Ainda ontem era agosto. O tempo passa a correr. Hoje é setembro. Não posso esperar mais. Quero sorrisos. Tenho urgência. Mesmo que não oiça sorrisos, vou inventá-los. Imitar a vida que foi nossa e me roubaram. Quero o amor de volta. Sem condições ou barreiras invisíveis (aquelas que nos separaram). Bem sei que não consigo alterar o tempo. Torná-lo negativo até que surja aquela noite que nunca mais vou esquecer. Sei que é impossível. E se não for, então temos um paradoxo. Bem o desejava, mas, ao contrário do desejo, tenho quase a certeza que o relógio acelerou de há uns tempos a esta parte. E cada vez vai acelerar mais, até que seja a única dimensão. O tempo a acelerar e o espaço a desaparecer da vista. Será esse o meu destino. Falando do destino, por causa da aceleração do tempo, tenho receio de ver passar o setembro em que quero reviver o que não vivi precisamente em setembro o setembro que não voltou.
Só por isso e nada mais que isso.
Mas que setembro?
É lógico. Para uns até terá sido agosto. Para outros, talvez janeiro. Ainda para outros, seria necessário inventar um décimo terceiro mês. Cada um sabe de si e do seu mês. Se o deseja recordar ou esquecer. Mas do meu ninguém pode falar. O que aconteceu. Como aconteceu. Porque aconteceu. Porque não aconteceu. Podia não ter passado de um sonho.
E tu?, será que também foste um sonho?
Sim, porque há sempre uma ela com que podemos contar. Sem ela nunca podia haver setembro. A recordação não vem sozinha. Mas partiste, há muito, para uma longa viagem daquelas que não têm regresso. Partiste e perdeste-te com a tua solidão no azul constelado do céu.
É por isso que aqui estou. Só. Todos os anos para recordar. Para reviver o que nunca vivi.
Podia ter acontecido. Talvez. Mas também talvez nunca como imaginei que viesse a acontecer.
Há outra coisa. Desta vez estou em agosto, porque disseram-me que o setembro podia não chegar. Não. Não é o fim do mundo. Mas pode ser para muita gente. Estou em agosto, à espera que os minutos passem.
Como era no tempo em que nos amámos?
Aconteceu há muito tempo. Faz hoje anos que vi, pela primeira vez, o teu rosto triste. Era uma noite amena de setembro. Foi belo o que aconteceu depois. Mas, um dia, o maquinista da vida levou-me para outros destinos e tu ficaste no cais. Só. Mais triste que a tristeza dos teus olhos castanhos. Cada um ficou na sua estrela. Distantes. Só a sonhar com sonho azul.
Não sei porque foi, mas voltei a encontrar-te em caminhos paralelos. Esses teus olhos tristes e inquietos que já não eram meus. Foi um absurdo não ter deixado de te amar. Em pouco tempo inventámos o amor e depois deixei-te. De repente. Sem um aviso. Depois, não sei o que se passou contigo. Se continuaste a amar-me. Se me odiaste. Cada um fala de si e julgo que não possas falar-me ao ouvido. Nem tu, nem o teu fantasma.
Vai fazer anos em setembro. Eras o meu destino e ainda hoje dizem que estás à minha espera, mas do outro lado da vida. Também ouvi dizer que se enamoraram de ti e não deu certo. De nada valeu para mim. Não te esqueças que nunca me contaram aqueles que hoje dizem que te ouvem chorar com pena de não seres minha.
Mas dirás, se é que podes dizer:
«Porque não vieste ao meu encontro?»
Lamento, estrela. Não sei voar. Não me ensinaram a voar. Assim, continuo preso às limitadas viagens pelas pedras já gastas da calçada. Cansado de viver sem ti. Sem o nosso sonho. Sem o desejo de partirmos para longe. Para a nossa ilha. Aquela ilha onde ninguém nos podia alcançar. Lamento por ser demasiado tarde. Não aprendi a voar pelo azul constelado do céu, entre as estrelas, as galáxias e os universos paralelos e tudo o mais se existir mais. Buracos negros, quero-os longe. Mas adorava descobrir o que está para além deles. Se esparguetizam quem ousa atingir o mítico horizonte de eventos. Se encurtam distâncias. Se são portas para outros universos. Se deixam que num deles possa ver o nosso sonho de amor tornado realidade. Se muitas coisas mais.
Não tenho dons. Nem sou filho de Deus. Nunca O vi. Nunca falou comigo. Oxalá no outro universo não tenha interferido e que assim estejamos juntos na mesma estrela.
É um paradoxo o Big Bang ter surgido do nada e existir nada antes do nada. A luta entre a matéria e a antimatéria que culminou com a vitória da primeira. Os iões. Os átomos de hidrogénio. As estrelas. Primeiro, as efémeras. Gigantes. Depois, a gloriosa caminhada até à formação das galáxias. Dizem os iluminados que somos filhos das estrelas. Nos dois braços podemos ter átomos de hidrogénio que se originaram de estrelas diferentes. Voltando às estrelas, estas têm muito combustível para consumir através dos milhões de anos em que vão perdendo o seu hidrogénio. Umas, apagam-se em pouco tempo, porque têm muita massa, depois da apoteose que conduz à formação de um buraco negro; outras, levam quase uma eternidade a gastar o seu hidrogénio. Ainda outras, mais imprudentes, foram sugadas pelo buraco negro insaciável que se formou antes.
No campo do figurativo, qualquer que seja a dimensão da tua estrela a brilhar, a verdade é que dizem que choras no mundo proibido da escuridão. Choras e não te oiço. Mesmo que fosse verdade, os que te ouvem chorar não podem revelar-me onde estás pela simples razão que não sabem, embora eles sejam "sensitivos". São sensitivos, uma ova. Só lançam achas para a fogueira com o único objetivo de tirarem dividendos para vangloriarem-se dos seus hipotéticos dons. Depois, dizem que falam de Deus. Que Ele levou-te consigo. Só Deus sabe onde estás. Só falando com Deus. Só pedindo a Deus. Que Deus nos proteja. Que os que partem estão com Deus se O temerem. Deus para aqui. Deus para ali. Deus criou o universo. Do nada. Deus era Nada? Não sei qual é o meu lugar no meio desta ditadura que me confunde. Se ao menos fosse livre do meu determinismo para poder encontrar-te. Se ao menos pudesses dar um sinal...
Sendo Deus Omnipresente, afinal onde está para lhe perguntar porque te levou tão cedo. Porque deixou que o acaso, criado por Ele, me conduzisse àquele setembro mágico que durou enquanto durou e depois nunca mais voltou. E ainda mais… porque me esqueço de tanta coisa e tu continuas viva cá dentro?
É um paradoxo ter gostado de ti desde o primeiro momento em que descobri o teu olhar triste perdido no horizonte. Gostar de ti como gosto. À minha dimensão. Obsessivamente. Sempre e até ao fim do fim. Para lá do fim do fim. Na eternidade. E sem haver hipótese de saberes quanto te amei e te amo!
E tu...? Ainda me odeias?
Só mais seis palavras e depois vou-me embora de vez. São seis palavras mágicas. Pelo menos para mim.
Foi em setembro que te conheci...

Sem comentários:
Enviar um comentário