
«Mas você não esteve em cima do acontecimento. Negligenciou. Para mim foi uma ofensa, Simone.»
A outra verdade não a disse. Não quis pagar os direitos alfandegários e deixou passar os prazos. Quando vi, na encomenda devolvida, os carimbos da alfândega relativos ao não pagamento de direitos, entendi tudo.
«Engano seu. Esperei ele todos os dias. Minha mãe é velhinha. Fez confusão e briguei com ela. Mas deixa para lá. Isso me traz lembranças ruins. Só quero lembrar as coisas boas que passámos.»
Nunca mais falámos no virtual. Foste um sopro doce que refrescou aquele maio “escaldante” que me fez sair de mim.
Hoje, que tudo de bom e de mau já passou, fica a eterna pergunta a que só tu, Simone, podes responder:
Alguma vez conhecerei verdadeiramente a mulher que viveu em 2007 no meu coração?
Não. Desta vez não.
Vejo-te no quarto. Sozinha. Deitada na cama (desculpa-me, "Maria das utopias", porque te roubei esta frase; aliás, não faz mal, porque nunca me explicaste o significado do punhal...).
Estás surpreendida. Mas eu sou assim. Não disse que um dia ia ver-te?
«Oi!, amor... chegaste sem aviso.»
Tu és linda, Simone! Que pena não me ouvires neste momento...
«Finalmente me chama de amor!»
«Adorei te ouvir...»
Ah! Sempre me ouviste. Deixa que te acaricie o rosto. Assim. Tragédia! Não reages. Decerto estou invisível para ti.
«Custava assim tanto?»
«Queria ficar namorando você no telefone. Falar coisas.»
«E estamos, de certa forma estamos. Embora na inevitável tela.»
«Sussurrar no seu ouvido.»
«Que segredo?»
«Quero namorar você. Falar sobre desejos...»
«Fala, Simone. Diz tudo o que sentes. Estou aqui na tua frente. À espera dos teus beijos molhados. De ver as tuas sardas que a camiseta esconde. Não me vês. É natural. Como podes ver-me se estamos na tela dos corações caídos?»
«Rs. O jogo está devagar.»
Onde te perdes, Simone?
«As pessoas não têm dinheiro. Que vontade sinto de viajar!»
«O mesmo se passa aqui. Mas conta...»
«Se soubesse... Mas acho que isso vai demorar muito a acontecer. Preciso de um tempo para reorganizar minha vida.»
Sempre em busca do nada.
«Diz mais coisas.»
«Essa compra do apartamento me deixou sem dinheiro algum. Que bom! Acabei de acordar e a minha vontade é ficar deitadinha o dia inteiro. Só à tarde terei compromisso.»
«Tens namorado?»
«Não. Vou levar minha mãe para visitar a irmãzinha dela.»
«Devias casar!»
«Aqui não tem homem que preste. São todos cafajestes. Prefiro estar só.»
«Esse final de semana que passou chorei de solidão. Fiquei sábado e domingo inteiro em casa. Sem olhar a rua. Me deu uma tristeza profunda. Fiquei triste de estar sozinha, mas depois passou.»
«Estou a pensar...»
«O quê?»
«Em maio do ano passado.»
«Sim.»
«Lembra-se?»
«Sim.»
Desviou o fio da conversa.
«Você tem ido ao yahoo? Aquelas salas existem ainda?»
«Foi pena não ter dado. Mas claro que agora são outros tempos. Não. Nunca mais fui a essas salas.»
«Ah sim. Nem eu. Cansei daquelas salas de bate-papo.»
«Não levam a nada. Mas quando você entrava lá e dominava a sala, eu bebia as suas palavras.»
«Com certeza. Amabilidade a sua. É um cavalheiro.»
«Lembras-te quando atropelei a música do outro... já não me lembro como se chamava...?»
«Ah sim.»
Mudou de assunto.
«E você usou aquele perfume? Ou deu para outra mulher de presente?»
«É verdade, o perfume sempre voltou. Dei a uma amiga.»
À Maria...
«Achei que um dia poderia buscá-lo pessoalmente... Deu-o a uma amiga virtual ou real?»
«Virtual, que se tornou real, mas que não passa de amiga.»
«Nunca daria um presente comprado para você. Mas cada um é cada um. Tudo bem.»
Doeu, não foi, Simone?
«Você deixou-o voltar para trás, lembra-se?»
«Não. A minha mãezinha se enganou. Apenas isso.»
«Mas você não esteve em cima do acontecimento. Negligenciou. Para mim foi uma ofensa, Simone.»
A outra verdade não a disse. Não quis pagar os direitos alfandegários e deixou passar os prazos. Quando vi, na encomenda devolvida, os carimbos da alfândega relativos ao não pagamento de direitos, entendi tudo.
«Engano seu. Esperei ele todos os dias. Minha mãe é velhinha. Fez confusão e briguei com ela. Mas deixa para lá. Isso me traz lembranças ruins. Só quero lembrar as coisas boas que passámos.»
Nunca mais falámos no virtual. Foste um sopro doce que refrescou aquele maio “escaldante” que me fez sair de mim.
Hoje, que tudo de bom e de mau já passou, fica a eterna pergunta a que só tu, Simone, podes responder:
Alguma vez conhecerei verdadeiramente a mulher que viveu em 2007 no meu coração?
“Cada um que passa em nossa vida passa sozinho...
Porque cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra.
Porque cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só...
Levam um pouco de nós mesmos e nos deixam um pouco de si mesmos.Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida...
A prova tremenda de que cada um é importante e que ninguém se aproxima do outro por acaso.”
(Saint Exupéry)







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